Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:80/20.2BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/06/2022
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:MILITAR DA GNR
ELEITO LOCAL
LICENÇA ESPECIAL
DIREITO À REMUNERAÇÃO
Sumário: I – Aos militares da GNR, aplica-se-lhe o respectivo Estatuto, bem como, de acordo com o artigo 10º, nº 1 do EMGNR, a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar e a Lei de Defesa Nacional (LDN).
II – De acordo com o disposto no artigo 47º da LDN, aprovada pela Lei Orgânica nº 1-B/2009, de 7 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei Orgânica nº 3/2021, de 9 de Agosto, são aplicáveis aos militares dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efectivo da GNR restrições de direitos fundamentais, nomeadamente aquelas que se encontram previstas nos artigos 26º a 35º da LDN, das quais sobressai a prevista no artigo 33º da LDN (capacidade eleitoral passiva dos militares).
III – O DL nº 279-A/2001, através do qual o legislador pretendeu regulamentar o artigo 31º-F da LDN (com conteúdo semelhante ao do artigo 33º da LDN actualmente em vigor), procedendo desse modo ao adequado desenvolvimento e regulamentação do conteúdo inerente àquele tipo de licença especial, fixando, em paralelo, a própria situação jus-estatutária dos militares que por ela viessem a ser abrangidos, exactamente porque os estatutos aplicáveis às diversas classes (de militares das Forças Armadas e das forças de segurança) eram omissos quanto aos efeitos dessas licenças especiais.
IV – Por força do disposto no artigo 3º, nº 3 do DL nº 279-A/2001, a eleição de qualquer militar – não só os que prestavam serviço nas Forças Armadas, mas também os militares das demais forças de segurança (GNR, GF), por força da remissão operada pelo artigo 47º da LDN – para o exercício do mandato para o qual se havia candidatado, tinha como efeito a cessação de toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, embora sem prejuízo da faculdade daqueles optarem, quando essa opção estivesse legalmente prevista, pela remuneração mais favorável (mas isto apenas para os casos de tais mandatos serem exercidos a tempo inteiro e, por conseguinte, serem remunerados).
V – Este regime era compreensível, pois quer o primitivo estatuto dos militares da GNR, aprovado pelo DL nº 265/93, de 31/7 (vd. artigo 170º), quer todos os que se seguiram, até à aprovação do EMGNR actualmente em vigor, não previam no elenco das licenças atribuíveis aos militares da GNR a figura da licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos.
VI – A figura da licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos só veio a ter consagração expressa no EMGNR aprovado pelo DL nº 30/2017, de 22/3, que passou a prever tal licença na alínea i) do nº 1 do artigo 175º daquele Estatuto, sendo que os respectivos efeitos passaram a estar previstos nos nºs 4 e 5 do citado artigo 175º do EMGNR.
VII – De acordo com o nº 4 do artigo 175º do EMGNR, o principal efeito decorrente da concessão de todas as licenças elencadas no nº 1 daquela norma consistiria em que, durante o período de licença ou dispensa, o militar suspendia temporariamente o exercício de funções e actividades de serviço; porém, relativamente às licenças previstas nas alíneas a) a i) do nº 1 do artigo 175º do EMGNR (onde se inclui a licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos), bem como as dispensas previstas no nº 3, o legislador consagrou a solução das mesmas serem concedidas sem perda de quaisquer direitos, nomeadamente a remuneração e antiguidade.
VIII – Com a entrada em vigor do actual EMGNR, ocorrida no dia 1 de Abril de 2017 (cfr. artigo 263º do DL nº 30/2017, de 22/3), foi derrogado, no que aos militares da GNR diz respeito, o regime constante do artigo 3º do DL nº 279-A/2001, de 19/10.
IX – Deste modo, o autor, e aqui recorrente, manteve o seu direito a auferir a remuneração enquanto se encontrou no gozo da licença especial prevista na alínea i) do nº 1 do artigo 175º do EMGNR, pelo menos até à caducidade da aludida licença especial, por força da declaração do estado de emergência operada pelo DL nº 10-A/2020, de 13/3 (cfr. artigo 33º, nº 6, alínea c) da LDN).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A…, com os sinais nos autos, intentou no TAF de Sintra uma acção administrativa contra Ministério da Administração Interna, na qual peticionou: (i) a declaração de nulidade ou a anulação do ponto 2.e. do Despacho nº 120/19, de 15 de Outubro, exarado pelo Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), que determinou o não pagamento da remuneração ao autor; (ii) o reconhecimento ao autor do direito a continuar a receber a remuneração auferida enquanto militar da GNR, suportada pelo demandado, até ao termo do mandato, para o qual foi eleito em 2017, de membro da Assembleia de Freguesia de Águas Livres, Município da Amadora.
2. O TAF de Sintra, por sentença datada de 17-6-2021, julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido.
3. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a pretensão do recorrente.
2. Ressalvado o sempre Muito Devido Respeito por diferente posição, considera o recorrente que a Douta Sentença proferida é nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, que estatui ser causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
3. Com efeito, considera o recorrente que a causa de pedir invocada pelo recorrente e que era essencial para o afastamento da norma [artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro] que a entidade demandada utilizou como fundamento para a determinação constante no ponto 2.e. do Despacho nº 120/19, de 15 de Outubro, consistiu na alegação de que essa disposição legal seria inaplicável ao caso concreto, por força do disposto no artigo 175º, nº 5, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei nº 30/2017, de 22 de Março, cuja redacção é a seguinte:
«5 – As licenças previstas nas alíneas a) a i) do nº 1 e as dispensas previstas no nº 3 são concedidas sem perda de quaisquer direitos, nomeadamente a remuneração e antiguidade, bem como as licenças previstas na alínea c) do nº 2, sempre que o respectivo despacho assim o estabeleça».
4. Razão pela qual se considera, reiterando-se o sempre Muito Devido Respeito por diferente entendimento, que o Tribunal a quo não poderia ter deixado de apreciar a questão da aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 175º, nº 5, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei nº 30/2017, de 22 de Março, em detrimento, ou não, da aplicação do artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro, por ser esta a questão essencial do «thema decidendum».
Da Revogação da Sentença
5. Sem conceder, e ressalvado o sempre Muito Devido Respeito por diferente entendimento, considera ainda o recorrente que a decisão proferida padece de erro de julgamento (error in judicando) e de erro na interpretação e aplicação do direito (error juris).
i. Da não aplicação do disposto no artigo 175º, nº 5 do EMGNR
6. A douta sentença padece, assim, de erro na aplicação do direito, porquanto não aplicou ao caso sub judice o disposto no artigo 175º, nº 5, do EMGNR.
ii. Da revogação tácita do artigo 3º do Decreto-Lei nº 279-A/2001
7. Em todo o caso, mesmo que se alvitrasse que as normas constantes no artigo 3º do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro, pudessem ser aplicadas ao caso concreto, a verdade é que desde a entrada em vigor do artigo 33º da Lei de Defesa Nacional, aprovada pela Lei Orgânica nº 1-B/2009, de 7 de Julho, que essas normas, em concreto, se encontram revogadas, com os fundamentos expedidos em sede de alegações (artigos 32º a 49º) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
iii. Da falta de previsão legal no EMGNR para que a licença especial possa ser considerada como sem direito a remuneração
8. Ademais, face ao disposto no artigo 76º do EMGNR, a contrario sensu resulta inequívoco que a licença especial que foi concedida ao recorrente lhe confere o direito à remuneração:
«Artigo 76º
Licença sem remuneração
Considera-se na situação de licença sem remuneração o militar da Guarda que se encontre de licença ilimitada ou registada, licença para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro e licença para exercício de funções em organismo internacional, nos termos do presente Estatuto».
iv. Da situação jurídica passiva de sujeição do beneficiário da licença especial
9. Ainda assim, caso se concebesse que a licença especial concedida ao recorrente pudesse não lhe conferir o direito à remuneração, seria inexplicável, juridicamente, o direito potestativo que o Estado continuaria a deter sobre aquele, cfr. artigo 33º, nº 6, da Lei da Defesa Nacional, na actual redacção:
«A licença especial caduca, determinando o regresso do militar à situação anterior:
(...) Com a declaração de guerra, do estado de sítio e do estado de emergência.»
10. O que, aliás, sucedeu por duas vezes (declarações de Estado de Emergência – Março de 2020 e Novembro de 2020) durante o exercício do actual mandato político do recorrente, tendo a entidade demandada determinado o seu regresso ao serviço efectivo.
11. Ora, sendo certo que esse direito potestativo do Estado até encontra justificação constitucional, o que não se contesta, de todo; tal não significa que o recorrente possa estar «à mão de semear» sem que o Estado o tenha que compensar por essa situação passiva de sujeição.
12. Com efeito, o entendimento de que alguém pode estar à mercê do Estado, fora dos casos de mobilização e requisição, em caso de guerra, previstos nos artigos 36º a 39º da Lei de Defesa Nacional, na actual redacção, sem que daí advenha a correspectiva contrapartida remuneratória, ofende ostensivamente o respeito pela dignidade humana.
v. Da interpretação da expressão “obrigação remuneratória de natureza militar”
13. Outrossim, mesmo que se alvitrasse que o disposto no artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro, pudesse ser aplicado a caso concreto, o que não se concebe, ainda assim, a verdade é que considera o recorrente, ressalvado o Muito Devido Respeito por diferente entendimento, que a Douta Sentença recorrida padece de erro de direito quando interpreta o conceito “obrigação remuneratória de natureza militar”, como sendo extensível a todas as componentes remuneratórias do recorrente.
14. Com efeito, mesmo que inexistisse o disposto no artigo 175º, nº 5, do EMGNR, e que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Janeiro, não tivesse sido revogado, a verdade é que o conceito “obrigação remuneratória de natureza militar” apenas englobaria in casu a cessação do pagamento ao recorrente do suplemento por serviço nas forças de segurança.
vi. Da entidade responsável pelo pagamento da remuneração ao recorrente
15. Por outro lado, o Tribunal a quo concluiu que «pese embora a GNR não tenha de abonar o autor de qualquer remuneração de natureza militar, tal não significa que o autor possa ou deva ser prejudicado pelo facto de ter sido eleito para um órgão autárquico e/ou deixe de beneficiar do direito à remuneração».
16. Com o Muito Devido Respeito, adere-se a esta conclusão, aliás, sendo esse o leitmotiv, com fundamento constitucional, que o recorrente tem defendido reiteradamente nos presente autos.
17. Aliás, é a própria entidade demandada a reconhecer na respectiva contestação que o recorrente não pode ser prejudicado pelo facto de estar a exercer os seus direitos políticos e que por isso mantém o direito à remuneração.
18. Contudo, já não se concorda com o entendimento do Tribunal a quo de que a obrigação do pagamento da remuneração cabe ao órgão para o qual o recorrente foi eleito (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11-9-2008, in processo nº 00051/2004).
19. Neste sentido, a Douta Sentença padece de erro na aplicação do direito, tendo inclusive o Tribunal ad quem (cfr. Acórdão TCA SUL, de 20-5-2021, Proc. nº 1235/19.8BESNT, proferido na providência cautelar intentada no âmbito da presente acção) já contrariado o entendimento de que caberia à Freguesia de Águas Livres suportar o pagamento da remuneração do recorrente:
«Donde, a sentença recorrida errou ao imputar à Junta de Freguesia a responsabilidade pelo pagamento da remuneração que o recorrente vinha auferindo na GNR durante o tempo de gozo da aludida licença especial, em violação dos artigos 165º, alínea q) e 238º, nº 2 da CRP, cabendo à Assembleia da República definir os encargos financeiros do poder local. Assim como definir o Estatuto dos Titulares dos Órgão do poder local (artigo 164º, m) da CRP), inexistindo qualquer norma vigente que imponha à Junta de Freguesia a assunção de tal encargo ao membro da assembleia de freguesia, sob pena de violação do princípio da legalidade e da previsão orçamental ao autorizar a realização de despesas não permitidas por Lei».
20. Não obstante, nesse Douto Acórdão, o Tribunal ad quem considerou que não haveria lugar ao pagamento da remuneração do recorrente, com a seguinte fundamentação:
«Mas das mesmas não decorre que durante a referida licença a GNR tenha de manter a aludida remuneração, até porque o militar é considerado fora da efectividade de serviço na situação de adido ao quadro (nº 1 do artigo 3º do DL nº 279-A/2001), sendo a lei bem explícita de que faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza milita (artigo 3º, primeira parte)».
21. Ora, antes de mais, nesse Douto Acórdão, com o Muito Devido Respeito, e à semelhança do que sucedeu na decisão ora recorrida, não foi apreciada a aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 175º, nº 5 do EMGNR.
22. Depois, ter-se-á que discordar, com o Muito Devido Respeito, da justificação apresentada nesse Douto Acórdão para o não pagamento da remuneração ao recorrente:
«Até porque o militar é considerado fora da efectividade de serviço, na situação de adido ao quadro» (cfr. artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro).
23. Ora, desde o momento em que lhe foi concedida a licença especial, que o recorrente está «fora da efectividade do serviço, na situação de adido ao quadro», mas esse fundamento não implicou que este não tivesse recebido a remuneração até ao momento em que veio a ser eleito (cfr. artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro).
24. Por conseguinte, se até à conclusão do processo eleitoral o recorrente mantém o direito à remuneração, mesmo estando fora da efectividade do serviço, este fundamento (estar fora da efectividade do serviço) não poderá ser juridicamente aceitável para justificar que após a eleição o recorrente deixe de manter o direito a receber a sua remuneração.
25. Mas claro está, tampouco acabará por relevar a interpretação ad nauseaum do artigo 3º do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro, porquanto a decisão quanto ao peticionado pelo recorrente é pacificamente solucionada, em termos jurídicos, com a aplicação do disposto no artigo 175º, nº 5 do EMGNR.
vii. error in judicando
26. Por fim, o Tribunal a quo considerou, arrimado ao artigo 3º, nº 3, 2ª parte, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, que o recorrente «pode escolher entre a remuneração de origem – no caso, correspondente ao posto e escalão de Sargento-Chefe da GNR – e a remuneração do cargo para o qual foi eleito, no caso membro da AFAL».
27. Contudo, para que assim pudesse ser, essa faculdade de opção teria que estar legalmente prevista, o que não sucede e, em segundo lugar, que o exercício do mandato enquanto membro da Assembleia de Freguesia de Águas Livres conferisse o direito a uma remuneração, o que também não sucede – radicando aqui, com o Muito Devido Respeito, o error in judicando de que padece a douta sentença recorrida.
Da inconstitucionalidade normativa resultante da aplicação pelo Tribunal a quo, das normas constantes no artigo 3º do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Novembro
28. Invoca-se expressamente que a interpretação e a aplicação pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro, ao caso sub judice, em resultado da hermenêutica jurídica empreendida ao arco normativo composto pelo artigo 184º do EMGNR e ao artigo 33º da Lei de defesa Nacional, na actual redacção, em detrimento da aplicação do disposto no artigo 175º, nº 5, do EMGNR, viola o princípio da certeza jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, decorrente do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2º da CRP, na medida em que:
a. Perante a linearidade jurídica do estatuído no artigo 175º, nº 5, do EMGNR, o normal destinatário dessa norma poderia firmar as suas expectativas no sentido de que poderia substanciar a sua capacidade eleitoral passiva, ao abrigo da licença especial a que alude o artigo 175º, nº 1, alínea i), do EMGNR e o artigo 33º da Lei de Defesa Nacional, na actual redacção, sem que dessa substanciação pudesse contar que posteriormente lhe viesse a ser subtraído o seu direito à remuneração por parte da entidade demandada;
b. Sem que se vislumbre na aplicação do artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro, a salvaguarda de qualquer direito ou interesse constitucionalmente que devesse prevalecer (artigo 18º, nº 2 da CRP) sobre o direito do recorrente em não ser «prejudicado pelo facto de se desempenhar um cargo público ou exercer qualquer outro direito político» – cfr. artigo 50º, nº 2, da CRP.
29. Invoca-se ainda que a aplicação pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 3º, nº 3, do Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19 de Outubro, ao caso sub judice, em resultado da hermenêutica jurídica empreendida ao arco normativo composto pelo artigo 184º do EMGNR e ao artigo 33º da Lei de Defesa Nacional, na actual redacção, interpretado no sentido de que a “eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou” determina que este deixe de ter direito à remuneração in casu suportada pela GNR, por deixar de estar na efectividade do serviço, é inconstitucional:
a. Por violação do Princípio da Reserva Relativa de Lei, porquanto o Governo legislou sem autorização legislativa prévia, ínsito no artigo 165º, nº 1, alínea b), e nº 2, da CRP, determinando que os destinatários da licença especial tenham como consequência directa do facto de serem eleitos como membros de uma Assembleia de Freguesia e exercerem o respectivo mandato, a perda do direito à sua remuneração, uma vez que o cargo politico para o qual foram eleitos não confere o direito a qualquer remuneração e, consequentemente, os impede de exercer o direito de opção a que alude a norma em crise.
b. Por discriminar cargos políticos electivos com e sem direito a remuneração, criando assim sérios entraves aos militares que não tenham qualquer outro rendimento para além da sua remuneração nas FFAA ou na GNR, de assim poderem candidatar-se a cargos políticos electivos não remunerados, discriminação esta que colide com o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18º, nº 2, da CRP.
c. Por o destinatário das normas contidas nesse artigo ser um militar, qualquer efeito que diminua o âmbito, sentido e alcance dos seus direitos jurídico-estatutários, por força a aplicação do regime jurídico atinente ao exercício da sua capacidade eleitoral passiva, só poderá ocorrer nos termos do artigo 164º, alínea o) e artigo 168º, nº 4 e nº 6, alínea e), ambos da CRP”.
4. O Ministério da Administração Interna contra-alegou, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
A. Quanto ao objecto do recurso propriamente dito, haverá que referir que, decorrente da eleição do recorrente para membro da Assembleia de Freguesia de Águas Livres, no mandato 2017/2021, foi, pelo Despacho nº 120/2019, do Exmº Tenente-General, Comandante-Geral, determinado que “Durante o período de exercício do mandato para que o militar seja eleito é considerado fora da efectividade de serviço, na situação de adido ao quadro, sendo, no entanto, contabilizado como tempo de permanência no posto e como tempo de serviço efectivo para efeitos de antiguidade: (…) Aos militares que se encontrem actualmente na situação de licença especial, por terem sido eleitos em acto eleitoral anterior, deve ser suspenso, a partir de 01.12.2019, o pagamento das remunerações suportadas pela Guarda, caso o militar continue no seu gozo, devendo ser notificados do previsto no presente despacho”;
B. A Licença Especial referida foi concedida ao recorrente nos termos do estipulado na alínea i) do nº 1 do artigo 175º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana;
C. O artigo 184º do mesmo acervo estatutário, determina que “A licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos é efectuada nos termos da LDN”;
D. A mencionada Licença encontra-se devidamente prevista no artigo 33º da Lei de Defesa Nacional, (LDN);
E. O Decreto-Lei nº 279-A/2001, de 19/10, veio regular os efeitos da licença especial concedida a militares, nos termos definidos no artigo 31º F da LDN;
F. O artigo 3º do mencionado Decreto-Lei expressamente refere que o militar eleito, durante o exercício de mandato é considerado fora da efectividade de serviço, adido ao quadro e o nº 3 deste artigo vem determinar que “A eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, sem prejuízo da faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável”;
G. Por “toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar” pretendeu o legislador abarcar todas as componentes da remuneração tais como se encontram definidas no artigo 3º do RRMGNR, ou seja, remuneração base e suplementos remuneratórios e não apenas aos suplementos como defende o recorrente;
H. E a faculdade de opção efectivamente encontra-se, no que aos militares da GNR concerne, legalmente prevista no artigo 5º do Regime Remuneratório dos Militares da GNR, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/2009, de 14/10, que expressamente determina que “Sempre que o militar, nos termos estatutariamente aplicáveis, passe a desempenhar cargos ou a exercer funções fora do âmbito da Guarda, pode optar a todo o tempo, pela remuneração base devida na situação jurídico-funcional de origem”;
I. Assim sendo, contrariamente ao alegado pelo ora recorrente não lhe foi negado o direito a auferir uma remuneração, mas tão somente determinado que a GNR, decorrente da cessação da obrigação de remuneração de natureza militar, deixasse de a processar no exacto cumprimento da Lei;
J. E, refira-se, Lei essa que não é de forma alguma inconstitucional, (e, se se considerar que o é, a sua inconstitucionalidade teria sempre de ser suscitada junto do Tribunal Constitucional), uma vez que não restringe o direito consagrado constitucionalmente a se candidatar a cargos públicos nem o afecta em quaisquer direitos decorrente dessa opção;
K. Efectivamente, estando legalmente consagrado o direito de opção pela remuneração que entender mais favorável e encontrando-se vedado o pagamento da mesma por parte da GNR enquanto perdurar a Licença, só restará concluir como o fez a Douta Sentença proferida ou seja, que competirá à Junta de Freguesia, mediante requerimento do interessado, garantir esse mesmo pagamento;
L. Saber se a Junta paga ou não ou sequer estará em condições de o fazer já é uma questão totalmente alheia aos presentes autos;
M. Mas mesmo que se entenda, conforme preconizado no Douto Acórdão do TCA Sul, de 20-5-2021, que inexiste norma que imponha à Junta de Freguesia qualquer obrigação em assumir a remuneração de um membro da assembleia de freguesia que goze da aludida licença, (na medida em que apenas está previsto o pagamento de senhas de presença àqueles membros), tal não colide, de todo, com o entendimento de que a GNR não tem obrigação de, nos casos de gozo desta licença especial, continuar a abonar a remuneração ao militar;
N. Além do exposto, e contrariamente ao que alega o ora recorrente, a Jurisprudência, como se referiu exaustivamente, tem sido uniforme quanto a esta questão, conforme se demonstra pela douta sentença recorrida, pelo douto acórdão do TCA Norte, de 11-9-2008, proc. nº 00051/2004, pela sentença aí proferida em sede de 1ª instância e pelo douto acórdão do TCA Sul, de 20-5-2021, proc. nº 19361/21 (Proc. nº 1235/19.8BESNT);
O. Por último o argumento esgrimido pelo recorrente de que o facto de se encontrar, durante o gozo desta licença, na situação de fora da efectividade de serviço não obsta a que a GNR lhe continue a processar o vencimento, uma vez que aos militares que se encontram na reserva fora da efectividade de serviço tal remuneração é abonada, também não pode, de forma alguma, proceder, desde logo porque relativamente a estes é a própria lei estatutária que expressamente excepciona e determina que quando os militares transitam para a situação de reserva fora da efectividade de serviço lhes é abonada pela GNR uma remuneração de reserva, calculada nos termos definidos no EMGNR e no RRMGNR (cfr. artigo 21º do EMGNR), o que manifestamente não se verifica nos casos em que é concedida esta licença”.
5. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado para os termos e efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, não emitiu pronúncia.
6. Colhidos os vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
7. Na fase de recurso o que importa é apreciar se a sentença proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º, nº 2 do CPTA, e 639º, nº 1 e 635º, ambos do CPCivil, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA, às que integram o objecto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas respectivas conclusões – isto sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso – e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal “a quo” (cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 119 e 156).
8. Em concreto, constituem questões a decidir no presente recurso as seguintes:
a) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto a mesma não apreciou a questão da aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 175º, nº 5 do EMGNR, aprovado pelo DL nº 30/2017, de 22/3, em detrimento, ou não, da aplicação do artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do DL nº 279-A/2001, de 19/10 (alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil);
b) Erro de julgamento de direito:
i) por errada interpretação do artigo 3º, nº 3 do DL nº 279-A/2001, de 19/10, que deverá ter-se por revogado pelo artigo 175º, nº 5 do novo EMGNR, aprovado pelo DL nº 30/2017, de 22/3;
ii) por violação dos artigos 13º, 18º, nº 2, 50º, nº 2 e 270º, todos da Constituição da República Portuguesa, e ainda do disposto no artigo 164º, alínea o), artigo 168º, nºs 4 e 6, alínea e), e artigo 112º, nº 3, também da CRP.
9. Cumpre desde já apreciar se ocorre a apontada nulidade da sentença recorrida, por a mesma não ter apreciado a questão da aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 175º, nº 5 do EMGNR, aprovado pelo DL nº 30/2017, de 22/3, em detrimento, ou não, da aplicação do artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do DL nº 279-A/2001, de 19/10 (alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil).
10. Nos termos da citada disposição legal, a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
11. No caso presente, se é certo que a sentença recorrida não tenha expressamente analisado se o regime constante do artigo 175º, nº 5 do EMGNR (que dispõe que “as licenças previstas nas alíneas a) a i) do nº 1 e as dispensas previstas no nº 3 são concedidas sem perda de quaisquer direitos, nomeadamente a remuneração e antiguidade, bem como as licenças previstas na alínea c) do nº 2, sempre que o respectivo despacho assim o estabeleça) se deveria sobrepor ao regime decorrente do artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do DL nº 279-A/2001, de 19/10 (que dispõe que “a eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, sem prejuízo da faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável), reconhecendo ao autor o direito a continuar a receber a respectiva remuneração, paga pela GNR, mesmo após a sua eleição para o exercício do mandato ao qual se candidatou, o certo é tal pronúncia contém implícita a conclusão de que, em circunstância alguma, o militar eleito para o exercício de mandato autárquico manteria o direito à remuneração.
12. Dito de outro modo, a sentença recorrida considerou que a eleição de um militar da GNR para o exercício de mandato em órgão autárquico fazia cessar a manutenção da obrigação do pagamento da remuneração auferida, interpretação essa que contempla, ainda que de modo implícito, o entendimento de que o artigo 175º, nº 5 do EMGNR não era idóneo a suportar o entendimento sufragado pelo recorrente de que o direito ao pagamento da remuneração não cessava com a assunção do aludido mandato autárquico.
13. Aliás, foi por não concordar com o entendimento expresso na sentença recorrida que o recorrente sustenta na sua alegação que aquela decisão padece de erro na aplicação do direito, porquanto não aplicou ao seu caso o disposto no artigo 175º, nº 5 do EMGNR.
14. Deste modo, a sentença recorrida, ainda que implicitamente, apreciou o direito do autor em toda a sua extensão, razão pela qual a mesma não padece da nulidade que lhe foi assacada.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
15. A sentença recorrida considerou assentes – sem qualquer reparo – os seguintes factos:
a) O autor, portador do cartão de cidadão nº ……….., é Sargento-Chefe da Guarda Nacional Republicana (GNR) – por acordo;
b) Em 19-5-2017, junto do Comandante-Geral da GNR, o autor submeteu o seguinte requerimento:
REQUERIMENTO
A…, Sargento-Ajudante de Infantaria, nº …….., colocado na Direcção de Justiça e Disciplina do Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana, vem mui respeitosamente requerer a Vossa Excelência a concessão da licença especial prevista no artigo 33º da Lei de Defesa Nacional (LDN) e no artigo 184º do EMGNR, a partir de 22MAI17,
I
Dando cumprimento ao disposto no nº 3 daquele artigo, o requerente declara, para esse efeito, que pretende concorrer nas listas de um determinado partido político, como independente, às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais que se irão realizar no dia 01 de Outubro de 2017” – cfr. doc. nº 1 junto com a contestação;
c) Em 14-6-2017, o Comandante-Geral da GNR deferiu o pedido de concessão de licença especial para candidatos a cargos públicos mencionado em b) – cfr. docs. nºs 2, 3 e 4 juntos com a contestação;
d) Em 1 de Outubro de 2017, na qualidade de independente, o autor foi eleito para o exercício de mandato de quatro anos como membro da Assembleia de Freguesia de Águas Livres (AFAL) – cfr. docs. nºs 5 e 6 juntos com a contestação e, ainda, artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Civil, “ex vi” artigos 1º e 35º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
e) Em 30-10-2017, o autor tomou posse como membro da AFAL – cfr. doc. nº 6 junto com a contestação;
f) O mandato autárquico mencionado em e) cessará no último trimestre de 2021 – cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Civil, “ex vi” artigos 1º e 35º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
g) Em 15-10-2019, o Comandante-Geral da GNR exarou Despacho (nº 120/19), no qual determinou que:
(…). 2. (…) a) A licença especial é concedida pelo Comandante-Geral, dentro dos prazos e com os efeitos previstos na LDN;
b) Caso o militar seja eleito, a licença especial não caduca, isto é, continua a produzir os seus efeitos, suspendendo-se, no entanto, o pagamento das remunerações suportadas pela Guarda, a partir da conclusão do processo eleitoral, que será retomado a partir da data em que se verifique a caducidade da licença especial e regresso à sua estrutura orgânica;
c) Durante o período de exercício do mandato para que o militar seja eleito é considerado fora da efectividade de serviço, na situação de adido ao quadro, sendo, no entanto, contabilizado como tempo de permanência no posto e como tempo de serviço efectivo para efeitos de antiguidade;
d) Em caso algum deve ser admitida a possibilidade de serem acumuladas funções por parte de militares em efectividade de serviço com cargos públicos, mesmo que em regime de não permanência em órgão deliberativo, como é disso exemplo a Assembleia de Freguesia;
e) Aos militares que se encontram – actualmente – na situação de licença especial, por terem sido eleitos em acto eleitoral anterior, deve ser suspenso, a partir de 1-12-2019, o pagamento das remunerações suportadas pela Guarda, caso o militar continue no seu gozo (…)” – cfr. docs. nºs 1, junto com a petição inicial, e 7, junto com a contestação;
h) Em 24-10-2019, o autor tomou conhecimento do teor do Despacho nº 120/2019 – por acordo;
i) Em 24-1-2020, foi interposta a presente acção administrativa – cfr. fls. 1 dos autos.

B – DE DIREITO
16. O recorrente começa por sustentar que a sentença recorrida padece de erro na aplicação do direito, porquanto não aplicou ao seu caso o disposto no artigo 175º, nº 5 do EMGNR.
17. Como acima tivemos oportunidade de afirmar, a propósito da invocada nulidade da sentença, esta considerou – ainda que implicitamente – que o nº 5 do artigo 175º do EMGNR não contemplava a interpretação que o recorrente dela faz, no sentido de que o militar da GNR que se encontrasse no gozo duma licença especial para ser candidato a eleições para cargos públicos, e enquanto esta perdurasse, nunca perderia o direito à manutenção da sua remuneração, uma vez que tal norma se deveria sobrepor ao regime decorrente do artigo 3º, nº 3, 1ª parte, do DL nº 279-A/2001, de 19/10 (que no entender do recorrente foi revogado pela novo EMGNR, aprovado pelo DL nº 30/2017, de 22/3), que dispunha que “a eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, sem prejuízo da faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável”.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
18. Conforme se mostra assente, o recorrente foi eleito para um cargo público – membro da assembleia de freguesia de Águas Livres (AFAL), concelho da Amadora – que não exige a sua permanência, nem lhe confere efectivamente direito a uma remuneração, mas tão só à percepção de senhas de presença (cfr. artigo 10º do Estatuto dos Eleitos Locais (EEL), aprovado pela Lei nº 29/87, de 30/6, com as várias alterações sofridas, a última das quais, atenta a data da prática do acto impugnado, dada pela Lei nº 52-A/2005, de 10/10, que dispõe que “os eleitos locais que não se encontrem em regime de permanência ou de meio tempo têm direito a uma senha de presença por cada reunião ordinária ou extraordinária do respectivo órgão e das comissões a que compareçam e participem).
19. Previamente àquela eleição, o recorrente manifestou junto do comando da GNR a sua intenção de concorrer ao cargo em causa, tendo para o efeito requerido a concessão duma licença especial para exercício desse cargo de membro da assembleia de freguesia, licença essa que oportunamente lhe veio a ser concedida.
20. Em 1-10-2017, na qualidade de independente, o autor foi eleito para o mandato de membro da assembleia de freguesia de Águas Livres (AFAL), pertencente ao concelho da Amadora, tendo a respectiva posse ocorrido em 30-10-2017, sendo a duração do mesmo de quatro anos, com termo previsível no último trimestre de 2021.
21. Ora, o despacho impugnado, da autoria do Comandante-Geral da GNR (Despacho nº 120/19), datado de 15-10-2019, limitou-se a determinar, em conformidade com o disposto no artigo 3º, nº 3 do DL nº 279-A/2001, a cessação do pagamento da remuneração que vinha sendo processada ao recorrente, por entender que a mesma era incompatível com o gozo daquela licença, já que por força do nº 4 do artigo 175º do EMGNR, “durante o período de licença ou dispensa o militar suspende, temporariamente o exercício de funções e actividades”.
22. Sendo o recorrente militar da GNR, aplica-se-lhe o respectivo Estatuto, bem como, de acordo com o artigo 10º, nº 1 do EMGNR, a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, a Lei de Defesa Nacional (LDN), a Lei de Segurança Interna, o Código de Justiça Militar (CJM), o Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), o Regulamento de Disciplina Militar, o Regulamento de Continências e Honras Militares, o Regulamento da Medalha Militar e das Medalhas Comemorativas das Forças Armadas (RMMMCFA), o Regulamento das Medalhas de Segurança Pública e o Código Deontológico do Serviço Policial, com os ajustamentos adequados às características estruturais deste corpo especial de tropas e constantes dos respectivos diplomas legais ou em outros regulamentos.
23. De acordo com o disposto no artigo 47º da LDN, aprovada pela Lei Orgânica nº 1-B/2009, de 7 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei Orgânica nº 3/2021, de 9 de Agosto, são aplicáveis aos militares dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efectivo da GNR restrições de direitos fundamentais, nomeadamente aquelas que se encontram previstas nos artigos 26º a 35º da LDN.
24. De entre estas, sobressai a prevista no artigo 33º da LDN, que, a propósito da capacidade eleitoral passiva dos militares (neles se incluindo, por força da remissão operada pelo artigo 47º da LDN, os militares da GNR), estabelece o seguinte:
1 – Em tempo de guerra, os militares na efectividade de serviço não podem concorrer a eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, ou para o Parlamento Europeu.
2 – Em tempo de paz, os militares na efectividade de serviço podem candidatar-se aos órgãos referidos no número anterior, mediante licença especial a conceder pelo Chefe do Estado-Maior do ramo a que pertençam.
3 – O requerimento para emissão da licença especial deve mencionar a vontade do requerente em ser candidato não inscrito em qualquer partido político e indicar a eleição a que pretende concorrer.
4 – A licença especial é necessariamente concedida no prazo de 10 ou 25 dias úteis, consoante o requerente prestar serviço em território nacional ou no estrangeiro, e produz efeitos a partir da publicação da data do acto eleitoral em causa.
5 – O tempo de exercício dos mandatos para que o militar seja eleito nos termos dos números anteriores conta como tempo de permanência no posto e como tempo de serviço efectivo para efeitos de antiguidade.
6 – A licença especial caduca, determinando o regresso do militar à situação anterior:
a) Quando do apuramento definitivo dos resultados eleitorais resultar que o candidato não foi eleito;
b) Quando, tendo sido o candidato eleito, o seu mandato se extinga por qualquer forma ou esteja suspenso por período superior a 90 dias;
c) Com a declaração de guerra, do estado de sítio e do estado de emergência.
7 – Os militares na situação de reserva fora da efectividade de serviço que sejam titulares de um dos órgãos referidos no nº 1, excepto dos órgãos de soberania ou do Parlamento Europeu, só podem ser chamados à efectividade de serviço em caso de declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência, que determinam a suspensão do respectivo mandato”.
25. Este regime já decorria da anterior LDN (a Lei nº 29/82, de 11/12, com as várias alterações a que foi sujeita). Porém, em 19-10-2001 foi publicado o DL nº 279-A/2001, através do qual o legislador pretendeu regulamentar o artigo 31º-F da LDN (com conteúdo semelhante ao do artigo 33º da LDN actualmente em vigor) – norma que procedeu ao reenquadramento legal da capacidade eleitoral passiva dos militares, cujo exercício tinha passado a ser substantivado com referência a uma forma atípica de licença, subsumível na previsão constante da alínea i) do artigo 93º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 236/99, de 25 de Junho –, procedendo desse modo ao adequado desenvolvimento e regulamentação do conteúdo inerente àquele tipo de licença especial, fixando, em paralelo, a própria situação jus-estatutária dos militares que por ela viessem a ser abrangidos, exactamente porque os estatutos aplicáveis às diversas classes (de militares das Forças Armadas e das forças de segurança) eram omissos quanto aos efeitos dessas licenças especiais.
26. Assim, o no que aqui importa, o artigo 3º do DL nº 279-A/2001, passou a estabelecer os seguintes efeitos para a licença especial prevista no artigo 33º da LDN:
1 – Durante o período de exercício do mandato electivo ao qual se candidatou, o militar beneficiário da licença especial é considerado fora da efectividade do serviço, na situação de adido ao quadro, se pertencer ao QP, ou para além do quantitativo autorizado, se em RV ou RC.
2 – Após concessão da licença especial e até conclusão do processo eleitoral, o militar que dela beneficie apenas percebe a remuneração correspondente ao posto e escalão de que for titular.
3 – A eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, sem prejuízo da faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável.
4 – Durante o período integral de duração da licença especial, o militar que dela beneficie mantém o direito à assistência médica, medicamentosa e hospitalar e ao apoio social, conferidos pelo Decreto-Lei nº 236/99, de 25 de Junho, ou por legislação especial”.
27. Por força do apontado normativo, nomeadamente do estatuído no seu nº 3, após a entrada em vigor do DL nº 279-A/2001, a eleição de qualquer militar – não só os que prestavam serviço nas Forças Armadas, mas também os militares das demais forças de segurança (GNR, GF), por força da remissão operada pelo artigo 47º da LDN – para o exercício do mandato para o qual se havia candidatado, tinha como efeito a cessação de toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar, embora sem prejuízo da faculdade daqueles optarem, quando essa opção estivesse legalmente prevista, pela remuneração mais favorável (mas isto apenas para os casos de tais mandatos serem exercidos a tempo inteiro e, por conseguinte, serem remunerados).
28. Este regime era compreensível, pois quer o primitivo estatuto dos militares da GNR, aprovado pelo DL nº 265/93, de 31/7 (vd. artigo 170º), quer todos os que se seguiram (vd., a título de exemplo, o artigo 178º do DL nº 297/2009, de 14/10, que procedeu em 2009 à alteração do EMGNR), até à aprovação do EMGNR actualmente em vigor, não previam no elenco das licenças atribuíveis aos militares da GNR a figura da licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos, pelo que o respectivo regime, no que concerne aos militares da GNR, era o consagrado no artigo 3º do DL nº 279-A/2001.
29. A figura da licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos só veio a ter consagração expressa no EMGNR aprovado pelo DL nº 30/2017, de 22/3, que passou a prever tal licença na alínea i) do nº 1 do artigo 175º daquele Estatuto, sendo que os respectivos efeitos passaram a estar previstos nos nºs 4 e 5 do citado artigo 175º do EMGNR.
30. Assim, e à semelhança dos EMGNR pretéritos, que expressamente previam quais as licenças a que os militares da GNR tinham direito (de férias; por mérito; de junta médica; por falecimento de familiares; por casamento; por motivo de colocação; semestral; para estudos; por maternidade ou paternidade; parental; e por efeitos da avaliação de desempenho – cfr., por todos, o artigo 178º nº 1 do EMGNR, aprovado pelo DL nº 297/2009, de 14/10), o artigo 175º do actual EMGNR passou a prever, entre o elenco das licenças que já constavam de anteriores estatutos, a licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos.
31. Ora, de acordo com o nº 4 do artigo 175º do EMGNR, o principal efeito decorrente da concessão de todas as licenças elencadas no nº 1 daquela norma consistiria em que, durante o período de licença ou dispensa, o militar suspendia temporariamente o exercício de funções e actividades de serviço; porém, relativamente às licenças previstas nas alíneas a) a i) do nº 1 do artigo 175º do EMGNR (onde se inclui a licença especial para candidatos a eleições para cargos públicos), bem como as dispensas previstas no nº 3, o legislador consagrou a solução das mesmas serem concedidas sem perda de quaisquer direitos, nomeadamente a remuneração e antiguidade (sublinhado e negrito nossos), estabelecendo apenas e tão só para as licenças previstas na alínea c) do nº 2 do artigo 175º do EMGNR que a remuneração e a antiguidade se manteriam, sempre que o respectivo despacho assim o estabelecesse (outra não pode ser a interpretação desta norma – nº 5 do artigo 175º do EMGNR – já que que dificilmente se admitiria a possibilidade de um tal despacho poder determinar que a concessão duma licença de férias ou por casamento teria como efeito a perda de remuneração e/ou de antiguidade).
32. Aqui chegados, há que formular a seguinte questão: com a entrada em vigor do actual EMGNR, ocorrida no dia 1 de Abril de 2017 (cfr. artigo 263º do DL nº 30/2017, de 22/3), foi derrogado, no que aos militares da GNR diz respeito, o regime constante do artigo 3º do DL nº 279-A/2001, de 19/10? A resposta terá de ser, obviamente, afirmativa.
33. Por um lado, por estarem em causa actos legislativos de igual valor hierárquico (decreto-lei) e, por outro, por o regime contido em ambos, visando regular a mesma situação jus-estatutária (a concessão duma licença especial e os respectivos efeitos), conter em si solução diametralmente oposta: o regime constante do artigo 3º do DL nº 279-A/2001, de 19/10, aplicável aos militares das Forças Armadas, ao prever que a eleição do militar para o exercício do mandato ao qual se candidatou faz cessar toda e qualquer obrigação remuneratória de natureza militar (sublinhado e negrito nossos), sem prejuízo da faculdade de opção, quando esta esteja legalmente prevista, pela remuneração mais favorável; e o regime aplicável aos militares da GNR, constante do nº 5 do artigo 175º do EMGNR, em articulação com a previsão constante do artigo 76º do mesmo Estatuto (que prevê que apenas se considera na situação de licença sem remuneração o militar da Guarda que se encontre de licença ilimitada ou registada, licença para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro e licença para exercício de funções em organismo internacional, nos termos do presente Estatuto), que expressamente consagra a regra da manutenção da antiguidade e da remuneração para os militares que se encontrem no gozo de licença especial, enquanto candidatos a eleições para cargos públicos (sublinhado e negrito nossos).
34. Deste modo, o autor, e aqui recorrente, manteve o seu direito a auferir a remuneração enquanto se encontrou no gozo da licença especial prevista na alínea i) do nº 1 do artigo 175º do EMGNR, pelo menos até à caducidade da aludida licença especial, por força da declaração do estado de emergência operada pelo DL nº 10-A/2020, de 13/3 (cfr. artigo 33º, nº 6, alínea c) da LDN).
35. Por conseguinte, procedem as críticas que o recorrente dirige à sentença recorrida, que por esse motivo não pode manter-se, por padecer de erro de julgamento, na medida em que considerou que o gozo da licença especial de que o recorrente beneficiava era incompatível com a manutenção do direito à remuneração, violando deste modo o disposto no nº 5 do artigo 175º do EMGNR.

IV. DECISÃO
36. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a acção interposta pelo autor.
37. Custas a cargo do réu, na 1ª instância e neste TCA Sul.
Lisboa, 6 de Outubro de 2022
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)