Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1263/13.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES;
DIRIGENTE;
INDEMNIZAÇÃO;
PERDA DE “CHANCE”;
Sumário:I – Do que se trata aqui é de determinar uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado.
O que falta determinar em função do recorrido, é o “dano de cálculo”, isto é, “a expressão pecuniária de tal prejuízo”.
Em concreto, a Autora foi opositora em procedimento concursal para provimento do cargo de chefe de divisão, sendo que o júri propôs a sua nomeação para o cargo concursado, não tendo chegado a ser nomeada pelo dirigente máximo antes de ser conhecida a intenção de extinção do cargo.
II - Estando assente que a Autora/Recorrida não chegou a ser nomeada para o cargo a que se candidatou, conduta omissiva definida como ilícita, tal não invalida que aquela tenha chegado a exercer tais funções em período limitado em regime de substituição, auferindo o correspondente vencimento, o que significa que este período deverá ser subtraído ao valor indemnizatório atribuído pela “perda de “Chance”.
III - Deste modo, a Autora/Recorrida, nos termos do referido Artº 26º do EPD terá singelamente direito a indemnização “calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem”, sendo que “O montante da indemnização tem como limite máximo o valor correspondente à diferença anual das remunerações, nelas se incluindo os subsídios de férias e de Natal”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A......, intentou Ação Administrativa Especial contra o Ministério da Economia, tendente, em síntese, à impugnação do despacho do Diretor do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia e do Emprego, que indeferiu o requerimento por si apresentado em 27/11/2012, através do qual lhe foi negado o direito a receber a indemnização nos termos do artigo 26º, nºs 1 e 2 do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública, pela cessação do exercício das suas funções, com efeitos a 31/10/2012, como Chefe de Divisão da Divisão de Serviços de Planeamento e Apoio do Gabinete de Estratégia e Estudos (“GEE”) do Ministério da Economia e do Emprego (“MEE”).
O Ministério, inconformado com a Sentença proferida no TAC de Lisboa em 8 de fevereiro de 2020, que veio julgar a Ação parcialmente procedente, veio Recorrer em 13 de março de 2020 para esta instância, aí concluindo:
“1) Tribunal a quo considerou ilícita a omissão da nomeação como dirigente da Autora, agora corrida, tendo ainda considerado que esta omissão determinou a perda de chance da trabalhadora, em 50%, de receber a indemnização prevista no art. 26.º, n.º 1, do Estatuto do Pessoal Dirigente.
2) Entendeu o Tribunal a quo que o dano sofrido a indemnizar deverá corresponder a 50% do valor das remunerações que a Recorrida auferiria desde o dia em que cessou funções (31/10/2012) até ao dia em que perfizesse três anos da comissão de Serviço, pelo período de 1 ano e 7 meses.
3) O Tribunal a quo condenou o Ministério da Economia e da Transição Digital ao pagamento de uma indemnização por perda de chance, com fundamento no dano e na previsão do art. 26.º do estatuto do Pessoal Dirigente.
4) O art. 26.º, n.º 2, do EPD, determina que a indemnização será calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem.
5) O art. 26.º, n.º 3, do EPD, estabelece que o montante da indemnização tem como limite máximo o valor correspondente à diferença anual das remunerações, nelas se incluindo os subsídios de férias e de Natal.
6) Da leitura do art. 26.º do EPD e da quantificação da perda de chance apurada pelo Tribunal (50%) resulta inequivocamente que o montante do dano a indemnizar deverá corresponder a 50% do montante que resulta da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem.
7) Se a lógica subjacente à decisão do Tribunal tem em conta o estabelecido no n.º 2 do art. 26.º do EPD, a “chance perdida” a que se refere a Sentença terá de corresponder a 50% das diferenças remuneratórias entre o vencimento que a Recorrida auferia como dirigente e o vencimento de origem, como técnica superior, o que difere do montante que resulta de 50% das remunerações que a Recorrida auferiria como dirigente durante 1 ano e 7 meses, como decidiu o Tribunal.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., doutamente, suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser alterada a Sentença do Tribunal a quo, pois só assim decidindo será cumprido o Direito e feita a costumada, e esperada, JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas Contra-alegações de Recurso.

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 6/10/2020.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 2 de novembro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, designadamente verificando, como invocado, se “o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito ao caso sub judice”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
“A. Em 24/05/2010, foi aberto o procedimento concursal com vista ao recrutamento para um cargo de direção intermédia de 2.º grau – Chefe de Divisão de Serviços de Planeamento e Apoio, constante da Portaria n.º 563/2007, de 30 de Abril e Despacho nº19511/2007, publicado no Diário da República nº166, 2ª série, de 29/08/2007.
B. Em 20/04/2011, por Despacho nº7106/2011) do Diretor do Gabinete de Estratégia e Estudo do Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi o procedimento referido na alínea que antecede anulado, por deteção de incorreções na composição do júri – cf. documento a fls. 6 do PA. Cfr. fls.6 do PA.
C. Em 26/04/2011, foi publicado no Diário da República nº91, 2ª série, de 11/05/2011, o Aviso nº 10592/2011 do Diretor do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se fez a publicitação da abertura de procedimento concursal com vista ao recrutamento para um cargo de direcção intermédia de 2.º grau - Chefe de Divisão de Serviços de Planeamento e Apoio, constante da Portaria nº 563/2007, de 30 de Abril e Despacho nº19511/2007, publicado no Diário da República nº166, 2ª série, de 29/08/2007. Cfr. fls.9 do PA.
D. O júri do procedimento concursal mencionado na alínea que antecede é composto pelas seguintes pessoas: Presidente João Reis Carvalho Leão, e vogais Mafalda Sofia dos Santos e Manuela Herédia Cabral. Cfr. fls.4 do PA.
E. A Autora apresentou-se como candidata ao procedimento concursal mencionado em C). Facto admitido por acordo.
F. A Autora foi a única candidata a tal concurso. Cfr. fls.12 do PA.
G. Em 30/05/2011, na reunião do júri do procedimento concursal mencionado em C), estiveram presentes os 3 membros efetivos do júri. Cfr. fls.12 do PA.
H. Naquela reunião foi proposta a nomeação da ora Autora para provimento do lugar de Chefe de Divisão do Serviço de Planeamento e Apoio do GEE. Cfr. fls.12 do PA.
I. A reunião e deliberação mencionadas nas alíneas G) e H), foram reduzidas a escrito em documento denominado de “Ata nº 2“, com o seguinte teor:
“MINISTÉRIO DA ECONOMIA, DA INOVAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO
Gabinete de Estratégia e Estudos
Acta nº2
1. No dia 30 de Maio de 2011, reuniu no Gabinete de Estratégia e Estudos da Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, sito na Av. da República, nº….. – 1º, em Lisboa, o Júri do procedimento concursal para provimento do lugar de Chefe de Divisão de Serviços de Planeamento e Apoio do Gabinete de Estratégia e Estudos, aprovado nos termos da alínea d) do artigo 7.°, do n.° 1 do artigo 20.° e do artigo 21.° da Lei n ° 2/2004, de 15 de Janeiro, com a redação dada pela Lei n.° 51/2005, de 30 de Agosto.
2. Estiveram presentes os seus membros efectivos, nomeadamente:
• Presidente: João Reis Leão;
• 1.° Vogal Efetivo: Mafalda Lopes dos Santos;
• 2.° Vogal Efetivo: Manuel Herédia Cabral.
Tendo em conta os critérios definidos na Ata nº1, o Júri conclui o seguinte:
A análise curricular da candidata A...... revela bons conhecimentos em Gestão Pública e bons em conhecimentos em avaliação do desempenho organizacional. Para além da Licenciatura em Direito, detém o Mestrado em Administração Pública, uma Pós-Graduação em Ciências Jurídicas, bem como o Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública e o Curso de Alta Direcção em Administração Pública. A formação profissional recebida inclui um conjunto de matérias relevantes para as áreas requeridas.
Da entrevista realizada à candidata, conclui-se que esta revela bons conhecimentos nas matérias referidas, vindo confirmar a análise curricular, revela boa capacidade de organização e dinamização, considerando-se que é dotada de competência técnica e aptidão para o exercício de funções de Chefe de Divisão para o Serviço de Planeamento e Apoio, funções que já vem exercendo.
5. Não tendo havido mais candidatos ao concurso, o Júri propõe a nomeação para provimento do lugar de Chefe de Divisão do Serviço de Planeamento e Apoio do Gabinete de Estratégia e Estudos da candidata A......, dando por encerrado o procedimento concursal.
6. O Júri deu por encerrada a reunião, da qual, para constar, se lavrou a presente Acta que, depois de lida e aprovada, por unanimidade, vai ser assinada pelos membros do Júri presentes.”
Cfr. fls.12 do PA.
J. A ata mencionada na alínea que antecede, tem aposta a assinatura manuscrita com o seguinte nome: “Manuel … (impercetível) Cabral”. Cfr. fls.12 do PA.
K. Em Julho de 2011, em dia concretamente não apurado, foi proferido despacho pelo Ministro da Economia e do Emprego, cujo teor relevante se transcreve:
“Determino que todos os dirigentes dos serviços ou presidentes dos órgãos de gestão das entidades sob tutela direta do Ministério da Economia e do Emprego cumpram as orientações abaixo elencadas:
1.Não devem ser celebrados novos contratos de trabalho, qualquer que seja a natureza do vínculo constituído, salvo os decorrentes dos procedimentos concursais já concluídos na presente data.
2.Os procedimentos concursais e/ou processos de recrutamento relativos à contratação de pessoal em curso, na presente data, devem ser objeto de reavaliação pelo Ministério da Economia e do Emprego. Para o efeito, deverá ser enviada à Tutela a informação detalhada quanto aos mesmos e sua respetiva fundamentação, à luz das necessidades do organismo contraente, com a maior brevidade. Cfr. fls.13 do PA.
L. Em 01/07/2012, em virtude da entrada em vigor do Decreto Regulamentar nº45/2012, de 20 de Junho, e por força da revogação do Decreto Regulamentar nº59/2007, de 27 de Abril, foram extintos os cargos de direção intermédia de 2º grau do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia e do Emprego.
M. Em data não concretamente apurada, foi enviada uma comunicação escrita por parte pelo Diretor do GEE ao Diretor-geral do Território com o seguinte teor:
“Assunto: Cessação da comissão de serviço – A.
Venho por este meio comunicar a minha intenção de não dar continuidade à comissão de serviço como Chefe de Divisão de Planeamento e Apoio, da Técnica Superior dessa Direcção-Geral, A.......
Mais informo que a referida cessação tem efeitos a 31 de Outubro de 2012.” Cfr. fls.15 do PA.
N. Entre 01/09/2010 e 31/10/2012, a Autora desempenhou as funções de chefe de divisão do serviço de planeamento e apoio do GEE, em regime de substituição, sendo o seu serviço de origem a Direcção-Geral do Território do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território. Facto admitido por acordo.
O. Em 01/11/2012, entrou em vigor a Portaria nº341/2012, de 26 de Outubro, que prevê, na estrutura nuclear do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia e do Emprego, as unidades orgânicas de Direção de Serviços de Acompanhamento de Empresas e Investimento, de Direção de Serviços de Análise Económica, Direção de Serviços de Estatística, Direção de Serviços de Produção de Informação do Emprego, a serem dirigidas por diretores de serviço, cargos de direção intermédia do 1º grau.
P. Em 27/11/2012, a Autora apresentou requerimento dirigido ao Diretor do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual solicitou o pagamento de indemnização calculada nos termos do artigo 26º, nº2 do EPD. Cfr. fls.17 do PA.
Q. Em resposta foi proferido despacho pelo Director do Gabinete de Estratégia e Estudos indeferindo o requerido nesse requerimento. Cfr. fls.32 do PA.
R. Inconformada, em 13/02/2013, a Autora recorreu hierarquicamente desse despacho. Cfr. fls.41-48 do PA.
S. Em 20/05/2013, por despacho do Ministro da Economia e do Emprego, foi indeferido o recurso mencionado na alínea que antecede, com os fundamentos constantes da informação nºSJC/676/2013/SG elaborada pela Secretaria Geral do Ministério da Economia e do Emprego e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Cfr. fls.74-80 do PA.

IV – Do Direito
No que ao Direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(…) DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL
Vem ainda a Autora pedir, a título subsidiário, a condenação da Entidade Demandada no pagamento de indemnização, a título de responsabilidade civil, em quantia equivalente à indemnização a que teria direito se tivesse sido designada.
(…)
Cumpre verificar, pois, se se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual à luz das normas aplicáveis.
- DA CONDUTA/OMISSÃO ILÍCITA -
Em sede de responsabilidade civil, conduta e ilicitude são dois conceitos que se integram de forma complexa.
(…)
Impõe-se, assim, concluir pela ilicitude da conduta nos termos do artigo 9º, nº1 do RCEEP, por violação de norma legal.
- DA CULPA -
Em regra, não há responsabilidade sem culpa.
A responsabilidade objetiva, independente de culpa, só existe nos casos previstos na lei – cfr. artigo 483º, nº 2 do CC.
No âmbito da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, fora dos casos dos artigos 11º e 16º do RCEEP, só é possível imputar um dano à Administração quando tenha sido praticado facto ilícito e seja possível formular um juízo de censura ético-jurídica à conduta da Administração.
(…)
Concluindo-se pela existência de culpa efetiva, nos termos do artigo 10º, nº1 do RCEEP, não se revela necessário recorrer a qualquer presunção legal de culpa.
- DO NEXO DE CAUSALIDADE -
Nos termos do artigo 562º do CC, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo que nos termos do artigo 563º do CC só existe obrigação de indemnizar quando a conduta do putativo lesante tenha originado o dano, em termos de causalidade adequada.
(…)
Conclui-se, assim, pela verificação do nexo causal entre a conduta omissiva e o resultado danoso.
- DO DANO -
O instituto da responsabilidade civil pressupõe a ocorrência de dano, pretendendo a respetiva reparação, que se efetua através da obrigação de indemnizar o lesado e se traduz na reconstituição da situação que existiria caso o evento lesivo não se tivesse verificado (cfr. artigo 3º do RCEEP).
(…)
Importa, então, aferir qual o dano causado à Autora.
A Autora, por causa da omissão ilícita, viu comprimido um eventual direito à indemnização prevista no artigo 26º do EPD, devida em caso de cessação da comissão de serviço por reorganização da unidade orgânica.
A este respeito importa considerar, desde logo, que durante o período de tempo decorrido entre a reunião na qual teve lugar a deliberação do júri e a cessação de funções (cerca de 1 ano e 5 meses) a Autora desempenhou as funções associadas ao cargo sobre o qual incidiu o procedimento concursal, em regime de substituição, auferindo, portanto, em conformidade com esse mesmo cargo.
Sucede que o Diretor do GEE se encontrava obrigado a decidir, mas a sua decisão poderia ser um despacho de provimento da Autora no cargo ou, ao invés, despacho de não provimento.
Ora, não é possível aferir qual seria, afinal, o conteúdo de tal despacho, uma vez que o mesmo não foi proferido, pelo que o dano em causa se configurará como uma perda de chance da Autora.
É para casos como o presente que a jurisprudência e a doutrina têm recorrido ao conceito de “perda de chance” ou “perda de oportunidade”, reportando-se este conceito, genericamente, a actos ou omissões que conduziram a que alguém perdesse a hipótese de obter um benefício ou de evitar um prejuízo.
A figura da perda de chance tem como pressupostos a existência dum determinado resultado, ainda que se não apresentando como certo – neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07/10/2016 (Proc. n.º 02589/14.8BEPRT).
Pese embora algumas reticências doutrinárias, a maioria da doutrina, bem como a jurisprudência, têm considerado a perda de chance como indemnizável enquanto dano intermédio, autónomo do dano final, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre ele e o dano da perda de chance.
Nuno Santos Rocha explica que, para determinar o valor da indemnização terá de se proceder a três operações distintas: “Avaliar, primeiro, qual o valor económico do resultado em expectativa e, de seguida, a probabilidade que existiria de o alcançar, não fora a ocorrência do facto antijurídico. Este segundo valor, calculado numa percentagem – traduzindo a consistência e seriedade das «chances» -, terá que ser por fim aplicado ao primeiro, para que se possa finalmente obter o valor pecuniário da «perda de chance»”.
A jurisprudência portuguesa, como referido supra, tem aderido à doutrina da ressarcibilidade da perda de chance, como dano autónomo.
Com efeito, é de admitir a “perda de chance” como fonte autónoma da obrigação de indemnizar para situações, como a vertente, no domínio dos concursos de provimento em cargos públicos - perda de ocasião - , em que o indevido afastamento de um candidato que tivesse uma efetiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegido se não se tiver em consideração o dano que provém da própria expectativa de obter a indigitação.
A figura da perda de chance tem como pressupostos ou requisitos essenciais a existência dum determinado resultado positivo futuro que possa vir a verificar-se, mas cuja verificação, todavia, não se apresente como certa; que, pese embora o grau de incerteza, a pessoa se encontre em situação de poder vir a alcançar aquele resultado visto reunir ou ser detentora dum conjunto de condições necessárias de que depende a sua verificação; e que ocorra um comportamento de terceiro que seja suscetível de gerar a sua responsabilidade e que elimine ou diminua fortemente as possibilidades do resultado se vir a produzir.
A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, do facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
Será, pois, através destes dois limiares que importará, então, distinguir três tipos de hipóteses:
a) a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da “chance”, que não dará direito a qualquer reparação; ´
b) a perda de oportunidade perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade, e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final; e
c) a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à atuação da doutrina da “perda de chance”.
A doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade propugna, em tese geral, a concessão duma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar o lesado nos casos em que não se consegue provar/apurar que a perda duma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que o lesado dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando as mesmas como sérias e reais.
Para efeitos de indemnização de tal possibilidade ou oportunidade a mesma deve ter um valor atual e autónomo, suscetível de avaliação económica e que, em certos casos, pode e deve merecer a tutela do direito.
O ato ilegal, porque desconforme com as regras concursais e os princípios da boa-fé e da confiança, mostra-se como claramente violador de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos da Autora, sendo que o dano indemnizável em questão integra-se entre os danos relativos à profissionalidade que as normas/princípios violados no seu contexto tinham e têm por fim prevenir e garantir e tem respaldo no ordenamento jurídico.
O dano da “perda de chance” deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo meros e estritos critérios matemáticos, pelo que a fixação do “quantum” indemnizatório deverá atender às probabilidades do lesado obter o benefício que poderia resultar da “chance” perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será um fator decisivo para a determinação da indemnização.
Atentas as circunstâncias, considera-se existir um grau de probabilidade de 50% de a Autora, caso tivesse havido decisão, ser provida no cargo pois, se por um lado, ela já desempenhava tais funções e foi a única candidata no procedimento, por outro lado, a Entidade Demandada, através da comunicação que fez ao Diretor do serviço de origem da Autora, manifestou a intenção de cessar as funções daquela a 31/10/2012.
Assim, entende-se como adequado a atribuição à Autora de indemnização em consequência da evidenciada perda de oportunidade/chance não quantificável, utilizando-se como bitola o critério previsto no artigo 26º, nº2 do EPD ao prever que “(a) indemnização referida no número anterior será calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respectiva categoria de origem.”.
Importa, ainda, reter que nos casos em que o concorrente é provido ao cargo a comissão de serviço tem a duração de 3 anos, nos termos do disposto no artigo 21º, nº8 do EPD.
Por conseguinte, concretizando e adaptando o que se encontra previsto nas disposições acima mencionadas ao dano qualificado como perda de chance e à fixação de indemnização pela equidade, considera-se ser de atribuir à Autora uma indemnização cujo valor corresponde a 50% do valor das remunerações que auferiria desde o dia em que cessou funções até ao dia em que perfizesse 3 anos da comissão de serviço.
Tendo a Autora desempenhado funções como dirigente até 31/10/2012, faltaria 1 ano e 7 meses para perfazer aqueles 3 anos.
Em conformidade com o exposto, concluímos que a Autora tem direito ao pagamento de uma indemnização correspondente a metade do valor total das remunerações que auferiria durante 1 ano e 7 meses, quantia essa a liquidar em execução de sentença.”

Vejamos:
O presente Recurso é interposto da Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa especial, proposta pela Autora, e ora Recorrida, A......, contra o Ministério da Economia.

Efetivamente, decidiu-se em 1ª Instância julgar parcialmente procedente a ação, condenando-se o Ministério da Economia a pagar à Autora uma indemnização por danos materiais, correspondente a 50% do valor das remunerações que auferiria desde o dia em que cessou funções como Chefe de Divisão da Divisão de Serviços de Planeamento e Apoio do Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) (31.10.2012) até ao dia em que perfizesse 3 anos da comissão de serviço (um ano e sete meses).

Se é certo que o Recorrente não concorda com o decidido, o que é facto é que a sua razão de queixa é limitada, sendo paradigmática a sua afirmação recursiva, de acordo com a qual “o Tribunal a quo entendeu, e bem, que a Recorrida teria 50% de chance de ter sido provida no cargo dirigente em causa e que, como tal, perdeu a possibilidade, em 50 %, de receber a indemnização prevista no art. 26º do Estatuto do pessoal Dirigente.”

Assim, há desde logo uma questão aqui incontornável conexa com a “Perda de Chance”:
Ambas as partes estão de acordo que a Recorrida teria 50% de chance de ter sido provida no cargo dirigente em questão. A Recorrente pelo que afirma e supra transcrito e a Recorrida por não ter recorrido dessa fixação estabelecida em 1ª Instância.

Aqui chegados, o único facto objetivamente relevante e suscetível de ser ponderado e mensurado do ponto de vista indemnizatório prende-se com o montante a atribuir em função do período que relevará para efeitos de perda de chance.

Do que se trata pois é de determinar “uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” (Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, pág. 821), sendo que se consolidou o valor indemnizatório de 50% “do valor das remunerações que auferiria desde o dia em que cessou funções até ao dia em que perfizesse 3 anos da comissão de serviço”.

O que falta determinar em função do recorrido, é o “dano de cálculo”, isto é, “a expressão pecuniária de tal prejuízo(cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição, pág. 545).

É pois razoável admitir a “Perda de Chance” como fonte autónoma da obrigação de indemnizar para situações, como a vertente, em que o lugar a preencher acabou por ser extinto, o que, por natureza, sempre impossibilitaria a renovação do procedimento concursal.

Em concreto, alegou a Autora aqui Recorrida, que foi opositora em procedimento concursal para provimento do cargo de chefe de divisão no GEE, e que tendo o júri proposto, em 30/5/2011, a sua nomeação para o cargo (que veio a ser extinto formalmente em 1/7/2012 por força da entrada em vigor do Decreto Regulamentar n.º 4572012, de 20/06), não chegou a ser nomeada pelo dirigente máximo antes de ser conhecida a intenção de extinção do cargo (determinada pela reorganização dos serviços).

O Tribunal a quo considerou ilícita a falta de nomeação da Recorrida, após a deliberação do Júri do procedimento que propôs a sua nomeação, e deu como assente que a Recorrida exerceu as funções de chefe de divisão de planeamento e apoio do GEE (em regime de substituição), desde 1/6/2011 (após proposta do júri do procedimento concursal) até 31/10/2012 (o que perfaz 1 ano e 5 meses).

Assim, uma vez que a comissão de serviço teria a duração de três anos, e que o período de 1 ano e 7 meses corresponde ao período que decorreu entre a data efetiva de cessação de funções, em 31/10/2012, e os 3 anos que duraria a comissão de serviço, caso tivesse sido nomeada, o Tribunal veio a condenar o Recorrente no pagamento de uma indemnização por danos, que neste caso correspondem a 50% da remuneração que a trabalhadora receberia durante este período.

Como se viu já, o Tribunal a quo considerou, a final, parcialmente procedente a ação, tendo condenado o Ministério da Economia “a pagar à Autora uma indemnização por danos materiais, correspondente a 50% do valor das remunerações que auferiria desde o dia em que cessou funções como Chefe de Divisão da Divisão de Serviços de Planeamento e Apoio do Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) (31.10.2012) até ao dia em que perfizesse 3 anos da comissão de serviço (enquanto perda correspondente ao montante de retribuições que a A. deixou de auferir (um ano e sete meses) e a que teria direito caso tivesse sido provida naquele cargo dirigente), montante a liquidar em sede de execução de sentença”.

Se é certo que os indemnizatoriamente fixados 50% do valor das remunerações, é admitido por ambas as partes como aceitável, importa balizar o período e montante a que aquela percentagem corresponde, o que se mantém controvertido.

Estando assente que a Recorrida não chegou a ser nomeada para o cargo a que se candidatou, conduta omissiva que o tribunal a quo definiu como ilícita, o que é facto é que a Recorrida chegou a exercer tais funções em regime de substituição, auferindo o correspondente vencimento.

Para que conste, refere-se no Artº 26º do Estatuto do Pessoal Dirigente.
1 - Quando a cessação da comissão de serviço se fundamente na extinção ou reorganização da unidade orgânica ou na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, os dirigentes têm direito a uma indemnização desde que contem, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções.
2 - A indemnização referida no número anterior será calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem.
3 - O montante da indemnização tem como limite máximo o valor correspondente à diferença anual das remunerações, nelas se incluindo os subsídios de férias e de Natal.
(…)”

Assim, independentemente da fixação do valor indemnizatório em 50% das remunerações devidas, andou mal o tribunal a quo, ao considerar que o valor indemnizatório a atribuir deverá corresponder a 1 ano e 7 meses, quando o limite legal se refere a 14 meses (12 meses, mais subsidio de férias e natal), ao que acresce que terá de ser ainda considerado o teor do vindo de transcrever nº 1 do Artº 26º da Lei n.º 2/2004, quanto à “diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem”.

Assim, a Recorrida terá direito aos fixados 50% de chance de ter sido provida no cargo dirigente em causa, devendo receber a correspondente indemnização em função dos limites constantes do deferido Artº 26º da Lei nº 2/2004.

Deste modo, reitera-se que a Recorrida, nos termos do referido Artº 26º terá singelamente direito a indemnização “calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem”, sendo que “O montante da indemnização tem como limite máximo o valor correspondente à diferença anual das remunerações, nelas se incluindo os subsídios de férias e de Natal”.

Assim, ao contrário do decidido no Tribunal a quo, da conjugação do art. 26.º do EPD e da quantificação da perda de chance apurada pelo Tribunal, resulta que o montante do dano a indemnizar deverá corresponder a 50% do valor resultante da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem, num limite correspondente a 14 meses, como decorre do n.º 3 do art. 26.º do EPD.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, fixando-se o valor indemnizatório a atribuir à Autora, em 50% do valor resultante da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respetiva categoria de origem, num limite temporal correspondente a 14 meses, com exclusão do período em que desempenhou funções em regime de substituição..

Sem Custas, por ausência da contra-alegações de Recurso.

Lisboa, 27 de abril de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa