Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:487/19.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECLAMAÇÃO DO ART. 276.º DO CPPT,
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:A execução do despacho reclamado não determina a impossibilidade superveniente da lide, quando o objeto do processo (o despacho reclamado) se mantém na ordem jurídica, e consequentemente, mantém-se o interesse na solução do litígio, sendo possível atingir o resultado visado (declaração de nulidade do ato).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

I... veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide no âmbito da Reclamação por si deduzida contra o despacho que determinou a entrega efetiva do prédio misto sito em Vale da Rosa, descrito na Conservatória do Registo predial de Faro sob o n.° 5.../20080326.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as conclusões seguintes:

«A) A ora recorrente em 8 de Julho de 2019, tempestivamente reclamou do despacho emanado da Autoridade Tributária, de que notificava o seu marido A..., que determinava a entrega efetiva do prédio misto, descrito na Conservatória do registo Predial de Faro, com os sinais dos autos.
B) Sendo que, o referido prédio constituía a residência dela e do seu marido.
C) Encontra-se devidamente provado na reclamação, através de certidão de casamento junta que a mesma é casada no regime de comunhão de adquiridos com o notificado /citado.
D) Este foi notificado para entrega do bem imóvel em causa, no dia 11 de Julho de 2019, pelas 9.30h no decorrer do PEF (processo de execução fiscal).
E) O bem em causa foi adquirido pelo casal após o casamento.
F) Não foi notificada ou citada a ora recorrente do falado despacho de entrega sendo o referido imóvel um bem comum do casal.
G) Sendo que ao não ser notificada a ora reclamante do despacho do órgão de execução fiscal, para entrega do bem, ofende e contraria a lei fundamental designadamente o disposto no artigo 268° da CRP. E,
H) Afeta ainda os seus direitos e interesses legítimos.
I) A decisão da entrega do imóvel em causa e a efetivação pela força ofendem o direito da reclamante e é nula.
J) No caso concreto, não é difícil concluir que a decisão que ordena a imediata entrega do imóvel é lesiva dos direitos e interesses da reclamante, que vive no referido imóvel.
K) A reclamante/ recorrente é doente crónica, tendo juntado documento médico demonstrativo (Doc. n 3 junto á reclamação).
L) Por outro lado, tem a reclamante com o despacho conhecimento que o adquirente do imóvel requereu a entrega efetiva do mesmo no processo de execução fiscal por várias vezes. Contudo, tais pedidos nunca foram fundamentados. Ou seja, nos requerimentos apresentados pelo adjudicatário no processo de execução fiscal não foi, justificado o motivo da necessidade de entrega do bem. Ou seja, sem motivação da necessidade da entrega.
M) A decisão da entrega do bem, contraria o entendimento do Diretor Geral de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, dirigido aos Subdiretores- Gerais, Diretores de Serviços e Chefes de Serviços de Finanças, para uniformização de procedimentos, através do ofício n° 60080 de 2010-12-14, dado no processo: 6189/2010 DSGCT-DGS, subscrito pelo Subdiretor- Geral, A....
N) Carece assim, o despacho de que ora se recorre de validade substancial.
Dado,
O) Ter sido proferido a partir de um requerimento infundamentado.
Quando,
P) A entrega do bem é consequência do pedido infundamentado por parte do adquirente.
Q) Pelo que o referido despacho que reclama é nulo.
R) Para além de não ter sido notificada do dito despacho reclamado.
S) Nunca foi a mesma no processo de execução fiscal citada/notificada do despacho da venda de bem penhorado. Assim como não foi notificada/citada do despacho que ora reclama. Não foi notificada/citada nos termos do artigo 239° do CPPT, não o tendo sido igualmente na verificação de créditos.
T) A administração preteriu normas constitucionais e legais fundamentais ao direito da mesma que constituem nulidades insanáveis. Ou seja,
U) Falta de citação nos termos do artigo 165° n°1 alínea a) do CPPT.
V) Os falados despachos da administração fiscal constituem decisões que afetam, direitos e interesses da reclamante quer como, cônjuge do executado, quer como executada. Pelo que, o referido processo de execução fiscal enferma de nulidade por falta de citação da reclamante.
W) Conclui a ora recorrente a reclamação que deu origem ao processo em causa com a formulação dos seguintes pedidos:
a) Seja declarado nulo e ineficaz por falta de citação da ora reclamante e ainda em virtude de ser consequência de um pedido infundamentado por parte do adquirente, violando assim o despacho de que ora se reclama, o artigo 165° n°1 alínea a) do CPPT, o artigo 861° n°3 do CPC, o artigo 77° n°6 da LGT, o artigo 36° n°1 do CPPT, artigo 268° n°4 e o artigo 20° n°1 da CRP e o artigo 9° n°1 da LGT.
B) Seja o presente processo suspenso, assim como a entrega do bem, até à decisão da presente reclamação e subsidiariamente, caso a suspensão não ocorra que seja diferida a desocupação do imóvel que constitui habitação única e principal da reclamante por um período razoável e em virtude desta, ser uma pessoa doente, conforme prova junto à presente reclamação.
C) Deve a presente reclamação ser admitida e decidida pela AT ou remetida para o tribunal competente.
X) A administração tributária não fez uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n° 2 do artigo 277° do CPPT. Ou seja,
Y) Não revogou o seu despacho de suspender o processo. E,
Z) Remeteu o processo para o tribunal ora recorrido.
AA) Ao não fazê-lo, o órgão de execução fiscal, fez tábua rasa da situação jurídica subjetiva da reclamante e dos seus direitos e interesses. Pelo que,
BB) A entrega do bem (embora sem desocupação efetiva) foi efetuada, em cumprimento do despacho reclamado, mas o mesmo ainda não foi entregue ao adquirente.
- Voltando ao processo onde foi proferida a douta sentença recorrida -
CC) O douto tribunal recorrido recebeu, admitiu a reclamação que originou o processo sub iudice. E,
DD) Produziu prova, inquirindo testemunhas (veja-se a ata da inquirição de testemunhas, fls. 265 dos autos).
EE) Após pronúncia do Ministério Público, da Fazenda Pública e da ora recorrente, o douto tribunal recorrido proferiu a douta sentença de que ora se recorre. Na qual,
FF) Declara extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, com os fundamentos nela (sentença expendidos).
GG) Não concorda a recorrente nem com a douta sentença, nem com a motivação da mesma, salvo o devido respeito. Na verdade,
HH) A causa de pedir e os pedidos formulados na reclamação/petição inicial, não dizem respeito apenas á entrega efetiva do bem.
II) Dizem essencialmente respeito á nulidade dos despachos por falta de citação/notificação da reclamante como interessada (proprietária do imóvel objeto do despacho reclamado). E,
JJ) Por o pedido que originou o último despacho, não ter sido fundamentado por parte do adquirente. Violando assim,
KK) As normas legais supra citadas.
LL) Mais, pede a reclamante a suspensão do processo e entrega do bem até decisão da dita reclamação.
MM) Como refere e bem a douta sentença, a reclamação foi apresentada ainda a entrega do bem não tinha ocorrido. Ou seja,
NN) A entrega do bem ocorreu após receção da dita reclamação, pela AT, com a existência de processos judicias a correr, conexos com o mesmo objeto, não tendo o adquirente aceite o bem em causa, estando ainda as chaves na posse da AT. Pelo que,
OO) A ora recorrente, tempestivamente, reclamou com o objetivo de fazer valer os seus direitos subjetivos legal e constitucionalmente positivados que consubstanciam uma situação jurídica subjetiva que o tribunal não pode deixar de apreciar e decidir. Desta sorte,
PP) O que a ora recorrente (com a reclamação/petição inicial) submeteu á apreciação do órgão de execução fiscal ou do tribunal (caso a AT não decidisse, o que se verificou) - resulta da causa de pedir e do pedido - foi em primeira linha a declaração de nulidade do despacho, com os consequentes efeitos.
QQ) Sobre este pedido inexiste pronúncia. Isto é,
RR) Não se pronunciaram nem a AT, nem o douto tribunal recorrido. Em nosso modesto entender.
SS) Não é pelo fato de entretanto, o executado (marido da ora recorrente), ter entregue o imóvel, que o objeto da execução deixou de existir, impossibilitando a lide. Pois,
TT) Deveria ter havido pronúncia sobre a alegada falta de citação da reclamante. Dado que,
UU) A sua falta conduz inelutavelmente a uma nulidade insanável no processo de execução fiscal. O que,
VV) No caso sub iudice (de acordo com a doutrina e jurisprudência) se aplica tendo em vista o disposto no artigo 239° do CPPT (quanto a este aspeto, cfr. Neto, Serena Cabrita, Trindade, Carla castelo, Contencioso Tributário, Volume II, Almedina, Coimbra, 2017, p.617 e jurisprudência, cfr. Acórdão do STA de 30 de Outubro de 2013, proferido no âmbito do Processo n° 01312/13, disponível em www.dgsi.pt.
WW) E a ter havido pronúncia sobre falta de citação, a mesma teria que levar (dizemos nós) á nulidade do despacho reclamado, com os feitos legais decorrentes dessa nulidade. Quais sejam, mediatamente,
XX) Os de levar os decisores á instrução, análise, pronuncia e decisão, sobre os fatos invocados pela reclamante na sua causa de pedir. Os quais,
YY) São lesivos dos direitos e interesses da reclamante ora recorrente. Dai decorrendo,
ZZ) A ser declarada a nulidade do despacho e da venda com fundamento nos factos constantes da causa de pedir, mormente, do vertido nos artigos 37° a 41° da petição inicial/reclamação, tal declaração tem efeitos retroativos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente. Contudo,
AAA) A restituição é possível pois trata-se de um bem imóvel. E,
BBB) Sendo devida e judicialmente acautelados os direitos da ora recorrente, poderá todo o processo de execução fiscal ser anulado e o bem revertido para a ora recorrente.
CCC) Como supra se alega e provado está no processo de execução fiscal a reclamante ora recorrente não foi citada/ notificada do despacho que ordenou a venda nem de nenhum outro posterior e este. O que,
DDD) A impediu de exercer os seus direitos e interesses, em violação do disposto no artigo 239° do CPPT e dos artigos 268 n° 4 e 20° n° 1 da CRP e 9 n° 1 da LGT
EEE) Como é sabido, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277° do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência de tal instância, «a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.» (José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. 1°, 2a ed., 2008, anotação 3 ao art. 287°, p. 512.)
FFF) Pois bem, quando se reflete sobre tudo o que se passou, cremos que o princípio da tutela jurisdicional efetiva impõe a procedência da presente reclamação, sob pena de a situação da Recorrente poder ficar irremediavelmente comprometida, nomeadamente em função de uma qualquer leitura redutora da situação.
GGG) Não deveria assim o tribunal ad quo decidir como decidiu. Pois, na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, assim no como no acórdão proferido no processo 507/19.6BELLE, reclamação do despacho por parte do marido da ora recorrente, são ambos unânimes no sentido que apenas a recorrente tem legitimidade ativa para arguir a causa de pedir, razão pela qual não se conhecerá da mesma. Não tendo assim nunca esta questão sido apreciada. O que deveria com devido respeito ter sido apreciada pelo douto tribunal.
HHH) Com efeito, o tribunal ad quo ao decretar a impossibilidade superveniente da lide, fica prejudicada a apreciação do pedido de revogação do despacho por falta de citação da ora recorrente, uma vez que a reclamação apresentada nessa sequência impunha a discussão das questões já enunciadas.
III) Nestas circunstâncias, para além dos sinais acima descritos, temos por adquirida que a revogação do despacho reclamado não é uma revogação total no sentido de que elimina da ordem jurídica a situação que se reflecte sobre a esfera jurídica da ora Recorrente, porquanto, subsiste uma questão que envolve todo este processo lato sensu e que se prende com a vigência do PEF mencionado nos autos, o que implica necessariamente uma pronúncia sobre a matéria da citação / notificação da recorrente.
JJJ) Sendo que, tem de concluir-se que a decisão recorrida não pode manter-se, dado que, o pedido formulado tem subjacente uma matéria que não foi apreciada.
KKK) O que deverá implicar em nossa modesta opinião a baixa dos autos para o conhecimento da situação relacionada, devendo o Tribunal recorrido proceder a realização das diligências no sentido do apuramento desses factos.
LLL) Ainda assim, sempre se dirá que constitui pressuposto da admissibilidade da apreciação imediata da pretensão do reclamante uma omissão da Administração Tributária que lese imediatamente os seus interesses. Pois,
MMM) Como é sabido constitui ilegalidade e, consequentemente vício do ato administrativo ou acto tributário, qualquer ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, que poderá envolver a anulabilidade, a nulidade ou a inexistência.
NNN) É o que se depreende do disposto no artigo 135.° do CPA, segundo o qual são anuláveis os "actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção." (Cf., neste sentido Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pag. 247).
OOO) Segundo o preceituado no artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
PPP) Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1.° segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.° segmento da norma).
QQQ) Constitui entendimento pacífico e reiterado da nossa jurisprudência que só se verifica esta nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar [existindo acentuado consenso no entendimento de que não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido - entre muitos, acórdãos do STA 10/9/2008, Processo 0812/07 e do STJ, de 19/2/2004 Processo 04B036].
RRR) No nosso ordenamento jurídico existe preceito legal um dever de pronúncia do juiz, sendo que a consequência jurídica cominada pela lei processual tributária pela "falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar” é a nulidade da sentença cfr. artigo 125.°, n.° 1 do CPPT e artigo 615°, n.°1, al. d) do CPC.
SSS) Ou seja, ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que esteja obrigado a pronunciar-se, como foi o caso, o tribunal ad quo não se pronunciou sobre a falta de citação da ora recorrente do despacho do qual a mesma reclamou, o que deveria ter feito.
TTT) Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.°, n.° 2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
UUU) A apontada nulidade só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela conhecer. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões porque não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (neste sentido cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, ed. 2011).- O que com devido respeito não se verificou no caso concreto. Veja-se que o tribunal ad quo menciona na sentença “ não podendo, pois, nem o Tribunal determinar a suspensão da desocupação nem o seu deferimento.”
VVV) Pelo supra exposto duvidas não restam que a douta decisão ora posta em causa tem de ser revogada e ser apreciada o alegado na petição inicial/reclamação, pois o douto tribunal ad quo ao não se pronunciar sobre a matéria alegada na mesma, nomeadamente sobre a revogação do douto despacho violou se margem de duvida os direitos e interesses legítimos da ora reclamante, existindo uma omissão de pronuncia o que torna a referida sentença de que ora se recorre a ser nula.
Nestes termos e nos melhores de Direito com o douto suprimento de V. Exas. Colendos Juízes Conselheiros, deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, ordenando a baixa dos autos, para o tribunal ad quo, para que tanto nada mais obstar, seja apreciada a questão formulada pela ora recorrente conforme pedido na Reclamação sobre a revogação do despacho, que sem margem de duvida violou os direitos e interesses da ora recorrente. Caso assim V. Exas. Colendos Juízes Conselheiros não entendam deverá ser dado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida por outra que julgue a reclamação apresentada procedente, no que diz respeito á revogação do despacho em causa da AT por falta de citação/ notificação da recorrente, em virtude da sentença ora recorrida violar o disposto nos artigos 239° do CPTT, artigo 268 n° 4 e 20 da CRP, artigo 9° da LGT, artigo 135° do CPA, artigo 615° n° a alínea d) e 608 n° 2 do CPC, artigo 125° n° 1 e 165° n° 1 alínea a) do CPPT
Só assim será feita a Habitual Justiça!”»

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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter determinado a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.

II. FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:

“DA IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Na alínea e) do artigo 277.° do Código de Processo Civil, extensível ao processo judicial tributário, por força da alínea e) do artigo 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ao caso, entre as causas de extinção da instância, está elencada a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa [cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume 3.°, Coimbra, 1946, página 368.].
Da factualidade a extrair dos autos resulta, e não é controvertido, que a entrega efectiva do imóvel em causa nos autos e cuja suspensão ou deferimento de entrega é peticionada pela Reclamante, ocorreu 11 de Junho de 2019 e que a entrega das chaves sucedeu em Outubro de 2019, esta já em data posterior à data da apresentação da acção a juízo.
Veja-se a informação a fls. 124 dos autos, numeração SITAF e os artigos 1.° a 9.° da cópia da petição inicial a fls. 343 dos autos, numeração SITAF.
Atenta a petição inicial apresentada, facilmente se conclui que a Reclamante sustenta causas de pedir relacionadas com a entrega efectiva do bem e a sua manutenção no local que corresponde ao objecto da venda.
Pugnando pela sua não entrega, ou pelo menos, pelos deferimento dessa entrega.
Destarte, e atento o facto de o imóvel ter sido já entregue ao adquirente [ainda que se litigue sobre a propriedade de determinada área, como o Tribunal não desconhece], facilmente se pode compreender que a pretensão da Reclamante não pode vingar, por o imóvel já se encontrar desocupado.
Não podendo, pois, nem o Tribunal determinar a suspensão da desocupação nem o seu deferimento.
Assim, estamos perante uma reclamação sem objecto na medida em que a entrega do bem que constituía a realidade material por detrás do acto reclamado operou a extinção do objecto da acção.
A extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide tem lugar quando, por facto ocorrido na pendência da acção, o objecto da acção deixa de existir.
Assim sendo e considerando que, na pendência da presente acção, foi cumprindo o despacho reclamado, a pretensão da Reclamante - correspondente à sua manutenção no prédio ou o diferimento da sua desocupação -, implica a impossibilidade da presente lide.
Importa concluir que se verifica a impossibilidade superveniente da lide, o que determina a extinção da instância [artigo 277.°, alínea e), do Código de Processo Civil], como se determinará a final.
Pelo exposto, o litígio deixou de ter todo o interesse pelo que o presente processo ficou sem objecto, e, por tal sinal, sem qualquer utilidade.
Devendo ser extinta a instância.

Termos em que se declara a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.”.

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Portanto, o Meritíssimo Juiz do TAF de Loulé entendeu que o presente litígio perdeu o seu objeto, não havendo qualquer utilidade no conhecimento do mérito do mesmo, na medida em que o despacho reclamado objeto do presente processo foi cumprido, porque o imóvel já foi entregue ao seu adquirente.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento, na medida em que se deveria ter conhecido do pedido de revogação do despacho por falta de citação da ora Recorrente.

Apreciando.

Resulta da p.i. que o objeto da presente reclamação é o despacho proferido pelo chefe do serviço de finanças que determinou a data de 11 de julho de 2019 para a entrega efetiva do imóvel adjudicado no processo de execução fiscal.

Peticionou que aquele despacho fosse “declarado nulo e ineficaz”, e mais requereu que o presente processo fosse suspenso, e subsidiariamente, que seja diferida a desocupação do imóvel por um período razoável.

Invocou enquanto causas de pedir, para fazer valer a sua pretensão formulada no pedido de nulidade e ineficácia do despacho, que não foi notificada/citada daquele despacho, conforme se impunha face ao disposto no art. 268.º da CRP. Mais alega que é doente e não pode desocupar o imóvel, que sendo habitação principal não tem para onde ir viver e dormir, e vai privar o seu marido de exercer a sua atividade no imóvel, bem como dos seus trabalhadores. Invoca ainda que todos os pedidos formulados pelo adquirente do imóvel, inclusive o último que originou o despacho reclamado não se encontra fundamentado. Mais invoca que não foi notificada/citada para proceder à separação judicial de bens, nem dos despachos que ordenaram a venda e entrega do bem, e que se encontra a ser cumprido um plano de pagamentos a prestações.

Ora, resulta dos autos que, na pendência da presente ação, ocorreu a entrega das chaves do imóvel ao comprador, em outubro de 2019. Com base neste facto, o Meritíssimo juiz entendeu que “a pretensão da Reclamante não pode vingar, por o imóvel já se encontrar desocupado”, fundando-se, para tanto, no pedido de suspensão da desocupação do imóvel formulado pela Reclamante. Mais entendeu que o despacho reclamado estava cumprido, e nessa medida, a pretensão da Reclamante teria perdido o objeto.
Contudo, se é verdade que o despacho objeto dos presentes autos já foi executado, também não é menos verdade que o mesmo se mantém ordem jurídica, pois não foi revogado, anulado ou declarado nulo.

Ora, o tribunal a quo na tomada de decisão não considerou a totalidade dos pedidos formulados pela Reclamante. Efetivamente, esta peticionou que o despacho reclamado, que constitui o objeto da presente ação, fosse “declarado nulo e ineficaz”, ou seja, sindicou a sua validade com base em diversas causas de pedir.

Ou seja, o despacho que constitui o objeto da presente ação mantem-se na ordem jurídica e a pretensão da reclamante de ver declarada a nulidade do despacho não se encontra satisfeita, e independentemente da viabilidade das causas de pedir concretamente formuladas, a verdade é que, em abstrato, aquela pretensão é possível ser alcançada através da presente ação, porque o ato reclamado mantém-se na ordem jurídica, e o pedido é o adequado. Assim sendo, mantém-se o objeto da ação que é o despacho, e mantém-se a utilidade do prosseguimento da presente ação, devendo o tribunal a quo, se a tal nada mais obstar, conhecer dos fundamentos da ação.

Na verdade, a impossibilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, e, por conseguinte, a solução do litígio deixa de interessar, por impossibilidade de atingir o resultado visado (v. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555), o que não sucede no caso dos autos em que o objeto do processo, o despacho reclamado, permanece na ordem jurídica.

Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, devendo os autos baixarem à 1.ª instância para julgamento da matéria de facto e prolação de decisão de mérito, se a tal, nada mais obstar.
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Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Face ao provimento do Recurso é vencida nesta instância a Recorrida Fazenda Pública, que deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Contudo, a Recorrida não apresentou contra-alegações, e assim sendo, não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – cf. acórdão do STA de 13/12/2017: “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP). II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

A execução do despacho reclamado não determina a impossibilidade superveniente da lide, quando o objeto do processo (o despacho reclamado) se mantém na ordem jurídica, e consequentemente, mantém-se o interesse na solução do litígio, sendo possível atingir o resultado visado (declaração de nulidade do ato).

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª instância para, conhecimento do mérito da ação, se a tal nada mais obstar.


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Custas pela Recorrida Fazenda Pública, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nesta instância.

Lisboa, 8 de julho de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora



A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy