Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07529/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
NOÇÃO DE MAIS-VALIA (CFR.ARTº.10, DO C.I.R.S.).
ARTº.10, Nº.5, DO C.I.R.S.
MAIS-VALIAS REALIZADAS COM A ALIENAÇÃO ONEROSA DE BENS IMÓVEIS DESTINADOS A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE.
DÉFICE INSTRUTÓRIO (CFR.ARTº.662, Nº.2, AL.C), DO C.P.CIVIL).
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
3. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).
4. O artº.10, nº.5, do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação negativa da incidência. O preceito consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respectivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável. A norma sob exegese contém, pois, dois elementos na sua previsão: por um lado, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação devem ser reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino; por outro, tal reinvestimento deverá realizar-se no prazo de vinte e quatro meses. Como obrigação acessória, o sujeito passivo deve fazer constar na declaração do ano fiscal em que ocorreu a realização da mais-valia, a intenção de efectuar o reinvestimento (art.57, nº.3, do C.I.R.S., na versão em vigor em 2005), mais tendo que provar a sua efectivação, o mais tardar, na declaração de rendimentos do último ano fiscal em que esta pode ocorrer.
5. Se a situação "sub judice" se não enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artº.712, nº.1, do C.P.Civil (cfr.actual artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), norma aplicável ao processo tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário, e que consagra os casos em que é possível a alteração da decisão de facto pelo Tribunal de 2ª. Instância, pode verificar-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte do Tribunal “ad quem” (cfr.artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), caso em que se deve ordenar a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância.

O relator
Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.92 a 98 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelo recorrido, ... , tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2005 e no montante total de € 5.491,80.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.117 a 123 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-No caso dos presentes autos, o ora impugnante, não apresentou qualquer declaração de IRS preenchida com os elementos referentes à aquisição do imóvel relativamente ao qual procedeu ao reinvestimento da mais valia tributável em sede de IRS obtida com a venda em 11/07/2005 do imóvel de que era proprietário - Fracção E do prédio inscrito na matriz da Freguesia da ... sob o n.° 288 (reinvestimento que havia manifestado intenção de proceder na declaração de IRS do ano de 2005);
2-Assim sendo, não tendo sido dado conhecimento à Administração Fiscal da efectivação de qualquer reinvestimento do montante obtido com aquela mais valia, e atendendo aos elementos comunicados à Administração Fiscal, procederam os Serviços da Administração Fiscal à liquidação de imposto do ano de 2005, com base nos elementos declarados pelo impugnante para este ano;
3-Na sequência desta liquidação veio o impugnante alegar ter procedido, dentro do prazo legal de que dispunha, efectivamente ao reinvestimento da mais valia por si obtida;
4-Consta da escritura pública que titula a aquisição do imóvel em que o impugnante refere ter ocorrido esse reinvestimento em 07/09/2006 que para efeito da sua aquisição pelo montante de € 142.500,00, o ora impugnante, contraiu um empréstimo no valor de € 57.500,00, valor considerado na douta sentença recorrida;
5-Todavia, na realidade, na mesma data da aquisição o impugnante contraiu outro empréstimo, registado sobre o mesmo imóvel no valor de € 78.580,00, totalizando assim os valores de empréstimo o montante total de € 136.080,00;
6-Dispõe o artº.10 n.°5, do CIRS, que "são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se no prazo de 24 meses contados da data de realização, o produto da alienação for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, exclusivamente com o mesmo destino.";
7-Quer isto dizer que o que é reinvestido é o produto da alienação. Se o vendedor da primeira habitação (que gera as mais valias) comprar uma segunda habitação com dinheiro emprestado por um banco, em rigor não há um reinvestimento, mas um novo investimento sem nexo de causalidade com a primeira venda;
8-Nestes termos, para efeitos da exclusão tributária prevista no artº.10, n.° 5, do CIRS, desde que na aquisição do novo imóvel destinado a habitação do contribuinte seja utilizado o produto de empréstimo para esse fim, apenas a diferença entre o montante do empréstimo e o valor de aquisição da nova habitação poderá ser considerado como valor de realização reinvestido;
9-Como acima se referiu, foi entendido pela douta sentença que o valor do empréstimo contraído para a aquisição do segundo imóvel foi de apenas € 57.500,00;
10-Sendo que, relativamente ao empréstimo no montante de € 78.580,00, foi entendido pela douta sentença ora recorrida que a prova documental que consta dos autos, e que o suporta, se resume a um mero print interno, não suportado em qualquer documento externo, e por essa razão não teria ficado demonstrado que o impugnante teria contraído um empréstimo bancário nesse montante;
11-Sucede que, se encontra documentalmente suportada a existência do referido empréstimo, que consiste num contrato de abertura de crédito da mesma data da aquisição, cfr.fls. 91 a 93 do PAT, correspondendo a informação, constante daquela documentação junta aos autos, a comunicação à Administração Tributária que foi efectuada pelos cartórios notariais;
12-Comunicação a que os cartórios notariais se encontram obrigados nos termos do art. 49, n.° 4, do CIMT, e que é efectuada, nos termos deste normativo, em suporte informático ou electrónico;
13-Por essa razão a documentação apresentada surge com base em informação prestada por uma entidade externa à Administração Fiscal, não sendo criação fantasiosa desta;
14-Sendo que, aliás, o facto de se tratar de documento obtido a partir dos sistemas informáticos da Administração Fiscal, não lhe retiraria qualquer força probatória;
15-Certo é que, não tendo sido posta em causa a veracidade daquele documento por parte do impugnante, nenhuma razão existe para duvidar da realidade dos elementos constantes do mesmo;
16-De facto, o impugnante não nega em nenhum momento que tenha ocorrido o referido contrato de abertura de crédito por aquele montante;
17-Todavia, se subsistisse qualquer dúvida quanto à veracidade dos elementos constantes da documentação em causa, e atendendo até ao facto de os mesmos serem obtidos através de comunicação dos cartórios notariais, deveria o Tribunal ter realizado as diligências, nomeadamente junto daquele cartório notarial, que fossem necessárias para apurar a verdade dos factos relevantes para a decisão, nos termos do art. 13, n.° 1 e 2, do CPPT;
18-A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada;
19-Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.131 e 132 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.93 a 95 dos autos - numeração nossa):
1-No dia 30/07/2004, mediante escritura pública de compra e venda lavrada no Segundo Cartório Notarial de Almada, o impugnante adquiriu a fração autónoma designada pela letra "E" do prédio inscrito na matriz da freguesia da ... sob o nº. 288, pelo preço de € 82.301,65, tendo para o efeito contraído empréstimo bancário no montante de € 80.000,00 (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso - não paginado);
2-No dia 11/07/2005, mediante escritura pública lavrada no Cartório de Carla Cristina Soares, o impugnante vendeu o imóvel a que alude o nº.1 do probatório pelo preço de € 150.000,00 (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso - não paginado);
3-No dia 24/03/2006, o impugnante apresentou a declaração rendimentos de I.R.S., mod.3, relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2005, da qual fazem parte dos anexos "B", "G" e "H" (cfr.documento junto a fls.25 a 31 dos presentes autos);
4-O impugnante exarou na declaração de rendimentos, Mod. 3, Anexo G, relativa ao I.R.S. de 2005, no quadro 4 (Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...), ter alienado em Julho de 2005, pelo valor de € 150.000,00 o imóvel a que alude o nº.1 do probatório, adquirido pelo valor de € 82.301,65 (cfr.documento junto a fls.25 a 31 dos presentes autos);
5-O impugnante declarou, ainda na declaração de rendimentos, Modelo 3, Anexo G, relativa ao I.R.S. de 2005, no quadro 5 (Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria permanente), campo 503 referente ao valor em dívida do empréstimo respeitante ao imóvel alienado, o montante de € 108,423,82 e no campo 504 referente ao valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso a crédito) o montante de € 41.576,18 (cfr.documento junto a fls.25 a 31 dos presentes autos);
6-Com base nos elementos e valores declarados foi emitida a liquidação de I.R.S. nº. 5003190447, referente ao ano de 2005, da qual o impugnante deduziu reclamação graciosa, alegando, que por lapso não mencionou o reinvestimento efectuado no valor de € 41.576,18 (cfr.documento junto a fls.33 dos presentes autos; documento junto ao processo administrativo apenso - não paginado);
7-No dia 7/09/2006, mediante escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Cascais, o impugnante adquiriu pelo preço de € 142.500,00, a fracção autónoma designada pela letra "B", do imóvel inscrito na matriz da freguesia de Cascais sob o nº.5820, tendo para o efeito contraído um empréstimo no montante de € 57.500,00 (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso - não paginado);
8-O impugnante na declaração de rendimentos Modelo 3, relativa ao I.R.S. de 2006, não preencheu o "Anexo G" (cfr.informação exarada a fls.40 a 43 do processo administrativo apenso);
9-O impugnante na declaração de rendimentos Modelo 3, relativa ao I.R.S. de 2007, não mencionou no "Anexo G" qualquer reinvestimento referente ao valor de alienação declarado no ano de 2005 (cfr.informação exarada a fls.40 a 43 do processo administrativo apenso);
10-No dia 17/06/2009, foi efectuada a liquidação de I.R.S. nº. 2009 5003190447, relativa ao ano de 2005, no montante de € 5.491,80, correspondendo € 5.079,86 a imposto e € 411,95 a juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.33 dos presentes autos);
11-No dia 3/07/2009, o impugnante foi notificado da liquidação de I.R.S. a que alude o nº.10 do probatório (cfr.factualidade admitida no artº.2 da p.i.);
12-No dia 9/10/2009, por despacho do Chefe de Finanças do 1º. Serviço de Cascais foi a reclamação graciosa a que alude o nº.6 do probatório indeferida parcialmente, considerando os seguintes valores: Despesas e encargos: € 1.498,17; Valor em dívida do empréstimo: € 79.616,27; e Valor reinvestido: € 6.500.00 (cfr.documento junto a fls.42 a 45 dos presentes autos);
13-Encontra-se no processo administrativo apenso um "Print" informático do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr.documento junto a fls.93 do processo administrativo apenso):
DADOS DO ACTO
Nº Escritura
Data Escritura
Situação Escritura
Acto
8081 (1) 2006-09-08 Vigente 101-Abertura de crédito
IMPORTÂNCIAS
1º. Tipo Importância
Valor Importância
2°Tipo Importância
Valor Importância
1 - Do crédito € 78.580.00

14-No dia 28/10/2009, deu entrada no 1º. Serviço de Finanças de Cascais a petição inicial que originou os presentes autos (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.4 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, tudo conforme o referido em cada uma das alíneas do probatório...”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar improcedente o vício de violação de lei por caducidade do direito à liquidação. Julgar procedente o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, tendo por referência o regime previsto no artº.10, nº.5, do C.I.R.S., e, consequentemente, anular o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.10 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar e conforme supra se alude, que na sequência da liquidação veio o impugnante alegar ter procedido, dentro do prazo legal de que dispunha, efectivamente ao reinvestimento da mais valia por si obtida. Consta da escritura pública que titula a aquisição do imóvel em que o impugnante refere ter ocorrido esse reinvestimento em 7/09/2006 que para efeito da sua aquisição pelo montante de € 142.500,00, o ora impugnante, contraiu um empréstimo no valor de € 57.500,00, valor considerado na douta sentença recorrida. Todavia, na realidade, na mesma data da aquisição o impugnante contraiu outro empréstimo, registado sobre o mesmo imóvel no valor de € 78.580,00, totalizando assim os valores de empréstimo o montante total de € 136.080,00. Que para efeitos da exclusão tributária prevista no artº.10, n.° 5, do CIRS, desde que na aquisição do novo imóvel destinado a habitação do contribuinte seja utilizado o produto de empréstimo para esse fim, apenas a diferença entre o montante do empréstimo e o valor de aquisição da nova habitação poderá ser considerado como valor de realização reinvestido. Que foi entendido pela sentença recorrida que o valor do empréstimo contraído para a aquisição do segundo imóvel foi de apenas € 57.500,00. Sendo que, relativamente ao empréstimo no montante de € 78.580,00, foi entendido pela sentença ora recorrida que a prova documental que consta dos autos, e que o suporta, se resume a um mero print interno, não suportado em qualquer documento externo, e por essa razão não teria ficado demonstrado que o impugnante teria contraído um empréstimo bancário nesse montante. Que se subsistisse qualquer dúvida quanto à veracidade dos elementos constantes da documentação em causa, e atendendo até ao facto de os mesmos serem obtidos através de comunicação dos cartórios notariais, deveria o Tribunal ter realizado as diligências, nomeadamente junto daquele cartório notarial, que fossem necessárias para apurar a verdade dos factos relevantes para a decisão, nos termos do artº.13, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 3 a 10 e 17 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.39 e seg.).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.10, nº.5, do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 2005 (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), norma que tinha a seguinte redacção:
Artº.10
(Rendimentos da categoria G)
(…)
5-São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos 12 meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
(…).
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,2/10/2012,proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,12/12/2013, proc.7073/13).
O artº.10, nº.5, do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação negativa da incidência. O preceito consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respectivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável. A norma sob exegese contém, pois, dois elementos na sua previsão: por um lado, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente devem ser reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino; por outro, tal reinvestimento deverá realizar-se no prazo de vinte e quatro meses. Como obrigação acessória, o sujeito passivo deve fazer constar na declaração do ano fiscal em que ocorreu a realização da mais-valia, a intenção de efectuar o reinvestimento (art.57, nº.3, do C.I.R.S., na versão em vigor em 2005), mais tendo que provar a sua efectivação, o mais tardar, na declaração de rendimentos do último ano fiscal em que esta pode ocorrer (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,16/10/2007, proc.1597/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,12/12/2013, proc.7073/13; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.412 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.142 e seg.; André Salgado Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág.168 e seg.).
Este o regime legal aplicável ao caso dos autos.
“In casu”, entendeu o Tribunal “a quo” que o valor do empréstimo contraído para a aquisição do segundo imóvel foi de apenas € 57.500,00, sendo que, relativamente ao empréstimo no montante de € 78.580,00, foi entendido pela sentença ora recorrida que dos autos não consta prova da realização deste segundo empréstimo.
O recorrente entende que tal prova existe e, caso assim não se entenda, devia produzir-se ao abrigo do artº.13, do C.P.P.T.
Do exame do processo, deve concluir-se que o Tribunal “a quo”, não realizou qualquer diligência instrutória no sentido de apurar da existência, ou não, do aludido segundo empréstimo no montante de € 78.580,00, factualidade que interessa para a futura fixação do montante de exclusão de incidência tributária prevista no artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S., relativamente ao ano de 2005 e quanto à pessoa do impugnante /recorrido.
E recorde-se que o próprio princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário), obrigava o Tribunal “a quo” a examinar tal factualidade com vista à decisão da impugnação.
Nestes termos, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99 da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Concluindo, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites mencionados supra, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 15 de Maio de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)