Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:501/19.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PROCESSO-CRIME
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS
Sumário:I – O processo-crime não se destina a liquidar os impostos devidos pelos sujeitos passivos.
II – À AT, enquanto órgão executivo da administração pública, compete a execução da política fiscal do Estado, aí se compreendendo a função de assegurar a liquidação e cobrança dos impostos e, bem assim, o controlo e fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais.

III - Isto é assim, independentemente da participação da ATA no processo-crime, no sentido do apuramento dos impostos em falta, com vista à apreciação da suspensão provisória do processo, medida pré-sentencial que visa evitar o prosseguimento do processo penal até à fase de julgamento.

IV - No caso, no âmbito de tal medida e pela natureza do crime em causa (fraude fiscal qualificada), justificou-se o apuramento do imposto em falta cujo pagamento vem fixado como condição (entre outras possíveis) para a manutenção da suspensão provisória.

IV – Do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30º, n.º 2 da LGT, decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias, entendendo-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

S………….– C ………….., Lda., veio deduzir oposição ao processo de execução fiscal (PEF) nº……………………. que o Serviço de Finanças (SF) de Leiria-2 lhe instaurou para cobrança coerciva de dívida proveniente de juros compensatórios respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS- retenção na fonte), do ano de 2010, no valor de €24.189,57.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria julgou a oposição improcedente, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.

Inconformada com o assim decidido, a oponente, S............ – C …………., Lda, recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul tendo, na sua alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«A) – A douta sentença recorrida julgou improcedente a oposição com fundamento na improcedência da causa de pedir invocada na p.i., mais concretamente a inexigibilidade da dívida exequenda, quanto ao pagamento de juros compensatórios.

B) - Improcedência da causa de pedir da inexigibilidade quanto ao pagamento de juros compensatórios fundamentada no entendimento por parte do Tribunal “a quo”, segundo o qual, por um lado, os juros compensatórios fazem parte da dívida global de imposto, nos termos do nº 8 do artigo 35º da LGT e, por outro lado, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no nº 2 do artigo 30º da LGT, não permite a extinção das execuções além das previstas nas leis tributárias.

C) - Fundamentação de direito contida na douta sentença recorrida da qual, no entanto, a recorrente discorda pelos seguintes motivos:

D) - Em primeiro lugar, importa ter presente o teor do douto despacho proferido, em 18 de dezembro de 2018, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2) no processo nº ……………….., constante do facto provado sob a alínea B), segundo o qual a recorrente apenas tem de pagar a título de “imposto em dívida à Administração Tributária pelos factos narrados na acusação, (o) montante global de € 733.184,99 (setecentos e trinta e três mil cento e oitenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), …”

E) - Douto despacho proferido, em 18 de dezembro de 2018, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), transitado em julgado, em 29 de novembro de 2019, que conforme resulta do mesmo foi informado à Autoridade Tributária (Direção de Finanças de Leiria).

F) - Importa ainda ter presente o facto provado sob a alínea C), o teor do douto despacho proferido, em 20 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), segundo o qual “os valores apreendidos e depositados nos autos (€ 52.425 em numerário – fls. 67 e 333 – e € 80.000 em depósitos autónomos – fls. 2021 a 2023 e 2069 a 2071) sejam remetidos à Autoridade Tributária e aí afectados ao pagamento dos impostos em dívida (anos de 2007 a 2012). Em conformidade com o já decidido, tais valores deverão ser afectados ao pagamento do valor dos impostos já fixado (€ 733.184,99) e não ao pagamento de quaisquer coimas, custas ou outros legais acréscimos de impostos em dívida.”,

G) - Douto despacho proferido, em 20 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), transitado em julgado, em 29 de novembro de 2019, que conforme resulta do mesmo foi notificado à Direção de Finanças de Leiria.

H) - Deste modo, tendo a Autoridade Tributária aceite o pagamento da quantia de €733.184,99, não pode vir, em sede de execução fiscal reclamar a quantia de €24.189,57, sob a alegação de se tratar de juros compensatórios.

I) - Em segundo lugar, importa ter presente que o entendimento segundo o qual os juros compensatórios fazem parte da dívida global de imposto, nos termos do nº 8 do artigo 35º da LGT não equivale a transformar a obrigação do seu pagamento numa responsabilidade objetiva.

J) - Com efeito a liquidação dos juros compensatórios depende de facto imputável ao sujeito passivo, prova de culpa do sujeito passivo cuja sede própria é o inquérito, situação esta que se aplica à aqui recorrente, na medida em que os impostos relativos aos períodos de 2007 a 2012 foram-lhe apurados no inquérito instaurado sob o processo nº………………..

L) – Inquérito este no âmbito do qual foi elaborado o relatório final de apuramento de impostos e vantagem patrimonial, pela Direção de Finanças de Leiria e datado de 21 de julho de 2017, no qual apenas consta a referência a montantes de impostos, nomeadamente IRC, IVA e retenção na fonte de IRS, não constando em parte alguma do referido relatório qualquer referência a juros compensatórios, pelo que foi a própria Direção de Finanças que no referido inquérito se absteve da obrigação de demonstrar qualquer obrigação de liquidação de juros compensatórios, relativos aos impostos quantificados no referido relatório final.

M) - Em terceiro lugar, importa referir que a inexigibilidade dos juros compensatórios na presente execução fiscal não pode ser avaliada pelo prisma do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no nº 2 do artigo 30º da LGT, na medida em que a mesma resulta dos doutos despachos proferidos em 18 de dezembro de 2018 e em 20 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), no âmbito do processo nº………….., transitados em julgado em 29 de novembro de 2019.

N) Teor do douto despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2) no processo nº……………….. do qual a recorrente, na sua p.i., protestou juntar a respetiva certidão judicial e que só agora junta como documento um, da qual resulta que o referido despacho transitou em julgado em 29 de novembro de 2019.

O) - A douta decisão recorrida fez incorreta interpretação e aplicação do n º 2 do artigo 30º e nº 8 do artigo 35º da LGT.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a extinção da execução fiscal.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


«A)


Em 21/06/2017 foi elaborado pela Direção de Finanças de Leiria o relatório final do procedimento de inspeção realizado aos anos de 2007 a 2012, em sede de IVA, IRC e IRS (retenção na fonte) no âmbito do processo de inquérito criminal nº ………………., instaurado à Sociedade “S………….- C ……………….., Lda.” e respetivos gerentes, com fundamento numa alegada ocultação de rendimentos e de falta de liquidação e pagamento de impostos, configurando um eventual crime de fraude fiscal qualificada nos termos do artigo 104º, n.º 1, alíneas a) e d), e n.º 2 do RGIT. – (cfr. fls. 5 a 13 dos autos).

B)


Em 18/12/2018, no processo n.º ………………., identificado na alínea antecedente, foi proferido despacho de suspensão provisória do mesmo quanto a vários arguidos, ora gerentes, e a Sociedade “S…………….- ……………………, Lda.”, sob as seguintes condições: “(…)
a) Pagamento pela arguida S……………. ……………., Lda e pelos arguidos seus gerentes do valor de imposto em dívida à Administração Tributária pelos factos narrados na acusação, no montante global de €733 184,99 (setecentos e trinta e três mil cento e oitenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), nos seguintes termos:
a.1) em prestações trimestrais no mínimo de €40.000 (quarenta mil euros) cada uma;
a.2) a 1.ª prestação no valor de €52 425 (cinquenta e dois mil, quatrocentos e vinte e cinco euros), vencida em 15-08-2018, será paga afectando tal pagamento a valores em numerário apreendidos à ordem dos autos (fls. 67 e 333);
a.3) a 2.ª prestação, vencida em 15/11/2018, foi paga pelo valor de €40 000 mediante depósito autónomo (fls. 2020 a 2023) e tal valor será afectado ao pagamento dos impostos aqui em causa assim que feita a liquidação da parte pela autoridade tributária;
2.4) a última prestação será no valor do que ainda estiver em dívida à data de 15/05/2020;
b) os prazos de pagamento trimestrais serão feitos, respectivamente até às seguintes datas: 15-08-2018 (1.ª prestação), 15-11-2018 (2.ª prestação), 15-02-2019 (3.ª prestação), 15-05-2019 (4.ª prestação), 15-08-2019 (5.ª prestação), 15-11-2019 (6.ª prestação), 15-02-2020 (7.ª prestação) e 15-05-2020 (8.ª prestação);
c) a autoridade tributária procederá, no mais curto espaço de tempo possível, à liquidação dos impostos em conformidade com a informação de 19/11/2018, subscrita pelo Sr. Inspector Tributário O……………… e aprovada superiormente, constantes de fls. 2025 a 2029;
d) feitas as liquidações, os valores pagos nos termos acima definidos serão afectados, exclusivamente e até ao valor referido em a), ao pagamento dos impostos em dívida e não ao pagamento de coimas, custas e outros legais acréscimos de impostos em dívida;
e) até ao prazo máximo da suspensão provisória do processo, cada uma das sociedades arguidas, S………… – Ca…………., Lda, R…………… – Imobiliária ……………, Lda e J…………., SGPS, S.A., pagará o valor de € 1500 (mil e quinhentos euros) a uma IPSS à sua escolha e cada um dos arguidos pessoas singulares, J ………………… e E …………………….., pagará o valor de €1000 (mil euros) a instituição similar;
f) os arguidos comprovarão nos autos o cumprimento de tais injunções, devendo os comprovativos das entregas às referidas instituições mencionarem expressamente tratar-se de injunção penal e não de donativo.
Notifique e com cópia deste despacho, solicite à Autoridade Tributária (Direção de Finanças de Leiria) que proceda como referido em c), informando os autos assim que as liquidações se mostrem feitas. (…).”.(cfr. fls. 16 e 17 dos autos).

C)


Em 20/02/2020 do processo nº ……………………. foi proferido o seguinte despacho:
“(…) Uma vez que já se mostram efectuadas as liquidações tributárias dos impostos devidos pela arguida S………………….., LDA, diligencie no sentido de que os valores apreendidos e depositados nos autos (€52 425 em numerário – fls. 67 a 333 – e €80 000 em depósitos autónomos – fls. 2021 na 2023 e 2069 a 2071) sejam remetidos à Autoridade Tributária e aí afectados ao pagamento dos impostos em dívida (anos de 2007 a 2012). Em conformidade com o já decidido, tais valores deverão ser afectados ao pagamento do valor dos impostos já fixado (€733 184,99) e não ao pagamento de quaisquer coimas, custas ou outros legais acréscimos de impostos em dívida. (…)” – (cfr. fls. 18 dos autos).

D)


Em 14/03/2019 a Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou em nome da Oponente o processo de execução fiscal n.º………………….., para cobrança coerciva de uma dívida de retenções na fonte de IRS, do ano de 2010, sendo o montante de imposto de €78.291,77, e o de juros compensatórios de € 24.189,57, no valor total de € 102.481,34, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 07/03/2019. – (cf. docs. de fls. 27 e 28 e informação de fls. 24 a 26 dos autos).

E)


Na mesma data a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à Oponente citação pessoal para o processo de execução fiscal identificado na alínea precedente. – (cfr. fls. 29 dos autos).

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Factos não provados

Não existem quaisquer outros factos que importe fixar como não provados.


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Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto assentou na análise da documentação constante dos autos conforme referido nas várias alíneas do probatório.»


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- De Direito

A primeira questão que importa apreciar prende-se com a admissão do documento junto com as alegações de recurso, o qual consiste na certidão dos despachos proferidos em 18 de dezembro de 2018, em 20 de fevereiro de 2019 e em 22 de outubro de 2019, no âmbito do processo nº …………………, do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, emitida em 13 de janeiro de 2020, a qual, a Oponente, aqui Recorrente, já havia protestado juntar.

A certidão tem data anterior à sentença, embora posterior à última notificação efetuada à Oponente antes da decisão, concretamente a que lhe foi dirigida para apresentar alegações escritas.

Pretende a Recorrente que este Tribunal faça incluir no probatório o trânsito em julgado dos despachos a que aludem as alíneas B) e C) dos factos provados, o que para si assume importância na contraposição da análise feita pelo TAF de Leiria, a propósito da indisponibilidade dos créditos tributários.

Admite-se a junção da certidão ora junta e, em consequência, adita-se ao probatório o seguinte:


F)

Os despachos m.i em B) e C) fazem parte integrante do processo nº ……………….., do Juízo de Instrução Criminal, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no qual foi proferido despacho de arquivamento, em 22/10/19, que transitou em julgado em 29/11/19 (cfr. certidão de fls. 48 a 50, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

*

Ao abrigo do artigo 662º do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos, os quais se mostram documentalmente suportados em elementos juntos aos autos, revelando-se uteis à decisão da causa:

G)

Em 28/01/19 foi emitida a liquidação ………………., no montante de 24.189,57, relativa a juros compensatórios referentes a Retenção na Fonte IRS 2010-01-01 a 2010-12-31 (cfr. 2/21 do PA);

H)

A liquidação referida na alínea anterior é o resultado da soma de 12 liquidações de juros, nos montantes de €19,89, €1.296,18, €129,27, €3.309,95, €1.283,74, €1.184,43, €1.763,56, €4.769,52, €3.545,56, €1.603,16, €2.881,64, €2.402,67 euros (cfr. 4/21 do PA);

I)

A data limite do pagamento voluntário da liquidação dos juros compensatórios, no valor de € 24.189,57, foi fixada em 07/03/19 (cfr. 20/21 do PA).

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Estabilizada a matéria de facto, avancemos.

Como a sentença do TAF de Leiria bem identificou, a questão em causa na oposição é a de saber se a dívida de juros compensatórios respeitantes ao IRS/retenções na fonte do ano de 2010 é, ou não, exigível à Oponente, tendo presente o despacho proferido nos autos judiciais de inquérito.

A Oponente alegava, e aqui mantém, que não é responsável pelo pagamento dos juros compensatórios que estão a ser cobrados na execução fiscal porquanto nos despachos judiciais de 18/12/18 e de 20/02/19 se refere que os montantes já pagos e os que vierem a ser pagos serão afetos ao pagamento do imposto e não do pagamento de coimas, custas e outros acréscimos legais.

A Fazenda Pública, por seu turno e conforme sintetizou a sentença, defendeu-se alegando que os juros compensatórios têm natureza de compensação/indemnização e que integram o imposto, cujo princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, que prevalece sobre legislação especial, apenas permite a redução ou extinção de acordo com os princípios da igualdade e da legalidade, não podendo os despachos proferidos por um Juiz de instrução contrariar tais princípios.

A sentença recorrida acolheu o entendimento da Fazenda Pública e, nessa medida, julgou a oposição improcedente.

Para assim concluir, a sentença começou por se debruçar sobre a figura da “suspensão provisória do processo”, passando pela noção, natureza e taxa dos juros compensatórios, para depois se debruçar sobre a ordem de imputação dos pagamentos feitos no que às dívidas tributárias respeita.

Isto ponderado, veio a sentença a considerar que:

“(…)

Por conseguinte, a alusão expressa a juros compensatórios previstos no artigo 40.º, n.º 4, alínea c) da LGT, resulta do facto de, à luz do disposto no artigo 35.º, n.º 8 também da LGT, estes juros não terem autonomia em relação à dívida de imposto, limitando-se o legislador a esclarecer que, para efeitos de imputação dos pagamentos parciais, os juros compensatórios não devem ser integrados no conceito de “encargos legais” (alínea b) do n.º 4), mas sim na dívida tributária, na dívida de imposto.

Os juros compensatórios têm, pois, a mesma natureza do imposto e integram-se na própria dívida tributária/imposto e com esta são conjuntamente liquidados, pelo que não podem ser considerados acréscimos/encargos legais, mas “imposto” a pagar (cfr. o referido artigo 35.º, n.º 8 da LGT).

Como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Púbico no seu parecer “(…) Acompanhando a contestação, naquele processo não foi concedida nenhuma isenção, dispensa, perdão ou redução de juros compensatórios, apenas se determinou que a quantia aí apreendida e depositada e as prestações em fase de liquidação fossem afetadas ao pagamento do valor dos impostos, de € 733 184,99.

Ou seja, bastou-se, para sustentar sobredita suspensão do processo, a liquidação do valor dos impostos sem acréscimos, e demais injunções, o que apenas vale no âmbito desse processo, não significando, por isso, que as demais dívidas tributárias não continuem a ser exigíveis nos processos fiscais.

De qualquer modo, nunca o entendimento da oponente poderia traduzir “uma qualquer espécie” de caso julgado não só porque o RFP não foi ouvido nem deu o seu acordo para esse pretenso benefício fiscal e tendo em conta o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários consagrado no art. 30º da LGT, da inalterabilidade dos elementos essenciais da relação jurídica e da proibição de moratórias, de harmonia com o art. 36º, nºs 2 e 3 da LGT.”.

Com efeito, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias, entendendo-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros – vide neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08/02/2011, processo n.º 04497/11, disponível em www.dgsi.pt.

Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, improcede a alegada (in)exigibilidade da dívida exequenda suscitada quanto ao pagamento de juros compensatórios, sentido em que se decidirá de seguida”.

A Recorrente discorda do entendimento adotado na sentença, assentando a sua discordância em diversos esteios, como veremos.

Primeiramente, considera a Recorrente que o valor de € 24.189,57, respeitante a juros compensatórios, não é exigível, uma vez que não decorre do despacho proferido, em 18 de dezembro de 2018, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2) no processo nº ……………… (alínea B dos factos provados), já transitado em julgado, nos termos do qual a S............ apenas teria de pagar, a título de imposto em dívida à Administração Tributária, pelos factos narrados na acusação, o montante global de € 733.184,99 (relativo a impostos). A Recorrente evidencia ainda que, também o despacho proferido em 20 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no mesmo processo, determina que “os valores apreendidos e depositados nos autos (€ 52.425 em numerário e € 80.000 em depósitos autónomos) sejam remetidos à Autoridade Tributária e aí afetos ao pagamento dos impostos em dívida (anos de 2007 a 2012), no montante apurado de € 733.184,99 (e não ao pagamento de quaisquer coimas, custas ou outros legais acréscimos de impostos em dívida)”.

Por conseguinte, para a Recorrente, tendo o pagamento daquele montante de €733.184,99, relativo a imposto em falta, sido aceite pela Administração Tributária e Aduaneira (ATA), não é aceitável que se exijam os pretendidos €24.189,57, a título de juros compensatórios.

Adianta-se, desde já, que a Recorrente nenhuma razão tem naquilo que aqui defende, afigurando-se-nos, salvo o devido respeito, existir alguma confusão entre o âmbito dos diferentes processos, isto é, o criminal e o tributário.

Não serve o processo-crime para liquidar impostos devidos pelos sujeitos passivos, tarefa que cabe, genericamente falando, à ATA, a quem compete, igualmente, a sua cobrança.

Com efeito, de acordo com o Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro (que aprovou a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira), entre as atribuições da AT conta-se a de “assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público” (cfr. artigo 2º do referido diploma). À AT, enquanto órgão executivo da administração pública, compete a execução da política fiscal do Estado, aí se compreendendo a função referida de assegurar a liquidação e cobrança dos impostos e, bem assim, o controlo e fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais.

Isto é assim, independentemente da participação da ATA no processo-crime, como aqui aconteceu, no sentido do apuramento dos impostos em falta, com vista à apreciação da requerida suspensão provisória do processo.

A suspensão provisória do processo, prevista no artigo 281º do Código de Processo Penal (CPP), é uma medida pré-sentencial que visa evitar o prosseguimento do processo penal até à fase de julgamento, aplicada por iniciativa do Ministério Público, com a concordância do Juiz de Instrução Criminal, verificados diversos pressupostos. No âmbito de tal instituto, se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto; caso contrário ou se o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado, o processo prossegue.

Percebe-se, pois, e sem dificuldade, que a suspensão provisória não visa a liquidação e cobrança de impostos, sem prejuízo de, pela natureza do crime em causa (fraude fiscal qualificada), se justificar o apuramento do imposto em falta cujo pagamento vem fixado como condição (entre outras possíveis) para a manutenção da referida medida.

A liquidação e cobrança das prestações tributárias cabe – repete-se – à ATA, o que, no presente caso, não deixou de ser observado, como o demonstra o circunstancialismo de facto por nós aditado, atinente à emissão das liquidações.

No que às liquidações de juros compensatórios respeita, no montante de € 24.189,57, ou seja, aquilo a que a S............ aqui se opôs, temos que as mesmas foram emitidas e liquidadas pela ATA, como legalmente se prevê, o que, aliás, não vem contrariado pela Recorrente. Com efeito, pretender (erradamente) que no processo-crime foi liquidado o imposto, não equivale a dizer que os juros compensatórios não foram liquidados e, consequentemente, notificados pela entidade com competência para tal.

É importante lembrar que o fundamento de oposição correspondente à inexigibilidade da dívida exequenda consiste, grosso modo, na afirmação de que a liquidação subjacente à dívida exequenda não foi notificada para efeitos de pagamento voluntário, sabido que a dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada ao responsável pelo seu pagamento a possibilidade de a pagar voluntariamente e num determinado prazo para esse efeito.

No caso concreto, a invocação de tal fundamento afigura-se algo enviesada, pois reconduz-se à circunstância de o pagamento do valor em causa não ter sido incluído nas condições estabelecidas pelo Juiz de Instrução Criminal, no âmbito da suspensão provisória do processo. E quanto a isto – insiste-se – não foi nem tinha que ser.

Por tanto, até aqui, não se vê uma réstia de razão que possa abalar a sentença, a qual, ainda que com uma fundamentação não inteiramente coincidente com aquela que aqui preconizamos, não deixou se balizar devidamente o alcance da medida correspondente à suspensão provisória do processo.

Diga-se, ainda, que, em 14/03/19, foi instaurado em nome da Recorrente o processo de execução fiscal n.º ……………….., para cobrança coerciva de dívida, além do mais, de juros compensatórios, de € 24.189,57, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 07/03/19 (cfr. alínea D dos factos provados). Trata-se justamente da data limite para o pagamento das liquidações de juros compensatórios, tal como resulta das alínea I do probatório.

Face ao que fica dito, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos a este propósito, conclui-se pela improcedência das conclusões que vimos de analisar.


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Ainda contra a sentença, defende a Recorrente que “a liquidação dos juros compensatórios depende de facto imputável ao sujeito passivo, prova de culpa do sujeito passivo cuja sede própria é o inquérito”. Ora, prossegue a Recorrente, do inquérito “no âmbito do qual foi elaborado o relatório final de apuramento de impostos e vantagem patrimonial, pela Direção de Finanças de Leiria e datado de 21 de julho de 2017, no qual apenas consta a referência a montantes de impostos, nomeadamente IRC, IVA e retenção na fonte de IRS”, não consta “em parte alguma do referido relatório qualquer referência a juros compensatórios, pelo que foi a própria Direção de Finanças que no referido inquérito se absteve da obrigação de demonstrar qualquer obrigação de liquidação de juros compensatórios, relativos aos impostos quantificados no referido relatório final”.

Vejamos o que dizer sobre esta questão, sem esquecermos o que já antes dissemos na análise da questão precedente.

Ora, insiste a Recorrente que o lugar próprio para a liquidação dos montantes relativos a juros compensatórios era o Inquérito e o relatório aí elaborado, sendo que, no caso, a ATA absteve-se de apurar tal quantia, não demonstrando a obrigação do pagamento da mesma. Assim, não vem feito qualquer juízo de imputabilidade (de culpa) necessário à liquidação dos juros compensatórios.

Tal alegação está votada ao insucesso, pois – repete-se – a liquidação e cobrança do imposto e dos juros cabe à ATA, nos termos já vistos, e não aos Tribunais de Instrução Criminal. Por outro lado, saber se uma concreta liquidação de juros compensatórios tem subjacente um correto juízo de culpa entre a atuação do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto, é matéria que contende com a legalidade da liquidação dos juros compensatórios e não com a sua exigibilidade.

Improcedem, assim, as conclusões vindas de analisar.


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As restantes conclusões (M e seguintes) encerram, em certa medida, uma discordância com a sentença redundante relativamente às conclusões anteriores e já por nós objeto de análise, uma vez que pressupõe que era no inquérito crime que os valores em causa deviam ser liquidados e exigidos.

Uma vez mais, importa repetir que é a ATA que compete, nos termos da lei, a liquidação e cobrança dos impostos.

Por seu turno, enquanto “pressuposto ínsito nas normas constitucionais, desde logo, atenta a necessidade de assegurar os princípios da legalidade e da igualdade da sujeição a tributação dos cidadãos, com idêntica capacidade contributiva” (vide, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, J. M. Fernandes Pires, Almeidina, anotação ao artigo 30º), impõe-se ao credor tributário o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, nos termos do qual “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.

Assim, é com acerto que se escreveu na sentença, seguindo jurisprudência firme dos Tribunais Superiores, que, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30º, n.º 2 da LGT, decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias, entendendo-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros.

Nestes termos, e sem necessidade de mais nos alongarmos, julgam-se improcedentes todas as conclusões, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a sentença recorrida.


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III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa,07/12/21


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)