Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:709/12.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
PROVA TESTEMUNHAL/ LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
Sumário:I - Para que seja realizada uma alteração da matéria de facto, quando esta assentou na livre convicção do julgador objetivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que foi decidido, sendo essencial que se alegue e demonstre, através da concreta prova produzida, que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório, porque o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si.

II – A responsabilidade (solidária) dos gestores de bens ou direitos de não residentes é considerada uma responsabilidade objetiva que depende da verificação das circunstâncias previstas na lei, a saber: o exercício da gestão de bens e direitos e o não pagamento do imposto a que corresponde a dívida exequenda.

III - Só a quem é admitido um nível de intervenção tal que lhe permita decidir sobre aspetos essenciais do negócio, ou interferir aquando da decisão de cumprimento das obrigações fiscais legalmente impostas ao sujeito passivo não residente, é que pode configurar-se a existência da responsabilidade solidária pelo pagamento dos impostos em causa, nos termos previstos no art.º 27.º da LGT.

Votação:COM UM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A Fazenda Pública dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que considerou procedente a oposição deduzida por M ………………………….., enquanto revertido, no âmbito da execução fiscal nº…………..originariamente instaurada contra a sociedade ”……………”, com vista à cobrança coerciva de dívida de IRC relativa ao exercício de 2004, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 21-01-2019, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal nº ……………, deduzida por M ………………………., com o NIF …………….., citado como devedor solidário no processo de execução fiscal acima referido, o qual havia sido instaurado contra a sociedade “N …………………..”, com o NIF ……………….., para a cobrança coerciva de dívidas relativas a IRC, já devidamente identificadas nos autos, no valor de €105.403,98 (cento e cinco mil, quatrocentos e três euros e noventa e oito cêntimos) e acrescido.

II - A Sentença recorrida, socorrendo-se da factualidade dada como assente constante do seu segmento “III – Fundamentação”, considerou que apesar de resultar provado que o Oponente praticou actos representativos e exteriorizadores da vontade da sociedade “N ………………….”, nenhuma diligência foi empreendida no sentido de se averiguar se o mesmo dispunha de suficiente liberdade de actuação, a nível de autonomia na formação da vontade e de poder decisório daquela sociedade, o acarreta a sua ilegitimidade na execução fiscal em referência.

III - Através da norma contida no artigo 27º da LGT, o legislador determinou a responsabilidade solidária dos gestores de bens ou direitos de não residentes sem estabelecimento estável em território português, com referência a estes e entre si, relativamente a todos os impostos ou contribuições do sujeito passivo não residente no exercício do seu cargo

IV - No entanto, não é qualquer pessoa que possua uma relação estreita ou uma conexão com um sujeito passivo não residente que é responsável solidário pelas suas dívidas fiscais; sendo, antes, imperioso que o gestor se encontre incumbido da direcção de negócios do sujeito passivo não residente, praticando actos no comércio jurídico no interesse e por conta dessa sociedade.

V - Assim, para que se opere a responsabilização prevista no artigo 27º da LGT, é necessário que a actuação do advogado se insira claramente na direcção de negócios, representando o sujeito passivo não residente e agindo em nome e por conta deste, o que deve ser analisado casuisticamente e por recurso ao conteúdo específico do mandato que lhe é conferido.

VI - Neste sentido, é imprescindível verificar cuidadosamente os limites da procuração ou do mandato que, em concreto, haja sido conferido pelos sujeitos passivos não residentes, sendo que é sempre possível o recurso a quaisquer outros meios probatórios complementares que a administração tributária repute obter e que resultem essenciais para a respectiva aclaração.

VII - E, nos presentes autos, por perscrutação da escritura pública datada de 10 de Dezembro de 2004 e procuração forense emitida pela sociedade não residente a favor do ora Oponente em 26 de Agosto de 2004 (cfr. alíneas b) e d) do probatório], constatamos que a direcção dos negócios era deixada à disponibilidade do Oponente, permitindo o sujeito passivo não residente que o mesmo tomasse decisões que influíam directamente na sua esfera jurídica, sempre subsistindo, naquele, algum poder opinativo, de consulta ou conformativo quanto a determinados termos dos actos praticados no comércio jurídico pela sociedade não residente.

VIII - O que, contrariamente ao que foi postulado na Sentença recorrida, foi devidamente ponderado e valorado pela administração tributária, a qual procedeu à análise casuística do conteúdo do mandato em que se baseia a actuação do ora Oponente, por forma a discernir se o mesmo possui, ou não, a suficiente liberdade de actuação e conformação da vontade da sociedade “N……………………”, cfr. informação prestada nos presentes autos ao abrigo do disposto no artigo 208º do CPPT.

IX- E isto, independentemente de tais prerrogativas serem, ou não, utilizadas pelo Oponente, o que não é relevante para a boa decisão, de mérito, da presente lide, porquanto resulta provado que a conduta do mesmo não se pautava pela mera aposição de assinaturas em documentos; pelo contrário, detinha efectivos poderes decisórios e de conformação da vontade da sociedade não residente.

X - Sobretudo, como sucede no caso em apreço, se tivermos em consideração que a prova testemunhal foi inteiramente ancorada em depoimentos prestados por testemunhas com relação de grande proximidade e cumplicidade, quase familiaridade, (primeira testemunha) e de subalternidade (segunda testemunha) com o Oponente e, bem assim, do facto de ser muito pouco provável a extracção de laivos confessórios em sede de declarações de parte do Oponente, sobretudo quando os elementos probatórios daí resultantes lhe podem vir a ser altamente desfavoráveis.

XI - O que é susceptível de mutilar a credibilidade das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas, não devendo o Tribunal, salvo o devido e muito respeito, conferir-lhes qualquer valoração para efeitos da boa decisão da causa, até porque tais depoimentos encontram-se em perfeita contradição com a prova documental carreada para os presentes autos pela Fazenda Pública, a qual deve sempre prevalecer sobre aqueles.

XII- Sendo que, os únicos elementos probatórios documentais que a administração tributária logrou obter são os que constam dos autos e que já anteriormente haviam sido objecto de ponderação para efeitos da efectivação da responsabilidade ora discutida, ao que não são alheias as habituais dificuldades (facto notório) em se ordenar diligências ou obter documentação relativas a sociedades sediadas em país com regime fiscal claramente mais favorável, nos termos do disposto na Portaria n.º150/2004, de 13 de Fevereiro, como é o caso dos autos.

XIII- Também não se vislumbram, nem o Douto Tribunal a quo evidencia, quais as diligências que a administração tributária poderia realizar (para além daquelas que, efectivamente, realizou) com vista ao apuramento da liberdade de actuação do Oponente.

XIV - Portanto, a administração tributária, mediante a invocação e análise dos documentos constantes das alíneas b) e d) do probatório, cumpriu com todas as exigências decorrentes do princípio da verdade material e do inquisitório, estruturantes em sede de processo judicial tributário, pois que não lhe foi facultado o acesso a quaisquer outros documentos e a prova testemunhal, pelos motivos que enunciamos, encontra-se ferida na sua credibilidade.

XV - Por tudo quanto foi dito, incorreu a Sentença recorrida nos seguintes erros de julgamento:
- ter dado como provados os factos elencados nas alíneas e), f), g), h) e l) do probatório, suportados, por um lado, em depoimentos de testemunhas com relação de familiaridade e de subalternidade com o Oponente, o que deixa antever fortes dúvidas quanto à sua credibilidade e, por outro lado, ancorados em declarações de parte do Oponente e daqui ser muito pouco provável a extracção de laivos confessórios, sobretudo quando os elementos probatórios daí resultantes lhe podem vir a ser altamente desfavoráveis;
- ter consignado que a administração tributária não procedeu a qualquer diligência no sentido de averiguar se o Oponente dispunha da suficiente liberdade de actuação, sobretudo quando tais diligências já haviam sido anteriormente explicitadas na informação a que alude o artigo 208.º do CPPT;
- não ter dado como trovado, em face do acervo documental constituído pela escritura pública datada de 10-12-2004 e pela procuração forense datada de 26-08-2004, que o Oponente detinha total liberdade de actuação, de conformação, de decisão e de exteriorização da vontade da sociedade não residente.

XVI- Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA

JUSTIÇA!»


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O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do julgado, sem, no entanto, formular conclusões.

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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual defende o provimento do recurso, nos seguintes termos: «(…) em nossa opinião, errou a sentença recorrida ao considerar não estarem preenchidos os requisitos do artigo 27º, nº1 e 2 da LGT pelo que os autos devem baixar à 1ª instância para apreciação dos restantes fundamentos invocados (…)".

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) O Oponente é advogado e, desde o final do estágio em 2001, colaborou no contencioso do escritório do Dr. ………………, advogado, seu tio por afinidade – depoimento de parte e prova testemunhal.

B) No dia 10.12.2004, no âmbito de exercício da sua profissão, o Oponente outorgou em escritura pública de compra e venda do “lote n.º …” (que fazia parte da urbanização “Quinta …………..”), inscrito na matriz sob o artigo ., freguesia de A........, concelho de L........, em representação da sociedade N ………….., pessoa coletiva n.º ……….., com sede em G........... – cf. doc. 1 junto com a p.i. e prova testemunhal.

C) A intervenção do Oponente na escritura pública identificada em B) ocorreu por via da colaboração que prestava no escritório do Dr. G ……………… – depoimento de parte e prova testemunhal.

D) Do teor da procuração que conferiu poderes ao aqui Oponente para a outorga da escritura identificada em B), datada de 26.08.2004, extrai-se o seguinte:
«[…] nós N ……………….., […] pela presente constituímos nosso bastante Procurador o DR. M ………………, advogado, com escritório na Praça …………………., 22 - 4° F, …… - 160 F...........; Portugal, a quem conferimos pela presente, todos os poderes necessários, para em nosso nome e como se de nós próprios se tratasse, fazer, practicar, executar e assinar quaisquer dos seguintes actos, escrituras e coisas:
OU SEJA:
1. Para vender pelo preço e condições que entender convenientes a propriedade da Sociedade, designada por lote 23, situado no loteamento com o Alvará n.º ../90 denominado C………… ou D………, freguesia de A........, concelho de L........, Portugal, assinando contratos promessa de compra e venda, recebendo o respectivo preço e dele dando quitação, assinar a escritura de compra e venda e todos e quaisquer outros documentos necessários à concretização da transacção.
2. Para requerer na Conservatória do Registo Predial de L........ quaisquer actos de registos provisórios ainda que a favor de terceiros e, ou definitivos, bem como na repartição de finanças e Câ....a Municipal, bem como celebrar contratos de fornecimento de água, telefone, electricidade e gás.
E nós, concordamos em ratificar tudo o que o nosso procurador possa fazer ou ordenar, em consequência deste acto, que declaramos válido pelo período de um ano a partir desta data.»cf. doc. de fls. 145.

E) Os termos da procuração identificada na alínea que antecede constavam de uma minuta que foi alterada em relação ao número do lote a vender, redigida em G........... e enviada para o escritório do Dr. ……………………. que, por sua vez, a remeteu ao cartório notarial juntamente com os demais documentos necessários à celebração do contrato – prova testemunhal.

F) O Oponente não foi consultado sobre os termos da procuração só tendo tido acesso à mesma no momento da outorga, no cartório notarial – depoimento de parte e prova testemunhal.

G) Os contactos preliminares (pré-contratuais) com os adquirentes e potenciais adquirentes do imóvel, a negociação do valor de venda e o agendamento da escritura pública eram efetuados pelos sócios da sociedade que detinha a N…………… e as demais sociedades titulares da propriedade de cada um dos lotes de terreno da urbanização “Quinta …………….”, que depois transmitiam as condições do negócio ao escritório do Dr. …………………… – prova testemunhal.

H) A intervenção do Oponente na escritura pública identificada em B) cingiu-se à comparência e assinatura em representação da N …………………….. – prova testemunhal.

I) Pela intervenção na escritura pública identificada em B) o Oponente auferiu honorários no valor de € 1.000,00, suportados pelo advogado Dr. ………………….. – depoimento de parte.

J) À data da escritura pública identificada em B), e desde 01.09.2004, a N……………… tinha como representante fiscal J ……………………, que renunciou à representação em 17.09.2007 – cf. fls. 148/149 e 156.

K) A sociedade N ………………. tinha como acionista única a sociedade H ………………, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, a qual era controlada por P ………………, Pe………….e K….……….. – cf. doc. 2 a 13 a que se refere a p.i., com tradução a fls. 432 e sgts. e prova testemunhal.

L) Eram os referidos P ………………, Pe………….e K….………..que transmitiam as suas decisões relativas à N …………….. ao Dr. ……………….., seu advogado, o qual, por sua vez, procedia às diligências necessárias à implementação das mesmas, quer diretamente, quer através de serviços prestados por terceiros – cfr. docs. n.ºs 14 a 18 a que se refere a p.i., constantes de fls. 256 e sgts., e prova testemunhal.

M) Em relação ao imóvel alienado na escritura pública identificada em B), foi o Dr. ……………….., na qualidade de procurador da N …………………………., quem:
(i) A 29.03.2000 outorgou em representação da N………….. em escritura pública de aquisição de 8/9 indivisos do referido imóvel;
(ii) A 17.07.2000 requisitou em nome da N............ a inscrição provisória no registo predial de hipoteca a favor do B………….– Banco ………do ………, S.A.;
(iii) A 25.09.2000 outorgou em representação da N............ em escritura pública de aquisição de 1/9 indiviso do referido imóvel;
(iv) A 25.09.2000 outorgou em representação da N............ em escritura pública de constituição de hipoteca sobre o referido imóvel, a favor do B…………. – Banco …….. do ............, S.A., assumindo a sua representada a posição de garante da acionista H ………………….., posição essa também assumida no contrato de empréstimo outorgado a 07.09.2000, alterado em outubro de 2002, tendo o Dr. …………………. representando igualmente a S……………. em ambos esses atos.

– cfr. docs. 6, 7 e 19 a 22 a que faz referência a petição inicial (a fls. 77 a 107 e 191 a 221).

N) Em 26.01.2008 foi instaurado no Serviço de Finanças de Sintra-3 (Cacém), contra a N............ …………………, o processo de execução fiscal n.º ……………….. cobrança coerciva da quantia € 105.403,98, relativa a IRC do ano de 2004 – cf. fls. 3 do processo instrutor apenso.

O) Em 29.01.2009 a dívida exequenda foi declarada em falhas – cf. fls. 17 do processo instrutor apenso.

P) Em 22.09.2011 foi lavrada informação no processo de execução fiscal na qual se considerou que ora Oponente «ao outorgar a referida escritura age como “gestor de bens ou direitos da sociedade não residente”, e nos termos do referido artigo 27.º, n.º 1 da [LGT], responde solidariamente pelas dívidas fiscais desta sociedade» cfr. fls. 40/41 do processo instrutor apenso.

Q) Sobre a informação que antecede, e na mesma data, foi lavrado despacho ordenando a citação do ora Oponente, como responsável solidário – cfr. fls. 41 do processo instrutor apenso.

R) Em 16.12.2011 foi emitido “Mandado de Citação” para pagamento da quantia de € 105.403,98, e acrescido de € 34.746,83, e em 20.12.2011 foi concretizada a citação – cf. fls. 51 a 53 do processo instrutor apenso.

S) Na sequência da citação o ora Oponente requereu ao órgão de execução fiscal, invocando o art.º 37.º do CPPT, a passagem de certidão “da fundamentação de facto e de direito e dos demais elementos essenciais da liquidação de IRC referente ao ano de 2004, que está na origem do processo de execução fiscal n.º …………………….” – cf. fls. 54 e sgts. do processo instrutor apenso.

T) Por despacho de 16.12.2011 foi revogado o despacho que ordenou a anterior citação, ordenando-se nova citação com “cópia certificada do título executivo, bem como cópia certificada do presente despacho” – cf. fls. 64 do processo instrutor apenso.

U) Em 18.01.2012 deu entrada no órgão de execução fiscal requerimento do ora Oponente de arguição de nulidade da citação – cf. fls. 65 a 71 do processo instrutor apenso.

V) Por despacho de 30.01.2012 foi deferido o pedido identificado na alínea que antecede e ordenada nova citação – cf. fls. 72 do processo instrutor apenso.

W) Em 10.02.2012 o Oponente foi citado para a execução, na qualidade de responsável solidário – cf. fls. 82 do processo instrutor apenso.

X) A identificação do Oponente não consta da certidão de dívida que constitui título executivo no âmbito do processo de execução fiscal – cf. fls. 3 do processo instrutor apenso.

Y) A Demonstração de Liquidação de IRC objeto do processo de execução fiscal identificado em N), na qual é indicado como data limite de pagamento o dia 07.01.2008, foi endereçada à «N............ ……………., Av.. ………………, N 127, 1 DT., A........,………-104 A........», com o n.º de registo postal «RP……………» – cf. fls. 3/4 do processo instrutor apenso.

Z) A fls. 387 (verso) a 389 constam dos autos “prints” do sistema informático da Administração Tributária referente à expedição da carta cujo registo é referido na alínea que antecede.

AA) Por ofício de 13.07.2015 os CTT – Correios de Portugal. S.A., infor....am nos autos não poder infor.... sobre a receção do registo postal identificado em Y), por ter decorrido o prazo em que tal informação é acessível – cf. fls. 398 dos autos.

BB) A oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra-3 em 06.03.2012 – cfr. fls. 4 dos autos.


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Não existem outros factos, com relevância para a decisão da causa que importe dar como provados ou não provados.

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Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos elementos constantes dos autos e processo instrutor apenso, que não foram objeto de impugnação, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, e ainda, da prova produzida em audiência de julgamento, mostrando-se determinantes, na formação da convicção do Tribunal, quer o depoimento prestado pelo próprio Oponente, quer o depoimento das testemunhas G …………..e I ……………...
Quanto ao primeiro, para além de circunstanciar no tempo a sua colaboração, como advogado, no escritório do Dr. …………….., esclareceu, com clareza e objetividade, que a designada urbanização “Quinta ….”, cliente do escritório, teve problemas com a caducidade do alvará de loteamento, contencioso que acompanhou, com procuração forense para o efeito, e que, por via desse acompanhamento, foi-lhe perguntado pelo Sr. V …………. se pretendia “fazer” as escrituras de venda, ao que acedeu. Quanto ao procedimento de intervenção nas ditas escrituras, esclareceu que o Dr. …………………ou a funcionária (D. I...........) o notificavam para comparecer, existindo um“automatismo” em relação à venda dos 48 lotes que compunham a urbanização: a “Quinta do ....” comunicava ao Dr. .................. ou à D. I..........., que diligenciavam pela preparação dos documentos e os remetiam ao notário, limitando-se o Oponente a comparecer na data agendada e a assinar. Mais afirmou que não conheceu os compradores; não negociou o preço nem o recebeu; não apresentou quaisquer requerimentos nem nunca foi portador da procuração, que era arquivada ou devolvida ao escritório, recebendo, por conta da avença que a “Quinta do ....” pagava ao escritório do tio, a quantia de € 1.000,00 por escritura.
A testemunha .................. de ……, advogado com o qual o Oponente colaborou e com o qual tinha uma relação de parentesco (sendo sobrinho da companheira daquele), teve um discurso objetivo e isento, no mesmo sentido do depoimento prestado pelo Oponente, permitindo ao Tribunal esclarecer-se sobre a organização e funcionamento da dita urbanização “Quinta do ....”, na qual existia uma sociedade por cada lote de terreno, as quais eram detidas por uma holding, esta detida por três sócios, todas elas sediadas em G...........; sobre a forma como foi negociada a venda a que se refere a escritura pública assente em B) e qual a intervenção do Oponente no processo. Neste último aspeto foi perentório a afir.... que o escritório recebia as orientações sobre as condições do negócio da “Quinta do ....”, no sentido de obter a Procuração de G........... e demais documentação, que depois levavam ao notário, esclarecendo ainda que nunca o Oponente teve qualquer reunião com os clientes da “Quinta do ....” (compradores ou potenciais compradores), sendo tudo decidido pelos sócios da holding, limitando-se a sua intervenção ao ato de assinatura da escritura, nunca tendo, sequer, recebido o valor da venda.
Tudo quanto foi dito pelo Oponente e pela testemunha .................. de S….. foi confirmado pela testemunha I........... …., administrativa no escritório deste último, e cujo depoimento foi devidamente valorado pelo Tribunal por se ter revelado claro e isento e, por via disso, esclarecedor dos factos relativamente aos quais prestou depoimento.»


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- De Direito

Como dissemos, a oposição foi julgada procedente, tendo sido determinada a extinção da execução fiscal quanto ao Oponente, ora Recorrido.

Em resumo, a sentença considerou, acolhendo as razões avançadas por M………… F……….., que a Administração Tributária (AT), ao chamá-lo à execução na qualidade de devedor solidário, com fundamento – apenas - na procuração outorgada e na escritura realizada em 13/02/04, agiu em violação quer do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 27º da LGT, quer das suas próprias orientações, já que não cuidou de averiguar, em concreto, se o recorrido dispunha da suficiente liberdade de atuação, como resultava da procuração.

A Fazenda Pública discorda do assim decidido.

Vejamos.

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, temos que a primeira questão que se impõe analisar (até por razões de ordem lógica, apesar de não invocada por esta ordem) é a que se prende com o julgamento da matéria de facto.

Com efeito, defende a Recorrente que a sentença errou ao “ter dado como provados os factos elencados nas alíneas e), f), g), h) e l) do probatório, suportados, por um lado, em depoimentos de testemunhas com relação de familiaridade e de subalternidade com o Oponente, o que deixa antever fortes dúvidas quanto à sua credibilidade e, por outro lado, ancorados em declarações de parte do Oponente e daqui ser muito pouco provável a extracção de laivos confessórios, sobretudo quando os elementos probatórios daí resultantes lhe podem vir a ser altamente desfavoráveis”.

Este inconformismo relativamente aos apontados factos provados assenta na alegada falta de credibilidade das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas, às quais a Fazenda Pública aponta a proximidade e cumplicidade, quase familiaridade (no caso da primeira) ou subalternidade (quanto à segunda).

Vejamos, lembrando que o circunstancialismo em causa se reporta às condições que rodearam a outorga da procuração identificada na alínea D) do probatório, a participação do Oponente na definição dos termos da procuração, os contornos da negociação/contactos prévios à transação do lote de terreno e, bem assim, as relações entre a N............ ……………… e o Senhor Dr. .................. de Sousa, seu Advogado.

A Mma Juíza a quo, na motivação da matéria de facto, evidenciou justamente a clareza, objetividade e isenção das declarações/ testemunhos produzidos em tribunal, razões que levaram a que fossem reputados de determinantes, na formação da convicção do Tribunal. A Recorrente discorda desta convicção formada no julgador, pelas razões que ficaram apontadas.

Como é sabido, “a sindicância da matéria de facto em sede de recurso e o “controlo” que o Tribunal de recurso pode e deve realizar da convicção formada pelo julgador, que como é sabido se encontra cingida à prova produzida na instrução e julgamento da causa, tem diversos limites, relevando dentro destes, e para efeitos da questão que agora enfrentamos, os que decorrem da falta de oralidade e de imediação - o Tribunal ad quem, no que concerne à prova testemunhal produzida, está limitado ao que consta das gravações – e o dever de o Tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só poder alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo Recorrente impuserem decisão diversa da proferida (artigo 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

A propósito dessa “imposição” e no sentido de esclarecer rigorosamente o alcance que à mesma deve ser atribuído, a jurisprudência tem vindo a salientar que “impor decisão diversa da recorrida” não significa admitir uma decisão diversa da recorrida”, possuindo um alcance mais preciso e impositivo «no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessária uma efectiva demonstração, através da argumentação deduzida e da análise das provas convocadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente à matéria impugnada é impossível ou desprovida de razoabilidade.». Ou seja, é necessário que «dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa», sendo «por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”». (1)

Desde logo, porque o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não deve aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Dito de outro modo, da consagração da garantia de um duplo grau de jurisdição da matéria de facto não deve extrair-se o entendimento de que o legislador quis afastar ou questionar o princípio da livre apreciação da prova atribuído ao tribunal da 1ª instância, uma vez que é inequívoco que para a formação da convicção do julgador contribuem simultânea ou conjugadamente elementos racionalmente demonstráveis e elementos que dificilmente podem «ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.».

Aliás, como é sabido, e lapidarmente vem afirmando a nossa doutrina, «tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.», sendo manifesto que «a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância», havendo «aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores». (2)

No mesmo sentido tem avançado a jurisprudência: «a gravação da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo assim evidenciar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do principio da imediação, não tornando assim acessível ao tribunal superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto». (3)

Tudo, porque num sistema de livre apreciação da prova (contrariamente ao que ocorre no sistema da prova legal, em que a conclusão a extrair da prova está legalmente predeterminada) «o julgador detém a liberdade de for.... a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.». (4)

Necessário e imprescindível é, pois, que nesse seu livre exercício de convicção, o Tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado», por ser essa uma exigência legal inultrapassável e que lhe está cometida, devendo para o efeito analisar criticamente as provas e especificar quais os fundamentos que foram decisivos para que formasse a sua convicção, isto é, indique concretamente as razões que o determinaram a fixar a factualidade nos termos e sentido em que o fez (artigo 607.º n.º 4, 1ª parte do Código de Processo Civil), o que pressupõe que seja exteriorizado «o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes». (5)

É neste contexto que deve ser entendida a tese - que partilhamos - de que, estando a decisão da matéria de facto devidamente fundamentada e personificando uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, a mesma, por força do princípio do julgamento segundo a livre convicção do juiz que vigora no nosso ordenamento jurídico (6) - ressalvadas as situações que o legislador expressamente subtraiu a essa regra, como sejam os casos em que é exigido, para prova de um facto determinada formalidade especial (7) -, é inatacável. (8)

E são estas as razões que estão na base da orientação que a jurisprudência maioritariamente acolhe de que «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição», por ser evidente que «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal ad quem sindicar». (9)

Daí que, quando a decisão da matéria de facto assentar fulcralmente na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum ou que esse juízo assentou numa apreciação da prova absolutamente incompatível com ela (designadamente quando, assentando na prova testemunhal produzida, as declarações prestadas sejam num sentido e em sede de fundamentação lhe ser apontado outro).

Em suma, para que seja realizada uma alteração da matéria de facto, quando esta assentou na livre convicção do julgador objectivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que naqueles termos foi decidido, antes sendo essencial que se alegue e demonstre através da concreta prova produzida que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório, porque «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si». (10)

No fundo, é a ideia que não pode deixar de se ter presente de que, nos casos em que os factos tem como principal fonte probatória a prova testemunha produzida, a alteração da factualidade apurada só deve realizar-se quando os elementos fornecidos pela análise do processo, incluindo os concernentes à prova testemunhal que haja sido gravada, imponham de forma clara, decisiva e forçosamente essa alteração e não quando a análise dessa prova possa apenas sugerir ou possibilitar decisão diversa da matéria de facto. (11)

Assim, ao Tribunal de recurso, observados que estejam os requisitos formais de impugnação legalmente fixados, impõe-se a reapreciação da matéria de facto na parte questionada, atendendo nessa reaprecição a toda a prova invocada [seja qual for a sua natureza: documental, pericial ou testemunhal (reduzida a escrito ou registada sob o sistema audio ou video), o que deverá fazer independentemente da maior ou menor extensão da fundamentação que o Tribunal a quo haja aduzido como suporte da sua convicção, por não ser legitimo ao Tribunal de recurso prescindir dessa análise com o argumento de que a fundamentação exteriorizada pelo Tribunal de 1ª instância é extensa e rigorosa.” – ac. do TCA SUL, de 22/10/15, processo nº 8238/14.

Ora, indo ao caso concreto, importa reter que a motivação da matéria de facto se mostra apoiada em esclarecimentos detalhados quanto aos diversos depoimentos e declarações, evidenciando-se o carácter circunstanciado dos depoimentos, revelador do conhecimento direto dos factos relevantes.

A discordância da Recorrente, contudo, prende-se com o interesse do Oponente na causa, com as relações de subalternidade de uma testemunha (funcionária do escritório de Advogados onde o Oponente exercia a sua atividade) ou de quase familiaridade (resultante de o Oponente ser sobrinho por afinidade do Senhor Advogado, Dr. .................. de …………).

Deve lembrar-se que a lei, rodeada da preocupação de obter prova segura com vista a ser alcançada a verdade material dos litígios, através de depoimentos credíveis e objetivos, estabeleceu regras quanto à inabilidade para depor das pessoas indicadas como testemunhas (cfr. artigos 495º a 497º do CPC), nada impedindo que uma funcionária do mesmo escritório onde exerce funções o Senhor Advogado seja ouvida como testemunha num processo em que aquele é parte. O mesmo vale para o depoimento de um outro Senhor Advogado que, no caso, é tio por afinidade do Oponente. Tais testemunhas, pela sua condição relativamente ao Oponente, não estão nem impedidas de depor, nem tão-pouco se afigura (o que, de resto, não foi invocado) que se mostrem em condições de recusar legitimamente o respetivo depoimento.

A simples invocação da subalternidade e da quase familiaridade não colhe como razão para levar a considerar que o Tribunal errou ao dar como provados os factos constantes das alíneas e), f), g), h) e l) do probatório, sendo certo que não vem invocada qualquer falta de clareza, contradição, hesitação ou cumplicidade notória que ponha em causa tais depoimentos.

De resto, ouvidos e considerados os depoimentos em causa, este Tribunal não pode deixar de acompanhar os termos em que a motivação da matéria de facto se mostra expressa pela Mma. Juíza quo. Analisada em toda a sua extensão a discordância com a matéria de facto, concretamente as razões invocadas para a desconsideração da prova testemunhal e das declarações prestadas, entende-se que não resulta como clara e forçosa a alteração pretendida, sendo que a posição da Recorrente corresponde, na verdade, a uma diferente análise da prova testemunhal, a possibilitar uma decisão diversa sobre o julgamento da matéria de facto.

De igual forma se conclui relativamente às declarações do Oponente que, nos termos da lei (cfr. artigo 466º do CPC), são livremente apreciadas pelo Tribunal, o que aqui aconteceu com a fundamentação da convicção formada que, em nosso entendimento, não se mostra eficazmente contestada.

Portanto, e sem mais delongas, improcede esta primeira questão respeitante ao erro de julgamento da matéria de facto, concluindo-se que nada há alterar quanto às mencionadas alíneas do probatório.

Ainda com respeito à matéria de facto, deve dizer-se que não se acompanha também o alegado erro decorrente de o Tribunal “não ter dado como provado, em face do acervo documental constituído pela escritura pública datada de 10-12-2004 e pela procuração forense datada de 26-08-2004, que o Oponente detinha total liberdade de actuação, de conformação, de decisão e de exteriorização da vontade da sociedade não residente”. E isto é assim por uma razão simples e clara: é que a conclusão relativa ao Oponente deter, ou não, liberdade de atuação, de conformação, de decisão e de exteriorização da vontade relativamente à sociedade não residente, é matéria conclusiva, a extrair do julgamento de facto (da factualidade provada e não provada), não assumindo, por si só, a natureza de um facto, enquanto acontecimento externo, estado emocional, ou evento do foro interno /psíquico.

Improcede, assim, a primeira questão que nos vinha dirigida contra o julgamento da matéria de facto, o qual se mostra estabilizado nos termos que constam da sentença.

Avancemos para a questão nuclear deste recurso.


*

A controvérsia a dirimir nesta oposição prende-se com a (i)legitimidade do Oponente para ser executado no processo nº ………………………………., instaurado pelo Serviço de Finanças de Sintra-3 para cobrança coerciva de dívida de IRC do ano de 2004, no montante de € 105.403,98, relativa a rendimentos da sociedade “N............ ………………. Em concreto, tratou-se de aferir se se encontram, ou não, preenchidos os pressupostos legais da responsabilidade solidária a que se referem os nºs 1 e 2 do artigo 27º da LGT.

O TAF de Sintra, dando razão ao Oponente, ora Recorrido, considerou não estarem reunidos os pressupostos legais para que lhe possa ser imputada a qualidade de gestor de bens ou direitos, como prevê o artigo 27º da LGT.

Vejamos, começando por lembrar o teor do referido preceito, concretamente dos nºs 1 e 2, na redação que aqui importa considerar.

“1 - Os gestores de bens ou direitos de não residentes sem estabelecimento estável em território português são solidariamente responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e impostos do não residente relativos ao exercício do seu cargo.

2 - Para os efeitos do presente artigo, consideram-se gestores de bens ou direitos todas aquelas pessoas singulares ou coletivas que assumam ou sejam incumbidas, por qualquer meio, da direção de negócios de entidade não residente em território português, agindo no interesse e por conta dessa entidade”.

Para concluir pela ilegitimidade do Oponente, aqui Recorrido, a Mma. Juíza a quo alinhou o seguinte discurso fundamentador que aqui, quase na sua íntegra, transcrevemos. Assim, lê-se na sentença:

“(…)

Da clareza do preceito (leia-se, do artigo 27º da LGT), no que tange à delimitação do seu âmbito subjetivo, resulta que não é qualquer pessoa que tenha uma relação estreita com um sujeito passivo não residente que é responsável solidário pelas suas dívidas fiscais mas, apenas, aquele que assuma ou que seja incumbido da direção de negócios daquele, e que aja no interesse e por conta dessa entidade.

(…)

Quer isto dizer que, e no que ao caso releva, não é da mera intervenção formal numa escritura pública, limitada a simples aposição da assinatura no documento, sem qualquer capacidade decisória, quer num primeiro nível, no que respeita às condições essenciais do mesmo (objeto, preço, data, etc.), quer depois, ao nível do cumprimento das obrigações tributárias e da afetação de quaisquer rendimentos a esse mesmo cumprimento, que pode surgir a responsabilidade solidária.

Na verdade, só a quem é admitido um nível de intervenção tal que lhe permita decidir sobre aspectos essenciais do negócio, ou interferir aquando da decisão de cumprimento das obrigações fiscais legalmente impostas ao sujeito passivo não residente, é que pode configurar-se a existência da responsabilidade solidária pelo pagamento dos impostos em causa, nos termos previstos no art.º 27.º da LGT.

O poder decisório, no sentido do poder de definir as condições essenciais do negócio, pois, é conditio sine qua non da responsabilidade solidária prevista no n.º 2 do artigo 27.º da LGT. Não existindo qualquer poder decisório, a atuação do representante do não residente não corresponde, manifestamente, a um ato de “gestão de bens ou de direitos”, pelo que nenhuma responsabilidade fiscal solidária lhe pode ser assacada.

E não temos dúvidas de que é neste mesmo sentido que a Administração Tributária entende que deve ser imputada a responsabilidade solidária, o que decorre expressamente do Ofício-Circulado n.º 60.084, de 28.11.2011, emitido no Processo n.º 2007/001812, disponível online, no Portal das Finanças, cujo Ponto 2 aqui se transcreve para que não restem dúvidas: «A figura do gestor dos bens ou direitos prevista no artigo 27º da LGT é igualmente específica do direito tributário, sendo distinta de outras figuras jurídicas, ainda que aparentemente afins. Para efeitos da verificação dos requisitos da responsabilidade tributária solidária a que se refere o nº 3 daquela norma legal, importa, assim, atender caso a caso ao conteúdo do mandato em que se baseia a actuação do gestor, de modo a que, em concreto, se possa averiguar se o mandatário dispõe da suficiente liberdade de actuação para que se possa concluir, quando ocorrerem os restantes pressupostos legais, pela sua responsabilidade solidária a título de gestor de bens ou direitos da entidade que representa» (sublinhado e realce nossos).

(…)

No caso, em face da factualidade provada, não restam dúvidas de que a AT, da mera existência de uma procuração que dava ao ora Oponente poderes “para vender pelo preço e condições que entender convenientes”, para assinar contratos promessa de compra e venda, “recebendo o respectivo preço e dele dando quitação, assinar a escritura de compra e venda e todos e quaisquer outros documentos necessários à concretização da transacção” extrapolou, de imediato, para a responsabilidade subsidiária (crê-se ser lapso, devendo ler-se solidária), olvidando a substancialidade da situação, maxime por não ter procurado confir.... se tais poderes formais foram, em concreto, exercidos pelo visado, o que resulta evidente de acordo com a factualidade provada em P).

Nenhuma diligência resulta evidenciada no processo instrutor por parte da AT no sentido de averiguar se o [oponente dispunha] da suficiente liberdade de actuação. Ao contrário, nos presentes autos, resultou provado que a intervenção do Oponente na escritura pública celebrada em 10.12.2004, na qual outorgou em representação da sociedade N............ ……………….., sociedade não residente, ocorreu por via da colaboração que prestava no escritório do advogado Dr. .................. de………………., considerando que tendo acompanhado, como advogado, processos de contencioso administrativo em que era parte a dita “Quinta do ....”, foi-lhe solicitado pelos gerentes (designadamente pelo P ……………..) que outorgasse nas escrituras de venda, pelo que seria remunerado, ao que acedeu, sem que, contudo, tenha tido qualquer outra intervenção ou direção, designadamente no negócio celebrado em 10.12.2004.

Assim, e apesar de os termos da procuração que legitimou a sua intervenção na escritura lhe conferirem, do ponto de vista formal, vastos poderes no que se refere à definição das condições essenciais do negócio – como definir o preço, recebê-lo e dar quitação – o certo é que não teve o Oponente, no plano dos factos, qualquer oportunidade para o exercício de tais poderes de direção do negócio. Ficou claramente demonstrado que, para além de só ter tido acesso aos termos da procuração no momento da celebração da escritura, todo o processo pré-contratual, incluindo a definição dos concretos termos do negócio, foi conduzido, diretamente, pelos responsáveis pela sociedade dominante H ………………., designadamente pelo P ………………, Pe………….e K….……….. que depois comunicavam ao Dr. .................. de S…., para que este tratasse de toda a documentação necessária à formalização do negócio. E só no momento da formalização é que o Oponente intervinha, sendo “convocado”, ou “notificado” pelo tio ou pela funcionária do escritório, para comparecer no cartório notarial em determinado dia e hora.

Perante tal forma de condução do processo de venda dos lotes de terreno da dita urbanização “Quinta do ....”, não existiu, por parte do aqui Oponente, qualquer direção do mesmo. Nenhum poder decisório, ou sequer “consultivo” (ou opinativo) lhe foi concedido, na prática, para estabelecer o que quer que fosse sobre as condições da venda, tal como não passou por si o valor pago a título de preço pela venda, nem foi incumbido, ou lhe foi dada liberdade, para proceder ao pagamento dos impostos a que houvesse lugar por via da realização da venda em apreço. Na prática, o lastro de poderes vertidos na procuração que legitimou a assinatura da escritura, cingiu-se a isto mesmo – tão só a assinar.

(…)”

Adiante-se, desde já, que o assim decidido é acertado e é inteiramente sufragado por este Tribunal de recurso. Com efeito, a detalhada análise levada a cabo pelo TAF de Sintra subsumiu de forma correta os factos ao direito aplicável, em termos que não deixam muito a acrescentar a este TCA.

Tenha-se presente que a responsabilidade (solidária) dos gestores de bens ou direitos de não residentes é considerada uma responsabilidade objetiva que depende da verificação das circunstâncias previstas na lei, a saber: o exercício da gestão de bens e direitos e o não pagamento do imposto a que corresponde a dívida exequenda. Significa isto, que “não releva em sede de oposição à execução fiscal, pois, independentemente do direito de regresso que caiba ao gestor contra o gestido, a prova que aquele logre efetuar da falta de culpa sua no não pagamento dos tributos, mas apenas a prova da falta de uma gestão efetiva dos bens ou direitos do não residente.”vide, LGT, anotada, António Lima Guerreiro, Rei dos Livros, pág. 153.

A análise da matéria de facto provada mostra que a pretensão executiva da AT não observou as exigências contidas no artigo 27º da LGT, quanto ao exercício da gestão de bens e direitos (cfr. alíneas P) e Q) do probatório). Para mais, a prova feita pelo Oponente (não alterada pela via do recurso) evidenciou, sem ....gem para hesitações, que, não obstante a outorga da procuração com o teor que consta da alínea D), o Oponente não teve, em termos práticos, qualquer ....gem de intervenção no negócio da venda do lote de terreno, pois – repita-se – só teve “acesso aos termos da procuração no momento da celebração da escritura, todo o processo pré-contratual, incluindo a definição dos concretos termos do negócio, foi conduzido, diretamente, pelos responsáveis pela sociedade dominante H ………………, designadamente pelo P ………………, Pe………….e K….……….., que depois comunicavam ao Dr. .................. de ….., para que este tratasse de toda a documentação necessária à formalização do negócio”. Para mais, “só no momento da formalização é que o Oponente intervinha, sendo “convocado”, ou “notificado” pelo tio ou pela funcionária do escritório, para comparecer no cartório notarial em determinado dia e hora”. – cfr. alíneas E), F), G, H), I) e L) do probatório.

Diga-se, ainda, que se percebe mal a discordância da Recorrente quanto ao entendimento sufragado na sentença, no sentido de que a AT não procedeu, como se impunha, a outras diligências tendentes a averiguar se o Oponente dispunha da suficiente liberdade de atuação que resultava da procuração. É que, na realidade, o ofício-circulado invocado pelo TAF, de 28/11/11, remete para a averiguação da concreta liberdade de atuação, o que sempre poderia constar, entre outros exemplos, de correspondência trocada, do recebimento do preço, a sua quitação, do seu depósito, etc. Nada disto vem feito, sendo que é AT que cabe a prova da gestão efetiva do responsável solidário, nos termos do artigo 342º, nº1 do Código Civil e do 74º, nº 1 da LGT – neste sentido, António Lima Guerreiro, obra citada, pág 153.

Em abono deste entendimento, chama-se à colação o recente acórdão deste TCA Sul, de 28/01/21, proferido no processo nº 336/12.8BELRS, num situação com contornos semelhantes aos que aqui estão em causa, em cujo sumário se pode ler que “No instituto do mandato com procuração, esta constitui um mero ato de atribuição de poderes representativos, ou seja, trata-se de um negócio jurídico unilateral e receptício em que o procurador fica investido num poder (o poder de representação), que não o vincula à ação, ou seja não obriga à prática dos atos, apenas a permite que o faça. Nem acrescenta para o agente qualquer tipo de encargo ou consequência decorrente da realização do negócio que não esteja prevista no respetivo mandato”.

Termos em que, se conclui, como fez a sentença recorrida, no sentido de que, não sendo o Oponente responsável pelo cumprimento das obrigações fiscais da devedora originária, não lhe pode ser assacada, nesse domínio, a responsabilidade solidária à luz do artigo 27 ° da LGT.

Improcedem, na totalidade, as alegações recursivas.


*




III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.





Custas pela Recorrente

Registe e Notifique.

Lisboa, 30/09/21

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, a primeira adjunta tem voto de conformidade com o presente Acórdão e o 2.º adjunto tem voto de vencido (declaração infra).

Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Jorge Cortês


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“Voto vencido, por não concordar com a solução que fez vencimento e com a respetiva fundamentação.

No caso, está em causa a efectivação de responsabilidade solidária do executado/oponente, com base no disposto no artigo 27.º/1 e 2, da LGT. Esta norma determina que «[os gestores de bens ou direitos são solidariamente responsáveis pelas dívidas fiscais contraídas por sociedades não residentes] e que «[se] consideram gestores de bens ou direitos todas aquelas pessoas singulares ou colectivas que assumam ou sejam incumbidas, por qualquer meio, da direcção de negócios de entidade não residente em território português, agindo no interesse e por conta dessa entidade».

A sentença que o Acórdão confirma baseia a sua decisão da matéria de facto apenas no depoimento de testemunhas arroladas pelo oponente. O que deixa dúvidas sobre o acerto da mesma. No caso, o oponente, um advogado, recebeu procuração de uma sociedade, com sede em paraíso fiscal, para vender terreno para construção, sito no Algarve, nas condições que o mesmo tivesse por convenientes; nesta sequência, o oponente outorgou a escritura de compra e venda em nome da referida sociedade e auferiu honorários em virtude de tal intervenção. A sociedade em causa é uma cliente da sociedade de advogados para a qual o oponente trabalhava. Em face da matéria de facto assente, a prova dos termos em que terá sido outorgada a procuração em favor do oponente e em que esta última terá sido executada não pode assentar apenas na prova testemunhal, arrolada pelo oponente. Tanto mais que são conhecidos os deveres estatutários e legais que recaem sobre os advogados que intervêm em actos, que, como no caso, resultaram em evasão fiscal. A sentença não esclarece os termos em que ocorreu o circuito económico e financeiro subjacente à escritura pública em causa, bem como a intervenção do escritório de advogados para o qual o oponente trabalhava na angariação de clientes para o negócio, como também não esclarece a razão de ciência das testemunhas que não intervieram directamente na outorga escritura, mas que ainda assim depõem sobre o acto de celebração da mesma.

Falta à sentença sob escrutínio uma análise crítica de todos os elementos de prova, à luz das regras da experiência e tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão solvenda. Do preceito do artigo 662.º, n.os 1 e 2, do CPC resulta uma obrigação de reexame da matéria de facto assente, por parte do tribunal de recurso, quando a mesma é impugnada em sede de recurso de apelação, como sucede no caso em apreço. A revisão da matéria de facto por parte do juiz de apelação é uma garantia do princípio da imediação, entendido como controlo racional da fiabilidade das provas e das hipóteses explicativas da mesma, com vista à explicitação das razões que levam à determinação da matéria de facto.

Nesta medida, a sentença ofende os princípios do duplo grau de jurisdição, da imediação, e da fundamentação de facto”.