Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1996/20.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/02/2021
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE NORMA;
PORTARIA Nº 159/2020, DE 26.06;
CARTÃO DO ADEPTO;
REENVIO PREJUDICIAL.
Sumário:Não logrando os Requerentes demonstrar indiciariamente a inconstitucionalidade das normas constantes do Regulamento anexo à Portaria nº 159/2020, de 26.06, designadamente por violação dos artigos 26º nº 1, 27º nº 1, 35º nº4, 37º nº 1, 45º, nº1, 46º nº3 e 112º nº 5, 165º nº 1 e 18º, al. b) da Constituição da República Portuguesa, não se mostra preenchido o requisito fumus boni juris, sendo de recusar a suspensão de eficácia de tais normas, com efeitos circunscritos aos Requerentes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A A... – A... e a A... , melhor identificadas nos autos, vêm interpor recurso da sentença, de 06.02.2021, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que, julgando improcedente o processo cautelar instaurado, entre outros, pelas ora Recorrentes contra o Requerido/Recorrido Ministério da Educação, decidiu não adoptar a providência requerida - ou seja, a suspensão de eficácia das normas constantes do Regulamento anexo à Portaria nº 159/2020, de 26 de Junho, com efeitos circunscritos aos Requerentes -, absolvendo, em consequência, a Entidade Requerida do pedido.
*
As Recorrentes concluíram assim as suas alegações:
1. Verificando-se que, em consideração a Lei 39/2009 e a Portaria 159/2020, o tratamento de dados pessoais não se revela lícito, leal ou transparente, os fins de tratamento não se revelam delimitados para uma finalidade determinada ao fim específico a que se destinam e não se revelam como limitados a esse mesmo fim, as ora Recorrentes requerem, ao abrigo do disposto nos artigos 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e 107º do Regulamento de processo do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Reenvio Prejudicial do presente processo, com base nas seguintes questões prejudiciais:
h) a O artigo 15º nº1 da Lei 39/2009 é passível de respeitar o teor do artigo 5 º nº1 alíneas a) a c) do Regulamento 679/2016?
i) O artigo 15º nº1 da Lei 39/2009 corresponde a uma forma de tratamento lícita prevista no artigo 6º nº1 alíneas a) a f) do Regulamento 679/2016?
j) O artigo 18º nº1 da Lei 39/2009, que implica o tratamento de dados biométricos, respeita o teor do artigo 9º nº1 do Regulamento 679/2016?
k) O artigo 6º nº1 da Portaria 159/2020 é passível de respeitar o teor do artigo 5º nº1 alíneas a) a c) do Regulamento 679/2016?
l) O artigo 6º nº1 da Portaria 159/2020 respeita o teor do direito de exercício de consentimento plasmado no artigo 6º nº1 alíneas a) a f) do Regulamento 679/2016?
m) Os artigos 2º, 3º nºs 1 e 2, 5º nº1 e 13º nº1 do anexo I à Portaria 159/2020 respeitam o teor dos artigos 5º nº1 alíneas a) a c), 6º nº1 alíneas a) a f), 21º e, em especial, 22º do Regulamento 679/2016, em especial à definição de perfis injustificada de um determinado grupo de adeptos?
n) A obrigação de ser portador de um determinado tipo de cartão de adepto, sem o qual não poderá o titular entrar num recinto desportivo, logo sem possibilidade de exercer o seu direito de oposição ao tratamento de dados, encontra-se e acordo com o teor do artigo 21º do Regulamento 679/2016 e com o teor do artigo 3º nº2 do Tratado da União Europeia?
2. Tais questões prejudiciais, nos termos do artigo 19º nº 3 al. b) do Tratado da União Europeia e do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia devem ser reenviadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia, seguindo os ulteriores termos previstos nos artigos 23º e seguintes do Protocolo nº 3 relativo ao estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requer-se a V. Exas. que se pronunciem sobre o reenvio prejudicial ora requerido, determinando a suspensão da presente Instância.
3. Inexistindo dúvidas que que o normativo nacional aplicável se encontra em contradição com o Direito da União e, desse modo, não deve nem pode ser aplicado na ordem jurídica interna, sob pena de interpretação desconforme com o direito da União e o seu espaço jurídico de aplicação, que se pretende uniforme, tais questões prejudiciais não são meramente teóricas ou hipotéticas, importam si a validade e interpretação de uma Lei de um Estado-Membro em confronto com um Regulamento Europeu, in casu, a conformidade do Direito Interno Português com o do Direito da União Europeia, em particular, no que tange ao respeito pela aplicação do Regulamento 679/2016.
4. Em particular o facto de os fins elencados Lei 39/2009 e a Portaria 159/2020 serem genéricos e em momento algum claros, não se destrinçando a razão pela qual os mesmos são consecutivamente cedidos a terceiros que não o responsável pelo tratamento nem o subcontratante, termos igualmente não delimitados na legislação interna acima elencada.
5. Sem prescindir, mencionar que os artigos 15º nº1 e 18º nº1 da Lei 39/2009, 6º nº1 e 8º nº1 da Portaria 159/2020 e artigos 2º, 3º nºs 1 e 2, 5º nº1 e 13º nº1 do anexo I à Portaria 159/2020 são inconstitucionais por violação do artigo 8º nº4 da Constituição da República Portuguesa, por referência aos artigos 5º nº1 alíneas a) a c), 6º nº1 alíneas a) a f), 9º nº1, 21º e 22º do Regulamento 679/2016 e artigo 3º nº2 do Tratado da União Europeia.
6. A criação do cartão do adepto, emitido pela Autoridade de Prevenção e Combate à Violência no Desporto – sem o qual não é permitido o acesso a “Zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, no seguimento da Lei n.º 113/2019, de 11/09, que altera a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, cerceia desproporcionalmente direitos, liberdades e garantias fundamentais.
7. Esta restrição viola o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, a todos conferido pelo n.º 1 do artigo 26.º da CRP, porquanto se restringe, de forma desproporcionada, a autonomia individual dos referidos cidadãos/adeptos, que ficam sem liberdade de traçar o próprio plano de vida, sem a liberdade de atuar ou não atuar, sem liberdade de comportamento, de exteriorização da sua personalidade , bem como a liberdade geral de acção, a liberdade física e pessoal de tais cidadãos/adeptos, como viola ainda viola o direito que todos têm à liberdade, ao arrepio da proteção conferida pelo n.º 1 do artigo 27.º da CRP; na medida em que consagra, de forma desproporcionada, constrangimentos/impedimentos à movimentação dos adeptos, aprisionando-os fisicamente.
8. Para não ser barrada a entrada, aos adeptos é imposto, pela Portaria 159/2020 (sem que a lei a que este dá exequibilidade o tenha previsto) o ónus de cedência de muitos dados pessoais, que, ademais, serão depois partilhados com os promotores e organizadores dos espetáculos desportivos, sendo que tal recolha, tratamento e conservação de dados pessoais não é exigida aos demais adeptos, implicando a violação do artigo 35º nº4 da Constituição da República Portuguesa.
9. A portaria 159/2020, ao constranger, de forma desproporcionada, o modo como determinado grupo de adeptos se reúnem e manifestam num recinto desportivo, viola o artigo 45.º, n.º 1 da CRP, que, no quadro do “direito de reunião e de manifestação”, consagra os direitos de “reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares ao público, sem necessidade de qualquer autorização”, violando ainda o direito de todos a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer meio, consagrado no n.º 1 do artigo 37.º da CRP, balizando, de forma desproporcionada, o local e as condições para o exercício da “Liberdade de expressão e informação” num recinto desportivo.
10. A Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, ao remeter Portaria 159/2020 as características técnicas do Cartão do Adepto, bem como os “termos” em que por meio deste se processa o acesso, designadamente as normas primárias sobre recolha e conservação de dados ou a onerosidade do cartão, verifica-se a violação do artigo 112.º, n.º 5 da CRP, na medida em que nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos não legislativos – como a Portaria 159/2020 em apreço – o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer ato legislativo, pelo que a inovação efetuada pela Portaria 159/2020 viola assim a reserva de lei da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias, resultante da conjugação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b) e 18.º, ambos da CRP.
11. Face à insuficiente matéria indiciária apurada e concomitantemente ao facto não ter procedido à devida interpretação de direito ao abrigo da cognição sumária, a douta decisão recorrida viola o disposto nos artigos 118º nºs 1 e 4 e 94º nºs 1, 2 e 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
12. De igual modo, a decisão recorrida incorre em erro de julgamento por violação dos artigos 26º nº1, 27º nº1, 35º nº4, 37º nº1, 45º, nº1, 46º nº3 e 112º nº5, 165º nº1 e 18º alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
13. Não obstante e sem prescindir, são flagrantemente inconstitucionais os artigos 2º aº 13 da Portaria 159/2020 e 22º nº6, e 23º nºs 4 e 6 da Lei 39/2009, por violação dos artigos 26º nº1, 27º nº1, 35º nº4, 37º nº1, 45º, nº1, 46º nº3 e 112º nº5, 165º nº1 e 18º alínea b) da Constituição da República Portuguesa, determinando a sua invalidade, nos termos do artigo 3º nº3 da Lei Fundamental.
14. Encontram-se preenchidos os requisitos para que, através de procedimento cautelar, decretasse o Tribunal Recorrido a suspensão da eficácia das normas previstas na Portaria 159/2020, à luz do que configura o artigo 120º do CPTA.
15. A entrada em vigor e aplicação da portaria 159/2020 e a aplicação do Cartão do Adepto a quem vive o desporto como lhe dá mais prazer, sem lesar ou confrontar com as liberdades dos outros bule diretamente com um núcleo fulcral de direitos fundamentais que são um legado intransponível do nosso Estado de Direito Democrático.
16. Verifica-se, por conseguinte, a colocação em marcha, pela Administração, de um regime que discrimina adeptos de espetáculos desportivos, pela exuberância ou caráter grupal das suas manifestações e agrupamentos, confinando-os em zonas vedadas, com acesso mais caro do que o acesso a outras zonas de igual conforto ou estatuto e ainda, diferenciado em termos de idade, pois que, se o acesso geral a espetáculos desportivos se encontra no limite inferior dos seis anos, aqui esse limite é colocado em dezasseis.
17. Encontrando-se violado o princípio da proporcionalidade, inexistindo, em concreto, a ponderação e harmonização dos direitos em conflito, pode-se concluir que que a entrada em vigor desta norma, conjugada com a possibilidade eminente do regresso do público colocará os adeptos numa situação de dualidade: ou renunciam ao seu núcleo mais básico de direitos fundamentais para festejar a alegria do desporto e a magia do golo dentro de jaulas como animais (epíteto jornalístico globalizado) ou simplesmente, sempre podem não ir assistir ao concreto espetáculo desportivo, regulamentando-se comportamentos sociais por Portaria.
18. Não são as regras que já existem – porque as zonas dos estádios há muito se encontram separadas - e que já estão estabelecidas no desporto ao nível de segurança que estão em causa, mas sim o abuso e violação dos direitos de qualquer pessoa que queira ir assistir a um fenómeno desportivo com esta nova imposição, que não prevê a melhoria das condições de segurança, mas sim a violação dos direitos dos cidadãos de uma sociedade democrática e que não melhoram, de todo, as regras já existentes.
19. No caso sub judice não são as regras que já existem e que já estão estabelecidas no desporto ao nível de segurança que estão em causa, mas sim o abuso e violação dos direitos de qualquer pessoa que queira ir assistir a um fenómeno desportivo com esta nova imposição, que não prevê a melhoria das condições de segurança, mas sim a violação dos direitos dos cidadãos de uma sociedade democrática e que não melhoram, de todo, as regras já existentes.
20. De qualquer das formas, e ainda que assim não se entendesse, nunca seria um ónus securitário que devesse ser imputado aos Adeptos e que os levasse a renunciar aos seus mais básicos direitos, (de forma desproporcional e como se fosse solução de ultima ratio, que não é) enquanto cidadãos - também eles, destinatários das normas previstas na Lei Fundamental, penalizando-se a liberdade individual de assistir a um espetáculo com base na premissa de que sempre poderá sair do recinto, dando-se a liberdade de o indivíduo se autocercear, como se os recintos desportivos e os jogos de futebol fossem mala in se, sendo o único caso conhecido de espetáculos em que tal sucede.
21. Ora, em momento algum se entende questionável a criação destas zonas (que já existem), mas sim a dependência da sua frequência através da posse deste Cartão, aqui colocado em crise.
22. É consabido que deve existir um fundamento jurídico para que tratamento, uso e comunicação de dados pessoais – e que esse fundamento não colida com quaisquer direitos, liberdades e garantias do seu titular, tendo ainda o requerente do cartão, que além de se ver obrigado a renunciar a uma série de direitos, liberdades e garantias fundamentais, ainda tem de suportar o custo de 20€ para a obtenção do cartão.
23. Reforçando agora as Recorrentes, que a pronúncia do Tribunal deverá sempre ser munida da devida fundamentação, nos termos do artigo 154º do Código de Processo Civil e 94º nºs 1 a 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
24. Não cumprindo a função externa do dever de fundamentação, conduzindo uma total não compreensão do iter que levou o Tribunal a tomar determinada decisão, e não outra, como se extrai da (ausência) de fundamentação da Decisão Recorrida, em que o silogismo judiciário é incompreensível por se basear na mera constatação legal sem qualquer sustentáculo na factualidade alegada pelas aqui Recorrentes.
25. Quanto ao requisito do periculum in mora – numa altura em que a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 113/2019, de 11/09, e a Portaria 159/2020, 2020-06-26 se encontram neste momento em vigor e Numa altura em que, apesar da pandemia que assola o mundo inteiro, já decorreram jogos com adeptos no estádio, e cujo acesso às ZCEAP teve de ser efectuado mediante a posse do Cartão do Adepto, prevê-se que a qualquer momento os adeptos voltem a poder frequentar os recintos desportivos, se impõe a urgência na presente decisão, como salvaguarda dos direitos constitucionais colocados em crise com a aplicação de tal regime legal qua tale, devendo serem os seus efeitos suspensos até trânsito em julgado da ação principal.
26. A condição de urgência e eficácia que caracterizam o direito das aqui Recorrentes justificam a utilização da presente providência cautelar, prevista no artigo 112.º do CPTA, como o meio processualmente adequado à tutela do direito em apreço.
27. Será de avançar que as regras de experiência comum permitem, com clarividência, antecipar que na ausência de uma decisão judicial que remova os impedimentos e limitações normativas aos direitos, liberdades e garantias das aqui Recorrentes, de forma imediata e urgente, há um risco evidente de serem violados de forma irreversível tais direitos constitucionalmente consagrados.
28. Assim, por estar aqui em causa primordialmente um direito de liberdade, qualquer decisão que sobrevenha à aprovação da norma proibitiva já pecará por tardia.
29. A presente conduta administrativa iminente, consistente em confinar e agravar o acesso aos recintos desportivos, nos termos atrás patenteados, apenas em virtude de exteriorizações, de comportamentos ou de dinâmicas de grupo, vai tocar no núcleo do direito cujo conteúdo se defina pela liberdade de exteriorização, de ação, de atuação ou de comportamento, ainda para mais tomada como liberdade geral.
30. Ao incrementar-se a instalação de zonas de confinamento determinadas, fundamentalmente, pelo modo pelo qual exprimem o seu apoio ao clube – mais ruidoso, com lay-out mais pesado, etc. -, a Administração, baseada na lei, interfere também no conteúdo do direito consagrado na primeira parte do n.º 1 do artigo 37.º da Constituição, o qual, a partir da letra do preceito - «Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio…» - é tomado desde há muito, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (cf. os Acórdãos 113/97, e 262/2020) e na esteira de Gomes Canotilho e Vital Moreira, como apontando para «…um direito que, enquanto direito negativo ou de defesa perante o poder público, implica “o direito de não ser impedido de exprimir-se”, inculcando ainda, na sua dimensão positiva, um direito “de acesso aos meios de expressão…».
Finalmente, e apesar de, em tal matéria, não se poder contar com o contributo dogmatizador da jurisprudência constitucional, sem dúvida que, ao constranger o modo como determinados grupos de adeptos, num recinto desportivo, literalmente se reúnem e manifestam, semelhante aplicação administrativa do Direito, bem como as normas que a pretextuam, são inelutavelmente parametrizados à luz dos direitos, previstos no artigo 45.º n.º 1 da Constituição, de «…reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares ao público, sem necessidade de qualquer autorização».
31. Assente, pelos mais ilustres anotadores da Constituição, que: «Situados sistematicamente entre os «direitos, liberdades e garantias pessoais» (e não entre os «de participação política»), os direitos de reunião e de manifestação apresentam-se, assim, constitucionalmente, como direitos gerais das pessoas enquanto tais, independentemente das suas funções e das suas dimensões particulares».
32. «A comunicação com os outros e reunir-se com os outros é um direito fundamental de liberdade comunicativa indispensável ao próprio direito ao desenvolvimento da personalidade [e] (…) Esta dimensão será relevante quanto à delimitação das ingerências restritivas» .
33. 33. «O direito de reunião é necessariamente um direito de acção colectiva, mas os seus titulares são os cidadãos em si mesmos (…) Pode ser de exercício privado ou público, não tem de supor a expressão de uma mensagem contra ou dirigida a terceiros e pode servir aos mais variados propósitos e motivações (recreativos, culturais, profissionais, políticos e religiosos) [ao passo que o] direito de manifestação não é necessariamente um direito colectivo (pode haver manifestações individuais como é exemplo expressivo o da mãe do soldado americano na Guerra do Iraque que se manifesta perante os órgãos do poder, não se podendo dizer que se trata de simples liberdade de expressão), tem de revestir uma forma de exercício público, supõe a expressão de uma mensagem dirigida contra ou em direcção a terceiros (pelo menos à «opinião pública)»
34. Sendo que, e conforme já decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa8, no Processo n.º 603/17.4Y4LSB.L1, de 8 de Outubro de 2028, num processo precisamente conexo com a violência associada ao desporto, ao forçar-se os adeptos a associarem-se num Grupo Organizado de Adeptos também a sua liberdade de expressão está a ser coartada: “Ora, se na realidade não foi colocado em causa a finalidade e o bem protegido na Lei – a segurança -, não pode ser apenas a circunstância da falta de constituição legal do grupo de adeptos para o porte da faixa, a indicar a infração, sob pena de estarmos a violar o princípio da igualdade e da liberdade de expressão, previstos na Constituição – art. 13 e 37-1 da CRP ao permitir manifestações idênticas a cidadãos adeptos, mas não agrupados.”
35. Encontrando-se assim demonstrado a o âmbito de relevância ao nível dos direitos, liberdades e garantias, rectius pessoais, todos inseridos no Capítulo I da Parte II do Título I da Constituição, cuja violação se verifica, a qual não foi devidamente apreciada em sede cautelar pelo Tribunal Recorrido, encontrando-se preenchidos os requisitos do fumus bonius iuris e periculum in mora para que a providência requerida seja decretada.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverão:
Revogar a Sentença Recorrida, substituindo-a por outra que:
1. Julgue procedente o presente Recurso e
2. Julgue procedente, por provado, o pedido cautelar apresentado pelas aqui Recorrentes.
*
O Recorrido contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
A. Vieram os requerentes apresentar recurso da douta sentença proferida, a qual entendeu, e bem, não se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a adoção de providências cautelares e, consequentemente, indeferiu o requerimento de concessão da providência cautelar de suspensão de normas.
B. Como questão prévia os Recorrentes, invocam o artigo 267º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia e requerem a este Colendo Tribunal o reenvio prejudicial, elencando questões relacionadas com a proteção de dados pessoais, sendo que contrariamente ao propugnado pelos Recorrentes, e tratando-se ademais de um processo cautelar, entende-se não existir qualquer utilidade na utilização do processo de reenvio prejudicial.
C. Não se logrando, aliás, perceber qual a complexidade das questões suscitadas, pois em nosso entender, os órgãos jurisdicionais nacionais, estão perfeitamente aptos a responder a tais questões, acrescendo que sobre o tema da proteção de dados pessoais existe diversa jurisprudência dos Tribunais nacionais e, inclusivamente, alguma que se debruça precisamente sobre o artigo 18º n.º 1 da Lei 39/2009, que os Recorrentes trazem à colação.
D. A recolha e o tratamento de dados para aceder ao cartão de adepto estão perfeitamente delimitados para a finalidade que visam, são claros, transparentes e estão em conformidade quer com a CRP quer com a Lei n.º 58/2019, de 2019-08-08, que acolhe as normas do Regulamento 679/2016 do Parlamento Europeu e do Conselho (RGPD), cumprindo com os critérios de licitude exigidos designadamente no artigo 6.º do RGPD.
E. Nesse sentido, bem andou o Tribunal a quo quando na apreciação efetuada conclui que « (…) não é manifesto ou evidente que os dados pessoais exigidos para a emissão do cartão não sejam necessários para a finalidade para a qual foram recolhidos ou tratados. Pelo contrário, tendo em conta que o cartão visa, por um lado, assegurar o registo e a identificação dos seus titulares para efeitos de dimensionamento e gestão do acesso às ZCEAP e também para auxílio à verificação, em tempo útil, das decisões judiciais e administrativas que impeçam determinadas pessoas de acederem aos recintos desportivos, então, afigura-se, nesta análise perfunctória, que os dados previstos no art. 3º, nº 1, do anexo I da Portaria serão os necessários para a prossecução das finalidades para as quais se procede ao tratamento dos dados. Não sendo, assim, provável, atento o exposto, que a acção principal venha a ser julgada procedente com fundamento na invocada violação do art. 35º nº 4 da CRP.»
F. São completamente destituídas de qualquer sentido as alegações dos Recorrentes quando referem que a sentença a quo não equaciona, não questiona nem percebe a verdadeira questão que subjaz à pretensão e que, cita-se «“passa como cão por vinha vindimada” - aceitando de forma acrítica, pouco profunda e com uma total falta de sensibilidade para o tema.»
G. A M.ª Juiz a quo decidiu, quanto à matéria de facto, em absoluta consonância coma prova documental carreada para os autos, por si, suficiente para a fixação dos factos, sendo ademais que pretendendo os Recorrentes impugnar a matéria de facto, e com base nisso a revogação da sentença deveriam indicar quais os factos que consideram relevantes para apreciação e que deveriam constar da matéria de facto dada como provada, ampliando-a, o que não fizeram.
H. Assim, deve ser dada como improcedente a alegação/conclusão dos Recorrentes de que a douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 118º nºs 1 e 4 e 94ºnºs 1, 2 e 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo que quanto a este último preceito nem se logra perceber em que sentido o mesmo foi violado.
I. Igualmente não incorreu o Tribunal a quo em nenhum erro de julgamento ou de aplicação do direito por violação dos artigos 26º nº1, 27º nº1, 35º nº4, 37º nº1, 45º, nº1, 46º nº3 e 112º nº5, 165º nº1 e 18º alínea b) da CRP.
J. Desde logo, a exigência de um cartão de adepto para aceder às ZCEAP, não conflitua com o livre desenvolvimento da personalidade e, sem margem para dúvidas, não viola o direito de liberdade de expressão, o direito de reunião e manifestação e bem assim o direito à segurança conforme previstos nos artigos26º nº1, 27º nº1, 37º nº1 e 45º, nº1, da CRP, nem os Recorrentes o demonstram como lhes caberia.
K. A criação das ZCEAP pretende ainda garantir que haja oportunidade para que os diferentes tipos de públicos possam ver o espetáculo desportivo da forma que escolherem. Independentemente de pertencerem ou não a um GOA, sendo o cartão de adepto necessário para o correto e eficaz dimensionamento daquelas zonas e para garantir que o acesso às mesmas acontece com a devida segurança e em cumprimento dos requisitos da Lei.
L. Opção legislativa que não se revela violadora do direito de liberdade de expressão porquanto, atentas razões de segurança – constitucionalmente consagradas nos direitos à integridade pessoal e segurança dos cidadãos (arts. 25.º, 27.º da CRP) -e de eficácia do escopo prosseguido – a prevenção da violência no desporto, a qual incumbe ao Estado e tem consagração constitucional no artigo 79.º da CRP -, optou-se por limitar o acesso às zonas com condições de acesso e permanência aos detentores do cartão do adepto.
M. Também não é verdade que a criação do cartão de adepto e os respetivos termos de acesso sejam violadores do artigo 35.º n.º 4 da CRP, porquanto os dados pessoais a ceder para aquisição e utilização do cartão do adepto são apenas os necessários, sendo quaisquer operações de tratamento de dados enquadradas na sua gestão e proteção efetuadas nos termos da Lei, como resulta dos artigos 6.º a 8.º da Portaria e do seu anexo, mediante expresso consentimento dos respetivos titulares.
N. A recolha e o tratamento de dados para aceder ao cartão de adepto estão perfeitamente delimitados para a finalidade que visam, são claros, transparentes e estão em conformidade quer com a Constituição da República Portuguesa quer com a Lei n.º 58/2019, de 2019-08-08, que acolhe as normas do Regulamento679/2016 do Parlamento Europeu e do Conselho (RGPD), cumprindo com os critérios de licitude exigidos designadamente no artigo 6.º do RGPD o que, aliás, e conforme suprarreferido foi entendido, e bem, pelo Tribunal a quo.
O. De salientar, ainda, que o cartão do adepto se enquadra no artigo 6º nº 1, alínea c) do Regulamento 679/2016, cita-se «O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito», porquanto se trata de uma medida prevista na legislação aplicável – Lei n.º 39/2009, de 30 de julho - estando a Administração vinculada ao seu cumprimento, atento o principio da legalidade e da boa administração.
P. De igual forma não se demonstra violada a liberdade de associação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 46.º da CRP, sendo completamente destituído de fundamento o alegado nesta matéria.
Q. Tendo o Tribunal a quo enquadrado corretamente a questão, conforme resulta à evidência na apreciação e respetiva fundamentação constante da douta sentença recorrida, da qual se transcrevem alguns excertos « os GOA gozam da liberdade de associação, na medida em que os cidadãos que optaram livremente por se organizar e reunir com o fim comum de prestar apoio ao clube/associação desportiva que escolheram apoiar, gozam, no âmbito da liberdade de organização que constitucionalmente lhes está reconhecida, da possibilidade de se constituírem como uma associação reconhecida, possuidora de personalidade jurídica, ou de permanecerem como uma associação de facto, sem essa personalidade. Simplesmente, caso os GOA não se encontrem legalmente constituídos como associações, o promotor do espectáculo desportivo está impedido de conceder os apoios a que alude o art. 14º, nº 2, da Lei nº 39/2009, o que em nada contende com os requisitos de acesso às ZCEAP, que é o que está em causa nas normas cuja suspensão de eficácia foi requerida no presente acção cautelar.
R. E ainda «(…)os adeptos do desporto, gozam da liberdade de associação, na vertente negativa, na medida em que do regime jurídico em causa nos presentes autos, não resulta, ao contrário do que alegam os Requerentes, uma obrigatoriedade de adesão a uma associação de adeptos como requisito indispensável para a obtenção do cartão do adepto.
Na verdade, tal imposição não resulta de nenhuma norma da Portaria nº159/2020, nem, sublinhe-se, do regime legal habilitante, podendo qualquer adepto requisitar o cartão de acesso à ZCEAP desde que observadas as condições previstas no art. 6º do anexo I do Regulamento, nas quais não se inclui ser membro de um GOA. (…). Em suma, não contemplando a Portaria nº 159/2020, como requisito de acesso a uma ZCEAP, para a qual está prevista a obtenção de um cartão do adepto, a obrigatoriedade de pertencera uma associação de adeptos, reconhecida ou não juridicamente, não se vê como provável a procedência da acção principal com fundamento na violação do art. 46º, nº 3 da CRP. Salientando-se, ainda, a este propósito, e precisamente devido ao facto de a Portaria não regular as condições de acesso ao cartão do adepto nesses termos, que não se vislumbra – nem os Requerentes identificam, de resto – qual a norma regulamentar que o Tribunal devesse considerar ilegal com fundamento numa eventual inconstitucionalidade do art. 14º, nº 1 da Lei nº 39/2009 (pois o mesmo não é objecto de aplicação pelas normas da Portaria, que nada regulamenta a propósito da constituição ou atribuição de apoios a GOA). (negritos nossos)
S. Enfim, a titularidade de um cartão de adepto e a inscrição num grupo organizado de adeptos, são duas realidades voluntárias e independentes, desde logo porque é possível ter o cartão de adepto e aceder às ZCEAP não sendo membro filiado de nenhum Grupo Organizado de Adeptos (doravante GOA), ou mesmo, pertencendo, não tendo de o declarar.
T. De igual modo, inexiste qualquer violação do artigo 112.º, n.º 5 e, consequentemente, do 165º nº1, ambos da CRP como bem se refere na douta sentença recorrida, cita-se “ (…) Sendo certo que, remetendo a lei habilitante para a Portaria no que respeita aos termos em que o cartão poderá ser emitido e utilizado, ficou o membro do Governo responsável pela área do desporto autorizado a emanar disposições relativas aos dados pessoais a serem recolhidos para efeitos de emissão do cartão, bem como, quanto a encargos previstos para essa requisição e emissão. Dando, assim, execução à norma legal que prevê a obrigatoriedade da aquisição de um cartão do adepto, para efeitos de o interessado aceder às ZCEAP nos recintos desportivos previstos no art. 16º-A da Lei nº 39/2009. Não se tratando, in casu, de um regulamento modificativo ,suspensivo, derrogatório ou revogatório de uma lei, proibido pelo disposto no art.112º, nº 5 da CRP.”
U. Em consonância com o que acaba de ser afirmado, é, pois, patente, que a regulamentação em causa nos presentes autos - Portaria 159/2020, de 26 de junho-em nada contraria os ditames legais e constitucionais, na medida em que prossegue de modo proporcional e não arbitrário, a finalidade normativa que presidiu à elaboração da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho. Ou seja, definir as normas aplicáveis à requisição, emissão, funcionamento e utilização do cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos (ZCEAP), abreviadamente designado «cartão do adepto», bem como ao aprovar os respetivos modelo e características, conferindo a necessária exequibilidade à Lei habilitante, a Lei n.º 23/2009, de 30 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro.
V. Do artigo 120.º do CPTA decorre que o que importa, com vista ao preenchimento ou não dos requisitos que permitem o decretamento da presente providência, in casu o preenchimento do fumus bonnis iuris é aferir, tal como fez o Tribunal a quo, da probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.
W. Ora invocam os Recorrentes para fundamentar o fumus bonnis iuris - ainda que de forma genérica, contraditória e até, salvo o devido respeito falaciosa, o que reiteram quase na integra nas suas alegações de recurso - vícios relativamente aos quais já amplamente se demonstrou a sua falta de fundamento, termos em que, atentos os requisitos cumulativos do citado normativo legal, o mesmo deve considerar-se, tal como o Tribunal a quo considerou e bem, como não verificado e, nessa medida, tanto bastaria para não ser decretada a presente providência.
X. Porém, ainda que assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínios e admite, sempre se diria que não assiste a razão aos Recorrentes quando referem que se verifica o periculum in mora, não padecendo a douta sentença proferida de qualquer erro na análise que fez deste requisito.
Y. Com efeito, cabe aos Recorrentes o ónus da prova dos factos suscetíveis de sustentar uma situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação que sustente o decretamento da providência requerida, o que no caso em análise não sucede.
Z. Pelo contrário. Os Recorrentes de modo incompreensível e contraditório invocam “que se impõe a urgência na presente decisão”, dado que “é mister afirmar que no âmbito do desporto, e para os amantes do desporto, a reunião dos adeptos no espetáculo desportivo que se realizarem hoje não será fungível pelo espetáculo desportivo de amanhã” o que colide com o pedido de reenvio prejudicial requerido e a suspensão da instância, como oportunamente já se referiu.
AA. Pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao dar por não verificado o periculum in mora, concluindo que “Não invocando a Requerente quaisquer factos concretos que permitam antever uma situação de risco real e efectivo, verificando-se a invocação de situações de ocorrência puramente eventual e que configuram um risco potencial ou conjectural, alicerçado em juízos meramente subjectivos”.
BB. Em suma, não se verificam preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 120º do CPTA com vista ao decretamento da providencia cautelar requerida, pelo que a razão não assiste aos Recorrentes, não padecendo a douta sentença proferida de qualquer vício que possa determinar a sua revogação, termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal, devidamente notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 146º e 147º do CPTA, não emitiu parecer.
*
Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
*
II - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, salvo questão de conhecimento oficioso, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, a questão decidenda passa por aferir:
- da nulidade decisória;
- do erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 118º, nº 1 e 9 e 94º, nºs 1, 2 e 5, do CPTA;
- do erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 154º CPC e 94º, nºs 1 a 5 do CPTA;
- do erro de julgamento quanto ao requisito fumus boni iuris,
- do erro de julgamento quanto ao requisito periculum in mora.
A titulo de questão prévia, conhecer-se-á do pedido de reenvio prejudicial para o TJUE.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
A sentença recorrida deu como indiciariamente provada a seguinte factualidade que, por não impugnada, se mantém:
1- A 1ª Requerente, A... – A..., é uma pessoa colectiva de direito privado sem fins lucrativos, que tem por objecto a defesa e consciencialização do adepto, apoio e informação ao adepto em geral, promovendo activamente a defesa dos direitos dos adeptos de modalidades desportivas variadas; mobilizando os adeptos para maior intervenção em diversos assuntos de interesse relevante; defendendo valores e princípios básicos dos adeptos das modalidades desportivas, nas mais diversas e diferentes vertentes; fomentando, de forma justa, a participação activa dos adeptos na vida das modalidades desportivas das quais são o substrato humano; levando a cabo toda e qualquer iniciativa que defenda e promova o espírito desportivo de forma salutar, nas diversas modalidades e representando os interesses dos adeptos das diferentes modalidades desportivas, perante organizações e instituições nacionais e internacionais – cfr. fls. 85-96 dos autos;
2- A 2ª Requerente, A..., é uma associação sem fins lucrativos que tem por objecto a promoção cultural, desportiva, recreativa e social dos respectivos associados e a constituição de um grupo organizado de adeptos do L... nos termos legais, promovendo, designadamente, o apoio à equipa de futebol do L..., vocal e coreograficamente e acompanhando-a em qualquer competição organizada ou em qualquer estádio do mundo onde esta venha a jogar, tendo sido constituída por escritura lavrada no Cartório Notarial de Matosinhos em 18/10/2007 – cfr. fls. 138-153 dos autos;
3- Foi emitida pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, no uso das competências que lhe foram delegadas, com faculdade de subdelegação, pelo Ministro da Educação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Despacho n.º 561/2020, de 3 de Janeiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 11, de 16 de Janeiro de 2020, a Portaria nº 159/2020, de 26 de Junho, que “define as normas aplicáveis à requisição, emissão, funcionamento e utilização do cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos (ZCEAP), abreviadamente designado «cartão do adepto», bem como aprova os respectivos modelo e características” e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. portaria consultável em www.dre.pt;
4- A 1ª Requerente tem 400 associados, adeptos desportivos de diversos clubes de futebol, de entre os quais constam associados fundadores, aderentes e aderentes sem quota – cfr. fls. 97-106 dos autos;
5- Através de escritura lavrada no dia 17/06/2016 no Cartório Notarial da Notária de Moscavide, foi constituída a associação ora 1ª Requerente, de cujos estatutos, integrantes do referido acto, se extrai, designadamente, o seguinte teor:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 85-96 dos autos;
6- O Requerente V... (13º Requerente) é adepto de desporto, seguindo o respectivo clube desportivo, habitualmente junto de um grupo organizado de adeptos – por acordo;
7- Em 27/11/2020 foi emitida, pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto “resolução fundamentada”, nos termos do instrumento de fls. 233-238 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“(…) É facto público e notório que existe, associado ao desporto, principalmente de alta competição, um crescendo de preocupação relativamente a comportamentos violentos e xenófobos, que interessa prevenir, o que, como nos revela a experiência, e é demonstrado pela evolução legislativa nesta matéria, só poderá ser acautelado através de imposição de regras, sejam elas legais ou administrativas.
Os dados coligidos entre a APCVD – Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto e o PNID – Ponto Nacional de Informações sobre o Desporto, sob a alçada da Polícia de Segurança Pública, relativamente à época desportiva 2019/2020, apontam para a ocorrência de 1719 incidentes registados em espetáculos desportivos, número mais reduzido quando comparado com épocas anteriores (3891 incidentes em 2018/2019), dada a situação de pandemia, mas que não deixam de ser muito relevantes. A maioria dos incidentes teve lugar no futebol (1577), sendo que 912 destes foram registados na 1.ª Liga de Futebol Profissional, ou seja 58% do universo total de incidentes registados.
Na época 2019/2020, foram identificados pelas forças de segurança, em contexto de espetáculo desportivo, 402 suspeitos e realizadas 61 detenções.
Em toda a época 2019/2020, o PNID registou a entrada em vigor de um total de 222 medidas de interdição de acesso a recinto desportivo, 93 das quais resultantes de decisão da APCVD e as restantes 129 determinadas por autoridades judiciais. Relativamente às sanções de interdição aplicadas pela APCVD que entraram em vigor na época 2019/2020, importa ainda registar que:
- 56% dos adeptos sujeitos a medidas de interdição impostas pela APCVD são membros de Grupos Organizados de Adeptos (GOA);
- Os principais ilícitos contraordenacionais cometidos são “a introdução ou utilização de substâncias ou engenhos explosivos, artigos de pirotecnia ou fumígenos” (54%) e “a prática de atos ou o incitamento à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos” (40%);
- A maioria das situações reporta-se à modalidade desportiva “Futebol” (86%) e, em particular, à competição “1.ª Liga”, onde se contabilizam 56% do total de interdições aplicadas na modalidade “Futebol”. (…)
Nesta senda, o regime imposto pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, justifica-se pela necessidade de assegurar o sucesso das medidas de prevenção e controlo no combate à violência no desporto, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, garantir a realização de espetáculos desportivos com segurança, melhorar a capacidade dissuasora do regime sancionatório e incrementar a eficácia sua aplicação.
(…) Para além da questão da segurança, a criação das ZCEAP pretende garantir que haja oportunidade para que os diferentes tipos de espetadores possam assistir ao espetáculo desportivo da forma que escolherem, independentemente do facto de pertencerem, ou não, a grupos organizados de adeptos.
Sublinhe-se ainda que a delimitação física das ZCEAP em nada difere das delimitações das demais zonas dos recintos desportivos, que se encontram também isoladas entre si, de modo a evitar a aglomeração não controlada de adeptos, bem como para evitar situações de sobrelotação de bancadas por via de migração de espectadores. O isolamento de todas as zonas, e não apenas das ZCEAP, é adequado e necessário por razões de segurança.
(…) Ora, com o deferimento do pedido de suspensão das normas regulamentares, ficaria o interesse público gravemente afetado, prejudicando de forma grave e irreversível a sua prossecução porquanto:
a) Ficaria o Estado inibido de tomar as medidas necessárias a prevenir atos de violência e zelar pela segurança generalizada do público nestes contextos, o que lhe é imposto pela CRP e pela Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto e que lhe cabe prosseguir;
b) Sendo certo que os direitos à segurança e à integridade dos cidadãos se encontram constitucionalmente consagrados, representando valores fundamentais no Estado de Direito que gira em torno da dignidade da pessoa humana, e que é imperativo assegurar;
c) A suspensão de eficácia das normas suspendendas que os Requerentes pretendem obter, ainda que com efeitos restritos, com a presente providência cautelar, colidiria frontalmente com os direitos dos restantes cidadãos que pretendam assistir aos espetáculos desportivos nas ZCEAP, pois o não cumprimento daquelas normas colocaria em causa as suas segurança e integridade e o seu conforto, uma vez que não seria possível garantir a eficácia dos mecanismos de venda eletrónica dos bilhetes e o correto dimensionamento e lotação destas zonas, nem os requisitos de segurança de acesso às mesmas;
d) Ademais, o facto de haver estatutos diferentes para se aceder à ZCEAP dum mesmo espetáculo desportivo colocaria em causa o funcionamento dos controlos de entrada nas ZCEAP, o que poderia gerar significativos atrasos e, por esse motivo, causar situações de conflitualidade, passíveis de perturbar a ordem pública e a segurança e integridade dos espetadores e demais agentes envolvidos nos espetáculos desportivos;
e) Por outro lado, não se consegue vislumbrar o efeito útil do pedido dos Requerentes, porquanto ainda que não se lhes aplicasse o previsto nas normas da Portaria n.º 159/2020, de 26 de junho, os mesmos não poderiam, fora daquelas ZCEAP, assistir aos espetáculos desportivos munidos, por exemplo, de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos ou bandeiras e outros instrumentos de dimensão superior a 1m por 1 m, porquanto se trata de uma conduta passível de consubstanciar ilícitos contraordenacionais previstos nos termos da alínea j) do n.º 1 do art.º 39.º e ainda alínea f) do art.º 39.º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho;
f) Considerando que, até à presente data, deram entrada 1074 pedidos de cartão e já adquiriram o cartão 616 adeptos, para o efeito de assistirem a espetáculos desportivos nas ZCEAP, cumprindo as regras e usufruindo das vantagens do acesso e da permanência nas mesmas, a admissibilidade do acesso pelos requerentes em incumprimento das regras de acesso violaria manifestamente o princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP, uma vez que deixaria de ser obrigatório para todos o cumprimento das mesmas regras para aceder às mesmas zonas e vantagens;
g) Ademais, para além de outros recursos já afetos, em termos financeiros, os custos com a implementação do cartão de acesso às ZCEAP que, em decorrência e observância da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, na sua atual redação, são emitidos pela APCVD, já ultrapassam os 100.000€;
h) A que acresce todo o investimento realizado pelos promotores de espetáculos desportivos nas competições profissionais da 1.ª Liga e 2.ª Liga, seguramente na escala das centenas de milhares de euros, para adequarem os seus recintos desportivos à existência das ZCEAP com as devidas condições de segurança e acesso, bem como no que respeita ao enquadramento de instalações sanitárias, bares e outros serviços, o que colocará gravemente em causa a confiança dos agentes desportivos na atuação do Estado.
Os argumentos apresentados são demonstrativos do grave prejuízo para o interesse público, caso se viesse a suspender a aplicação das normas regulamentares constantes da Portaria em causa, pelo que não devem as mesmas ser suspensas, ainda que com efeito restrito aos requerentes, a bem do respeito pela Constituição da República Portuguesa, pela legalidade e pelo direito à segurança, integridade e igualdade, enquanto direitos essenciais dos que assistem presencialmente aos espetáculos desportivos, e em cumprimento da obrigação a que o Estado está sujeito de prevenir a violência no desporto.
Em face de todo o exposto, determino o seguinte:
A) A existência de grave prejuízo para o interesse público que resultaria da suspensão de eficácia das normas da Portaria n.º 159/2020, de 26 de junho, bem como dos respetivos anexos, e dos eventuais atos a praticar resultantes das mesmas, ainda que circunscritos ao caso concreto dos requerentes, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; (…)”
- cfr. fls. 233-238 dos autos.”
*
No que tange aos factos não provados, consta da decisão recorrida que “Nada mais foi indiciariamente provado com interesse para a decisão a proferir.”
*
Foi esta a motivação da matéria de facto: “A decisão da matéria de facto indiciariamente provada, efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório. O facto vertido em 3) fixou-se com base no documento consultado através do link aí identificado.”
*


De Direito

Do pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Como questão prévia, as Recorrentes requerem, ao abrigo do disposto nos artigos 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e 107º do Regulamento de processo do Tribunal de Justiça da União Europeia, o reenvio prejudicial do presente processo, com base nas seguintes questões prejudiciais:
1- O artigo 15º nº1 da Lei 39/2009 é passível de respeitar o teor do artigo 5 º nº1 alíneas a) a c) do Regulamento 679/2016?
2- O artigo 15º nº1 da Lei 39/2009 corresponde a uma forma de tratamento lícita prevista no artigo 6º nº1 alíneas a) a f) do Regulamento 679/2016?
3- O artigo 18º nº1 da Lei 39/2009, que implica o tratamento de dados biométricos, respeita o teor do artigo 9º nº1 do Regulamento 679/2016?
4- O artigo 6º nº1 da Portaria 159/2020 é passível de respeitar o teor do artigo 5º nº1 alíneas a) a c) do Regulamento 679/2016?
5- O artigo 6º nº1 da Portaria 159/2020 respeita o teor do direito de exercício de consentimento plasmado no artigo 6º nº1 alíneas a) a f) do Regulamento 679/2016?
6- Os artigos 2º, 3º nºs 1 e 2, 5º nº1 e 13º nº1 do anexo I à Portaria 159/2020 respeitam o teor dos artigos 5º nº1 alíneas a) a c), 6º nº1 alíneas a) a f), 21º e, em especial, 22º do Regulamento 679/2016, em especial à definição de perfis injustificada de um determinado grupo de adeptos?
7- A obrigação de ser portador de um determinado tipo de cartão de adepto, sem o qual não poderá o titular entrar num recinto desportivo, logo sem possibilidade de exercer o seu direito de oposição ao tratamento de dados, encontra-se e acordo com o teor do artigo 21º do Regulamento 679/2016 e com o teor do artigo 3º nº2 do Tratado da União Europeia?
Sustentam que, em consideração à Lei 39/2009 e à Portaria 159/2020, o tratamento de dados pessoais não se revela lícito, leal ou transparente, os fins de tratamento não se revelam delimitados para uma finalidade determinada ao fim específico a que se destinam e não se revelam como limitados a esse mesmo fim.
Contrapõe o Recorrido que inexiste qualquer utilidade na utilização do processo de reenvio prejudicial, tratando-se ademais de um processo cautelar; que não se percebe qual a complexidade das questões suscitadas, estando os órgãos jurisdicionais nacionais perfeitamente aptos a responder a tais questões, acrescendo que sobre o tema da proteção de dados pessoais existe diversa jurisprudência dos Tribunais nacionais e, inclusivamente, alguma que se debruça precisamente sobre o artigo 18º n.º 1 da Lei 39/2009.
Vejamos.
O reenvio prejudicial, previsto no artigo 19º, n.º 3, alínea b), do Tratado da União Europeia e no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que visa garantir a interpretação e a aplicação uniformes deste direito na União, oferecendo aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros um instrumento que lhes permite submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título prejudicial, questões relativas à interpretação do direito da União ou à validade dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
É este o teor do artº 267º do Tratado Sobre o Funcionamento da União:
“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, os órgãos ou os organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
(…)”
Consideramos ser de rejeitar o pedido de reenvio prejudicial, desde logo, por estarmos, não no âmbito de um processo principal, mas de uma providência cautelar, na qual a análise a efectuar sobre a pretensão das ora Recorrentes e dos direitos de que se arrogam é meramente perfunctória.
Como se decidiu no Acórdão Morson/Holanda, de 27.10.82 (C- 35/82), disponível para consulta em curia.europa.eu., o dever de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada nos processos de natureza urgente, em que não haja lugar à decisão final do litígio, já que a interpretação e aplicação uniformes do Direito da União fica assegurada através da possibilidade de se vir a actuar o reenvio prejudicial naquele outro processo (isto é, onde se aprecie e decida o fundo da questão).
Para tanto contribui o que se diz sobre o “momento adequado para proceder ao reenvio prejudicial”, nas “Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2016/C 439/01)”:
“12. Um órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial a partir do momento em que considera que uma decisão sobre a interpretação ou a validade do direito da União é necessária para proferir a sua decisão. É com efeito esse órgão jurisdicional que está mais bem colocado para apreciar em que fase do processo deve apresentar tal pedido.
13. Contudo, na medida em que este pedido vai servir de fundamento ao processo perante o Tribunal de Justiça e em que este último deve dispor de todos os elementos que lhe permitam verificar a sua competência para responder às questões submetidas e, na afirmativa, dar uma resposta útil a essas questões, é necessário que a decisão de efetuar um reenvio prejudicial seja tomada numa fase do processo em que o órgão jurisdicional de reenvio esteja em condições de definir, com precisão suficiente, o quadro jurídico e factual do processo principal, bem como as questões jurídicas que este suscita. No interesse de uma boa administração da justiça, é igualmente desejável proceder ao reenvio na sequência de um debate contraditório.”
Termos em que não se procede ao reenvio prejudicial para o TJUE.
*
Da nulidade decisória:
Não obstante as Recorrentes, nas suas alegações, designadamente nos artigos 113º a 118º, aludam à omissão de pronúncia/falta de fundamentação da sentença recorrida – na medida em que esta não responde as questões colocadas de: “Qual a necessidade objectiva da cedência de dados, quando ela deve, ab initio, ser apenas requerida mediante situações de carácter imperativo concreto e atendendo a necessidades específicas? O que justifica esta renúncia a este direito?” -, o que motivou a prolação de despacho do juiz a quo no sentido da sua não verificação, constata-se que as Recorrentes não invocam a nulidade da decisão nos termos e ao abrigo do art. 615º do CPC e não o reflectem em termos de pedido recursivo bem como, para as conclusões, apenas transportam a afirmação de que a decisão recorrida não se mostra devidamente fundamentada nos termos dos artigos 154º do CPC e 94º, nºs 1 a 5 do CPTA (cfr. conclusões 23º e 24º).
Assim sendo, é nossa percepção que não vem invocada nulidade decisória, nos termos do art. 615º do CPC.
Todavia, ainda que assim não se entendesse, sempre a nulidade haveria de improceder pois, lida e analisada a sentença recorrida (transcrita infra), facilmente se constata que a mesma conheceu das questões que foi chamada a apreciar (verificação dos pressupostos necessário para a adopção da providência cautelar requerida), tendo apresentado as razões de facto e de direito pelas quais decidiu como decidiu, isto é, no sentido da não adopção da providência requerida.
Donde, não há omissão de pronúncia e não há falta de fundamentação.
*
Dos erros de julgamento:
Alegam as Recorrentes que a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 118º nºs 1 e 4 e 94º nºs 1, 2 e 5 do CPTA, face à insuficiente matéria indiciária apurada e concomitantemente ao facto não ter procedido à devida interpretação de direito ao abrigo da cognição sumária (conclusão 11º).
Vejamos.
O artigo 118º do CPTA regula a produção de prova no âmbito dos processos cautelares, nos seguintes termos:
“1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
2 - Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
4 - O requerente não pode oferecer mais de cinco testemunhas para prova dos fundamentos da pretensão cautelar, aplicando-se a mesma limitação aos requeridos que deduzam a mesma oposição.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
6 - As testemunhas oferecidas são apresentadas pelas partes no dia e no local designados para a inquirição, não havendo adiamento por falta das testemunhas ou dos mandatários.
7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, e estando a parte impossibilitada de apresentar certa testemunha, pode requerer ao tribunal a sua convocação.”
O artigo 94.º, epigrafado “conteúdo da sentença” e inserido no título relativo à acção administrativa e no capítulo regula a marcha do processo, preceitua que:
“1 - Encerrada a audiência final ou apresentadas as alegações escritas ou decorrido o respetivo prazo, quando a essa apresentação haja lugar, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando as questões de mérito que ao tribunal cumpra solucionar, ao que se segue a exposição dos fundamentos de facto e de direito, a decisão e a condenação dos responsáveis pelas custas processuais, com indicação da proporção da respetiva responsabilidade.
3 - Na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
4 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ressalvados os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial e aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
5 - Quando o juiz ou relator considere que a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada, a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia.
6 - As sentenças e os acórdãos finais são registados no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”
Tendo presente o teor das normas convocadas pelas Recorrentes e as falhas que imputam à sentença recorrida, não se vislumbra em que medida tais normas se mostram violadas.
Por um lado, a cognição sumária de que foi objecto a pretensão das Recorrentes não se sustenta no artigo 94º, designadamente no seu nº 5, mas sim na circunstância de estarmos perante uma providência cautelar, regulada nos artigos 112º e ss. do CPTA.
Com efeito, não obstante a presente acção tenha dado entrada como intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (acção principal e definitiva), decidiu o Tribunal a quo convolar a mesma em presente processo cautelar, por despacho proferido, em 04/11/2020, nos termos do art. 110º-A, nº 1, do CPTA, o que não mereceu a censura de qualquer uma das partes.
Saber se o Tribunal a quo fez ou não “devida interpretação de direito”, será apreciado mais adiante quando aferirmos do erro de julgamento apontado quanto à não verificação dos pressupostos de adopção da providência cautelar.
Por outro lado, as Recorrentes aludem à “insuficiente matéria indiciária” sem, no entanto, impugnar a matéria de facto apurada nos autos, quer por não concordarem com a mesma quer por entenderem que é insuficiente.
Pretendendo as Recorrentes impugnar a matéria de facto, tinham que dar cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC, isto, tinham que obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, lidas e analisadas as conclusões e as próprias alegações formuladas pelas Recorrentes, facilmente se verifica que nada é dito quanto a qualquer um dos referidos itens.
Assim, tendo o Tribunal a quo proferido despacho a dispensar a produção de prova adicional (sem que as Recorrentes invoquem a violação do disposto no nº 5 do art. 118º do CPTA) e fixado a matéria de facto que considerou oportuna e não vindo invocado pelas Recorrentes que prova deveria ter sido produzida e não foi bem como que foram alegados factos que deveriam ter sido dados como provados e não o foram, não se alcança sequer utilidade ao que vem alegado.
Pelo exposto, importa concluir que a sentença recorrida não viola o disposto nos artigos 118º, nº 1 e 4 e 94º, nºs 1, 2 e 5 do CPTA.
*
Para conhecer dos demais erros de direito que as Recorrentes imputam à sentença recorrida, reputamos adequado proceder à sua transcrição:
“(…)
Comecemos por verificar se existe o necessário fumus boni iuris para o decretamento da providência cautelar requerida, apreciando, perfunctoriamente, as ilegalidades que os ora Requerentes imputam às normas suspendendas.
Como já se referiu, preceitua o art. 120º, nº 1, 2ª parte, do CPTA, que “as providências cautelares são adotadas quando (…) seja provável que a pretensão formulada ou a formular [no processo principal] venha a ser julgada procedente”.
Como salienta JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, o juiz tem “o poder e o dever de, ainda que em termos sumários, avaliar a probabilidade da procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir”, sendo certo que, “na situação oposta, isto é, em caso de manifesta falta de fundamento da pretensão principal, será sempre recusada qualquer providência, mesmo que não tenha havido lugar à rejeição liminar do pedido. Assim, nos casos de evidência da ilegalidade da pretensão, o fumus malus continua a funcionar como o fundamento determinante da recusa da providência.” – cfr. A Justiça Administrativa - Lições, 17ª edição, Almedina, pp. 320 e 321.
Decorre do exposto que a formulação positiva do fumus boni iuris, enunciada no art. 120º, nº 1, 2ª parte, do CPTA, aponta no sentido de que o pressuposto da aparência do bom direito deve-se ter por verificado sempre que, do confronto do direito aplicável aos factos alegados e indiciariamente provados, resulte provável o êxito da acção principal.
Nesta conformidade, cabe ao requerente da providência o ónus de alegação e de prova sumária do bem fundado da pretensão formulada ou a formular no processo cuja utilidade da sentença se visa assegurar com recurso à tutela cautelar.
In casu, os Requerentes configuraram a causa de pedir alegando, essencialmente, que as normas constantes do regulamento anexo à Portaria nº 159/2020, cuja eficácia visam suspender através da presente acção cautelar, e conforme identificadas ao longo do r.i., padecem de ilegalidade por: i) violação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, a todos conferido pelo art. 26º, nº 1 da CRP; ii) violação do direito à liberdade, consagrado no art. 27º, nº 1 da CRP; iii) violação do art. 35º, nº 4 da CRP; violação do direito de reunião e de manifestação previsto no art. 45º, nº 1 da CRP; iv) violação do direito de todos a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer meio, consagrado no art. 37º, nº 1 da CRP; v) violação da liberdade de associação, prevista no art. 46º da CRP; e vi) violação do disposto no art. 112º, nº 5 da CRP no que respeita às normas primárias sobre recolha e conservação de dados ou onerosidade do cartão.
(…)
Estabelece o art. 79º da CRP, inserido no capítulo III do título III da Lei Fundamental, respeitante aos direitos e deveres culturais, o seguinte: “1. Todos têm direito à cultura física e ao desporto. 2. Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.”.
O mencionado preceito constitucional, para além de erigir o direito à educação física e ao desporto à categoria de direito fundamental, estabelece as principais tarefas do Estado para efectivar esse direito, incumbindo, ainda, ao Estado, por determinação constitucional, prevenir a violência no desporto, obrigando à adopção das medidas necessárias e adequadas a essa prevenção.
Por seu turno, a Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro, que estabelece as bases das políticas de desenvolvimento da actividade física e do desporto, prevê, no seu art. 3º, o princípio da ética desportiva, segundo o qual a actividade desportiva deve ser desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes, reforçando-se também ao nível infraconstitucional, que é uma incumbência do Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação (cfr. art. 3º, nº 2, do mencionado diploma).
Com vista a conferir exequibilidade a tais comandos, o legislador aprovou o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, ou actos com eles relacionados, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática, actualmente vertido na Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 113/2019, 11 de Setembro.
Conforme se pode ler na Exposição de Motivos da proposta legislativa da qual veio a resultar o regime ínsito na Lei nº 39/2009 (Proposta de Lei nº 249/X):
“Na presente Proposta de Lei, a primeira medida que cumpre assinalar é o alargamento do respectivo objecto, conquanto se passa a ter em conta as novas realidades, já espelhadas nos instrumentos internacionais.
Assim, estabelecem-se medidas preventivas e sancionatórias com o objectivo de erradicar do desporto a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos espectáculos desportivos com segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática.
Optou-se, pois, por uma abordagem em que se enfatizam os aspectos positivos do desporto, isto é, os princípios éticos, reconhecendo desta forma que a violência, sob todas as formas, é uma patologia estranha a este mesmo desporto, mas que encontra neste um palco de excelência para se desenvolver e potenciar.
Além da precisão de conceitos e supressão das lacunas contidos no diploma ainda em vigor, esta proposta começa por assentar na apresentação de um conjunto de medidas preventivas, a implementar quer pelos organizadores de competições desportivas quer pelos seus promotores.
De entre estas medidas destacam-se aquelas referentes à adopção de regulamentação de prevenção e controlo da violência, a obrigatoriedade da existência de planos de actividades, nos quais as federações desportivas e as ligas profissionais devem contemplar medidas e programas de promoção de boas práticas que salvaguardem a ética e o espírito desportivos nos respectivos planos anuais de actividades, em particular no domínio da violência associada ao desporto.
(…)
Matéria que mereceu particular atenção foi a que se prende com os grupos organizados de adeptos. Desde logo, clarificando e tipificando as situações em que pode ser prestado o apoio a estes e estabelecendo-se como sanção para o incumprimento destas regras por parte do promotor, enquanto a situação se mantiver, a realização de espectáculos desportivos à porta fechada.
Também o registo e o acesso dos grupos organizados de adeptos ao recinto desportivo foi objecto de ponderação, considerando-se, entre outras medidas, que nos jogos das competições desportivas de natureza profissional ou não profissional consideradas de risco elevado, sejam nacionais ou internacionais, os promotores do espectáculo desportivo não podem ceder ou vender bilhetes a grupos organizados de adeptos em número superior ao de filiados nesses grupos e identificados no registo depositado junto dos promotores e do CESD.
De igual forma, também as condições de acesso e permanência dos espectadores aos recintos desportivos foram revisitadas, prevendo-se o afastamento imediato do recinto desportivo para os prevaricadores. (…)”.
E também como se pode ler na Exposição de Motivos subjacente à Proposta de Lei nº 153/XIII, da qual resultou a Lei nº 113/2019, que procedeu à última alteração do regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, “[d]ecorridos mais de cinco anos sobre a entrada em vigor da Lei n.º 52/2013, de 25 de julho, que procedeu à última alteração do regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, sentiu-se a necessidade de promover uma nova alteração ao mencionado regime jurídico”, sendo, designadamente, necessário “enquadrar a recentemente criada APCVD, melhorar a capacidade dissuasora do seu regime sancionatório, tornar mais eficaz a sua aplicabilidade, conferir maior exigência ao enquadramento previsto para os grupos organizados de adeptos e reforçar a celeridade de tramitação e a transparência dos processos contraordenacionais que eram da responsabilidade do IPDJ, I.P.” e concretamente no que respeita aos grupos organizados de adeptos, “determina-se um aumento de 100% dos limites mínimos das coimas aplicáveis aos casos de atribuição de qualquer apoio a grupos organizados de adeptos não registados, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, de apoio técnico, financeiro ou material. Por outro lado, definem-se zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, criando-se um cartão de acesso às mesmas e impondo-se a venda eletrónica dos respetivos títulos de ingresso. Estabelece-se também a proibição da introdução, posse, transporte ou utilização, fora daquelas zonas, de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, bem como bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de dimensão superior a 1 metro por 1 metro, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio aos clubes e sociedades desportivas. Finalmente, introduz-se, ao nível das punições previstas para os promotores do espetáculo desportivo, a sanção acessória de interdição de zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos.”.
Ressalta, assim, do quadro exposto, o propósito claro do legislador em adoptar medidas destinadas a prevenir e controlar as manifestações de violência associadas ao desporto, bem como estabelecer normas de disciplina dentro dos recintos desportivos, por forma a permitir que os espectáculos desportivos decorram em observância dos princípios éticos inerentes à prática do desporto e de forma pacífica e segura.
Sendo que o quadro regulador adoptado é revelador de uma preocupação acrescida do legislador com a adopção de medidas dirigidas aos grupos organizados de adeptos, considerando o contexto grupal em que os adeptos neles filiados manifestam o apoio ao respectivo clube e a sua forte envolvência no espectáculo desportivo, como é do conhecimento público e geral, susceptível de potenciar fenómenos de violência, prevendo-se, assim, na lei, nomeadamente, deveres dirigidos aos promotores e organizadores dos eventos desportivos especialmente relacionados com a actuação dos grupos organizados de adeptos que apoiem; bem como, regras relacionadas com o acesso e permanência de tais grupos no recinto desportivo.
Neste conspecto, dispõe a al. q) do art. 3º da Lei nº 39/2009 que consubstancia a «Zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos», “a área específica do recinto desportivo integrado em competições desportivas de natureza profissional ou em espetáculos desportivos integrados nas competições desportivas de natureza não profissional considerados de risco elevado, onde é permitida a utilização de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, desde que não amplificados com auxílio de fonte de energia externa, bem como de bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de dimensão superior a 1 m por 1 m, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio aos clubes e sociedades desportivas”.
Mais se definindo o «Cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos» como “o documento emitido pela Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD), com as características e nos termos previstos em portaria do membro do Governo responsável pela área do desporto, que permite o acesso às zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos” – al. r) da citada norma.
Por sua vez, o art. 16º-A do mesmo diploma, a respeito da referida Zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos (ZCEAP), prevê o seguinte:
“1 - Nos recintos onde se realizem espetáculos desportivos integrados nas competições desportivas de natureza profissional ou de natureza não profissional considerados de risco elevado, são criadas zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos.
2 - O acesso e a permanência nas zonas referidas, em cada espetáculo desportivo, são reservados apenas aos adeptos detentores de título de ingresso válido e do cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos.
3 - O título de ingresso referido no número anterior é adquirido exclusivamente por via eletrónica junto do promotor, devendo a aquisição ser feita a título individual e com correspondência a um cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos.
4 - As zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos devem ter entrada exclusiva, não permitindo fisicamente a passagem dos espetadores para outras zonas e setores, e garantir o acesso a instalações sanitárias e serviços de bar.
5 - Os promotores dos espetáculos desportivos comunicam obrigatoriamente à APCVD, às forças de segurança e ao organizador da competição, antes do início de cada época desportiva, quais as zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, para efeitos de aprovação conjunta por parte daquelas entidades.
6 - Nos recintos referidos no n.º 1 são criadas zonas especiais com as mesmas características para adeptos dos clubes ou sociedades desportivas visitantes, com as condições de acesso e permanência previstas nos números anteriores.
7 - No âmbito da deslocação para recintos desportivos integrados em competições desportivas de natureza profissional ou em espetáculos desportivos integrados nas competições desportivas de natureza não profissional considerados de risco elevado, os clubes ou sociedades desportivas visitantes devem, designadamente através dos respetivos oficiais de ligação aos adeptos, fornecer ao promotor do espetáculo desportivo, às forças de segurança e à APCVD, com a antecedência mínima
de 48 horas, a informação relativa ao número estimado de adeptos que tenham obtido título de ingresso válido para aquela zona, de acordo com as respetivas condições de acesso e permanência.
8 - A utilização de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, desde que não amplificados com auxílio de fonte de energia externa, bem como de bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de dimensão superior a 1 m por 1 m, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio aos clubes e sociedades desportivas, é permitida nas zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos.
9 - A utilização dos materiais previstos no número anterior está sujeita à aprovação conjunta por parte do promotor do espetáculo desportivo e das forças de segurança e serviços de emergência.
10 - Nos recintos onde se realizem espetáculos abrangidos pelo presente artigo, os grupos organizados de adeptos apenas podem aceder e permanecer nas zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, nos termos previstos nos números anteriores.
11 - A utilização dos materiais em violação do disposto no n.º 9 implica o afastamento imediato do recinto desportivo, a efetuar pelas forças de segurança presentes no local, bem como a apreensão dos mesmos.
12 - O incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 4, 5, 6 e 10 implica, para o promotor do espetáculo desportivo, enquanto as situações se mantiverem, a realização de espetáculos desportivos à porta fechada, sanção a aplicar pela APCVD.
13 - Ao acesso e à permanência nas zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos aplicam-se as regras previstas nos n.ºs 1 a 5 do artigo 22.º e nos n.ºs 1 a 3 do artigo 23.º”.
Resulta, em suma, do quadro normativo exposto que nos recintos desportivos onde se realizem espectáculos desportivos que ocorram em contexto de competições desportivas de natureza profissional ou integrados nas competições desportivas de natureza não profissional considerados de risco elevado, o promotor do evento está obrigado a proceder à criação, nesse recinto, de zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, que se distinguem das demais zonas do recinto, no essencial, devido ao tipo de manifestação que nela pode ser feita pelo espectador e apoiante de um determinado clube, já que nessas zonas, para além de ser permitida a utilização do material descrito na al. q) do art. 3º da Lei nº 39/2009, também é permitido assistir ao espectáculo desportivo no contexto de um grupo organizado de adeptos, entendendo-se como tal “o conjunto de pessoas, filiadas ou não numa entidade desportiva, que atuam de forma concertada, nomeadamente através da utilização de símbolos comuns ou da realização de coreografias e iniciativas de apoio a clubes, associações ou sociedades desportivas, com carácter de permanência” [vide al. i) do mencionado art. 3º] – cfr. nº 10 do art. 16º-A.
Por outro lado, para aceder às referidas zonas, sujeitas a particulares condições de segurança, será necessário ser titular de um cartão de acesso, cujas normas relativas à sua requisição, emissão, funcionamento e utilização vêm definidas na Portaria nº 159/2020, de 26 de Junho, como, de resto, a tal habilita o disposto na al. r) do art. 3º da Lei nº 39/2009.
Nesta conformidade, e como salientam as partes, a Portaria em apreço veio dar exequibilidade a um conjunto de normas constantes da Lei nº 39/2009 que regulam o acesso e permanência a ZCEAP, fazendo depender esse acesso da observância de duas condições cumulativas: a posse de título de ingresso válido adquirido por via electrónica e a titularidade de um cartão válido de acesso a essas zonas.
Os Requerentes insurgem-se contra o facto de nos recintos onde se realizem espectáculos abrangidos pelo art. 16º-A, os grupos organizados de adeptos apenas poderem aceder e permanecer nas zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, bem como, contra a circunstância de tais zonas não permitirem fisicamente a passagem dos espectadores para outras zonas e sectores do recinto desportivo, suscitando a este respeito a inconstitucionalidade do regime jurídico nesses termos delineado, por violação dos arts. 26º, nº 1 e 27º, nº 1 da CRP.
Contudo, perscrutado tal quadro jurídico, acima traçado, e nesta análise perfunctória que, necessariamente, tem de ser feita em sede cautelar, não se afigura que o mesmo padeça da suscitada invalidade.
Os Requerentes configuram a violação dos invocados direitos com base numa alegada restrição da sua liberdade de acção e actuação, que, no entanto, se afigura não existir, pelo menos na dimensão constitucionalmente protegida.
Com efeito, o adepto desloca-se, por opção individual, ao estádio e, também no exercício da sua liberdade individual, escolhe o modo como pretende assistir ao jogo e, consequentemente, a zona onde irá assistir (porquanto, e como nota a Entidade Requerida, o adepto, ainda que seja membro de um GOA, pode livremente escolher o sítio do recinto onde pretende assistir ao evento, desde que cumpra os requisitos de acesso e permanência fixados para as diferentes zonas do estádio), que se encontra previamente delimitada, sendo que os invocados direitos à liberdade física e à liberdade de movimentos, previstos na Constituição, salvaguardam o direito de o cidadão não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo confinado a um determinado espaço contra a sua vontade, ou impedido de se movimentar.
O que não sucede no caso em apreço, sendo manifesto que não há qualquer confinamento forçado do adepto que voluntariamente decide ir assistir a um espectáculo desportivo, sujeitando-se, naturalmente, às regras legalmente fixadas para o acesso e permanência nos recintos desportivos, as quais, saliente-se, de acordo com as especificidades do tipo de assistência, valem para todos os espectadores.
Note-se que, como bem observa a Entidade Requerida, para além de a delimitação física das zonas de assistência de adeptos num recinto desportivo estar plenamente justificada por razões de organização do espaço e segurança, as diferentes zonas/secções do recinto desportivo podem estar isoladas entre si, de maneira a evitar a aglomeração não controlada e mistura de adeptos de equipas diferentes, bem como para evitar situações de sobrelotação de bancadas por via de migração de espectadores. De resto, a este respeito, prevê-se no art. 7º nº 3, al. a) da Lei nº 39/2009 que nas competições desportivas de natureza profissional ou de natureza não profissional consideradas de risco elevado, os regulamentos de segurança e de utilização dos espaços de acesso público (que os proprietários dos recintos ou promotores dos eventos desportivos estão incumbidos de elaborar) devem contemplar, designadamente, a separação física dos adeptos, reservando-lhes zonas distintas.
Prevendo-se, ainda, no art. 17º do citado diploma, a possibilidade de “instalação de setores devidamente identificados como zonas tampão, que permitam separar fisicamente os espetadores e assegurar uma rápida e eficaz evacuação do recinto desportivo, podendo implicar a restrição de venda de bilhetes”.
Acresce que, ao contrário do que alegam os Requerentes, inexiste a aludida impossibilidade de o adepto sair do espaço onde ingressou para o efeito, podendo aquele sair do recinto desportivo.
Na verdade, a existirem limites à liberdade geral de acção dos Requerentes, neste âmbito, são os limites intrínsecos à acção dos próprios titulares do direito que, livremente, optam (ou não) por ir assistir a um espectáculo desportivo, designadamente, inseridos num grupo organizado de adeptos, deste modo submetendo-se às regras de utilização e permanência no espaço em questão, cuja consagração legal e regulamentar visa de um modo geral acautelar a segurança do próprio espaço e de todos os participantes no evento.
De igual modo, não se afigura, da análise sumária que se leva a cabo, que a implementação das zonas com condições especiais de acesso previstas no art. 16º-A, cujo acesso vem regulamentado na Portaria posta em causa pelos Requerentes, consubstancie uma qualquer violação do direito consagrado na primeira parte do nº 1 do art. 37º da CRP.
De resto, a este respeito, afigura-se como provável a improcedência da acção principal, porquanto, não obstante o referido preceito constitucional contemplar a liberdade de expressão e, nesse sentido, o direito de não ser impedido de exprimir-se e de divulgar ideias e opiniões, “na falta de uma cláusula de restrição dos referidos direitos, [o direito de expressão] tem de ser pelo menos harmonizado e sujeito a operações metódicas de balanceamento ou de ponderação com outros bens constitucionais e direitos com ele colidentes (…)” – cfr. J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 573 e 574.
De facto, como qualquer direito fundamental, também este direito não pode ser entendido com um alcance absoluto, uma vez que, sempre que um direito conflitue com outro direito ou bens constitucionalmente protegidos, esse conflito deve ser resolvido através da recíproca e proporcional limitação de ambos, em ordem a optimizar a solução (princípio da concordância prática) de modo a garantir uma relação de convivência equilibrada e harmónica em toda a medida possível – neste sentido, cfr. o Ac. do Tribunal Constitucional nº 413/2011, proferido em 28/09/2011 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
Considerando que a liberdade de expressão que os Requerentes invocam nos presentes autos se relaciona, como os próprios alegam, com a liberdade de manifestarem o apoio ao seu clube, num recinto desportivo, de uma forma mais ruidosa e com recurso a lay-out mais pesado, afigura-se adequada, necessária e proporcional, a restrição que possa resultar para esse direito do regime ínsito no art. 16º-A da Lei nº 39/2009.
De facto, estando em causa a pretensa utilização de “megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, desde que não amplificados com auxílio de fonte de energia externa, bem como de bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de dimensão superior a 1 m por 1 m, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio aos clubes e sociedades desportivas”, num contexto grupal, afigura-se proporcional restringir esse tipo de manifestação a uma zona delimitada do recinto desportivo, em todos os estádios das competições profissionais e nos recintos que recebam jogos de risco elevado.
Assim como, pela mesma razão, não se nos afigura manifestamente desadequado ou desproporcional a restrição prevista no art. 6º, nº 3, do anexo I da Portaria nº 159/2020, no que respeita à idade mínima para acesso à ZCEAP aqui em causa (norma à qual é feita referência pelos Requerentes no articulado inicial, contudo, sem a formulação de uma concreta consequência no plano jurídico).
O que vem dito permite, ainda, chegar a idêntica conclusão no que respeita à invocada violação do direito de reunião constitucionalmente protegido (cfr. art. 45º nº 1 da CRP), que, à luz dos argumentos supra enunciados, também se afigura inexistir.
Como mais uma vez explicitam J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “o direito de reunião e o direito de manifestação comportam as seguintes componentes: (a) liberdade de reunião (e de manifestação), ou seja, direito de reunir-se com outrem (ou de manifestar-se), sem impedimento e, desde logo, sem necessidade de autorização prévia quer quanto à liberdade de convocar reuniões ou manifestações quer quanto à liberdade de nelas participar (nº 1, in fine); (b) direito de não ser perturbado por outrem no exercício desse direito, incluindo o direito à protecção do Estado contra ataques ou ofensas a terceiros (v.g., ataques de contramanifestantes); (c) direito à utilização de locais e vias públicas, sem outras limitações que as decorrentes da salvaguarda de outros direitos fundamentais que com aquele colidam; (d) direito à autodeterminação do local, hora, forma e conteúdo.” (sublinhado nosso) – cfr. Constituição, …, cit., p. 638.
Donde daqui também resulta que, considerando o tipo de apoio ao clube que os adeptos ora requerentes e respectivos associados pretendem realizar, afigura-se necessário, adequado e proporcional restringir determinadas formas de manifestação a uma zona delimitada do recinto desportivo, em todos os estádios das competições profissionais e nos recintos que recebam jogos de risco elevado, a fim de salvaguardar a segurança de todos os participantes, que emana do disposto no art. 27º, nº 1 da Constituição.
Assistindo, neste ponto, razão à Entidade Requerida quando alega que a criação das ZCEAP permite que os adeptos que pretendam demonstrar de um modo mais efusivo o apoio ao seu clube o possam fazer em condições de segurança, não colocando em perigo ou perturbando os demais espectadores que pretendam assistir ao espectáculo desportivo de uma forma mais contida e serena, designadamente, através da utilização de faixas ou bandeiras de grandes dimensões ou de aparelhos produtores de grande ruído ou do chamado levantamento persistente dos adeptos. Sendo necessário
compatibilizar as várias liberdades que necessariamente conflituem num evento dessa natureza, concretamente, a liberdade de poder exibir uma bandeira de grandes dimensões, utilizar um instrumento de produção de ruído ou a vontade de permanecer de pé durante todo o jogo, com a eventual vontade de outro adepto de ver o jogo, dentro do possível, sem interferências de objectos de grandes dimensões, ruído exagerado ou sem obstáculos à visualização da área do jogo.
A este propósito, refira-se, ainda, que o art. 17º da Lei nº 39/2009 determina que os recintos desportivos nos quais se realizem competições desportivas de natureza profissional ou não profissional consideradas de risco elevado, sejam nacionais ou internacionais, sejam dotados de lugares sentados, individuais e numerados, ressalvando, no entanto, a possibilidade de o promotor do espectáculo desportivo poder definir áreas de assistência com lugares em pé, individuais e numerados, nas zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, equipadas com mecanismos de segurança de modelo oficialmente aprovado, que previnam o efeito de arrastamento de espectadores.
Assim, e com os fundamentos antecedentes, não é provável a procedência da acção principal.
*
Alegaram, ainda, os Requerentes que a Portaria nº 159/2020, ao assumir a disciplina da recolha, tratamento e conservação dos dados pessoais para requisição do cartão de acesso, viola o disposto no nº 4 do art. 35º da Lei Fundamental.
A respeito da problemática dos dados pessoais, invocaram, ainda, os Requerentes que a remissão para a Portaria, operada pelo art. 3º, al. r) da Lei nº 39/2009, não apenas das características técnicas do cartão de acesso às ZCEAP mas também dos “termos” em que por meio dele se processa esse acesso (nesses termos se incluindo as normas primárias sobre recolha e conservação de dados pessoais ou sobre a onerosidade do cartão), viola o art. 112º, nº 5 da Constituição, já que não pode o Regulamento ser habilitado a inovar ou, simplesmente, inovar relativamente à lei que visa regulamentar.
Já a Entidade Requerida veio, a este propósito, defender que os dados pessoais dos titulares do cartão do adepto são apenas os necessários, sendo o seu tratamento, gestão e protecção feitos nos termos da Lei, corporizada essencialmente no Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril e na Lei nº 58/2019, de 8 de Agosto, conforme estabelece o art. 6º da Portaria, inexistindo qualquer violação do direito da protecção dos dados pessoais.
Mais referiu a Entidade Requerida que os dados pessoais a ceder para aquisição e utilização do cartão do adepto, mediante expresso consentimento dos respectivos titulares, são apenas os necessários, sendo quaisquer operações de tratamento de dados enquadradas na sua gestão e protecção efectuadas nos termos da Lei, como resulta dos arts. 6º e 8º da Portaria e do seu anexo.
Como se viu, a Portaria nº 159/2020, de 26 de Junho, veio definir as normas aplicáveis à requisição, emissão, funcionamento e utilização do cartão de acesso a ZCEAP - o designado «cartão do adepto» -, bem como aprovar os respectivos modelo e características, aplicando-se o quadro regulador nela vertido aos recintos onde se realizem espectáculos desportivos integrados nas competições desportivas de natureza profissional ou de natureza não profissional considerados de risco elevado, nos quais é obrigatória a criação de ZCEAP, conforme decorre do preceituado no já citado art. 16º-A da Lei nº 39/2009.
E fá-lo com fundamento na lei, já que, como ficou dito, a Lei nº 39/2009 estabelece que o cartão do adepto é emitido pela Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, com as características e nos termos previstos em portaria do membro do Governo responsável pela área do desporto. Verificando-se, ainda, que a Portaria ressalva expressamente a sua emissão ao abrigo da al. r) do art. 3º do regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, aprovado pela Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 113/2019, de 11 de Setembro, cumprindo, deste modo, a exigência de citação da lei habilitante que decorre do disposto no art. 112º, nº 7, da Constituição.
Sendo certo que, remetendo a lei habilitante para a Portaria no que respeita aos termos em que o cartão poderá ser emitido e utilizado, ficou o membro do Governo responsável pela área do desporto autorizado a emanar disposições relativas aos dados pessoais a serem recolhidos para efeitos de emissão do cartão, bem como, quanto a encargos previstos para essa requisição e emissão. Dando, assim, execução à norma legal que prevê a obrigatoriedade da aquisição de um cartão do adepto, para efeitos de o interessado aceder às ZCEAP nos recintos desportivos previstos no art. 16º-A da Lei nº 39/2009.
Não se tratando, in casu, de um regulamento modificativo, suspensivo, derrogatório ou revogatório de uma lei, proibido pelo disposto no art. 112º, nº 5 da CRP.
Por outro lado, e no que respeita à validade das normas previstas na Portaria e respectivo anexo a propósito dos dados pessoais do titular do cartão do adepto, dir-se-á, num juízo perfunctório, que a mesmas não inovam nem colidem com o regime jurídico que visam regulamentar, contendo-se, antes, na habilitação legal constante da al. r) do art. 3º da Lei nº 39/2009, porquanto, tal habilitação permite ao regulamento prever os termos em que o cartão do adepto poderá ser emitido e utilizado, o que englobará a previsão regulamentar de aspectos como os dados pessoais associados ao cartão (que naturalmente, terá de ter um titular, identificável) e respectivo tratamento.
O que vem dito, vale, igualmente, para aspectos relacionados com os encargos relativos à emissão do cartão do adepto. Importando salientar, a este respeito, que os Requerentes embora aleguem, de forma conclusiva, que o acesso às ZCEAP se torna mais caro devido ao encargo fixado para a aquisição do cartão de acesso, nada de concreto invocaram que permitisse sustentar tal conclusão, desconhecendo-se, por nada ter sido trazido aos autos pelos Requerentes a esse respeito, quais os custos associados com a aquisição do título de ingresso nas várias zonas do espectáculo desportivo, incluindo, naturalmente, o bilhete para ingresso na ZCEAP (alegando, de resto, a ER, que os sectores afectos a tais zonas especiais são economicamente mais acessíveis).
Pelo que, com fundamento nas alegadas violações do art. 112º, nº 5 da CRP e da reserva de lei em matéria de DLG, pelas normas regulamentares em causa, também não se afigura provável a procedência da acção principal a instaurar pelos Requerentes.
O art. 3º da Portaria nº 159/2020 determina que “o cartão do adepto permite ao respetivo titular fazer prova da sua identificação para efeitos de acesso e permanência em ZCEAP nos recintos onde se realizem espetáculos desportivos integrados em competições desportivas de natureza profissional ou de natureza não profissional considerados de risco elevado, perante assistentes de recinto desportivo, forças de segurança e outras entidades, públicas ou privadas, que tenham responsabilidades em matéria de segurança no âmbito da realização de espetáculos desportivos”, mais estabelecendo o art. 5º que a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) e o Ponto Nacional de Informações sobre Desporto (PNID) “podem transmitir a entidades terceiras, nomeadamente organizadores de competições desportivas e promotores de espetáculos desportivos, a informação estritamente necessária para efeitos de dimensionamento das zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, de gestão por parte dessas entidades da emissão e venda de títulos de ingresso e de controlo de acessos, nos termos previstos na presente portaria”. De modo consonante, determina-se no art. 5º do Anexo I da Portaria que “Os dados de identificação do requerente, tais como o número do cartão do adepto, o nome completo e o número de identificação fiscal, a informação relativa aos promotores de espetáculos desportivos que apoia, a indicação dos grupos organizados de adeptos a que tem filiação, quando for o caso, e ainda os relacionados com eventuais interdições de acesso a recintos desportivos que estejam em vigor, recolhidos no âmbito do processo de emissão e funcionamento do cartão do adepto, são objeto de partilha com os organizadores e promotores dos espetáculos desportivos, para efeitos de dimensionamento e adequação das ZCEAP, de emissão e venda de títulos de ingresso e de controlo de acessos.”.
A propósito dos dados recolhidos, prevê-se no art. 3º do anexo I o seguinte:
“1 - Para efeitos de emissão do cartão do adepto, são objeto de tratamento os seguintes dados pessoais: a) Nome completo; b) Morada de residência e, no caso de ser diferente, morada de entrega do cartão do adepto; c) Tipo de documento de identificação e respetivo número; d) Data de nascimento; e) Fotografia do cartão de cidadão ou fornecida pelo requerente; f) Número de identificação fiscal; g) Endereço eletrónico; h) Número de telefone; i) Promotores de espetáculos desportivos que apoia; j) Grupos organizados de adeptos em que se encontre filiado, se for o caso; k) Filiação, no caso de requerentes menores, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 6.º.
2 - O não fornecimento dos dados pessoais previstos no número anterior inviabiliza a conclusão do processo de emissão do cartão do adepto.”.
Sendo que, tais dados pessoais, e conforme se estabelece no art. 6º da Portaria em apreço, “são objeto de proteção nos termos previstos no Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, e na Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, bem como das demais disposições legais e regulamentares em matéria de proteção de dados pessoais”, sendo, ainda, o requisitante do cartão do adepto, no acto da requisição, informado sobre a política de segurança e privacidade relativa ao tratamento dos dados pessoais e os termos de utilização do cartão do adepto, de acordo com as finalidades previstas na portaria e no regime jurídico que visa regulamentar, nos termos da lei e dos protocolos estabelecidos nesse âmbito (cfr. art. 2º, nº 1, do anexo I).
Ora, determina o art. 35º nº 4 da CRP que “É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei.”.
O quadro legal regulador desta matéria encontra-se vertido no Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Abril de 2016, relativo à protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Aí se disciplinando acerca das condições em que, licitamente, poderá ser efectuado o tratamento dos dados pessoais, entendendo-se como tal “uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição”.
Ora, o art. 6º da Portaria nº 159/2020 prevê expressamente que os dados pessoais de pessoas singulares susceptíveis a operações de tratamento no âmbito da sua aplicação são objecto de protecção nos termos previstos no citado Regulamento e na Lei nº 58/2019, de 8 de Agosto (que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados), bem como das demais disposições legais e regulamentares em matéria de protecção de dados pessoais.
Nesta conformidade o nº 4 do art. 35º da CRP, embora consagre como princípio a proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, também excepciona os casos a prever na lei em que tal acesso poderá ser efectivado, não se tratando de um princípio geral absoluto de proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, mas antes um princípio que comporta compressões.
E considerando que o art. 5º da Portaria, embora contemple a possibilidade de a APCVD e o PNID poderem transmitir a entidades terceiras, nomeadamente organizadores de competições desportivas e promotores de espectáculos desportivos, a informação estritamente necessária para efeitos de dimensionamento das ZCEAP, de gestão por parte dessas entidades da emissão e venda de títulos de ingresso e de controlo de acessos, ressalva que o tratamento dos dados é feito em observância da disciplina vertida no Regulamento Geral de Protecção de Dados, logo, nos termos “previstos na lei”, e tendo ainda presente os interesses prosseguidos com a recolha de determinados
dados pessoais do titular do cartão do adepto, também eles constitucionalmente protegidos, então, não se revela possível, nesta sede, concluir pela forte probabilidade de ocorrência da invocada inconstitucionalidade.
Com efeito, e como se pode ler no preâmbulo da Portaria em análise: “Com vista à promoção da segurança e do combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, torna-se necessário que o modelo e as características, bem como as normas aplicáveis à requisição, emissão, funcionamento e utilização do cartão do adepto permitam o registo e a identificação dos seus titulares para efeitos de dimensionamento e gestão do acesso às ZCEAP e também para auxílio à verificação, em tempo útil, das decisões judiciais e administrativas que impeçam determinadas pessoas de acederem aos recintos desportivos. Atendendo a razões de segurança dos recintos e dos espetáculos desportivos, bem como à necessidade de assegurar a proteção das pessoas singulares cujos dados pessoais sejam objeto de tratamento para efeitos da titularidade e utilização do cartão do adepto, importa, por um lado, que a sua emissão e funcionamento sejam suportados por elementos robustos que garantam a privacidade e a segurança dos referidos dados pessoais, exclusivamente para as finalidades previstas para a sua criação e, por outro, que, através do mencionado cartão, os respetivos titulares sejam identificados inequivocamente.” (itálicos nossos).
Assim, considerando os interesses prosseguidos pela autoridade responsável pelo tratamento, não é manifesto ou evidente que os dados pessoais exigidos para a emissão do cartão não sejam necessários para a finalidade para a qual foram recolhidos ou tratados. Pelo contrário, tendo em conta que o cartão visa, por um lado, assegurar o registo e a identificação dos seus titulares para efeitos de dimensionamento e gestão do acesso às ZCEAP e também para auxílio à verificação, em tempo útil, das decisões judiciais e administrativas que impeçam determinadas pessoas de acederem aos recintos desportivos, então, afigura-se, nesta análise perfunctória, que os dados previstos no art. 3º, nº 1, do anexo I da Portaria serão os necessários para a prossecução das finalidades para as quais se procede ao tratamento dos dados.
Não sendo, assim, provável, atento o exposto, que a acção principal venha a ser julgada procedente com fundamento na invocada violação do art. 35º nº 4 da CRP.
*
Mais alegaram os Requerentes que no caso dos autos ocorre a manifesta violação da liberdade de associação, na sua vertente negativa, decorrente da obrigatoriedade de adesão a uma associação de adeptos como requisito indispensável para a obtenção do cartão do adepto, o qual, por sua vez, é requisito indispensável para o acesso e permanência no recinto desportivo por parte dos cidadãos que queiram exteriorizar o apoio ao seu clube nos termos referidos – cfr. nº 8 do art. 16º-A da Lei nº 39/2009.
Defenderam os Requerentes, em suma, que o cartão do adepto só será emitido a quem for membro de uma associação de adeptos, nos termos do art. 14º, nº 1 da Lei nº 39/2009, o que viola, no seu entendimento, o disposto no art. 46º, nº 3 da CRP.
Já a Entidade Requerida, por seu lado, veio defender a este propósito que os Requerentes distorcem a realidade, tentando dar a entender que é necessário pertencer a uma associação ou encontrar-se filiado num GOA para entrar numa ZCEAP, o que não corresponde de todo à realidade, uma vez que não é necessário pertencer a uma associação para entrar numa ZCEAP, sendo a mesma acessível a qualquer cidadão com idade igual ou superior a 16 anos.
Mais defendeu a Entidade Requerida que a obrigatoriedade da constituição como associação por parte dos GOA como condição para que possam usufruir de apoio por parte dos promotores de espectáculos desportivos – apoios a que qualquer outro adepto não tem direito -, pese embora possa implicar uma restrição ao respectivo direito de associação, na sua dimensão negativa, dá expressão à incumbência constitucional do Estado quanto ao combate e prevenção da violência no desporto, sendo certo que os GOA conservam, na íntegra, a faculdade de não se constituírem enquanto tal, o que apenas implicará que lhes sejam reconhecidos os mesmos direitos de qualquer espectador comum. A obrigação de registo dos GOA e a sua constituição como associações visa assegurar, a jusante, que estes actuem nos limites estritos da lei, de modo a que se salvaguarde o valor da segurança e se contenham os actos de violência no desporto.
Vejamos.
O art. 46º da nossa Lei Fundamental, sob a epígrafe “Liberdade de associação” prevê o seguinte:
“1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.
2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.
3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.
4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.”.
Como também sublinham J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA a este propósito, “o direito de associação é um direito complexo, que se analisa em vários direitos ou liberdades específicos. O nº 1 reconhece o chamado direito positivo de associação, ou seja, o direito individual dos cidadãos de constituírem livremente associações sem impedimentos e sem imposições do Estado, bem como o direito de se filiarem em associação já constituída; o nº 2 reconhece a liberdade de associação, enquanto direito da própria associação a organizar-se e a prosseguir livremente a sua actividade; finalmente, o nº 3 garante a liberdade negativa de associação; isto é, o direito do cidadão de não entrar numa associação, bem como o direito de sair dela.” – vide Constituição, …, cit., p. 644.
Os Requerentes entendem que as normas suspendendas violam o citado preceito constitucional na sua vertente negativa, tal como previsto no nº 3 do art. 46º da Constituição.
Contudo, também aqui desde já se constata a falta do necessário fumus boni iuris, não se mostrando provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada procedente com este fundamento.
De facto, extrai-se do disposto no art. 14º da Lei nº 39/2009 que é obrigatório o registo dos GOA junto da APCVD, tendo que ser constituídos previamente como associações, nos termos da legislação aplicável, estando tal constituição apenas associada à possibilidade de o promotor do espectáculo desportivo, lhes poder atribuir determinados apoios ou benefícios, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material.
Daqui resulta, desde logo, que os GOA gozam da liberdade de associação, na medida em que os cidadãos que optaram livremente por se organizar e reunir com o fim comum de prestar apoio ao clube/associação desportiva que escolheram apoiar, gozam, no âmbito da liberdade de organização que constitucionalmente lhes está reconhecida, da possibilidade de se constituírem como uma associação reconhecida, possuidora de personalidade jurídica, ou de permanecerem como uma associação de facto, sem essa personalidade. Simplesmente, caso os GOA não se encontrem legalmente constituídos como associações, o promotor do espectáculo desportivo está impedido de conceder os apoios a que alude o art. 14º, nº 2, da Lei nº 39/2009, o que em nada contende com os requisitos de acesso às ZCEAP, que é o que está em causa nas normas cuja suspensão de eficácia foi requerida na presente acção cautelar.
Por outro lado, os adeptos do desporto, gozam da liberdade de associação, na vertente negativa, na medida em que do regime jurídico em causa nos presentes autos, não resulta, ao contrário do que alegam os Requerentes, uma obrigatoriedade de adesão a uma associação de adeptos como requisito indispensável para a obtenção do cartão do adepto.
Na verdade, tal imposição não resulta de nenhuma norma da Portaria nº 159/2020, nem, sublinhe-se, do regime legal habilitante, podendo qualquer adepto requisitar o cartão de acesso à ZCEAP desde que observadas as condições previstas no art. 6º do anexo I do Regulamento, nas quais não se inclui ser membro de um GOA.
Por outro lado, importa salientar que a liberdade de associação, na vertente negativa aqui invocada pelos Requerentes, não se encontra a ser violada na medida em que são os próprios Requerentes ou respectivos associados que admitem fazer ou querer fazer parte de um GOA, alegando nos autos que habitualmente manifestam o apoio ao clube nesse contexto, pelo que voluntariamente tomaram já a opção de aderir a uma determinada associação, que já existe, pelo menos, de facto, sendo irrelevante, para este efeito, o reconhecimento jurídico da mesma. Sendo certo que, no caso da 2ª Requerente e dos respectivos associados, cujos interesses veio a juízo defender, a mesma vem invocar a liberdade de associação quando, no entanto, já se encontra constituída juridicamente como tal.
Em suma, não contemplando a Portaria nº 159/2020, como requisito de acesso a uma ZCEAP, para a qual está prevista a obtenção de um cartão do adepto, a obrigatoriedade de pertencer a uma associação de adeptos, reconhecida ou não juridicamente, não se vê como provável a procedência da acção principal com fundamento na violação do art. 46º, nº 3 da CRP. Salientando-se, ainda, a este propósito, e precisamente devido ao facto de a Portaria não regular as condições de acesso ao cartão do adepto nesses termos, que não se vislumbra – nem os Requerentes identificam, de resto – qual a norma regulamentar que o Tribunal devesse considerar ilegal com fundamento numa eventual inconstitucionalidade do art. 14º, nº 1 da Lei nº 39/2009 (pois o mesmo não é objecto de aplicação pelas normas da Portaria, que nada regulamenta a propósito da constituição ou atribuição de apoios a GOA).
Face ao que, atento o exposto, se conclui, que não é provável a procedência da acção principal, com fundamento nas ilegalidades invocadas.
*
Concluindo-se pelo não preenchimento do requisito do fumus boni iuris, não pode a providência requerida ser decretada, atenta a natureza cumulativa dos critérios previstos no art. 120º, nº 1 do CPTA. De todo o modo, a respeito do requisito do periculum in mora, sempre se diga que também a acção cautelar claudicaria por inobservância deste critério.
Com efeito, compulsada a alegação dos Requerentes a este propósito, verifica-se que, não só não vem alegada e demonstrada uma impossibilidade de reintegração da sua esfera jurídica, no caso de eventual procedência do processo principal, como também não resulta da alegação dos Requerentes um fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência não ser concedida.
Por um lado, no que respeita aos alegados prejuízos dos adeptos de desporto, designadamente, os representados pelas Requerentes, o que se conclui, quer da sua alegação, quer da factualidade enunciada nos autos, é que a necessidade de obtenção do cartão do adepto, para aceder a uma ZCEAP, poderá, na perspectiva dos Requerentes, configurar um constrangimento ao exercício do direito de livre acesso ao recinto desportivo, que se arrogam, mas não consubstancia, para o efeito de lhes ser concedida a tutela cautelar reclamada, um prejuízo “qualificado” ou dano de difícil reparação, que o é “porque a reintegração da legalidade não é capaz de os reparar, ou pelo menos de os reparar integralmente” [neste sentido, vide o acórdão do STA, de 14/06/2018, no proc. nº 0435/18, acessível em dgsi.pt]. Tanto mais que as normas suspendendas não restringem, de um modo geral, o acesso dos adeptos ao recinto desportivo, apenas exigindo a obtenção de um cartão do adepto para o acesso a uma específica zona desse recinto, sendo sempre possível a assistência a um espectáculo desportivo em qualquer outra secção do estádio, com observância das regras de segurança e utilização do espaço aplicáveis.
Por outro lado, no que respeita aos invocados prejuízos alegadamente ocorridos na esfera jurídica da 1ª Requerente, sempre se diga que é produzida, a este respeito, uma alegação meramente genérica e conclusiva, a qual não é adequada para a averiguação do preenchimento do requisito de concessão das providências em apreço. Limitando-se a 1ª Requerente a alegar que a restrição criada pelas normas suspendendas implicará a perda de associados, o que inviabilizará que a associação prossiga o fim para o qual foi constituída e determinará a perda de sustentabilidade financeira da A..., sem, contudo, invocar qualquer facto concreto que, de modo objectivo, permitisse concluir pela invocada perda de associados e consequente insustentabilidade da Requerente (nada vindo sequer alegado a respeito da situação patrimonial da 1ª Requerente, que permitisse concluir no sentido da ocorrência de prejuízos de difícil reparação com o não decretamento da providência).
Não invocando a Requerente quaisquer factos concretos que permitam antever uma situação de risco real e efectivo, verificando-se a invocação de situações de ocorrência puramente eventual e que configuram um risco potencial ou conjectural, alicerçado em juízos meramente subjectivos.
Em face de todo o exposto, não se verificando os critérios previstos no art. 120º, nº 1, do CPTA, não pode, como se viu, a providência requerida ser decretada, resultando, por conseguinte, prejudicada a análise do preenchimento do requisito negativo a que se refere o nº 2 do citado preceito, ou seja, a realização da ponderação dos eventuais interesses em presença.
(…)”.
Como referido supra quando conhecemos de eventual nulidade decisória, vem arguido pelas Recorrentes que a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 154º do CPC e 94º nºs 1 a 5 do CPTA.
O artigo 94º do CPTA foi já transcrito supra e o artigo 154º do CPC dispõe que:
“1- As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
Compulsada a sentença recorrida, resulta manifesto que a mesma se mostra devidamente fundamentada, não pela sua “extensão”, mas pela sua substância.
A sentença discriminou os factos que considerou provados e declarou inexistirem factos não provados com interesse para a decisão a proferir – o que não foi impugnado pelas partes -, e indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes, decidindo em conformidade.
Assim, não se vislumbra que a sentença recorrida viole os normativos invocados.
De resto, esta alegação das Recorrentes, dados os termos em que vem formulada, não é de fácil compreensão, mais parecendo que, na verdade, se trata de uma mera divergência da fundamentação seguida na sentença recorrida.
Ainda assim, diremos que, ao contrário do que vem referido pelas Recorrentes, a sentença recorrida compreendeu o thema decidendum. Sucede é que não concordou com os argumentos apresentados pelas ora Recorrentes.
Com efeito, não obstante nas alegações de recurso, as Recorrentes afirmem que não colocam em causa a existência de zonas destinadas a um tipo de vivência desportiva diferente (que dizem já existirem antes das alterações de 2019) e que a questão submetida ao Tribunal a quo foi saber, perante a existência de tais zonas, qual necessidade imperativa e indispensável de se fazer através de um cartão, emitido por uma Autoridade Pública, cuja emissão faz com que os seus titulares tenham de renunciar aos mais fundamentais direitos liberdades e garantias, certo é que, na petição inicial, não é isso que vem alegado, ao menos com a clareza que as Recorrentes aparentam. De resto, mesmo em sede de recurso, as Recorrentes entram em contradição e vão fazendo afirmações que denotam a crítica à existência de tais zonas separadas. Tal ocorre, por exemplo, quando afirmam que que está em marcha “(…) um regime que discrimina adeptos de espetáculos desportivos, pela exuberância ou caráter grupal das suas manifestações e agrupamentos, confinando-os em zonas vedadas (…) ou se referem ao “enjaulamento de determinado segmento de adeptos”.
Assim, o que o Tribunal a quo fez foi cuidar de analisar todos os argumentos deduzidos na petição inicial.
E a análise que foi feita de tais argumentos foi perfunctória e provisória, por decorrência legal, pelo que não se alcança a afirmação das Recorrentes: “Não se podendo escudar o Tribunal a quo no alegado pretexto da cognição sumária - que não pode invocado a seu favor - pois foram aprofundados de sobremaneira todos os temas relativos à apreciação da questão de Direito.”
Recorde-se que estamos no âmbito de um pedido de suspensão de eficácia de normas, previsto no artigo 130º do CPTA, ao qual se aplica o disposto no artigo 120º, como decorre do seu nº 4.
Estabelece o nº 1 do art. 120º que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”
Resulta da referida norma que as providências cautelares, independentemente da sua natureza, só podem ser decretadas se o tribunal, numa apreciação perfunctória e provisória, características da tutela cautelar, puder formar um juízo de probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular na acção principal.
Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.
*
Alegam as Recorrentes que a sentença recorrida errou ao julgar não verificados os requisitos de que depende a adopção da providência requerida: fumus boni iuris e periculum in mora.
Cumpre apreciar e decidir, começando pelo requisito “fumus boni iuris”.
Relativamente a este critério, que se traduz em a atribuição de uma providência estar dependente da formulação de um juízo sobre as perspectivas de sucesso que o requerente tem no processo principal, cabe assinalar que, com a revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, o mesmo se uniformizou, deixando de obedecer a regimes distintos, consoante a providência requerida fosse conservatória ou antecipatória.
Assim, actualmente, independentemente de a providência requerida ser conservatória ou antecipatória, sempre será de exigir a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.
A abordagem das ilegalidades imputadas deverá, na instância cautelar, ser meramente perfunctória, de modo a não substituir, ou afectar, a liberdade de julgamento em sede de processo principal. É aí, na «acção administrativa de impugnação», que tais ilegalidades deverão ser analisadas com o requerido pormenor. Aqui, apenas se exige um juízo de probabilidade sobre o seu julgamento de procedência – cfr. Acórdão do STA de 11.09.2019 – Proc. nº 49/19.
Vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo que, para a integração do requisito ora em análise, “provável” é o que “tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça”, sendo que, no domínio jurídico, “isso exige que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao acto suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto” – cfr. os acórdãos de 15.09.2016 - Proc. n.º 0979/16; de 08.03.2017 - Proc. n.º 0651/16; de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17; de 08.06.2017 - Proc. n.º 050/17; 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17; de 08.02.2018 - Proc. n.º 01215/17; de 15.11.2018 - Proc. nº 229/17.
Afirmam as Recorrentes que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento por violação dos artigos 26º nº1, 27º nº1, 35º nº4, 37º nº1, 45º, nº1, 46º nº3 e 112º nº5, 165º nº1 e 18º alínea b) da Constituição da República Portuguesa. E, sem prescindir, que são flagrantemente inconstitucionais os artigos 2º a 13º da Portaria 159/2020 e 22º nº6, e 23º nºs 4 e 6 da Lei 39/2009, por violação dos artigos 26º nº1, 27º nº1, 35º nº4, 37º nº1, 45º, nº1, 46º nº3 e 112º nº5, 165º nº1 e 18º alínea b) da Constituição da República Portuguesa, determinando a sua invalidade, nos termos do artigo 3º nº3 da Lei Fundamental.
Na conclusão 10ª, alegam as Recorrentes que “a Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, ao remeter Portaria 159/2020 as características técnicas do Cartão do Adepto, bem como os “termos” em que por meio deste se processa o acesso, designadamente as normas primárias sobre recolha e conservação de dados ou a onerosidade do cartão, verifica-se a violação do artigo 112.º, n.º 5 da CRP, na medida em que nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos não legislativos – como a Portaria 159/2020 em apreço – o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer ato legislativo, pelo que a inovação efetuada pela Portaria 159/2020 viola assim a reserva de lei da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias, resultante da conjugação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b) e 18.º, ambos da CRP”.
Estabelece o artigo 112º, nº 5 da CRP que “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”
Por sua vez, dispõe o artigo 165º, nº 1, al. b) da CRP que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias.
O art. 18º da CRP regula a força jurídica dos direitos, liberdades e garantias, nos seguintes termos:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
A Portaria nº 159/2020, de 26.06, veio definir as normas aplicáveis à requisição, emissão, funcionamento e utilização do cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos (ZCEAP), o designado «cartão do adepto», bem como aprovar os respectivos modelo e características, “nos termos “da alínea r) do artigo 3.º do regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, aprovado pela Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro”.
Donde, como se diz – e bem - na sentença recorrida “fá-lo com fundamento na lei, já que, como ficou dito, a Lei nº 39/2009 estabelece que o cartão do adepto é emitido pela Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, com as características e nos termos previstos em portaria do membro do Governo responsável pela área do desporto. Verificando-se, ainda, que a Portaria ressalva expressamente a sua emissão ao abrigo da al. r) do art. 3º do regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, aprovado pela Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 113/2019, de 11 de Setembro, cumprindo, deste modo, a exigência de citação da lei habilitante que decorre do disposto no art. 112º, nº 7, da Constituição.”
E acrescenta – e bem - “Sendo certo que, remetendo a lei habilitante para a Portaria no que respeita aos termos em que o cartão poderá ser emitido e utilizado, ficou o membro do Governo responsável pela área do desporto autorizado a emanar disposições relativas aos dados pessoais a serem recolhidos para efeitos de emissão do cartão, bem como, quanto a encargos previstos para essa requisição e emissão. Dando, assim, execução à norma legal que prevê a obrigatoriedade da aquisição de um cartão do adepto, para efeitos de o interessado aceder às ZCEAP nos recintos desportivos previstos no art. 16º-A da Lei nº 39/2009.
Não se tratando, in casu, de um regulamento modificativo, suspensivo, derrogatório ou revogatório de uma lei, proibido pelo disposto no art. 112º, nº 5 da CRP.
Por outro lado, e no que respeita à validade das normas previstas na Portaria e respectivo anexo a propósito dos dados pessoais do titular do cartão do adepto, dir-se-á, num juízo perfunctório, que a mesmas não inovam nem colidem com o regime jurídico que visam regulamentar, contendo-se, antes, na habilitação legal constante da al. r) do art. 3º da Lei nº 39/2009, porquanto, tal habilitação permite ao regulamento prever os termos em que o cartão do adepto poderá ser emitido e utilizado, o que englobará a previsão regulamentar de aspectos como os dados pessoais associados ao cartão (que naturalmente, terá de ter um titular, identificável) e respectivo tratamento.”
Tanto basta para concluir pela não procedência do presente fundamento.
Alegam ainda as recorrentes que a criação do cartão do adepto, emitido pela Autoridade de Prevenção e Combate à Violência no Desporto, sem o qual não é permitido o acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos (ZCEAP), no seguimento da Lei n.º 113/2019, de 11/09, que altera a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, cerceia desproporcionalmente direitos, liberdades e garantias fundamentais, constitucionalmente consagrados, como seja o direito ao livre desenvolvimento (art. 26º, nº 1); o direito à liberdade (art. 27º, nº 1); o direito de reunião e de manifestação (art. 45º, nº 1); o liberdade de expressão e de informação (art. 37º, nº 1) e o liberdade de associação (art. 46º, nº 3).
Mais referem que, não exigindo a Portaria 159/2020 a recolha, tratamento e conservação de dados pessoais aos demais adeptos, ocorre violação do artigo 35º nº4 da CRP, segundo o qual é “proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei.
Adiante-se que não lhes assiste razão, sendo de acolher a motivação exarada na sentença recorrida.
E não assiste razão, desde logo, porque, não obstante, na sua explanação, as Recorrentes façam referência ao artigo 120º do CPTA e aos critérios ali previstos, a essência da sua argumentação, em termos de críticas apontadas à sentença recorrida, parece assentar no pressuposto de que estamos perante uma decisão definitiva e não meramente provisória e sumária.
Por outro lado, as Recorrentes acusam o Tribunal a quo de que “por diversas vezes, parece entender mais relevante para o thema decidendum, os direitos dos terceiros de quem se visa afastar este malfadado comportamento de estar de pé no estádio, usando bandeiras” quando igual crítica lhes poderia ser feita, em sentido inverso.
Compreende-se o inconformismo das ora Recorrentes que, com as alterações que a Lei 113/2019 introduziu à Lei 35/2009 e com a Portaria 159/2020, viram surgir um obstáculo antes inexistente. É incontestável que a situação dos adeptos se alterou e, na perspectiva das Requerentes, para pior. Admitimos que a criação de zonas especiais (nos termos do art. 16ºA da Lei 35/2009, introduzido pela Lei 113/2019), de acesso condicionado à detenção do denominado “cartão do adepto”, cuja aquisição implica um custo monetário e obriga à cedência de certos dados pessoais constitua um constrangimento, uma limitação.
Sucede que tais alterações, tais exigências não surgem por mero capricho do legislador mas sim por razões que se prendem essencialmente com a segurança nos espectáculos desportivos, designadamente aqueles que se integram “nas competições desportivas de natureza profissional ou de natureza não profissional considerados de risco elevado” (cfr. art. 16ºA da Lei 35/2009, introduzido pela Lei 113/2019).
Donde, aferir da necessidade/imposição do cartão de adepto e ainda aferir se é exigível aos adeptos que, para obterem tal cartão, tenham que pagar 20 euros e fornecer certos dados pessoais, não é um juízo que se possa fazer de forma isolada mas antes em conjugação com as necessidades/exigências de segurança de todos aqueles – onde se incluem os associados das aqui Recorrentes - que assistem, participem ou, de qualquer forma, intervêm num espectáculo desportivo considerado de risco elevado. E bem assim com as necessidades daqueles outros adeptos que, pretendendo assistir a um espectáculo desportivo, têm diferentes formas de o fazer.
As Recorrentes, na sua explanação, parecem ignorar/desvalorizar todo este clima de violência associado aos espectáculos desportivos - em especial, ao futebol - e que, bem ou mal, é usualmente associado a um certo fervor nas manifestações. E parecem também ignorar/desvalorizar que há diferentes formas de assistir a um espectáculo desportivo, de usufruir da “magia” do desporto/futebol/golo, e que todas merecem ser respeitadas, devendo ser criadas condições para tal, as quais podem, como é natural, significar alguns condicionalismos. A questão estará sempre no equilíbrio, na ponderação e harmonização dos direitos em conflito.
Assinale-se que a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 27º, invocado pelas Recorrentes, consagra, para além do direito à liberdade, o direito à segurança. E, no artigo 79º, estabelece que “Todos têm direito à cultura física e ao desporto.” (nº 1); e que “Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.”
O cartão do adepto surge como um instrumento de melhoria das condições de segurança e de um ambiente desportivo mais tolerante e responsável, perante a constatação de que as medidas existentes até ao momento se mostraram deficientes e insuficientes. Só o tempo dirá se o cartão do adepto logrará ou não cumprir a sua missão.
O cartão de adepto não é imposto a quem pretende assistir a um espectáculo desportivo. Apenas o é a quem pretende assistir a um espectáculo desportivo em certas e determinadas condições, designadamente fazendo uso de determinados materiais como seja a “utilização de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos”, “de bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de dimensão superior a 1 m por 1 m”, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio aos clubes e sociedades desportivas.
E, como é sabido, esta forma de assistência requer um certo tipo de estruturas e controlo que não requer o espectador “comum”, tanto mais que está associada a comportamentos de maior risco.
Donde, o legislador está a tratar de forma diferente o que é, de facto, diferente. E este tratamento desigual não se mostra nem injustificado nem proporcionado. A distinção não reside no adepto em si mas no espaço onde assiste ao espectáculo e, articulado a este, à forma como o experiencia.
O custo do cartão (20 euros) não se mostra um valor desrazoável, sobretudo se atendermos aos valores dos bilhetes/ingressos deste tipo de espectáculo. Os dados pessoais solicitadosque não consubstanciam dados sensíveis - mostram-se pertinentes para a finalidade em causa: prevenção de distúrbios e comportamentos violentos, procurando evitar a aglomeração descontrolada, a mistura de adeptos e situações de sobrelotação de bancadas por via de migração de espectadores.
Serve isto para, numa apreciação provisória e perfunctória, característica da tutela cautelar onde nos movemos, concluirmos que não se mostra provável que a pretensão a formular na acção principal venha a ser julgada procedente.
*
Julgado não verificado o fumus boni iuris, mostra-se prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos de recurso relativos aos demais requisitos previstos no art. 120º do CPTA, atento o seu carácter cumulativo.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
*
Sem custas, por delas estarem isentas as Recorrentes.
*
Registe e notifique.
***
Lisboa, 02 de Junho de 2021

(Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.03, a Relatora consigna e atesta que os Juízes Adjuntos – Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Carlos Araújo e Catarina Jarmela – têm voto de conformidade com o presente acórdão).
Ana Paula Martins