Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12620/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/28/2016
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA POR NATURALIZAÇÃO
Sumário:I – A referência feita no segmento «…aos que forem havidos como descendentes de portugueses…», contido no nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redação da Lei nº 2/2006, de 17 de Abril) deve ter-se por efetuada aos descendentes (de qualquer grau) de cidadãos com nacionalidade portuguesa originária (atribuída) e não a cidadão de nacionalidade portuguesa adquirida.

II – A dispensa dos requisitos contidos nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, a que alude o nº 6 do mesmo artigo, apenas poderá ser admitida para os descendentes dos que detenham originariamente a nacionalidade portuguesa e não aos descendentes dos que a tenham adquirido posteriormente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


A……. . (devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa especial que instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (Proc. nº Proc. nº 756/11.5BELSB) contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA na qual impugnou o ato administrativo pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por naturalização que requereu ao abrigo do artigo 6º nºs 1 e 6 da Lei da Nacionalidade peticionando a sua anulação e bem assim a condenação do réu na prática do ato que deferindo o pedido lhe conceda a nacionalidade portuguesa, inconformado com o acórdão de 21/04/2015 daquele Tribunal (fls. 401 ss.) pelo qual a ação foi julgada improcedente com absolvição do réu dos pedidos, vem dele interpor recurso pugnando pela revogação da decisão recorrida.

Nas suas alegações formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:

«Texto no original»

Notificado o recorrido contra-alegou (fls. 447 ss.) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, ali formulando assim as suas respetivas conclusões:

1.ª O artigo 6.º n.º 6 da LN e o artigo 24.º do RN reportam-se a casos de exceção, onde, verificados que estejam determinados pressupostos enunciados na lei, o Ministro da Justiça, em função das particularidades de certas situações concretas que entenda justificarem-no, pode conceder (é a terminologia legal), a nacionalidade portuguesa, por naturalização: Trata-se, pois, de um poder discricionário.

2.ª A distinção entre portugueses desde o nascimento e portugueses desde a data do registo tem fundamento legal nos artigos 11.º e 12.º da LN.

3.ª “(nos nºs 5 e 6 do artigo 6º) o legislador permite expressamente que o Governo mantenha a margem de apreciação que até ao presente tem caracterizado a disciplina da naturalização, permitindo-lhe expressamente que pondere, preenchidos que se encontrem os respectivos pressupostos, se deve ou não conceder a naturalização.

4.ª “Em face do poder discricionário conferido à Administração só a título excepcional poderia ser concedida a nacionalidade portuguesa com dispensa do requisito da residência há pelo menos seis anos, em território português … caso a Administração o entendesse, mediante justificada ponderação, no caso concreto.”.

5.ª “Não se nos afigura legítimo que o Tribunal possa ir ao ponto de definir – nos casos em que a lei quis atribuir essa discricionariedade – um conteúdo, um objecto ou uma forma únicos compatíveis com o fim a prosseguir, e, em função deles, apreciar o ato em questão. Tal significaria admitir que o Tribunal se pudesse substituir sempre à Administração no traçado de todos os elementos do ato por ela praticado.”.

6.ª “A interpretação efectuada pela Administração do n.º 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade mostra-se perfeitamente razoável, sendo que a mesma cabe na letra da norma e nos princípios que regem a Lei da Nacionalidade. A decisão impugnada não enferma, pois, de erro manifesto ou grosseiro que cumpra sindicar.”.

7.ª Existem claras diferenças entre os efeitos da aquisição de nacionalidade, que se produzem a partir da data do registo e os da atribuição, que se reconduzem à data do nascimento, como claramente resulta dos artigos 11.º e 12.º da LN, não entendeu, pois, a jurisprudência que se violasse a lei quando se entendesse relevar, no âmbito da discricionariedade legalmente atribuída ao Ministro da Justiça, apenas a situação dos descendentes de portugueses originários.

8.ª O legislador apenas acautelou a situação dos filhos menores de quem tivesse adquirido a nacionalidade portuguesa (vide artigo 2.º da LN, na esteira do que dispunha a Base XXXII da Lei n.º 2098, de 29/07/59), pois é no contexto da menoridade dos filhos, dependentes do núcleo familiar presidido pelos pais, que faz sentido a proteção da unidade familiar.

9.ª Podem ser deduzidos fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade (cfr. artigos 9.º e 10.º do RN e 56.º e seguintes do RN), oposição essa que foi julgada procedente no processo de aquisição da nacionalidade requerido pelo Recorrente nos termos do artigo 2.º da LN e que correu seus termos nesta Conservatória sob o n.º 15362 de 2003.

10.ª O facto de se viver em território outrora português, por muito óbvios e naturais que sejam os laços culturais ou outros mantidos com a ex-potência administrante, não justifica a concessão da nacionalidade portuguesa aos nacionais desses países, porque se trata de uma situação que acontece com todas os cidadãos das ex-colónias. É que, a aceitar-se, como se pretende, tal argumento, teríamos de entender que todos os nascidos na Guiné-Bissau, bem assim como todos os naturais das outras ex-colónias portuguesas e seus descendentes poderiam também vir a adquirir a nacionalidade portuguesa por esta via, conclusão que é, de todo, inaceitável.

11.ª O Recorrente nem sequer reside em Portugal, apesar de já o ter feito e embora declare que se desloca frequentemente a Portugal, manifestando que aqui não permanece por não ser cidadão português, entende-se não lhe assistirem razões suficientemente ponderosas para que, em sede de poder discricionário, se justifique a preclusão dos requisitos normalmente exigidos a quem pretenda naturalizar-se e que constam do artigo 6.º n.º 1 da LN e do artigo 19.º n.º 1 do RN, aos quais, salvo melhor opinião, o Recorrente pretende furtar-se.

12.ª O Recorrente não invocou as razões pelas quais nunca obteve autorização de residência, o que sempre lhe permitiria com o decorrer do tempo, vir a adquirir um direito subjetivo à naturalização nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da LN.

13.ª Não se considera inserido na comunidade portuguesa quem tem vivido em outro país e lá mantém família, fazendo vida flutuante entre Lisboa e esse país, como é o caso do Recorrente.

14.ª O Recorrente apenas pretende, ao invocar o n.º 6 do artigo 6.º da LN, adquirir a nacionalidade portuguesa sem ter de se sujeitar ao prazo normal de seis anos de residência legal exigidos por norma a quem se queira naturalizar, fundamentando o seu pedido apenas no facto de, tendo nascido em território outrora português e ser filho de pai que adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 3.º da LN.

15.ª O Recorrente não atentou convenientemente na natureza excecional da norma do artigo 6.º n.º 6 da LN que, por esse motivo, não deve aplicar-se a situações comuns (ou potencialmente comuns) a milhares de cidadãos estrangeiros e que, nesse pressuposto, não devem beneficiar de regimes de exceção, sob pena de se banalizar o uso de poder discricionário e, assim, se frustrar o próprio espírito do legislador ao concedê-lo.

16.ª O iter cognoscitivo da Administração é perfeitamente claro quanto aos motivos perfilhados para indeferir a pretensão.

17.ª Tratando-se de um ato discricionário, julga-se que a intervenção do Tribunal se deve confinar apenas às hipóteses de erro grosseiro ou manifesto, como sejam as de raciocínios materialmente errados, o que, como se viu, não sucede de todo.

18.ª O Recorrente não fez prova perante a Administração, nem perante o Tribunal de 1.ª instância, nem nesta sede, de ter qualquer ligação especial e efetiva a Portugal.


Notificado(a) nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o(a) Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer (fls. 463 ss.) no sentido da improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida. Sendo que dele notificadas as partes respondeu o recorrente (fls. 470) renovando os fundamentos do recurso.

Com dispensa de vistos (cfr. artigo 657º nº 4 do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA) foram os autos submetidos à Conferência.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, importa a este Tribunal decidir se a decisão de improcedência da ação proferida pelo acórdão de 21/04/2015 do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com errada interpretação e aplicação do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, e se assim, deveria ter anulado o despacho que indeferiu o pedido de aquisição de nacionalidade, por naturalização do autor, aqui recorrente, condenando concomitantemente o réu, aqui recorrido, a concedê-la.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:

A) O Autor nasceu na República da Guiné-Bissau, em 15.11.1987, é maior face à lei portuguesa, não teve qualquer condenação criminal – acordo e processo administrativo incorporado;

B) Em 26.02.2007, o ora Autor solicitou ao Ministro da Justiça, a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, do qual se destaca:
- O requerente é maior, conforme Certidões de nascimento e certificado de nacionalidade (…)
- É titular do Bilhete de Identidade nº 1A 1- 00001 194-22, emitido em Bissau a 31-08-2006;
- Tem idoneidade cívica, conforme Certificado do Registo Criminal, emitido pelas competentes autoridades
guineenses;
- Mais esclarece que o único país em que residiu e reside é em Guiné-Bissau;
- o pai do requerente é cidadão português (…)”
Atento o facto de ser descendente de cidadão português, vem, nos termos do disposto no nº 6 do art. 6º da lei da Nacionalidade Portuguesa, em articulação com o disposto nos nºs 1 e 5 do art. 24º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, requerer junto de V. Exª, dispensa do requisito constante das alíneas b) do art. 6º da supra citada lei.
Na qualidade de descendente de cidadão português, mais requer a V. Excelência se digne dispensar o requerente da apresentação de documento que comprove o conhecimento da língua portuguesa, atento o disposto no nº 6 do art. 6º da lei da nacionalidade”.
(- Acordo e fls. 76-77 dos autos);

C) O pai do Autor adquiriu a nacionalidade portuguesa, em 19.01.2000 por via do casamento – cf. processo administrativo incorporado (fls. 291 e 292);

D) Por Acórdão proferido pelo STJ em 22.06.2005, foi julgada procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade do ora Autor, enquanto menor, requerida então pelos seus pais, ao abrigo do disposto no art. 2º da Lei da Nacionalidade, designadamente “o interessado não provou residir ou ter alguma vez residido com carácter de regularidade ou de permanência em Portugal ou que possua um qualquer vínculo relevante que o ligue à comunidade portuguesa …”, confirmando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.01.2005 – cf. fls. 111 a 125 dos autos;

E) Na Conservatória dos Registos Centrais foi emitido em 9 de Novembro de 2007, Parecer de concordância com a Informação (proc. 9387/07), constante de fls. 127 a 128 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
(…)
“III – PROVA DOS FACTOS
1.O requerimento apresentado em 26 de Fevereiro de 2007, contém todos os elementos necessário (art. 18º, nº 4 do RN), a parte é legítima e próprio o procedimento – fls. 3 e 4 (cfr. art. 7º nº 1 da LN e art. 18º, nºs 1 e 3 do RN).
2. O requerente, de nacionalidade guineense é maior face à da lei portuguesa como se verifica da certidão do seu assento de nascimento (…)
Não tem qualquer condenação criminal, como resulta dos certificados de registo criminal guineense e português.
Solicitadas informações à PJ e ao SEF nos termos previstos no art. 27º nº 5 do RN, verifica-se nada constar em desabono da sua pretensão
(...)
3. Como fundamento do pedido invoca o facto de ser descendente português, o que em si mesmo, não pode constituir um fundamento de relevo para o fim em vista, até porque o seu pai, único ascendente invocado, apenas veio a obter essa nacionalidade por via do casamento (com pessoa diferente da mãe), em 19 de Agosto de 2000- fls. 22.
Instado a oferecer melhores meios de prova de conexão com Portugal ou com a comunidade portuguesa, o interessado, que reside na Guiné, apenas referiu ter dois irmãos portugueses, os quais no entanto, adquiriram a nacionalidade portuguesa, enquanto menores, ao abrigo do art. 2º da LN, um primo português, tendo junto cartões de utente da Fertagus, do Clube de natação da Amadora e do Serviço Nacional de Saúde, tenho também junto um ofício comprovativo de que é utente TMN – fls. 36 a 52.
Ora, não parece que os fundamentos aduzidos revelem o suficiente para justificar a concessão da nacionalidade nos termos requeridos, a qual conforme epígrafe do próprio art. 24º do RN, apenas é concedida “em casos especiais”, o que não ocorre manifestamente.
Aliás, não será despiciendo ter em atenção que o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Junho de 2002, havia determinado o arquivamento do processo conducente à aquisição da nacionalidade portuguesa do interessado, então requerida nos termos do art. 2º da LN, por, no contexto legal, então vigente, não ter provado ligação efectiva à comunidade portuguesa (…)
4. Pelas razões expostas e sem se omitir que art. 6º, nº 6, da Lei nº 37/81 contempla um poder discricionário, somos de opinião que não merece acolhimento.
CONCLUSÃO: face ao exposto, entendo que deve ser indeferido o pedido do requerente, devendo o mesmo ser notificado em conformidade, a fim de que, após o decurso do prazo previsto no nº 10 do art. 27º do RN, o processo seja submetido a decisão de S. Excelência o Ministro da Justiça, tal como determina o nº 11 do mesmo artigo.”

F) O Autor, através da sua advogada, foi notificado para se pronunciar sobre o parecer e informação precedente, o que fez nos termos constantes de fls. 131 a 134 dos autos;

G) Na Conservatória dos Registos Centrais foi emitido em 9 de Junho de 2008 , Parecer de concordância com a Informação (proc. 9387/07), constante de fls. 149 a 151 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
(…)
4. Notificado destes factos, nos termos do nº 10 do art. 27º da RN (fls. 72), veio o interessado, por intermédio de sua advogada constituída, manifestar a discordância, por não se conformar com o facto de se ter entendido que o ser descendente de português não seria fundamento de relevo para efeitos de naturalização.
Alega, que embora não tendo residência em Portugal, é descendente de português e é também oriundo de um país de ascendência portuguesa (PALOP) da Guiné – Bissau, o que poderá fundamentar a dispensa desse requisito, interrogando-se ainda se não será fundamento suficiente o facto da sua família residir em Portugal e alguns de seus familiares deterem esta nacionalidade.
Sustenta que, mesmo no exercício de um poder discricionário, a interpretação dos conceitos por parte da Administração não se deve cingir a meros “juízos objectivos”, pois que o uso de critérios subjectivos, coloca em causa a garantia do nº 3 do art. 266º da Constituição (dever de fundamentação expressa e acessível de actos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos) e, na sua decorrência, nos artigos 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo.
Constata-se ainda não ter havido uma adequada ponderação dos vários interesses em questão, afirmando que à Administração é exigível que os seus actos sejam “de molde a não suscitarem dúvidas quanto à objectividade das razões da sua actuação e quanto à clareza e transparência dos sues propósitos (Ac. Relação Lisboa de 03.05-02, Proc. 9700/01.
5. Sobre a resposta do interessado entende-se que o art. 6º, nº 6, da LN e o art. 24º do RN se reportam a casos pontuais, em que, verificados determinados pressupostos, o Ministro da Justiça, em homenagem a certas situações particulares que repute justifica-lo, pode conceder, no exercício de um poder discricionário, a nacionalidade portuguesa, por naturalização.
6. O Requerente continua a não alinhar quaisquer elementos que justifiquem a alteração da posição inicialmente assumida, uma vez que o facto de aqui residirem alguns seus familiares e de alguns deles (nomeadamente o pai, em 2000), terem adquirido a nacionalidade portuguesa não constitui facto susceptível de justificar a concessão da nacionalidade nos termos pretendidos, com absoluta derrogação dos princípios básicos que o legislador definiu para o efeito que constam do nº 1 do art. 6º da LN.
Na verdade, o seu caso nada tem de especialmente relevante que justifique o recurso a disposições de excepção, sendo comum ao de vários milhares de indivíduos oriundos das antigas colónias portuguesas após a respectiva independência.
(…)
Conclusão: face ao exposto entendo que deve ser indeferido o pedido do requerente, devendo o processo ser submetido a decisão de Sua Excelência o Ministro da Justiça, tal como determina o nº 11 do mesmo artigo.” –

H) Por despacho do Secretário de Estado da Justiça de 16 de Junho de 2008, ao abrigo do disposto no nº 11 do art. 27º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2008, de 14 de Dezembro, e em face dos fundamentos aduzidos no parecer precedente foi indeferido o pedido de naturalização formulado pelo ora Autor – cf. fls. 152 dos autos;

I) O Autor foi notificado do despacho antecedente, por ofício datado de 23.06.2008 dirigido à sua Ilustre Mandatária – cfr. fls. 154 dos autos.

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B – De direito

1. Pelo acórdão recorrido, de 21/04/2015 o Tribunal a quo julgou improcedente a ação administrativa especial que o aqui recorrente havia instaurado (Proc. nº 756/11.5BELSB) contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA visando a impugnação do ato administrativo pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por naturalização que requereu ao abrigo do artigo 6º nºs 1 e 6 da Lei da Nacionalidade, ato administrativo que assim foi mantido na ordem jurídica.
Decisão que tendo por base a matéria de facto que deu como provada, que aqui não vem impugnada, assentou na seguinte fundamentação que se passa a transcrever:
«Pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, foram introduzidas alterações à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade -LN) (diploma em vigor, á data do despacho de indeferimento impugnado).

Estabelece o artº 6º da Lei da Nacionalidade, sob epígrafe “Requisitos”, o seguinte:
“1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.” (s/n).
(…)
6. O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.” (s/n).

Por seu turno, o Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, diploma que aprova o
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RN), prescreve no art. 24º sob a epígrafe
“Casos especiais em que pode ser concedida a naturalização”, que:
“1- O Governo pode conceder a naturalização, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional, quando satisfaçam os seguintes requisitos:
a) Sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
(…)
4- A prova de ser havido como descendente de portugueses ou de ser membro de comunidades de ascendência portuguesa é feita mediante certidões dos correspondentes registos de nascimento e, na sua falta, pode ser feita por outros meios que o Ministro da Justiça considere adequados ”.

Das normas supra transcritas ressalta que o legislador conferiu à Administração a faculdade, através da expressão “pode” de conceder a naturalização aos que forem havidos como descendentes de portugueses ou aos membros de comunidades de ascendência portuguesa, desde que sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa e não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa - cfr. art. 6º, nº 6 da LN e art. 24º, nº 1 do RN.

Como foi aduzido em I.2, para conhecer do pedido de condenação da Entidade Demandada à prolação de decisão de deferimento do pedido de naturalização portuguesa, o que passa por apreciar da “legalidade” do acto de indeferimento.

Como resulta do probatório, o despacho de indeferimento baseou-se na informação dos serviços, que assentou, no tocante à não verificação dos requisitos para a aquisição da nacionalidade portuguesa requerida pelo ora autor, em várias circunstâncias, como seja a de que o pai do ora Autor, adquiriu somente a nacionalidade portuguesa em 2000, por via do casamento. Que não demonstrou ligações à comunidade portuguesa. E ainda que foi já decidido judicialmente arquivar o processo de naturalização portuguesa, requerido quando ainda o Autor era menor.
Insiste o Autor em que é descendente de cidadão português.
Todavia, o seu progenitor só veio a adquirir a nacionalidade portuguesa, em 2000, muito após o seu nascimento, em 1987.
Donde o Autor não é originário de cidadão português, mas de cidadão estrangeiro que veio posteriormente a adquirir a nacionalidade portuguesa.

Como se alude no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6.10.2011, proferido no rec. 07539/11, disponível in www.dgsi.pt:
“E, no caso concreto, a Administração actua no exercício de um poder discricionário, além de que a distinção entre portugueses desde o nascimento e portugueses desde a data do registo tem fundamento legal nos artigos 11º e 12º da LN.
O artigo 11º, dispondo quanto aos Efeitos da atribuição, prescreve que “A atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento”, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade”.
Por sua vez, o artigo 12º, dispondo quanto aos “Efeitos das alterações de nacionalidade” estabelece que “ Tais efeitos só se produzem a partir da data do registo dos actos ou factos de que dependem” .
A nosso ver, e ao contrário do decidido, a atribuição da nacionalidade a que se reporta o artigo 11º diz respeito à nacionalidade originária, sendo certo que, aquele que adquire a nacionalidade por naturalização apenas é considerado português a partir da data do registo da naturalização.
A isto acresce que a nacionalidade portuguesa obtida por naturalização não é transmissível aos filhos já nascidos (artigo 2º da LN), não podendo por isso a recorrida ser considerada descendente de portugueses, já que os seus avós, únicos ascendentes invocados, apenas obtiveram a nacionalidade portuguesa por via da concessão, nos termos do artigo 5º do Dec.Lei nº308-A/75, no ano de 1985, o avô, e em 1993, a avó.
E é certo que a recorrida nasceu em 29.12.1978, em Moçambique e a seus avós maternos foi concedida a nacionalidade portuguesa em 1985, pelo que não se vislumbra como poderia ser considerada descendente de portugueses (artigo 2º e 6º do probatório).
Daí que se compreenda que o Parecer supra referido tenha acentuado que “ a requerente não é descendente de portugueses, mas sim – e já em segundo grau – de indivíduos que posteriormente (1985 o avô e 1993 a avó) vieram a adquirir a nacionalidade portuguesa.”

Jurisprudência que se acolhe, pelo que o Autor não pode ser considerado descendente de português, nos termos e para efeitos do disposto no nº 6. do art. 6º da LN.

Referindo-se em complemento que na própria sistemática da LN o legislador consagrou no Titulo I relativo à “atribuição, aquisição e perda da nacionalidade”, um cap. I relativo à atribuição da nacionalidade e um cap. II relativo à aquisição da nacionalidade, pelo que se fossem indiferentes o legislador não teria usado expressões distintas, e se o fez, fê-lo em relação a todo o diploma, como seja no art. 11º invocado pelo Autor, em que fala da atribuição da nacionalidade e não da aquisição da nacionalidade.

Acresce que, ainda que o legislador no mesmo preceito, o artigo 6º da LN, tenha admitido que o Governo possa afastar o requisito constante da alínea b) do nº 1, ou seja, “Residirem legalmente em território português, há pelo menos seis anos ”, sempre será de considerar tenha de existir em relação ao requerente da qualquer “conexão” ao nosso País, pois não podemos olvidar que, como se alude na epígrafe do art. 24º da LN, se trata de “casos especiais”.

Tendo o Autor baseado essa especialidade somente em relação aos seus familiares, pai e irmãos, mas não reside nem nunca residiu em Portugal.
Esse factor de conexão que permitiria justificar a situação especial que a Entidade Demandada deveria atender não foi invocado pelo ora Autor, em relação à sua pessoa, ou que permitisse justifique a sua ligação á nossa comunidade. Embora não seja o âmbito de aplicação para o caso em apreço, sempre pode ser fundamento de oposição por parte do MP a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional – cf. art. 9º da LN.

A tese do Autor significaria que todos os filhos maiores de quaisquer cidadãos naturalizados, após o seu nascimento, teriam a possibilidade automática de serem igualmente portugueses, sem quaisquer restrições, o que seria transformar em regra o que o legislador considerou de “especial”.

Por último, como refere a Entidade Demandada nas suas alegações, a propósito do indeferimento do pedido de naturalização do ora Autor, enquanto menor (al. D) do probatório), a admitir o deferimento do pedido ora formulado pelo Autor, sem quaisquer outras circunstâncias que não seja a de o então menor, ora Autor, ter atingido a maioridade, seria “igualmente desvirtuar a acção de oposição à aquisição da nacionalidade deduzida pelo Ministério Público, pois situações que não vingassem na menoridade dos filhos por ser deduzida pelo Ministério Público, tal acção e ter sido esta julgada procedente, poderiam após a sua menoridade, isto é quando em matéria de nacionalidade, já não gozam de qualquer protecção legal, beneficiar do regime de excepção disposto no artigo 6º, nº 6 da LN.”

Do supra exposto conclui-se que inexistem fundamentos de facto e de direito para afastar o entendimento sufragado pela Entidade Demandada no despacho de indeferimento do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização formulado pelo ora Autor.

Pelo que a acção terá de improceder, sendo que em relação aos vícios imputados ao sobredito despacho de indeferimento estes são “desvalorizados” face ao objecto do processo que é a pretensão do interessado (cf. art. 66º, nº 2 do CPTA). Em todo o caso, relativamente ao vício de violação de lei, de violação do princípio da legalidade, ou da
igualdade, em conformidade com o supra aduzido, a interpretação do Autor relativamente ao art. 6º, nº 6, da LN não colhe. Além de que o Autor entendeu perfeitamente os fundamentos que determinaram o sentido da decisão impugnada, na medida em que os veio questionar nos presentes autos. O que sempre conduziria à improcedência do vício de falta de fundamentação, assim como os a este associados pelo Autor, como sejam a obscuridade, arbitrariedade, etc..»

2. Propugna o recorrente em sede do presente recurso que contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido reúne todos os requisitos estabelecidos no artigo 6º nº 6 da Lei da Nacionalidade para a aquisição da nacionalidade por naturalização (vide designadamente conclusão h) das suas alegações de recurso), sustentando, entre o demais, que «não resulta da lei qualquer limitação à concessão da dispensa do requisito constante da alínea b) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, em virtude da forma de aquisição/atribuição da nacionalidade aos progenitores» tão só exigindo a descendência de portugueses; que a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 6º nº 6 da Lei da Nacionalidade desvirtua aquela norma de qualquer aplicabilidade «na medida em que, se os pais são originariamente portugueses, os filhos podem requerer também a atribuição de nacionalidade (originária), sem necessitarem de demonstrar o cumprimento de quaisquer outros requisitos nos termos do disposto na alínea c) do artigo 1º da Lei da Nacionalidade»; que à aquisição de nacionalidade por naturalização não se podem aplicar «os critérios de atribuição rígidos do regime de atribuição da nacionalidade, por se tratar, precisamente, de uma nacionalidade não originária» (vide designadamente conclusão kk), ll), mm), pp), tt) das suas alegações de recurso).
3. Nos termos do disposto no artigo 1º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, (temporalmente aplicável à situação dos autos) são portugueses de origem: a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português; b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português; c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses; d) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento; e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos; f) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.
Trata-se aqui de aquisição originária (atribuição) da nacionalidade portuguesa.
Já no que respeita à aquisição da nacionalidade portuguesa esta pode resultar, nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, temporalmente aplicável), de uma de três circunstâncias, i) de uma declaração de vontade, ii) da adoção plena e iii) da naturalização (cfr. artigos 3º a 7º), sendo que cada uma dessas formas de aquisição da nacionalidade obedece a requisitos próprios.
No que se refere à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização dispõe o artigo 6º da Lei da Nacionalidade (na redação aplicável) o seguinte:
Artigo 6.º
Requisitos
1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
2 - O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c) e d) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
b) O menor aqui tenha concluído o 1.º ciclo do ensino básico.
3 - O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade.
4 - O Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.
5 - O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, a indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.
6 - O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.”

4. Na situação presente o recorrente, nacional da Guiné Bissau, requereu (em 26/02/2007) ao Ministro da Justiça a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, ali invocando e dizendo ser maior, ter idoneidade cívica, ser a Guiné Bissau o único país em que residiu e reside e que o pai é cidadão português, solicitando a dispensa do requisito constante da alínea b) do artigo 6º da Lei da Nacionalidade nos termos do disposto no nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade Portuguesa, em articulação com o disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 24º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa «…atento o facto de ser descendente de cidadão português». (vide B) do probatório).
Sobre aquele pedido recaiu informação dos serviços no sentido de a razão do pedido, consistente em ser descendente português, não poder em si mesmo constituir um fundamento de relevo para a aquisição da nacionalidade por naturalização por o seu pai, único ascendente invocado, apenas ter obtido a nacionalidade portuguesa (no ano de 2000) por via do casamento, e de os demais os fundamentos aduzidos não revelarem o suficiente para justificar a concessão da nacionalidade que, nos termos do artigo 24º do Regulamento da Nacionalidade, apenas é concedida em casos especiais, não ocorrendo tal situação manifestamente no caso, propondo-se o indeferimento do pedido - (vide E) do probatório).
E após audição do requerente, aqui recorrente, foi mantido o sentido do indeferimento do pedido de aquisição de nacionalidade, entendendo-se que não havia fundamento, por o requerente da nacionalidade não ser descente de pai português para efeitos do nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (e artigo 24º do Regulamento da Nacionalidade), para dispensar da verificação dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 daquele mesmo artigo, e que o facto de residirem em Portugal alguns familiares seus e de alguns deles, nomeadamente o seu pai, ter adquirido a nacionalidade portuguesa (em 2000), não constitui facto suscetível de justificar a concessão da nacionalidade à luz do quadro legal aplicável - (vide F) a H) do probatório).
5. O que ressuma no caso é que o requerente da nacionalidade, autor na ação administrativa especial e aqui recorrente, requereu a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização ao abrigo do artigo 6º nº 6 da Lei da Nacionalidade, por conseguinte com dispensa da comprovação dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do mesmo artigo 6º daquele Diploma, em concreto do referido na alínea b) – residir “legalmente no território português há pelo menos seis anos”.
Para o efeito o requerente invocou ser «descendente de português» para os efeitos daquele normativo por o seu pai ser cidadão português.
Assim o não entendeu a entidade administrativa competente em face da circunstância de o seu pai apenas ter adquirido a nacionalidade portuguesa no ano de 2000 por via de casamento com cidadã nacional.
Entendimento que foi sufragado pelo acórdão recorrido, que considerou que face à circunstância de o pai do autor, aqui recorrente, só ter adquirido a nacionalidade portuguesa em 2000, com base no casamento, muito após o nascimento do autor (1987), este “não é originário de cidadão português, mas de cidadão estrangeiro que veio posteriormente a adquirir a nacionalidade portuguesa”, concluindo que o autor não pode ser considerado descendente de português, nos termos e para efeitos do disposto do artigo 6º nº 6 da Lei da Nacionalidade, apoiando-se para tanto o Tribunal a quo no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 06/10/2011, Proc. 07539/11, que citou e transcreveu e a cuja fundamentação aderiu.
6. Está assim na essência em dissídio a questão de saber se o requerente da nacionalidade por naturalização, aqui recorrente, é ou não descendente de português nos termos e para os efeitos do artigo 6º nº 6 da Lei da Nacionalidade de modo a que possa adquirir a nacionalidade portuguesa por naturalização sem necessidade de comprovar que reside legalmente no território português há pelo menos seis anos como o exige o nº 1 alínea b) daquele mesmo artigo 6º. Sendo irrelevante para a economia do presente recurso, as demais invocações feitas pelo recorrente nas suas alegações fora do âmbito de tal questão, já que na fase de recurso jurisdicional, em que nos encontramos, o que importa é apreciar se o acórdão proferido pelo Tribunal a quo deve ser mantido, alterado ou revogado (cfr. artigos 144º nº 2 do CPTA e 639º nº 1 e 635º do CPC novo).
7. À luz do disposto no artigo 9º do Código Civil o intérprete deve, na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e reconstituir, a partir da letra da lei, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada. Na determinação do verdadeiro sentido e alcance das normas legais o intérprete deve utilizar o elemento gramatical (a letra da lei) e o elemento lógico (o espírito da lei), neste se incluindo o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico (vide, batista machado, in, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1985, pág. 181). A letra da lei é assim ponto de partida e limite da interpretação jurídica a efetuar pelo intérprete e aplicador da lei nos termos do disposto nos artigos 9.º e 10° n.º 2 do Código Civil, que, entre o demais, determina na tarefa de interpretação da lei se elimine aquele ou aqueles sentidos que nela não tenham a menor correspondência, e que, no caso de a lei comportar apenas um sentido seja esse o sentido da norma.
8. Nos termos do disposto no artigo 1º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, (temporalmente aplicável à situação dos autos) são portugueses de origem:
“a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português;
b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português;
c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento;
e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
f) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade”.
Trata-se aqui de aquisição originária (atribuição) da nacionalidade portuguesa. Sendo que nos termos do disposto no artigo 11º da Lei da Nacionalidade, sob a epígrafe “efeitos da atribuição”, a atribuição da nacionalidade portuguesa “produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade”.
Do assim disposto e por contraposição com o estatuído no artigo 12º da Lei da Nacionalidade de acordo com o qual “os efeitos das alterações de nacionalidade só se produzem a partir da data do registo dos atos ou factos de que dependem”, tem de concluir-se que a aquisição da nacionalidade (seja por (i) declaração de vontade, por (ii) da adoção plena ou por (iii) naturalização), distintamente da atribuição, não produz efeitos desde o nascimento mas apenas da data do registo da aquisição.
Concomitantemente dispõe o artigo 14º da Lei da Nacionalidade, sob a epígrafe “efeitos do estabelecimento da filiação”, que “só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”.
9. A respeito da aquisição da nacionalidade por declaração de vontade dispõe o artigo 2º da Lei da Nacionalidade, sob a epígrafe “Aquisição por filhos menores ou incapazes” que “os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração”. Esta possibilidade, de aquisição da nacionalidade portuguesa por declaração de vontade de filhos de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa está assim limitada aos filhos menores (ou incapazes), não sendo possível aos seus filhos maiores adquirem, por esta via (declaração de vontade), a nacionalidade portuguesa.
10. No que respeita à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização o artigo 6º da Lei da Nacionalidade dispõe (na redação temporalmente aplicável) no seu nº 1 que o “Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.”
Este nº 1 do artigo 6º contém assim a regra referente à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização de estrangeiros maiores (ou emancipados), admitindo a aquisição da nacionalidade portuguesa daqueles que reúnam os requisitos ali enunciados, a saber:
i) residam legalmente no território português há pelo menos seis anos;
ii) conheçam suficientemente a língua portuguesa;
iii) não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
11. E dispõe o mesmo artigo 6º da Lei da Nacionalidade no seu nº 2, (na redação temporalmente aplicável) que o “Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c) e d) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
b) O menor aqui tenha concluído o 1.º ciclo do ensino básico.”
Este nº 2 do artigo 6º contém assim a regra referente à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização de estrangeiros menores, admitindo a aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, dos menores que reúnam os requisitos ali enunciados.
12. Por sua vez dispõe o nº 3 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade que “o Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade”, e o nº 4 que “o Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade”.
Temos assim que nestes casos (os previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade) a lei dispensa o requerente da nacionalidade da comprovação de que reside legalmente no território português há pelo menos seis anos.
O que decorre da expressa utilização da expressão «o governo concede (…) com dispensa…» feita em ambas as situações.
13. Já assim não é para os casos previstos nos nºs 5 e 6 daquele artigo 6º da Lei da Nacionalidade, onde diferentemente se usa a expressão «o governo pode conceder (…) com dispensa…» (sublinhado nosso).
Com efeito é o seguinte o disposto no nº 5 daquele artigo 6º: “O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, a indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.”.
E é o seguinte o disposto no nº 6 daquele mesmo artigo 6º: “O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.”
Do que decorre que como foi entendido pelo Tribunal a quo, na esteira do entendimento jurisprudencial vertido no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 06/10/2011, Proc. 07539/11, que acompanhou, a lei conferiu à Administração, para as situações previstas nestes nºs 5 e 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, o poder discricionário de dispensar o requisito de residir legalmente em território português residência há pelo menos seis anos (bem como o do conhecimento da língua portuguesa) para a concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização. Dispensa que todavia haverá de ser justificada na ponderação da situação concreta (discricionariedade não é arbitrariedade) a efetuar pela entidade administrativa competente.
13. Para além de tudo o que até aqui já se referiu importa também evidenciar que enquanto no nº 4 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade se admite a aquisição da nacionalidade com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n 1 (residir legalmente em território português há pelo menos seis anos), «…aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa (…)» no nº 6 daquele artigo 6º se autoriza o Governo a conceder a naturalização, com dispensa daquele requisito «…aos indivíduos (…) que forem havidos como descendentes de portugueses…», sem que se inclua aqui qualquer limite de grau (sublinhados nossos).
O que relevará aqui, quer para o nº 4 quer para o nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade é que haja uma relação de descendência/ascendência.
Relembre-se que o estabelecimento de uma relação de parentesco, é determinada “…pelas gerações que vinculam os parentes um ao outro” de modo que “…cada geração forma um grau, e a série dos graus constitui a linha de parentesco” (cfr. artigo 1579º do Código Civil). Sendo a relação geracional de linha reta “…quando um dos parentes descende do outro” a qual é descendente “…quando se considera como partindo do ascendente para o que dele procede” e ascendente “…quando se considera como partindo deste para o progenitor” (cfr. artigo 1580º do Código Civil) e havendo na linha reta “…tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor” (cfr. artigo 1581º do Código Civil).
14. Há porém uma diferença de intensidade (de grau de exigência) entre o previsto no nº 4 e o previsto no nº 6, de modo que se ao estrangeiro (que não nasceu em território nacional), que pretenda a aquisição da nacionalidade (por naturalização) é concedida a nacionalidade com dispensa daquele requisito (residir legalmente em território nacional há pelo menos seis anos) se tiver «…pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa» já ao estrangeiro que não tenha pelo menos um ascendente do 2.º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa mas tenha ascendência portuguesa (ascendentes de grau mais afastado) não é necessariamente (automaticamente) dispensado o cumprimento daquele requisito (residir legalmente em território nacional há pelo menos seis anos), mas apenas permitido que o Governo o possa vir a dispensar.
O que se compreende, já que nesse caso, o afastamento (alongamento) da relação familiar de descendência/ascendência, com o natural distender (espraiar) das ligações à comunidade nacional por via sanguínea, terá justificado, do ponto de vista do legislador, a exigência da ligação ao país por via da residência nele por aquele período mínimo (de seis anos), apenas dispensável pela entidade administrativa competente se esta assim o entender, com motivo fundamentado.
15. Aqui chegados tem que concluir-se não assistir razão ao recorrente quanto sustenta que a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 6º nº 6 da Lei da Nacionalidade desvirtua aquela norma de qualquer aplicabilidade na medida em que, se os pais são originariamente portugueses, os filhos podem requerer também a atribuição de nacionalidade (originária), sem necessitarem de demonstrar o cumprimento de quaisquer outros requisitos nos termos do disposto na alínea c) do artigo 1º da Lei da Nacionalidade.
É que desde logo a previsão contida no nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade no segmento «aos que forem havidos como descendentes de portugueses…» é de amplitude distinta da previsão contida no artigo 1º nº 1 alínea c) no segmento «…filhos de», como também o é, como se viu, da previsão contida no nº 4 do artigo 6º no segmento «..um ascendente do 2.º grau da linha reta…» (sublinhados nossos).
A diferenciação é, com efeito, de grau. De modo que, se não há dúvida de que um descente de cidadão português no primeiro grau da linha reta (filho) possui de origem (atribuição) a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 1 nº 1 alínea c) da Lei da Nacionalidade, já não é assim com os descendentes de cidadão português em distinto grau (2º grau ou mais). Em tal caso será admitida a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, demonstrados que sejam os respetivos requisitos.
Premente é, em todo o caso, que haja uma relação de ascendência/descendência relativamente a cidadão nacional.
16. Relembre-se, ainda, para além de todo o mais já dito, que nos termos do disposto no artigo 11º da Lei da Nacionalidade a atribuição da nacionalidade portuguesa (nacionalidade originária) produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade enquanto nos termos do estatuído no artigo 12º da Lei da Nacionalidade a aquisição da nacionalidade (seja por (i) declaração de vontade, por (ii) da adoção plena ou por (iii) naturalização), distintamente da atribuição, não produz efeitos desde o nascimento mas apenas da data do registo da aquisição e que por força do disposto artigo 14º da Lei da Nacionalidade só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade.
17. Assim, a referência feita no segmento «…aos que forem havidos como descendentes de portugueses…», contido no nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, deve ter-se por efetuada aos descendentes (de qualquer grau) de cidadãos com nacionalidade portuguesa originária (atribuída) e não a cidadão de nacionalidade portuguesa adquirida.
De modo que a dispensa dos requisitos contidos nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, a que alude o nº 6 do mesmo artigo, apenas poderá ser admitida para os descendentes dos que detenham originariamente a nacionalidade portuguesa e não aos descendentes dos que a tenham adquirido posteriormente.
É a interpretação mais consentânea com a unidade do sistema jurídico, supra evidenciado, apoiando-se nos respetivos elementos gramaticais dos normativos visitados.
17. E se assim é o acórdão recorrido não fez incorreta interpretação e aplicação do citado normativo, não incorrendo no erro de julgamento (de direito) que lhe vem imputado. Tem pois que improceder o presente recurso, mantendo-se a decisão de improcedência da ação.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelo Recorrente, em ambas as instâncias - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro).
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Notifique.
D.N.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2016


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela