Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:612/07.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS GERENTES
GERÊNCIA DE FACTO E GERÊNCIA DE DIREITO
Sumário:I. Um dos pressupostos da responsabilidade tributária prevista no artigo 24° da LGT é o exercício efetivo de funções no período de tempo a que respeita a dívida.
II. Do quadro factual apurado nos presentes autos resulta que não era o Opoente/Recorrido que decidia os destinos da sociedade, não exercendo os poderes de decisão e nada decidindo sobre a vida societária.
III. De acordo com os factos apurados deve concluir-se que o Opoente/Recorrido figurou como “testa de ferro”, do verdadeiro gerente da sociedade executada originária, o seu pai.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por R..., na qualidade de revertido, no âmbito do processo de execução fiscal número 15... e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Loures - 1, contra D... F..., Lda., para cobrança coerciva de coimas fiscais e de dívida de IVA de Maio de 2000 de 2003, IRS de 2000, 2001, 2002 e 2003, no montante de € 124.560,97.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. Contrariamente ao estabelecido na douta sentença a quo, a Fazenda Pública considera que o Oponente exerceu a gerência efetiva da sociedade, posto tratar-se in casu de uma gerência conjunta e plural, como resulta do teor da certidão de matrícula daquela, pela qual se percebe que a sociedade originária devedora se obrigava com as assinaturas de dois gerentes.
II. Gerência plural esta que, durante o período temporal que mediou entre as datas de 09-011998 e 01-03-2003 contemplou, para além do ora Oponente, mais outros dois gerentes.
III. Por tal facto, constando do contrato de sociedade da originária devedora que a respetiva gerência fica a cargo de dois sócios e sendo obrigatória a assinatura de ambos para obrigar a sociedade, está-se perante uma gerência plural ou conjunta, para cujos atos de representação é necessária a assinatura de pelo menos dois gerentes.
IV. Quer isto dizer que sendo a gerência plural, não pode um só gerente praticar atos que obriguem a sociedade, posto que nestes casos a forma de obrigar depende sempre da assinatura de mais do que um dos gerentes.
V. Por tal facto, a gerência da sociedade originária devedora sempre implicaria a participação do ora Oponente na prática de alguns atos em representação da sociedade, como forma de assegurar o respetivo giro comercial.
VI. O que a Administração Fiscal pode confirmar, na medida em que logrou juntar aos autos prova que se reputa de suficiente quanto à prática de atos de gerência efetiva da sociedade por parte do Oponente.
VII. Com efeito, junto aos autos consta a seguinte documentação: declarações de rendimentos da sociedade (mod. 22) para dois exercícios distintos e documentos de natureza contabilística, a saber: relatório da gerência; Balanço analítico; Balancete Razão e a Demonstração de Resultados, assim como atas de reuniões societárias, sendo que em todos estes documentos o Oponente assinou na qualidade de gerente e representante legal da sociedade.
VIII. Como tal não se pode olvidar que os anteditos documentos possuem uma relevância que transcende a vida meramente interna da sociedade, pois comportam informação que interessa a terceiros, sejam eles os credores sociais; os potenciais investidores no capital social; ou até, a própria Administração Tributária, na medida em que lhe cabe averiguar se a real situação patrimonial e financeira da sociedade confere com aquela que é espelhada nas suas declarações de rendimentos.
IX. Por conseguinte, quando um gerente assina os documentos contabilísticos de uma sociedade está a responsabilizar-se pela informação que aqueles contêm, quer se esteja perante a estrutura societária da sociedade, quer perante terceiros para quem aquela informação possa ser relevante, de que será exemplo a instituição bancária com a qual a sociedade pretende celebrar um contrato de mútuo.
X. Deste modo, o gerente que assina a contabilidade da sociedade está a vinculá-la perante terceiros, responsabilizando-se pela informação ali prestada.
XI. Ora, nesta sede, parece seguro que as normas que regulam a escrita e, em particular a apresentação de contas da sociedade, não visam proteger apenas os interesses da sociedade, destinando-se também aos terceiros em geral, que possam estar, ou vir a estar em relação negocial com a sociedade, incluindo, designadamente, os credores sociais.
XII. E no que tange às declarações fiscais entregues pela sociedade, dúvidas não restam de que a assinatura das mesmas pelo Oponente, na qualidade de representante legal da sociedade, se traduzem numa vinculação desta perante terceiros, posto que exteriorizava, por essa via, a vontade da sociedade e vincula-a quanto aos elementos e informação fornecidos - in casu, a Administração Tributária - assim praticando, embora de forma restrita, atos próprios de gerência, conforme resulta do disposto no art. 260° n° 4 do C.S.C.
XIII. Deste modo forçoso será concluir que o ora Oponente, nomeado gerente da sociedade originária devedora em 09.01.1998 exerceu diversas funções das que normalmente são cometidas aos gerentes ou administradores, no desenvolvimento do seu objeto social - cfr. art.°s 64.°, 78.°, 252.° e 260.° do CSC, o que equivale a dizer que praticou atos que vinculam a sociedade perante terceiros.
XIV. Pelo que não tendo vindo o Oponente invocar que praticou todos aqueles atos, ao abrigo de qualquer outra qualidade (procurador, trabalhador, etc.), não pode deixar de se entender que o foi na qualidade e por força de ter sido nomeado gerente da mesma sociedade.
XV. Desta forma permitindo que, com a sua intervenção, em nome e por conta da sociedade, esta prosseguisse o seu giro comercial, designadamente nas relações com a AT, não se pode deixar de concluir que o Oponente exerceu as correspondentes funções de gerente.
XVI. Sendo que, perante a evidência cabal do exercício efetivo da gerência da sociedade por parte do ora Oponente, consubstanciado nos documentos juntos aos autos pela AT, não pode deixar de se afigurar como manifestamente insuficiente o depoimento testemunhal, gizado no sentido de demonstrar que o oponente não exerceu a gerência efetiva da sociedade, atendendo a que não foi acompanhado de quaisquer outros meios de prova.
XVII. Assim, a prova, baseada apenas nos depoimentos das testemunhas inquiridas, as quais afirmaram que era uma outra pessoa que no dia a dia se encontrava à frente da sociedade, não podem lograr contraditar a realidade que dimana da prova documental efetuada pela AT, nos termos da qual resulta que aquela tinha o Oponente como gerente e que era necessária a assinatura dele para a obrigar e desenvolver a sua atividade de forma regular, no âmbito da qual o oponente assinava documentos que a vinculavam.
XVIII. E nem se diga como se pretende sustentar na douta sentença a quo que a ilegitimidade do Oponente também deriva do facto de este se deslocar "esporadicamente às instalações da devedora originária” e que naquelas não era visto com habitualidade.
XIX. Com efeito, é entendimento jurisprudencial unânime que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.
XX. Donde que, o Oponente, ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, estava a exteriorizar a respetiva vontade, vinculando-a perante terceiros. Mesmo que sejam estes os únicos factos praticados pelo Oponente enquanto gerente da sociedade, eles revelam o exercício, ainda que restrito, da gerência, como decorre do art. 260.°, n° 4, do Código das Sociedades Comerciais.
XXI. Neste desiderato, o oponente é parte legítima da presente oposição, pois exerceu de facto a gerência da sociedade, não tendo também afastado a presunção de culpa que sobre o mesmo recaía.
XXII. Por todo o exposto, sustenta-se, contrariamente ao sentido decisório expresso na douta sentença a quo, que da prova produzida nos autos, ficou demonstrado que o Oponente era gerente de direito da sociedade e que, nessa qualidade, ela assinava documentos respeitantes àquela, o que representa o exercício efetivo dessa mesma gerência.
XXIII. Por conseguinte, a douta sentença a quo incorreu em erro de julgamento quanto à questão da alegada ilegitimidade do oponente na presente execução.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, em suma, se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do Opoente por dívidas tributárias da sociedade devedora originária


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) No Serviço de Finanças de Loures - 1, em 24/3/2000 foi instaurado o processo de execução fiscal n° 15... e apensos, contra D... F..., Lda., para cobrança de dividas de coimas fiscais e de dívida de IVA de 2000, 2001 e 2002 e IRS de 2000, 2001, 2002 e 2003, no montante de € 124.560,97-cf. fls.

B) No âmbito do referido processo de execução, em 10/03/2006, foi certificado em auto de diligências que após visita à sede da executada foi verificado que já não é exercida naquele lugar qualquer atividade, desconhecendo-se a atual sede da executada "D..., LDA", bem como, após consulta ao sistema informático, a existência de quaisquer outros bens na área do Serviço de Finanças de Loures 1 - cf. doc. de fls. 91 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;

C) Em 14/08/2006, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures - 1, despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal n° 15... e apensos contra o Oponente na qualidade de responsável subsidiário, do qual consta, no campo denominado "Despacho", a remissão para o auto de diligência identificado em B) e que "atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art° 166.° do C.P.P.T. para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.° 5, do Art.° 23° da LGT)" - cf. documento de fls. 227 dos autos;

D) Do despacho mencionado na alínea antecedente consta um campo denominado "Fundamentos da Reversão", o qual se encontra totalmente em branco - cf. fls. 227 dos autos;

E) No processo de execução referido em A), o Oponente foi citado em 8/11/2006, na sequência de mandado emitido para citação como responsável subsidiário - cf. fls. 92 e 93;

F) A constituição da sociedade D... F..., Lda., foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, em 7/10/1992, figurando J..., pai do Oponente, como sócio, além de outros, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois ou mais gerentes - cf. fls. 14 dos autos;

G) Em 26/3/1993 J... foi nomeado gerente, com dois outros gerentes em exercício - cf. fls. 19 dos autos;

H) Em 6/1/1997 o pai do ora Oponente adquiriu quotas dos outros 5 sócios, pessoas singulares, passando a sociedade a ter dois sócios: o pai do Oponente e a S..., SA - cf. fls. 20 dos autos;

I) Em 7/4/1998 foi registada a transmissão de uma quota da sociedade D... F..., Lda., a favor do Oponente e outra a favor da sua irmã, e a transmissão da quota da S..., SA a favor do pai do Oponente, data a partir da qual os únicos sócios eram o referido J... e os seus dois filhos - C... e o Oponente - cf. fls. 20 dos autos;

J) Com a aquisição das quotas referidas em I) o Oponente e a sua irmã foram nomeados gerentes da referida sociedade com efeitos a partir de 9/1/1998 - cf. fls. 20 dos autos;

K) Em 24/4/1998 foi apresentado o modelo 22 da sociedade devedora originária tendo o oponente aposto a sua assinatura integrando a gerência, no mapa de reintegrações e amortizações anexo ao modelo 22 e o balancete do razão respeitante ao exercício de 1997, documentos que também se apresentam assinados pelo pai do Oponente e pela Técnica Oficial de Contas M..., verificando-se que o modelo 22 apenas se apresenta assinado pelo pai do oponente e pela referida TOC - cf. fls. 94 a 110;

L) Em 26/5/1999 foi apresentado o modelo 22 da sociedade devedora originária tendo o oponente aposto a sua assinatura na referida declaração, no mapa de reintegrações e amortizações, no relatório de gerência e no anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados, documentos que também se apresentam assinados pelo pai do Oponente e pela TOC - cf. fls. 113 a 139

M) O Oponente assinou a ata da 21.a Reunião da Assembleia-Geral da "D... LDA", conjuntamente com os outros dois sócios-gerentes, J... e C... em cujo conteúdo é referida a data da sua realização em 20/3/1998, e a apreciação das contas da sociedade - cf. fls. 111 dos autos;

N) Em 1/3/2003 o Oponente R..., renunciou à gerência da sociedade identificada em F), facto que consta da ata da assembleia de sócios da mesma data, assinada por todos os sócios - cf. fls. 12 a 23 dos autos;

O) A referida renúncia à gerência foi registada na sequência da apresentação n° 14 de 14/8/2005 - cf. fls. 90;

P) Em 20/07/2007 foi entregue no Serviço de Finanças de Loures - 1 uma declaração assinada por J..., datada de 06/07/2007, cujo conteúdo é o seguinte: "Aquando da formação desta em empresa, por ser exigida, nos respetivos estatutos, a assinatura de dois gerentes, além de eu próprio, foram também nomeados os meus dois filhos C... e R..., que nunca exerceram as funções de gerentes (...)" assumindo, como gerente, a responsabilidade pela gestão, mais declarando que os filhos sempre foram alheios à atividade da empresa - cf. fls. 153;

Q) A oposição foi apresentada em 12/12/2006 no Serviço de Finanças de Loures 1 - cf. fls. 2 dos autos

R) O Oponente era estudante de engenharia informática à data em que foi nomeado gerente da primitiva executada - depoimento das testemunhas;

S) A documentação da sociedade devedora originária era assinada pelo Oponente a pedido do pai, sem que este tivesse conhecimento da atividade da empresa, baseado na confiança depositada em seu pai - cf. depoimento da testemunha A...;

T) Toda a documentação fiscalmente relevante era entregue pelo pai do Oponente - J..., à técnica oficial de contas da executada originária - cf. depoimento da testemunha A...;

U) À data dos factos o Oponente e a sua irmã viviam em casa dos pais - cf. depoimento da testemunha A...;

V) O Oponente só se deslocava à sociedade executada quando havia problemas com os computadores e todos os problemas da empresa eram tratados com o pai do Oponente - J... - cf. depoimento da testemunha J....


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não se provou que o oponente tivesse tomado decisões em representação da sociedade executada, inexistindo outros factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame crítico das informações oficiais e dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como no depoimento das testemunhas, que depuseram de forma clara e convicta revelando conhecimento direto dos factos sobre que depuseram.
O depoimento da testemunha A..., foi particularmente relevante para a decisão da matéria de facto apurada nos autos, revelando conhecimento direto dos factos por ser amiga da irmã do Oponente e técnica de contas, acompanhou os dois durante o período a que respeitam os factos, revelando conhecimento da vida pessoal da própria família do Oponente.
O depoimento da testemunha J..., foi relevante para a decisão da matéria de facto apurada nos autos, por revelar conhecimento do funcionamento da sociedade devedora originária, por ter aí trabalhado durante o período a que se reportam os factos em causa nos autos.


II.2 Do Direito

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a oposição judicial, incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir que o Opoente era gerente de facto e de direito da sociedade devedora originária das dívidas que estão a ser exigidas no processo de execução fiscal.

A sentença recorrida julgou a oposição procedente, em suma, por o Opoente ter logrado fazer prova do não exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária e que o gerente efetivo da empresa era o seu pai. Diz:

(…)
O Oponente foi nomeado gerente (facto que foi registado na Conservatória do Registo Comercial em 7/4/1998), com efeitos reportados a 9/1/1998, mantendo-se nessa qualidade jurídica até ao início de 2003, momento em que renunciou à gerência.
O Oponente invoca não ter exercido a gestão de facto, alegando que tinha apenas 21 anos e que se encontrava a estudar engenharia informática, nunca tendo desempenhado funções próprias de um sócio gerente.
(…)
Compulsada a prova produzida, verifica-se que o Oponente se deslocava esporadicamente às instalações da devedora originária, apenas quando havia problemas com os computadores.
A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a participação nas assembleias-gerais da sociedade e a assinatura aposta nos documentos contabilísticos, constituem atos de gestão.
(…)
Dos factos assentes, resulta que o Oponente assinou algumas declarações modelo 22, e documentos anexos, contudo não resulta dos autos que tenha exercido quaisquer funções ao serviço da primitiva executada. Não era visto habitualmente nas instalações da mesma, apenas aí se deslocando quando havia problemas informáticos, nitidamente para colaborar com o pai na área do seu conhecimento académico (cf. depoimento unânime das testemunhas), donde não pode concluir-se que exista um nexo entre a assinatura dos referidos documentos e o exercício de facto da gerência da devedora originária. Dada a relação filial e de vida em comum (o oponente estudava e vivia com os pais), é verosímil que o pai do Oponente lhe tenha solicitado a assinatura em documentos, e que mercê da relação de confiança e de dependência que caracteriza, em regra tal relação filial, não exista uma ligação entre o exercício da gerência e a assinatura nos referidos documentos que permita concluir que este último facto derive do primeiro, sendo certo que no funcionamento diário, todos os assuntos relativos à gerência da sociedade originária eram tratados com o pai do Oponente, conforme confessa e assume o próprio em declaração dirigida ao serviço de finanças. Referindo uma das testemunhas, trabalhadora da devedora originária, que quem dava orientações sobre a forma de desenvolvimento da atividade da sociedade era o pai do Oponente.

É contra este entendimento expresso na sentença que a Recorrente se insurge, discordando do decidido, por considerar que os indícios apurados levam antes a concluir na direção oposta, no sentido de que o Opoente exerceu efetivamente a gerência de facto e de direito, no período em que as dívidas se constituíram e venceram.

As dívidas em cobrança coerciva são relativas a coimas fiscais, IVA de 2000, 2001 e 2002 e IRS de 2000, 2001, 2002 e 2003, no montante global de € 124 560,97, e regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade.

A Lei Geral Tributária (LGT) entrou e vigor em 1 de janeiro de 1999 (cf. artigo 6º do DL nº 398/98, de 17 de dezembro), pelo que relativamente às dívidas de tributos é aplicável ao caso o regime instituído pela LGT, de competir ao revertido a prova da não culpa na falta de pagamento.

Relativamente às dívidas de impostos, diz-nos o artigo 24/1.b) da LGT:

1 - Os gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) (…)
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…)

Ora, um dos pressupostos da responsabilidade tributária prevista no citado artigo 24° da LGT é assim o exercício efetivo de funções no período de tempo a que respeita a dívida revertida, daí que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha que levar à motivação do despacho o efetivo exercício da gerência no período considerado, demais ainda quando não existe presunção, presunção esta porque meramente judicial, de exercício do cargo.

Anote-se, antes de mais, que não há divergência sobre as normas jurídicas aplicáveis ao caso, a discordância da Recorrente, situa-se no campo da prova produzida, pois considera ter sido demonstrada factualidade suficiente para concluir pela responsabilização do Opoente pelas dívidas da sociedade.

Cumpre então perguntar se no caso em análise e perante a factualidade assente o Oponente, ora Recorrido, exerceu a administração de forma efetiva, com tudo o que isso implica de assunção dos destinos da sociedade, praticando os atos de disposição e administração inerentes ao cargo?

Ora, a denominada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que se revelam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Assim, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – neste sentido, vide Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, in Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18.11.2010 e 20.12.2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente (1).

Resulta da matéria dada como provada que o Opoente, ora Recorrido, e a irmã, foram nomeados gerentes da sociedade em 1998.01.09, tendo posteriormente renunciado à gerência, em 2003.03.01. à data em que foi nomeado gerente era estudante universitário e vivia em casa dos os pais com a irmã.

O Opoente, em conjunto com o pai e a Técnica Oficial de Contas, assinaram as declarações de rendimentos da sociedade e respetivos anexos, relativos aos exercícios de 1997 e 1999.

O pai do Opoente em 2007.07.06, entregou no Serviço de Finanças uma declaração na qual assume que era o único gerente da empresa, e que apenas nomeou os filhos como gerentes porquanto os estatutos da empresa estipulavam que esta se vinculava com a assinatura de dois gerentes.

Resulta assim dos factos assentes que a sociedade devedora originária era constituída pelo pai e pelos filhos, que nomeou gerentes, mas que era o pai que tinha as rédeas da sociedade, e que era ele que tomava, em exclusivo, todas as decisões. Os filhos ainda estudantes e economicamente dependentes do progenitor, assinavam o que este assim o determina. Era o pai o gerente de facto, e não o nega, antes se assume perante a administração tributária como único responsável pelos atos de que deriva a insuficiência patrimonial para a cobrança dos créditos tributários.

O Opoente, ora Recorrido, praticou alguns atos de gerência, é certo, mas demonstrou que não era ele que decidia os destinos da sociedade, não exercendo os poderes de decisão, nada decidindo sobre a vida societária.

Como se decidiu no Ac. TCAS de 2017.05.25, Proc. nº 1770/09.6BELRS, disponível em www.dgsi.pt, a cuja fundamentação aderimos:

O mero gerente de direito quando pratica os atos formais de gerência, (…) não visa prosseguir os fins societários, que podem até ser-lhe completamente alheios, mas apenas cumprir uma determinação de outrem que por razões de favor ou reverência aceita levar a cabo.
Presta-se a figurar como “testa de ferro” dos verdadeiros gerentes da sociedade com o fim de lhes possibilitar constitui-la e exercer a respetiva atividade (cfr Ac. do TCAS n.º 01954/07 de 02-12-2008)
Mas não tem o exercício efetivo da gerência da sociedade porque não tem qualquer «poder» de decisão em relação aos negócios (em sentido amplo) do ente societário: não decidem com quem contratar, a quem pagar, a quem vender, não contratam com fornecedores, não dão ordens ou instruções, nem de algum modo interferem nas opções da sociedade.

No mesmo sentido, chamamos ainda à colação os Ac. TCAN de 2018.10.03, Proc. nº 00279/12.4BEVIS, Ac. TCAN de 2016.09.15 Proc. nº 489/06.4BEPNF, e Ac. TCAN, de 2017.03.02 Proc. nº 520/12.4BEVIS, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Em face do exposto, a sentença recorrida encontra-se bem fundamentada e deve ser confirmada.

Improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

I. Um dos pressupostos da responsabilidade tributária prevista no artigo 24° da LGT é o exercício efetivo de funções no período de tempo a que respeita a dívida.
II. Do quadro factual apurado nos presentes autos resulta que não era o Opoente/Recorrido que decidia os destinos da sociedade, não exercendo os poderes de decisão e nada decidindo sobre a vida societária.
III. De acordo com os factos apurados deve concluir-se que o Opoente/Recorrido figurou como “testa de ferro”, do verdadeiro gerente da sociedade executada originária, o seu pai.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Fazenda Pública, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 11 de março de 2021
Susana Barreto

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(1) Ac TCAN, de 2018.10.03, Proc nº 00279/12.4BEVIS