Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1791/14.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:REVERSÃO;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I - A reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que, nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

II – É à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

III - A propósito do ónus da prova sobre o exercício da gerência de facto, mal se percebe que a Fazenda Pública, ora Recorrente, perante a lei e jurisprudência fortemente consolidada no sentido de que tal ónus recai sobre a ATA, ainda faça assentar a sua defesa, neste recurso jurisdicional, na singela afirmação segundo a qual “O oponente não fez prova do seu não exercício de funções de gerente, como lhe incumbia, atenta a fundamentação do despacho de reversão - alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT”.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, na oposição deduzida por Nuno .......... contra a execução fiscal nº ..........70, instaurada pelo Serviço de Finanças de Alcobaça, relativamente à devedora originária D.........., Lda, para cobrança de dívida de IVA e respectivos juros compensatórios do período de 2008/03 a 2009/12, julgou procedente a oposição, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

A. Na sentença recorrida foi desconsiderada a intervenção do oponente /recorrido, na constituição da sociedade D.......... II, SA, em que o mesmo subscreve capital social com entrada do imóvel e equipamento que constituíam o património social da devedora originária, D.........., Lª.

B. O oponente não fez prova do seu não exercício de funções de gerente, como lhe incumbia, atenta a fundamentação do despacho de reversão - alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, mantendo-se a cobrança dos impostos em causa no processo executivo quanto ao ora recorrido, com o que será feita a costumada

JUSTIÇA.


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O Recorrido não apresentou contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

1. No dia 07 de Abril de 2004, Carla .......... e o Oponente celebraram, entre si, um contrato de constituição da sociedade D.........., Lda. (cfr. escritura de constituição de sociedade, de fls. 99 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. No artigo 2.º do contrato de constituição da sociedade identificado no ponto antecedente ficou estipulado que “
” (cfr. escritura de constituição de sociedade, de fls. 99 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. No artigo 5.º do contrato de constituição de sociedade identificado no ponto n.º 1 do probatório ficou estipulado que “

"Texto integral no original; imagem"
” (cfr. escritura de constituição de sociedade, de fls. 99 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. O contrato de constituição de sociedade descrito nos pontos antecedentes encontra-se subscrito pelo Oponente (cfr. escritura de constituição de sociedade, de fls. 99 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. No dia 16 de Abril de 2004, deu entrada, no Serviço de Finanças de Alcobaça, uma declaração de inscrição no registo/início de actividade, em nome da sociedade D.........., Lda. (cfr. declaração, de fls. 97 e 98 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Na declaração identificada no ponto antecedente foram identificados como sócios- gerentes Carla .......... e o Oponente (cfr. declaração, de fls. 97 e 98 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. A declaração descrita nos pontos antecedentes encontra-se subscrita pelo Oponente, na qualidade de representante legal (cfr. declaração, de fls. 97 e 98 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. No dia 22 de Outubro de 2011, o Serviço de Finanças de Alcobaça instaurou o processo de execução fiscal n.º ..........70, em nome da sociedade D.........., Lda., por dívidas de IVA e de juros compensatórios, dos períodos de tributação de 2008/03 a 2008/12 e de 2009/03 a 2009/12, na quantia exequenda de € 153.304,39, cujo prazo de pagamento voluntário terminou, em 30 de Setembro de 2011 (cfr. autuação do processo de oposição e certidões de dívida, de fls. 02 e 15 a 54 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. No dia 11 de Abril de 2012, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, elaboraram uma informação, onde consta, designadamente, que “(…)
"Texto integral no original; imagem"
"Texto integral no original; imagem"

(…)” (cfr. informação, de fls. 70 a 72 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. No dia 11 de Junho de 2014, Susana .......... subscreveu uma declaração, onde consta, designadamente, que “(…)
"Texto integral no original; imagem"
"Texto integral no original; imagem"
"Texto integral no original; imagem"

(…)” (cfr. declaração, de fls. 84 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. No dia 12 de Junho de 2014, os serviços do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Leiria emitiram uma declaração, segundo a qual o Oponente auferiu remunerações na qualidade de membro de órgão estatutário da sociedade D.........., Lda., de Abril de 2004 a Maio de 2011 (cfr. ofício e declaração, de fls. 85 a 91 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. No dia 10 de Setembro de 2014, o Serviço de Finanças de Alcobaça elaborou uma informação, onde consta, designadamente, que “(…)
"Texto integral no original; imagem"
"Texto integral no original; imagem"
"Texto integral no original; imagem"

(…)” (cfr. informação, de fls. 92 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. Sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu um despacho do Adjunto do Chefe do Serviço de Finanças de Alcobaça, no uso de delegação de competências, datado de 10 de Setembro de 2014, no sentido de “
"Texto integral no original; imagem"
(…)” (cfr. despacho, de fls. 92 e 93 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. Através de ofício, datado de 10 de Setembro de 2014, remetido por carta postal registada com aviso de recepção, o Serviço de Finanças de Alcobaça comunicou ao Oponente, designadamente, que “(…)
"Texto integral no original; imagem"
(…)
"Texto integral no original; imagem"

(…)” (cfr. ofício e aviso de recepção, de fls. 94 a 96 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. O ofício descrito no ponto antecedente foi recebido por Joana .........., em 12 de Setembro de 2014 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 96 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

16. No dia 16 de Outubro de 2014, deu entrada a presente oposição, junto do Serviço de Finanças de Alcobaça (cfr. comprovativo de entrega de documentos, de fls. 05 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
*
Nada mais foi provado com relevância para a decisão da causa, atentos o pedido e a causa de pedir.

Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados assentou na análise dos documentos juntos aos autos, tudo conforme especificado a propósito de cada um dos pontos probatórios, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos do art. 115.º, n.º 4, do CPPT, aplicável ex vi do art. 211.º, n.º 1, do CPPT, e dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.
De referir que o Tribunal não deu relevância ao documento, de fls. 126 dos autos, o qual faz parte integrante do processo de execução fiscal objecto da presente oposição, por o mesmo ter sido assinado pelo Oponente, na qualidade de administrador da sociedade D.......... II, SA, e não como gerente da sociedade devedora originária”.

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2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegitimidade do Oponente, ora Recorrido, por ter entendido que a AT não logrou provar, como lhe competia, que o Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções no período de tempo que releva nos autos.

Para a Fazenda Pública, ora Recorrente, a sentença errou ao desconsiderar “a intervenção do oponente /recorrido, na constituição da sociedade D.......... II, SA, em que o mesmo subscreve capital social com entrada do imóvel e equipamento que constituíam o património social da devedora originária, D.........., Lª”. Por outro lado, “O oponente não fez prova do seu não exercício de funções de gerente, como lhe incumbia, atenta a fundamentação do despacho de reversão - alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT”.

Portanto, no entendimento da Recorrente, a sentença traduz uma incorrecta interpretação do disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, razão pela qual deve a mesma ser revogada.

Vejamos, então, tendo presente aquele que foi, no essencial, o discurso adoptado pelo TAF de Leiria, após fazer o devido enquadramento legal e jurisprudencial da questão que lhe foi colocada.

“(…)

Da análise das alegações apresentadas decorre, desde logo, que não é objecto de qualquer controvérsia o primeiro pressuposto da reversão do processo de execução fiscal n.º ..........70 contra o Oponente, correspondente à inexistência ou fundada insuficiência de bens penhoráveis em nome da devedora originária, a sociedade D.........., Lda., para solver a dívida em execução fiscal, em conformidade com o que vem previsto no art. 23.º, n.º 2, da LGT e no art. 153.º, n.º 2, do CPPT, pelo que o mesmo deve considerar-se como devidamente preenchido (cfr. pontos n.ºs 8, 12 e 13 do probatório).

Assim sendo, incumbe a este Tribunal tão-somente averiguar se estão preenchidos os demais pressupostos da reversão do processo de execução fiscal n.º ..........70 contra o Oponente (cfr. pontos n.ºs 8, 12 e 13 do probatório).

Neste sentido, começando pelo segundo pressuposto da reversão, relativo ao exercício efectivo das funções de gerente, estabelecido no art. 24.º, n.º 1, da LGT, é manifesto que o mesmo não se encontra preenchido (cfr. pontos n.ºs 1 a 16 do probatório).

Senão vejamos.

Embora a lei não defina, com precisão, quais é que são as funções do administrador, director ou gerente de uma sociedade, do disposto nos arts. 259.º e 260.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) infere-se que os actos típicos da gerência são todos aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, através dos quais a mesma fique juridicamente vinculada e desde que estejam em conformidade com o respectivo objecto social (vide, neste sentido, António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito das Sociedades, I, Das Sociedades em Geral, 2004, Almedina, págs. 723 e seguintes; acórdão do STA, de 03.05.1989, processo n.º 010492; acórdãos do TCAS, de 08.05.2012, processo n.º 05392/12, de 27.11.2012, processo n.º 05979/12, de 31.10.2013, processo n.º 06732/13, de 16.06.2014, processo n.º 00013/12, de 30.10.2014, processo n.º 06216/12, e, de 21.05.2015, processo n.º 08445/15; e, acórdãos do TCAN, de 15.05.2014, processo n.º 00273/07, e, de 27.06.2014, processo n.º 03099/09).

Por outras palavras, os actos de administração, direcção ou gestão passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade (vide acórdãos do TCAN, de 18.11.2010, processo n.º 00286/07, de 20.12.2011, processo n.º 00639/04, de 12.06.2014, processo n.º 01942/10, de 13.11.2014, processo n.º 00815/10, e, de 26.02.2015, processo n.º 00537/07).

Posto isto, e de regresso ao caso dos presentes autos, do elenco dos factos provados retira-se que, no dia 22 de Outubro de 2011, o Serviço de Finanças de Alcobaça instaurou o processo de execução fiscal n.º ..........70, em nome da sociedade D.........., Lda., por dívidas de IVA, dos períodos de tributação de 2008/03 a 2008/12 e de 2009/03 a 2009/12, na quantia exequenda de € 153.304,39, cujo prazo limite para pagamento voluntário terminou, no dia 30 de Setembro de 2011 (cfr. ponto n.º 8 do probatório).

Para além disso, verifica-se que, por despacho exarado, em 10 de Setembro de 2014, o Adjunto do Chefe do Serviço de Finanças de Alcobaça determinou a reversão daquele processo de execução fiscal contra o Oponente, no que diz respeito às dívidas de IVA, dos períodos de tributação de 2009/05 a 2009/12, na quantia exequenda de € 152.872,93, com base na circunstância de o mesmo ter sido gerente, de facto e de direito, da devedora originária, no termo do prazo de pagamento voluntário dessas dívidas, ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), do CPPT, em conformidade com a certidão do registo comercial, a declaração da TOC e a informação da Segurança Social (cfr. pontos n.ºs 12 a 14 do probatório).

Contudo, não obstante não constar dos autos a certidão do registo comercial com base na qual foi determinada a reversão do processo de execução fiscal supramencionado contra o Oponente, sempre incumbe aqui deixar assente que constitui jurisprudência uniforme e reiterada dos tribunais superiores que, da inscrição no registo comercial da nomeação de uma certa pessoa como a administrador, director ou gerente de uma determinada sociedade, apenas resulta a presunção legal de que essa pessoa é administrador, director ou gerente de direito dessa sociedade, em conformidade com o disposto no art. 11.º do Código do Registo Comercial (CRC), não se podendo daí extrair, sem mais, que a mesma é administrador, director ou gerente de facto (vide acórdão Pleno do STA, de 28.02.2007, processo n.º 01132/06; acórdãos do TCAN, de 14.01.2010, processo n.º 00787/06, de 11.03.2010, processo n.º 00349/05, e, de 18.11.2010, processo n.º 00286/07; e, acórdão do TCAS, de 10.07.2014, processo n.º 06449/13) (cfr. pontos n.ºs 1 a 16 do probatório).

O mesmo se passa, aliás, com outros elementos extraídos dos presentes autos, tais como a nomeação do Oponente como gerente da sociedade devedora originária no contrato da respectiva constituição, em 07 de Abril de 2004, e o registo dessa nomeação junto dos serviços da administração tributária, efectuado em 16 de Abril de 2004 (cfr. pontos n.º 1 e 3 a 6 do probatório).

Com efeito, nenhum daqueles elementos consubstancia a prática de um acto de administração nos moldes que foram anteriormente enunciados, mas tão-somente o cumprimento de um conjunto de formalidades legais, necessárias para que a sociedade devedora originária pudesse iniciar a sua actividade de forma regular (cfr. pontos n.º 1 a 7 do probatório).

Ainda que assim não se entendesse, sempre seria de fazer notar que, tanto o contrato de constituição da sociedade devedora originária, como o registo da nomeação do Oponente como gerente dessa sociedade, junto dos serviços da administração tributária, foram realizados antes do termo do prazo de pagamento voluntário dessas dívidas, que ocorreu em 30 de Setembro de 2011 (cfr. pontos n.ºs 1, 6 e 8 do probatório).

Pelo que jamais os mesmos possuem a virtuosidade de demonstrar que o Oponente exerceu as funções de gerente no termo do prazo de pagamento voluntário das dívidas em execução fiscal, de harmonia com o estatuído no art. 24.º, n.º 1, da LGT, conforme é pretendido pelo órgão de execução fiscal (cfr. pontos n.ºs 1, 6, 8, 12 e 13 do probatório).

Já quanto à declaração da TOC da sociedade devedora originária, se alguma coisa se infere do respectivo teor é que as funções de gerente foram assumidas por Carla .........., pois que as funções que são imputadas ao Oponente, de distribuição de mercadorias, faz com que o mesmo seja equiparável a qualquer outro trabalhador dessa sociedade (cfr. pontos n.ºs 9 e 10 do probatório).

O que significa que essa declaração também não serve para demonstrar que o Oponente exerceu as funções de gerente da devedora originária, no termo do prazo de pagamento voluntário dessas dívidas, ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT (cfr. pontos n.ºs 9 e 10, 12 e 13 do probatório).

Para terminar, no que se refere à informação prestada pela Segurança Social, segundo a qual o Oponente auferiu remunerações na qualidade de membro de órgão estatutário da sociedade devedora originária, de Abril de 2004 a Maio de 2011, a mesma é, igualmente, insuficiente para demonstrar que o Oponente exerceu as funções de gerente dessa sociedade no termo do prazo de pagamento voluntário dessas dívidas, ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT (cfr. pontos n.ºs 11 a 13 do probatório).

Desde logo, porque o pagamento das referidas remunerações terminou antes do termo do prazo de pagamento voluntário das dívidas em execução fiscal, que ocorreu em 30 de Setembro de 2011 (cfr. pontos n.ºs 8 e 11 do probatório).

Depois, porque desconhece-se as razões que fizeram com que a Segurança Social considerasse que o Oponente auferiu remunerações na qualidade de membro de órgão estatutário da devedora originária, nada impedindo que uma determinada pessoa ocupe formalmente esse cargo sem o exercer no plano da realidade dos factos (cfr. ponto n.º 11 do probatório).

Assim sendo, não resta outra alternativa senão a de concluir que não está preenchido o segundo pressuposto da reversão do processo de execução fiscal n.º ..........70 contra o Oponente, previsto no art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT (cfr. pontos n.ºs 1 a 16 do probatório).”.

Vejamos, então.

A AT reverteu a execução fiscal contra Nuno .......... com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial, D.........., Lda, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT.

Nos termos de tal preceito, temos que:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como é evidente, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que, nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

É para nós claro, como o Tribunal a quo abundantemente evidenciou, que a AT não demonstrou suficientemente o que lhe competia, isto é, que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada resulta incontroversa a gerência de direito da devedora originária, o que, para efeitos de responsabilidade do Oponente, pouco adianta, uma vez que – repete-se - da mera prova da titularidade da qualidade de gerente não se presume a gerência de facto.

Assim, da nomeação de gerente no contrato de constituição da sociedade ou do registo de tal facto na CR Comercial apenas resulta evidente aquilo que jamais esteve em causa nos autos, ou seja, que o Oponente, Nuno ....., era gerente de direito da devedora originária.

Da mesma forma que da asserção segundo a qual “a intervenção do oponente /recorrido, na constituição da sociedade D.......... II, SA, em que o mesmo subscreve capital social com entrada do imóvel e equipamento que constituíam o património social da devedora originária, D.........., Lª” (cfr, conclusão A e ponto 4 dos factos provados que deu por integralmente reproduzida a escritura de constituição da sociedade comercial D..........), nada, com utilidade para aferir da gerência de facto, de retira.

Com efeito, não está em causa que o Nuno ..... fosse sócio da sociedade D.........., sendo óbvio que a condição de sócio ou as entradas para o capital da sociedade nada – mesmo nada – revelam sobre a gerência da sociedade. Na verdade, ser sócio não equivale a ser gerente; como ser gerente não equivale a ser sócio, nem implica tal condição.

Prosseguido.

Da matéria de facto provada nos autos resulta, ainda, o seguinte circunstancialismo de facto:

- No dia 11 de Junho de 2014, Susana .......... subscreveu uma declaração, onde consta, designadamente, que “(…)


"Texto integral no original; imagem"

"Texto integral no original; imagem"

"Texto integral no original; imagem"


- No dia 12 de Junho de 2014, os serviços do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Leiria, emitiram uma declaração, segundo a qual o Oponente auferiu remunerações na qualidade de membro de órgão estatutário da sociedade D.........., Lda., de Abril de 2004 a Maio de 2011.

Vejamos, tendo presente o período temporal que aqui releva – dívida de IVA, do período compreendido entre 2008/03 e 2009/12, com prazo de pagamento voluntário fixado em 30 de Setembro de 2011.

A declaração prestada pela TOC, que apenas iniciou as suas funções (com respeito à devedora originária) em Dezembro de 2010, nada adianta relativamente ao exercício de concretas funções de gerente do Nuno ....., daí não se retirando uma palavra que revele o Oponente como órgão actuante da sociedade, externando a vontade social perante terceiros. Pelo contrário, tal declaração põe o enfoque, quanto ao exercício da gerência, numa outra gerente da sociedade.

Por seu turno, a declaração emitida pelo Instituto da Segurança Social, segundo a qual o Oponente auferiu remunerações na qualidade de membro de órgão estatutário da sociedade D.........., Lda., de Abril de 2004 a Maio de 2011, é manifestamente insuficiente para, per se, lograr fazer prova da concreta gestão da devedora originária, no sentido que atrás deixámos realçado. Para mais, o período temporal a que a mesma se reporta é anterior ao período correspondente ao do prazo de pagamento voluntário das dívidas em execução fiscal (30 de Setembro de 2011).

Em suma, e em nosso entendimento, como a sentença concluiu, todo o apontado circunstancialismo é notoriamente insuficiente para permitir a conclusão de que o Oponente exerceu a gerência de facto da devedora originária no período de tempo que aqui importa considerar, atento o artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

Relembre-se que as dívidas em cobrança coerciva são relativas a 2008 e 2009, emitidas em 2011, ano que corresponde ao do prazo de pagamento voluntário, sendo certo que relativamente a tal período de tempo nenhuma prova existe de que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade D.........., prova esta que definitivamente competia à ATA realizar.

Na verdade, e a propósito do ónus da prova sobre o exercício da gerência de facto, mal se percebe que a Fazenda Pública, ora Recorrente, perante a lei e jurisprudência fortemente consolidada no sentido de que tal ónus recai sobre a ATA, ainda faça assentar a sua defesa, neste recurso jurisdicional, na singela afirmação segundo a qual “O oponente não fez prova do seu não exercício de funções de gerente, como lhe incumbia, atenta a fundamentação do despacho de reversão - alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT”.

Em face de tudo o que vem dito e tendo presente o circunstancialismo fáctico que subjaz à oposição/ recurso em análise, constata-se que ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte do ora Recorrido, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a FP que recaía o ónus de provar o exercício da mesma.

Não se provando o exercício efectivo da gerência no momento temporal que aqui releva, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, é evidente que só se pode manter a sentença recorrida que, nos termos vistos, julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b), do CPPT.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em análise.

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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso interposto.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13/12/19


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortez)