Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:107/23.6BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
COMUNICAÇÃO À ORDEM DOS ADVOGADOS
Sumário:I– A aplicação da taxa sancionatória excepcional, para além de ter de constar de decisão judicial fundamentada (fundamentos válidos e concretos), depende do preenchimento dos seguintes requisitos de verificação cumulativa: a) ser a pretensão (de natureza substantiva ou processual) manifestamente improcedente; e b) não ter a parte agido com a prudência ou diligência que lhe são exigíveis.
II– A taxa sancionatória excepcional visa “penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência censurável do ponto de vista ético-jurídico”, pelo que devem estar em causa pretensões manifestamente improcedentes, em que se não vislumbra interesse razoável na formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta da mínima diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da sua falta de fundamento.
III– A mera desconformidade argumentativa das partes com as posições jurídicas antes tidas por pacíficas não justifica a aplicação desta sanção, tal como seria insusceptível de justificar a condenação de alguma das partes por litigância de má-fé.
IV– A parte responsável pelas custas pode, assim, ser condenada no pagamento de taxa sancionatória excepcional (a qual, de acordo com o disposto no artigo 10º do RCP, pode ser fixada entre 2 e 15 UC´s) “nas situações em que, apesar de a sua actuação não atingir gravidade que justifique a condenação como litigante de má-fé, se reflicta na dedução de pretensões, meios de defesa, incidentes ou recursos manifestamente improcedentes e que, além disso, revelem a violação das regras da prudência ou diligência devida”.
V– Perante o teor da sentença proferida no âmbito do processo nº …./20.9BEPDLD, forçoso é concluir que o autor, e aqui recorrente, fez – por intermédio do patrono que oficiosamente lhe foi nomeado, e que já o havia patrocinado na acção nº …./20.9BEPDL – um uso anormal e desadequado dos meios processuais que a lei lhe concedia, reproduzindo na presente acção um pedido, suportado em idêntica causa de pedir, que já havia sido decidido noutra acção (a nº ……/20.9BEPDL), entretanto transitada.
VI– As circunstâncias mencionadas justificam a condenação decretada a título de taxa sancionatória excepcional, tal como foi decidido na sentença recorrida, mas não já a comunicação do facto à OA, nos termos previstos no artigo 545º do CPCivil, uma vez que tendo esta disposição natureza excepcional, aplicando-se apenas aos casos de litigância de má-fé, a mesma não comporta a possibilidade de aplicação analógica ao caso presente.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO
1. V……, com os sinais dos autos, intentou no TAF de Ponta Delgada contra a Caixa Geral de Aposentações, IP, uma acção administrativa, ao abrigo do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, na qual formulou um pedido de condenação da ré a pagar-lhe, a título de danos morais, a quantia de 35.000,00€, e ainda pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, logo após ser apurada a desvalorização actual que padece, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, o que implica novos montantes indemnizatórios, a apurar em liquidação da sentença.
2. O TAF de Ponta Delgada, por sentença datada de 30-12-2023, julgou a acção improcedente e absolveu a Caixa Geral de Aposentações da instância, condenando ainda o autor em taxa sancionatória excepcional, que fixou em 2 (duas) UC’s.
3. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:

1) O recorrente jamais litigou com manifesta má-fé;
2) Pois agiu com prudência normal para obter uma justa solução para as suas graves enfermidades de que padece, e se ampliam com o tempo;
3) Actualmente, o recorrente é portador de uma deficiência, cujo grau de incapacidade é de 85%, e aparenta elevada dificuldade de deslocação, sem ajuda de outrem, ou recurso a meios de compensação – cfr. doc. 6 junto à p.i.;
4) É pessoa que vive com grandes dificuldades económicas, porque a pensão que aufere não dá para as suas despesas do dia a dia;
5) Tentou contactar extrajudicialmente a ré, ora recorrida, a fim de ser acolhida e satisfeita a sua pretensão, mas viu-se foi mergulhado numa teia de burocracia incontrolável e de difícil solução, daí a propositura da acção;
6) Por isso, a forma utilizada pelo recorrente, em nada beliscou os ditames da boa-fé, antes pelo contrário.
7) Ora, a condenação como litigante de má-fé, pressupõe uma lide dolosa;
8) Os factos em que a douta sentença se baseou para condenar o recorrente em taxa sancionatória excepcional – 2 UC e dar conhecimento à Ordem dos Advogados – não revela que o recorrente tenha litigado com dolo ou negligência;
9) Deve a douta sentença ser revogada na parte em que condena o ora recorrente na supra referida taxa sancionatória;
10) Foram violadas as normas constantes do artigo 545º do CPCivil”.
4. A ré CGA, regularmente notificada para apresentar contra-alegação, não o fez.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, mas o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.


II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, impõe-se apreciar no presente recurso se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao ter condenado o autor em taxa sancionatória excepcional, na medida em que, no seu entender, os factos em que a sentença se baseou para condenar o recorrente naquela taxa – 2 UC e conhecimento à Ordem dos Advogados – não revelam que o recorrente tenha litigado com dolo ou negligência.


III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. A sentença recorrida considerou assente – sem qualquer reparo – a seguinte factualidade:
a. Em 15 de Outubro de 2012, pelo Comandante do Regimento de Guarnição nº 1, em Angra do Heroísmo, foi proferido o seguinte despacho:
Atento aos autos e ao relatório do oficial averiguante, considero que:
1) Parece resultar provado que o Soldado RC…….. V…… sofreu uma queda durante o período de serviço e por motivo do seu desempenho, em 31 de Julho de 2009.
2) Do acidente ocorrido em 31JUL09, resultou o início de um processo clínico que culminou numa JMRE em 06jul12, tendo a decisão de incapacidade de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com uma desvalorização de 10%, sido homologada em 12jul12 pelo Exmº TGEN VCEME.
3) O militar sinistrado confirmou ter queixas anteriores ao acidente de 31 JUL09 conforme "ficou comprovado no relatório de alta de 03NOV09 do HMP" (cf. fls. 63) e não resulta provado que o acidente tenha estado na origem de um agravamento da sua anterior situação clínica de hérnias discais.
4) No mesmo relatório médico do HMP (svç. de Neurologia e Neurocirurgia) a fls. 63, considera-se ter ficado por esclarecer se na causa do internamento esteve um "esforço", se uma "queda".
5) De todo o modo, o estabelecimento do nexo de causalidade entre o actual estado clínico do militar informalmente com 10% de desvalorização (por decisão da JMRE) e o acidente de 31Jul09 é da competência da CPIP/DS.
6) Enviem-se os autos à DJD para apreciação e decisão superior do Exmº TGEN AGE no que respeita à qualificação do acidente ocorrido em 31JUL09” – cfr. fls. 647/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
b. Na Informação nº 1291, referente ao Proc. ……………/12 (JGP), de 27 de Novembro de 2015, da Direcção de Serviços de Pessoal, do Exército Português, recaiu, em 1-12-2015, o seguinte despacho:
- Concordo.
- O acidente ocorrido a 31JUL09 deve ser considerado resultante do exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho.
- O sinistrado foi considerado, por decisão da JMRE de 06Jun2012, incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho, com uma desvalorização de 10% (dez por cento).
- Remeta-se o presente processo à RPFES/DARH, para posterior encaminhamento e eventuais diligências com vista à sua conclusão” – cfr. fls. 651/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
c. Pelo ofício com a referência DSP…………, datado de 5-1-2016, foi remetido à Repartição de Pessoal Fora da Efectividade de Serviço da Direcção de Administração de Recursos Humanos, o processo referente ao acidente em serviço ocorrido com o autor, a fim de ser reunida toda a documentação necessária para posterior envio à Caixa Geral de Aposentações, com vista à eventual atribuição de uma pensão de invalidez – cfr. fls. 652/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
d. Pelo ofício datado de 17-1-2018, a Direcção de Administração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal do Exército, enviou à Caixa Geral de Aposentações o processo administrativo referente ao autor para eventual atribuição de pensão de invalidez – cfr. fls. 655/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
e. Pelo ofício datado de 9-2-2018, a Direcção de Administração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal do Exército, informou a Caixa Geral de Aposentações que a data da alta definitiva dada ao autor foi 12-7-2012 – cfr. fls. 775/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
f. Em 26-10-2018, a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações fixou ao autor o grau de incapacidade parcial permanente de 10% – cfr. fls. 764/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
g. O autor requereu junto da Caixa Geral de Aposentações a realização de Junta Médica de Recurso – cfr. fls. 762/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
h. Em 9-5-2019, a Junta Médica de Recurso manteve ao autor o grau de incapacidade parcial permanente de 10% – cfr. fls. 761/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
i. Pelo ofício datado de 20-5-2019, com a referência nº EA…………, a Caixa Geral de Aposentações comunicou ao autor o seguinte:
(...)
Comunico a V. Exª que o resultado da Junta de Recurso da Caixa Geral de Aposentações realizada em 09 de Maio de 2019, relativa ao acidente ocorrido em 31 de Julho de 2009, foi o seguinte:
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções.
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho.
Mantém-se a desvalorização de 10%, já anteriormente atribuída de acordo com o Capítulo III nº 7 da TNI.
Informo ainda, de que esta Caixa não pode desencadear o processo de aposentação por incapacidade sem que haja uma manifestação expressa de vontade, seja do subscritor, seja do respectivo serviço.
(...)” – cfr. fls. 246/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
j. Pelo ofício datado de 23-4-2020, com a referência EA…………, a Caixa Geral de Aposentações, comunicou ao autor o seguinte:
Assunto: PENSÃO POR ACIDENTE EM SERVIÇO
DL 503/1999 de 20/11
Utente nº: …………
Categoria: EX-SOLD NIM/……………….
Comunico a V. Exª que, por decisão de 2020-04-23, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações (Delegação de poderes publicada no DR II Série, nº 244 de 2019-12-19), lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de € 5.081,50, a que corresponde uma pensão mensal de € 362,96 (€ 5.081,50/14), em consequência do acidente em serviço de que foi vítima.
Do referido acidente em serviço resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, com a desvalorização de 10 %, e uma capacidade residual de 100 %, para o exercício de outra função compatível, conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 2018-11-06.
A pensão mensal, foi calculada nos seguintes termos:
Retribuição anual € 10.163,00 Pensão Mensal (€ 5.081,50/14) € 362,96
Subsídio Férias (€ 5.081,50/14) € 362,96 Subsídio Natal (€ 5.081,50/14) € 362,96 Data Início Pensão 2012-07-12
EVOLUÇÃO DE PENSÃO
Início Pensão (€) Início Pensão (€)
2012-07-12 362,96 2012-08-01 362,96
2013-01-01 373,49 2014-01-01 374,98
2015-01-01 374,98 2016-01-01 376,48
2017-01-01 378,36 2018-01-01 385,17
2019-01-01 391,33 2020-01-01 391,33
DIVISÃO DE ENCARGOS
Regime Entidade Valor (€) Tipo de Valor
Pensão DL 503/99 CAIXA GERAL APOSENTAÇÕES 362,96 P VITALÍCIA-ACIDEN. SERV. – DL 503/99
Assunto: PENSÃO POR ACIDENTE EM SERVIÇO DL 503/1999 de 20/11.
Utente nº:............./00 Categoria: EX-SOLD NIM/………….. OBSERVAÇÕES
Remunerações consideradas conforme descontos efectuados para esta Caixa.
A pensão é devida desde 2012-07-12, data em que foi desligado do Serviço (Exército).
(...)” – cfr. fls. 264/906-265/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
k. Em 29-7-2020, o autor, através de patrono nomeado, apresentou neste tribunal acção administrativa contra o Estado Português – Ministério da Defesa – Forças Armadas – Exército, e solicitou a submissão a exame por Junta Médica, com atribuição de perito pelo tribunal – cfr. fls. 297/906 a 299/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
l. Na petição inicial da acção administrativa referida na alínea anterior, que correu termos sob o nº …../20.9BEPDL, o autor formulou o seguinte pedido:
Termos em que a acção deve ser julgada procedente por provada, condenando-se o réu a pagar ao autor, a título de danos morais a quantia de 32.000,00 euros, e ainda também a pagar ao autor indemnização por danos patrimoniais, logo após ser apurada a desvalorização actual que padece, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, o que implica novos montantes indemnizatórios, a apurar em liquidação da sentença" – cfr. fls. 278/906 a 280/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
m. Em 14-6-2021, foi admitida a intervenção principal provocada da Caixa Geral de Aposentações na acção administrativa referida na alínea k) – cfr. fls. 338/906 e 339/906 do processo electrónico;
n. Em 11-5-2022, o autor apresentou requerimento junto da Caixa Geral de Aposentações, a solicitar a revisão da incapacidade, nos termos do artigo 40º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro – cfr. fls. 733/906 a 747/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
o. Em 30-8-2022, foi realizada a Junta Médica de agravamento solicitada pelo autor, que lhe atribuiu o grau de desvalorização de 32% pelo acidente ocorrido em 31-7-2009 – cfr. fls. 788/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
p. Pelo ofício EA…………., de 30-8-2022, foi comunicado ao Estado-Maior do Exército – Direcção de Finanças o resultado da junta médica – cfr. fls. 805/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
q. Pelo ofício EA……….., de 30-8-2022, foi comunicado ao autor o resultado da junta médica – cfr. fls. 806/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
r. O autor, no processo nº ……./20.9BEPDL apresentou requerimento com o seguinte teor:
“V……, autor, já id. nestes autos, requer a junção aos mesmos do resultado da Junta Médica, realizada no dia 30 de Agosto de 2022, em que a sua desvalorização de 10%, passou para 32%, conforme doc. que se anexa e se dá aqui por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
(...)” – cfr. fls. 881/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
s. Pelo ofício EA………., de 22-9-2022, foi comunicado ao autor a alteração da pensão anual vitalícia decorrente da alteração do grau de desvalorização fixado na junta médica – cfr. fls. 812/906 e 813/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
t. O autor não impugnou o resultado da junta médica referida na alínea o) – facto admitido por acordo;
u. Em 16-10-2022, foi proferida sentença no âmbito do processo nº ……./20.9BEPDL, a julgar verificada uma excepção dilatória inominada e, em consequência, a absolver a chamada Caixa Geral de Aposentações, da instância, nos termos dos artigos 576º, nº 2 e 278º, nº 1, alínea e) do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA – cfr. fls. 884/906 a 899/906 do processo administrativo incorporado no processo electrónico;
v. Em 7-11-2023, o autor, através de patrono nomeado, apresentou neste tribunal acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, IP, e solicitou a submissão a exame por Junta Médica, com atribuição de perito pelo Tribunal, referindo no artigo 11º da petição inicial que “requereu em Maio de 2022, a revisão da incapacidade, conforme docs. 7, que se anexa e até à presente data a Caixa Geral de Aposentações nada determinou, daí a presente acção” – cfr. fls. 1 e segs. do processo electrónico;
w. Na petição inicial da acção administrativa referida na alínea anterior, o autor formula o seguinte pedido:
Termos em que a acção deve ser julgada procedente por provada, condenando-se o réu a pagar ao autor, a título de danos morais, a quantia de 35.000,00€, e ainda também a pagar ao autor indemnização por danos patrimoniais, logo após ser apurada a desvalorização actual que padece, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, o que implica novos montantes indemnizatórios, a apurar em liquidação da sentença” – cfr. fls. 1 e segs. do processo electrónico;
x. Em 10-11-2023, foi proferido despacho, entre o mais, com o seguinte teor: “Compulsada a petição inicial de fls. 4 e segs. do SITAF, verifico que o autor, V…… , vem intentar contra a Caixa Geral de Aposentações, IP, “acção administrativa”, referindo no artigo 11º do seu articulado que “requereu em Maio de 2022, a revisão da incapacidade, conforme docs. 7, que se anexa, e até à presente data a Caixa Geral de Aposentações nada determinou, daí a presente acção”.
Pede, a final, o seguinte:
“Termos em que a acção deve ser julgada procedente por provada, condenando-se o réu a pagar ao autor, a título de danos morais, a quantia de 35.000,00€, e ainda também a pagar ao autor indemnização por danos patrimoniais, logo após ser apurada a desvalorização actual que padece, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, o que implica novos montantes indemnizatórios, a apurar em liquidação da sentença”.
Mais se verifica que, no formulário disponibilizado no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais administrativos e fiscais, o Ilustre Patrono Nomeado, inseriu como espécie “Acção Administrativa” e como ré “Caixa Geral de Aposentações”.
Ora, da leitura da petição inicial afigura-se que o autor pretende intentar acção ao abrigo do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro (diploma que estabelece o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridos ao serviço da Administração Pública), mais concretamente ao abrigo do artigo 48º, nº 1 do citado diploma, que preceitua o seguinte: “O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência”.
Assim, notifique o autor para, no prazo de 5 (cinco) dias, esclarecer se pretende intentar uma acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões referentes à aplicação do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro (cfr. artigo 48º, nº 1 do DL nº 503/99, de 20 de Novembro). Caso assim seja, no mesmo prazo de 5 (cinco) dias, deverá apresentar petição inicial aperfeiçoada/corrigida.
(...)” – cfr. fls. 41 do processo electrónico;
y. Em 17-11-2023, o autor, apresentou requerimento com o seguinte teor:
“V……, autor, já id. nestes autos, vem em cumprimento do douto despacho de V. Exª, dizer que pretende intentar uma acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido contra a Caixa Geral de Aposentações, por omissão, relativa à aplicação do DL nº 503/99, de 20 de Novembro, e de acordo com o artigo 48º, nº 1, do referido decreto-lei, e para tal requer a junção aos autos da p.i. corrigida que se anexa.
Junta: p.i. corrigida.
(...)” – cfr. fls. 47 do processo electrónico;
z. O autor, em anexo ao requerimento referido na alínea anterior, juntou petição inicial corrigida, referindo que a acção que intenta contra a Caixa Geral de Aposentações, IP, é “nos termos do artigo 48º, nº 1 do DL nº 503/99, de 20 de Novembro, acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido por omissão" – cfr. fls. 48-52 do processo electrónico.


B – DE DIREITO
10. Como se viu do acima exposto, o TAF de Ponta Delgada julgou a presente acção improcedente e absolveu a Caixa Geral de Aposentações da instância, condenando ainda o autor em taxa sancionatória excepcional, que fixou em 2 (duas) UC’s.
11. Como decorre do teor das conclusões da alegação do recorrente, este não contesta o sentido da decisão, que absolveu a CGA, IP, da instância, limitando-se a invocar que a sentença recorrida, no mais, incorreu em erro de julgamento de direito, nomeadamente ao tê-lo condenado em taxa sancionatória excepcional, na medida em que, no seu entender, os factos em que a sentença se baseou para o condenar na aludida taxa sancionatória excepcional – 2 UC e comunicação à Ordem dos Advogados –, não revelam que o recorrente tenha litigado com dolo ou negligência.
Vejamos se lhe assiste razão na crítica que aponta à sentença recorrida.
12. A fundamentação exarada na decisão recorrida para justificar a condenação do autor em taxa sancionatória excepcional foi a seguinte:
No caso em apreciação resulta que, por despacho de 1 de Dezembro de 2015 [cfr. alínea B)], o acidente que o autor sofreu, em 31 de Julho de 2009, foi considerado resultante do exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho (acidente em serviço). E, apenas em 17 de Janeiro de 2018, a Direcção de Administração de Recursos Humanos do Exército enviou a documentação referente ao processo do autor à Caixa Geral de Aposentações [cfr. alínea D)].
Está provado também que o autor foi sujeito à junta médica prevista no artigo 38º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, em 26 de Outubro de 2018 [cfr. alínea F)].
Dimana ainda do probatório que o autor não aceitou o grau de desvalorização de 10% fixado na junta médica e requereu junta de recurso [cfr. alínea G)]. A mencionada Junta Médica de Recurso manteve inalterado o grau de desvalorização [cfr. alínea H)].
Mais resulta que, após ter sido notificado da decisão de 23-4-2020, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, que lhe fixou uma pensão anual vitalícia, em consequência do acidente em serviço de que foi vítima [cfr. alínea J)], o autor intentou uma acção administrativa em 29-7-2020, que correu termos sob o nº …/20.9BEPDL [cfr. alíneas K) e L)], com o intuito de obter o pagamento de 32.000,00 EUR, a título de danos morais, e ainda o pagamento de indemnização por danos patrimoniais, após ser apurada a desvalorização actual que padece, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades.
Ainda resulta do probatório que o autor, em 11-5-2022, apresentou requerimento, junto da Caixa Geral de Aposentações, a solicitar a revisão da incapacidade, nos termos do artigo 40º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro [cfr. alínea N)], tendo-lhe sido atribuído o grau de desvalorização de 32% [cfr. alínea O)]. Tal situação chegou ao conhecimento do autor, após a recepção do ofício datado de 30-8-2022, remetido pela Caixa Geral de Aposentações, IP [cfr. alínea Q)], tanto mais que, o Ilustre patrono nomeado ao autor, veio dar conhecimento desse facto ao processo nº ……./20.9BEPDL [cfr. alínea R)].
Assim, perante tal factualidade não se compreende como é que o autor sustenta os presentes autos no facto de não ter obtido pronúncia da ré, Caixa Geral de Aposentações, IP, ao requerimento apresentado em Maio de 2022, através do qual requereu a revisão da incapacidade [cfr. alínea U)], quando na verdade, à data da propositura da presente acção, ao abrigo do artigo 48º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, já tinha conhecimento do resultado da junta médica de 30-8-2022 – a qual foi agendada na sequência do requerimento de 11-5-2022 [cfr. alínea N)] –, facto esse que foi trazido aos autos que correram termos sob o nº ……/20.9BEPDL pelo próprio autor [cfr. alínea R)].
Ora, se o autor não concordava com o grau de desvalorização fixado na junta médica a que foi sujeito cabia-lhe impugnar tal decisão, o que não fez [cfr. alínea T)].
Salienta-se que o regime de acidentes em serviço ocorridos no domínio da Administração Pública consagrado no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, contém regras específicas, que têm de ser observadas, e não podem ser preteridas, como já foi oportunamente explicitado aquando da prolação de sentença no processo nº ……./20.9BEPDL [cfr. alínea U)].
Deste modo, cabe ao autor observar o preceituado naquele diploma legal, designadamente o disposto no artigo 40º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro que dispõe sobre "Revisão da incapacidade e das prestações” o seguinte:
“1 – Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do trabalhador proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou de aplicação de prótese ou ortótese, as prestações da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações poderão ser revistas e, em consequência, aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2 – As prestações podem ser revistas por iniciativa da Caixa Geral de Aposentações ou mediante requerimento do interessado, fundamentado em parecer médico.
3 – A revisão pode ser efectuada no prazo de 10 anos contado da data da fixação das prestações:
a) Uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos;
b) Uma vez por ano, nos anos subsequentes.
4 – No caso de doença profissional de carácter evolutivo, a revisão pode ser requerida a todo o tempo, excepto nos dois primeiros anos, em que só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.
5 – A verificação da modificação da capacidade geral de ganho é da competência da correspondente junta médica prevista no artigo 38º.
6 – A não comparência injustificada do sinistrado ou doente a exame da junta médica referida no número anterior determina a suspensão das prestações devidas nos termos do presente diploma a partir do dia 1 do mês seguinte ao da primeira falta e até à submissão do interessado a novo exame, que deverá realizar-se no prazo máximo de 30 dias consecutivos a contar da não comparência".
No caso sub judice, não existindo fundamento legal para a pretensão formulada pelo autor na presente acção, emerge a sua manifesta improcedência, assim como resulta uma visível ausência de cuidado e diligência que eram exigíveis, e que poderiam (deveriam) ter sido observados, e não foram.
A inexistência de fundamento legal para a pretensão formulada pelo autor na presente acção, consubstancia excepção dilatória inominada que conduz à absolvição do réu da instância, nos termos dos artigos 576º, nº 2 e 278º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável «ex vi» artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o que se determinará em seguida.
Nos presentes autos a ré pede que o autor seja condenado numa taxa sancionatória excepcional. Estarão reunidos os pressupostos para o efeito?
Vejamos.
O artigo 531º do CPC estabelece o seguinte: “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida".
Nas condutas aqui sancionáveis, para além da manifesta improcedência (interpretada em termos adequados, pois aí se inclui a manifesta inadmissibilidade), basta a verificação de falta de prudência ou diligência da parte ou do seu mandatário, não se exigindo dolo ou negligência grosseira, como sucede na litigância de má-fé (vide para maiores desenvolvimentos, CPC anotado de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Volume 2º, 3ª Edição, Almedina, 2017; e CPC anotado, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. 1, Almedina, 2018).
Ora, no caso em apreço, é manifesta a improcedência/inadmissibilidade da acção proposta pelo autor, face à inexistência de fundamento legal para a pretensão formulada em juízo, conforme supra expendido.
Por outro lado, é também manifesta a falta de diligência ou de prudência da parte e/ou do seu patrono nomeado, atento o facto de já ter sido também patrono nomeado no processo nº ……../20.9BEPDL, e ter conhecimento bastante sobre os termos substantivos e processuais subjacentes à matéria em litígio, o que, só por si, confirma a falta de prudência ou diligência, pois, mais uma vez, o autor não cuidou de observar os preceitos que se encontram plasmados no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, designadamente aqueles que disciplinam a revisão da incapacidade e das prestações, tendo, em sede de réplica, justificado a propositura da presente acção com o intuito “de obter uma solução justa para as enfermidades que gravemente padece, quer através de contactos telefónicos com a direcção da ré, quer por escrito. (...) vive drasticamente com imensas dores no seu dia à dia e agravando-se com o tempo, e nunca foi acolhida na sua real situação por parte da ré, que remete o autor para uma burocracia incontrolável e de difícil compreensão, que só alimenta infelizmente o seu sofrimento, que se tronou praticamente inconsolável”.
Os tribunais existem para dirimir eventuais conflitos que possam ocorrer entre as partes, mas é pressuposto prévio que o autor primeiramente diligencie junto da(s) entidade(s) pública(s) o(s) procedimento(s) administrativo(s) que se impõe(m).
Assim, e porque nem sequer se exige dolo ou negligência grosseira neste caso, estão reunidos os pressupostos para aplicação da taxa sancionatória excepcional.
A taxa sancionatória deve ser fixada entre 2 UC e 15 UC – cfr. artigo 10º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) –, de acordo com os critérios previstos no artigo 27º, nº 4 do RCP, sendo sempre da responsabilidade da parte condenada, sem ficar abrangida pelo apoio judiciário nem quaisquer isenções aplicáveis (cfr. artigo 28º, nº 4 do RCP).
Considerando os critérios enunciados e a moldura sancionatória aplicável, tem-se por adequada a fixação do montante da taxa sancionatória em 2 UC, valor mínimo previsto.
Por outro lado, sendo o acto processual sancionado manifestamente um acto próprio de advogado e, portanto, da responsabilidade directa do patrono nomeado, há lugar à aplicação analógica do previsto no artigo 545º do CPC, devendo ser dado conhecimento à Ordem dos Advogados para que avalie da eventual condenação do patrono nomeado em parte ou na totalidade da condenação ora aplicada ao autor”.
13. O recorrente sustenta no presente recurso que (i) jamais litigou com manifesta má-fé; (ii) agiu com prudência normal para obter uma justa solução para as suas graves enfermidades de que padece, e se ampliam com o tempo; (iii) actualmente é portador de uma deficiência, cujo grau de incapacidade é de 85%, e aparenta elevada dificuldade de deslocação, sem ajuda de outrem, ou recurso a meios de compensação; (iv) vive com grandes dificuldades económicas, porque a pensão que aufere não dá para as suas despesas do dia a dia; (v) tentou contactar extrajudicialmente a ré, ora recorrida, a fim de ser acolhida e satisfeita a sua pretensão, mas viu-se foi mergulhado numa teia de burocracia incontrolável e de difícil solução, daí a propositura da acção; (vi) a forma utilizada pelo recorrente, em nada beliscou os ditames da boa-fé, antes pelo contrário; (vii) a condenação como litigante de má-fé, pressupõe uma lide dolosa; (viii) os factos em que a sentença se baseou para condenar o recorrente em taxa sancionatória excepcional – 2 UC e dar conhecimento à Ordem dos Advogados – não revela que o recorrente tenha litigado com dolo ou negligência. Concluiu, a final, que a decisão recorrida, que o condenou na referida taxa sancionatória excepcional, viola o disposto no artigo 545º do CPCivil.
Vejamos se no caso presente estavam verificadas as condições para aplicação ao recorrente da taxa sancionatória excepcional, tal como decidiu a sentença recorrida.
14. Sob a epígrafe “Taxa sancionatória excepcional”, prescreve o artigo 531º do CPCivil que “por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”. Esta taxa sancionatória excepcional foi introduzida pelo DL nº 34/2008, de 26/2, que aprovou o RCP, e aditou o artigo 447º-B ao CPCivil então em vigor, esclarecendo-se, no respectivo Preâmbulo, que se tratava de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.
15. A aplicação da taxa sancionatória excepcional, para além de ter de constar de decisão judicial fundamentada (fundamentos válidos e concretos), depende do preenchimento dos seguintes requisitos de verificação cumulativa: a) ser a pretensão (de natureza substantiva ou processual) manifestamente improcedente; e b) não ter a parte agido com a prudência ou diligência que lhe são exigíveis.
16. Como sustenta Salvador da Costa, a taxa sancionatória excepcional visa “penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência censurável do ponto de vista ético-jurídico”. Devem estar em causa pretensões manifestamente improcedentes, em que se não vislumbra interesse razoável na formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta da mínima diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da sua falta de fundamento. Mas a mera desconformidade argumentativa das partes com as posições jurídicas antes tidas por pacíficas não justifica a aplicação desta sanção, tal como seria insusceptível de justificar a condenação de alguma das partes por litigância de má-fé. Na análise da censurabilidade das partes na formulação das aludidas pretensões, o juiz deve ter em conta o quadro de facto disponível, as normas jurídicas aplicáveis e as várias soluções plausíveis das questões de direito” (cfr. “As Custas Processuais – Análise e Comentário”, 8ª Edição, Almedina, 2021, a págs. 19/20)
17. De igual modo, o acórdão do STJ, de 22-2-2022, proferido no âmbito do processo nº 103/06.8TBMNC-E.G1.S1, também se pronunciou sobre a temática da aplicação da taxa sancionatória excepcional, podendo extrair-se do respectivo sumário a seguinte orientação jurisprudencial:
I – A figura da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no artigo 531º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível.
II – Justifica-se a aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional quando os inúmeros requerimentos, incidentes e pretensões apresentadas pela parte, têm todos o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles, verificando-se uma lamentável situação de evidente abuso do direito de acção, exercido à revelia e contra as regras processuais a que era suposto obedecer (…).
III – É precisamente para tentar pôr cobro a este tipo de anómala e patológica litigância que se encontra legalmente prevista a taxa de justiça sancionatória excepcional, ou seja, para desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma actividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada”.
18. A parte responsável pelas custas pode, assim, ser condenada no pagamento de taxa sancionatória excepcional (a qual, de acordo com o disposto no artigo 10º do RCP, pode ser fixada entre 2 e 15 UC´s) “nas situações em que, apesar de a sua actuação não atingir gravidade que justifique a condenação como litigante de má-fé, se reflicta na dedução de pretensões, meios de defesa, incidentes ou recursos manifestamente improcedentes e que, além disso, revelem a violação das regras da prudência ou diligência devida” (neste sentido, vd. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no seu “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª edição, Almedina, 2020, a págs. 605).
19. Ou seja, embora a referida taxa assuma, como refere Salvador da Costa, a natureza jurídica de uma penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé (por estar em causa a censurabilidade da actuação processual das partes), ambos os regimes se distinguem ao nível do âmbito da actuação censurável (em termos amplos e globais na litigância de má fé, cuja condenação decorre das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 542º do CPCivil; e numa perspectiva de actividade processual mais restrita na taxa sancionatória excepcional).
20. Atendendo, porém, que o artigo 531º se limita a enunciar, de forma genérica, os pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excepcional, “deve o tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais”, sob pena de se poder estar a coarctar o direito de as partes defenderem os seus interesses pela via processual (cfr., neste sentido, o acórdão da Relação do Porto, proferido no âmbito do Proc. nº 27758/18.8T8PRT.P1, e também o acórdão do STJ, de 18-12-2019, proferido no âmbito do Proc. nº 136/13.8JDLSB.L2-A.S1).
Tecidas estas considerações, reportemo-nos ao caso dos autos.
21. Importa, para tanto, percorrer os factos relevantes que foram dados como assentes no probatório da presente acção, e que são os seguintes:
– Em 29-7-2020, o autor, através de patrono nomeado, apresentou neste tribunal acção administrativa contra o Estado Português – Ministério da Defesa – Forças Armadas – Exército, e solicitou a submissão a exame por Junta Médica, com atribuição de perito pelo tribunal (facto k.);
– Na petição inicial dessa acção administrativa, que correu termos sob o nº 6…/20.9BEPDL, o autor formulou o seguinte pedido:
Termos em que a acção deve ser julgada procedente por provada, condenando-se o réu a pagar ao autor, a título de danos morais a quantia de 32.000,00 euros, e ainda também a pagar ao autor indemnização por danos patrimoniais, logo após ser apurada a desvalorização actual que padece, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, o que implica novos montantes indemnizatórios, a apurar em liquidação da sentença" (facto l.);
– Em 14-6-2021, foi admitida a intervenção principal provocada da Caixa Geral de Aposentações na acção administrativa referida na alínea k) (facto m.);
– Em 11-5-2022, o autor apresentou requerimento junto da Caixa Geral de Aposentações, a solicitar a revisão da incapacidade, nos termos do artigo 40º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro (facto n.);
– Em 30-8-2022, foi realizada a Junta Médica de agravamento solicitada pelo autor, que lhe atribuiu o grau de desvalorização de 32% pelo acidente ocorrido em 31-7-2009 (facto o.);
– Pelo ofício EA………, de 30-8-2022, foi comunicado ao Estado-Maior do Exército – Direcção de Finanças o resultado da junta médica (facto p.);
– Pelo ofício EA…………, de 30-8-2022, foi comunicado ao autor o resultado da junta médica (facto q.);
– O autor, no processo nº ………./20.9BEPDL apresentou requerimento com o seguinte teor:
“V…… , autor, já id. nestes autos, requer a junção aos mesmos do resultado da Junta Médica, realizada no dia 30 de Agosto de 2022, em que a sua desvalorização de 10%, passou para 32%, conforme doc. que se anexa e se dá aqui por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
(...)” (facto r.);
– Pelo ofício EA………., de 22-9-2022, foi comunicado ao autor a alteração da pensão anual vitalícia decorrente da alteração do grau de desvalorização fixado na junta médica (facto s.);
– O autor não impugnou o resultado da junta médica referida na alínea o) (facto t.);
– Em 16-10-2022, foi proferida sentença no âmbito do processo nº ……/20.9BEPDL, a julgar verificada uma excepção dilatória inominada e, em consequência, a absolver a chamada Caixa Geral de Aposentações, da instância, nos termos dos artigos 576º, nº 2 e 278º, nº 1, alínea e) do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA (facto u.);
– Em 7-11-2023, o autor, através de patrono nomeado, apresentou neste tribunal acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, IP, e solicitou a submissão a exame por Junta Médica, com atribuição de perito pelo Tribunal, referindo no artigo 11º da petição inicial que “requereu em Maio de 2022, a revisão da incapacidade, conforme docs. 7, que se anexa e até à presente data a Caixa Geral de Aposentações nada determinou, daí a presente acção” (facto v.);
– Na petição inicial da acção administrativa referida na alínea anterior, o autor formula o seguinte pedido:
Termos em que a acção deve ser julgada procedente por provada, condenando-se o réu a pagar ao autor, a título de danos morais, a quantia de 35.000,00€, e ainda também a pagar ao autor indemnização por danos patrimoniais, logo após ser apurada a desvalorização actual que padece, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, o que implica novos montantes indemnizatórios, a apurar em liquidação da sentença” (facto w.).
Ora, salvo melhor entendimento, julgamos que o decidido pelo tribunal recorrido não merece a censura que o recorrente lhe assaca.
22. Para tanto, basta atentar no teor dos pedidos formulados quer na acção que correu termos no TAF de Ponta Delgada, sob o nº ……/20.9BEPDL, quer na presenta acção, os quais, fora a actualização do valor peticionado na presente acção, é essencialmente o mesmo.
23. Ora, perante o teor da sentença proferida no âmbito do processo nº …./20.9BEPDLD, forçoso é concluir que o autor, e aqui recorrente, fez – por intermédio do patrono que oficiosamente lhe foi nomeado, e que já o havia patrocinado na acção nº ……/20.9BEPDL – um uso anormal e desadequado dos meios processuais que a lei lhe concedia, reproduzindo na presente acção um pedido, suportado em idêntica causa de pedir, que já havia sido decidido noutra acção (a nº ……./20.9BEPDL), entretanto transitada. Não se encontra justificação para o ter feito, sendo certo que o “desespero” em que o autor invocava encontrar-se não constitui fundamento plausível para assim ter agido.
24. Em suma, as circunstâncias mencionadas justificam a condenação decretada a título de taxa sancionatória excepcional, tal como foi decidido na sentença recorrida, que deste modo se mantém, mas não já a comunicação do facto à OA, nos termos previstos no artigo 545º do CPCivil, uma vez que tendo esta disposição natureza excepcional, aplicando-se apenas aos casos de litigância de má-fé, a mesma não comporta a possibilidade de aplicação analógica ao caso presente.


IV. DECISÃO
25. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a decisão recorrida na parte em condenou o autor em taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 531º do CPCivil, mas revogando-a na parte em que ordenou a comunicação do facto à OA, em cumprimento do disposto no artigo 545º do CPCivil.
26. Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 11 de Abril de 2024

(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)

(Frederico Macedo Branco – 1º adjunto)

(Maria Julieta França – 2ª adjunta)