Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04871/09
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:02/25/2010
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO.
DEC-LEI Nº 352/92, DE 24 DE OUTUBRO.
OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NA SEGURANÇA SOCIAL.
Sumário:I – Os profissionais do serviço doméstico e as respectivas entidades patronais são, obrigatoriamente, abrangidos como beneficiários e contribuintes pelo regime geral da Segurança Social.

II – Nos termos do artigo 3º nº1 do Decreto Regulamentar n.º43/82, de 22 de Julho, a inscrição na Segurança Social incumbe à entidade patronal e não ao trabalhador.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no 2° Juízo do T.C.A. - Sul

1. Relatório
O S………………. Sindicato Democrático ………, com sede em Lisboa, intentou, no TAC de Lisboa, acção administrativa especial contra o Instituto de Segurança Social, I.P., pedindo a anulação do despacho de 2.11.2005 do Conselho Directivo do Instituto de Segurança Social, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo A., no que respeita à elaboração oficiosa das folhas de remuneração relativamente ao período de Novembro de 1991 a Junho de 2001, de Maria …………………….. .
Por sentença de 09.06.2008, o Mmº Juiz do TAC de Lisboa julgou a acção improcedente.
Inconformado, o A. interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
a) A douta sentença sub judice, enferma de contradição entres os fundamentos e a decisão, pois, ao decidir que estamos perante um contrato de serviço doméstico, baseia a sua decisão em factos julgados provados que indiciam um sentido completamente diverso.
b) Inexiste o carácter de permanência e obrigatoriedade inerentes ao contrato de trabalho, e em particular, ao contrato de serviço doméstico.
c) A realização de descontos para a Segurança Social é outro dos indícios da existência de uma relação de trabalho subordinado, pois revela que o beneficiário e o devedor da prestação se comportam como trabalhador e empregador, o que não sucedeu no caso vertente.
d) Cabe única e exclusivamente "ao trabalhador, neste caso à ora reclamante, que alega a existência de um contrato de trabalho a prova dos seus elementos essenciais" (Cfr. o acórdão do STJ supra citado) ou seja “o ónus da prova da caracterização do contrato como de trabalho cabe à ora reclamante (Vide Ac. STJ de 08/05/1991: AJ, 19º-20).
e) Prova essa que a reclamante na realidade não logrou faz ir nesses autos como era e é o seu dever, não constando, por conseguinte, do processo qualquer meio de prova nesse sentido.
f) A sentença ora sub judice deve ser nula por contradição entre os fundamentos e a decisão.
g) A Reclamante ao ter decidido efectuar reclamação junto da Segurança Social volvido mais de onze anos da data em que iniciou a prestação de serviços e após a data em que deixou de prestar tais serviços, actuou manifestamente contrária à lei e aos bons costumes, ou seja em manifesto abuso de direito, pondo em causa a paz e segurança jurídica que devem presidir as relação jurídicas.
h) Decorreu, entretanto, o prazo para o pagamento de quantias devidas à Segurança Social, prescrição essa de conhecimento oficioso.
i) Os factos ora em análise ocorreram no domínio da vigência do n.°2 do art.°53.° da Lei 28/84 de 14 de Agosto a qual estabelecia o prazo de prescrição de 10 anos.
j) Tal prazo foi reduzido para cinco anos nos termos do n.°2 do art.°63.° da Lei 17/2000 de 08 de Agosto, a qual entrou em vigor 180 dias após a sua publicação, ou seja, em 08 de Fevereiro de 2001.(Este prazo foi mantido pelo art.°49.° da Lei 32/2002 de 20 de Dezembro).
k) À sucessão no tempo de normas sobre prazos de prescrição das obrigações aplica-se o disposto no art.°297.° do C.C, o qual dispõe que "A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar".
l) O novo prazo de cinco anos estabelecido pelo n.º2 do art.° 63º da Lei 17/2000, conta-se a partir da entrada em vigor desta lei - 08/02/2001- a não ser que falte menos tempo para o prazo de 10 anos se completar.
m) Segundo o n.°2 do art° 63.° da Lei 17/2000 de 08 de Agosto, "A cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições é efectuada através de processo executivo e de secção de processos de segurança social”.
n) A entidade Recorrida não instaurou qualquer processo executivo para a cobrança da alegada dívida, pelo que, não houve nenhum acto de interrupção da prescrição.
o) Fazendo a aplicação do estabelecido no art° 297.° n.°1 do CC ao caso ora em análise, temos que, contando esse prazo a partir da entrada em vigor da Lei 17/00, em 08 de Fevereiro de 2001, a prescrição ocorreu em 08 de Fevereiro de 2006, ou seja, antes mesmo de ter sido proferida a decisão recorrida.
p) A comunicação efectuada ao Recorrente pela Entidade Recorrida em 21 de Fevereiro de 2002 não consubstancia, de todo, "diligência administrativa...conducente à liquidação ou à cobrança da dívida" (vide n.°3 do art.° 63.° da Lei 17/200 de 08/08 e teor da referida comunicação).
q) Pelo que, mesmo que admitíssemos a existência da alegada dívida, o que não se concede, a mesma já se encontraria prescrita, pelo que, a douta sentença recorrida incorreu em violação do disposto nos citados normativos legais, determinante da sua revogação e do provimento do presente recurso.
O recorrido contra-alegou, enunciando as conclusões:
1- A sentença recorrida não padece de contradição entre os fundamentos e a decisão, como pretende o ora recorrente.
Com efeito,
2- Consta do processo administrativo que o A. reconheceu que M…………….., no período de 11/1991 a 6/2001, prestou serviço àquele organização sindical cerca de 1hora por dia útil "efectuando a higiene deste organismo como trabalhadora".
3- Nos termos do artigo 1º do DR n°43/82 de 22/07 " os profissionais do serviço doméstico e as respectivas entidades patronais são obrigatoriamente abrangidas como beneficiários e contribuintes pelo regime geral da segurança social."
4 - Quanto à alegada prescrição, há que referir que novamente andou berma sentença recorrida, ao dar como provado que o ora recorrido em 28/01/2002 enviou ao S………………, comunicação solicitando esclarecimentos sobre a omissão de descontos para a Segurança Social de M………., pelo que se tem a prescrição interrompida naquela data.
5 - Na verdade, a Lei n°28/84 de 14 de Agosto foi revogada pela Lei n°17/2000 de 8 de Agosto que veio estabelecer como prazo de prescrição da obrigação do pagamento das contribuições à Segurança Social o prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
6 - Ora, no caso sub júdice o pagamento de contribuições devidas ao ora recorrido, por parte do recorrente, não estão prescritas, atendendo ao preceituado no n°1 do artigo 60° da Lei 4/2007 que refere que a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento.
O Digno Magistrado do MºPº não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Matéria de Facto.
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:
1) Maria ………………………………. apresentou junto do Presidente do conselho Directivo do CRSS de Lisboa e Vale do Tejo em 12 de Novembro de 2001 requerimento relativo a "Reclamação de beneficiário" participando que "para os devidos efeitos (...) prestou serviço na firma S……………- Sindicato Democrático ………… (...) cuja actividade principal é Empregada de Limpeza (...) no período de 29/11/91 a 29/6/2001 com a categoria profissional de Empregada Doméstica, trabalhando, em média 22 dias por mês, auferindo o salário (...) de Esc. 22.000$00. Dada a sua situação contributiva, respeitante aos meses de Novembro -91 a Julho - 2001 não estar regularizada, por o contribuinte em referência não ter efectuado os respectivos descontos, solicita a V. Exa as necessárias diligências com vista à sua regularização” Cfr. documento de folhas 95 do processo administrativo.

2) Pelo então Instituto de Solidariedade e Segurança Social foi em 21.02.2001 enviado ao S……………….. - Sindicato Democrático ……….. comunicação com o Seguinte teor:"Foram estes serviços recebedores de uma reclamação por parte da beneficiária n° (...) Maria…………………., por omissão de descontos para a Segurança social, enquanto ao Serviço desse Sindicato e pelo período de Novembro/91 a Junho/2001.
A fim de ser clarificada a situação solicitamos que se pronunciem sobre o assunto."Cfr. documento de folhas 94 do processo administrativo.

3) Pelo S…………… foi em 06 de Fevereiro de 2002 enviado ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social oficio com o seguinte teor:" Tendo presente a vossa comunicação em epígrafe somos a informar que Maria…………………., prestou serviço a esta organização sindical cerca de uma hora e trinta minutos por dia útil, no período referido em vosso ofício, efectuando a higiene deste organismo como trabalhadora doméstica.
O S…….. - Sindicato Democrático …………… nunca fez qualquer desconto à dita senhora para a Segurança Social, por esta ter manifestado desde o início ser sua vontade, alegando que o faria pessoalmente, até porque, prestava o mesmo serviço a outras entidades.
Mais somos a informar que a pessoa em questão deixou de comparecer para prestar o dito serviço há mais de seis meses sem ter comunicado qual o motivo, (... )"Cfr documento de folhas 93 do processo administrativo.

4) Foi ouvido no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa o senhor Manuel ………………….. vice secretário geral e tesoureiro de S…………… - Sindicato Democrático ………….. que "manteve a posição expressa" naquela comunicação. Cfr. documentos de folhas 82 e 83 do processo administrativo. ,

5) Em 19 de Março de 2004 foi o S………………, SINDICATO DEMOCRÁTICO …………. notificado de que na sequência de uma reclamação apresentada pela beneficiária n°……….., Maria ………………., foi emitido despacho em 10 de Dezembro de 2003, pelo senhor Director de Unidade de Enquadramento e Vinculação e Registo de Remunerações do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, autorizando a elaboração oficiosa de Declarações de Remunerações e que, em consequência, passaria o S…………….. a ser devedor à Segurança Social da importância de 4 362,81, conforme taxa contributiva aplicada de 35,50% e 34,75%, de acordo com o Decreto-Lei nº199/99, de 08 de Junho. Cfr. documento de folhas 9 dos autos que se dá por reproduzido.

6) Em 22 de Abril de 2004 o S……………. interpôs recurso hierárquico daquele despacho de 10 de Dezembro de 2003, junto do Conselho Directivo do Instituto de solidariedade e Segurança Social. Cfr. documento de folhas 10 a 16 dos autos, que se dá por reproduzido.

7) Em 24 de Novembro de 2005 o S…………. foi notificado da deliberação do Conselho Directivo de 02 de Novembro de 2005 que negou provimento ao recurso hierárquico. Cfr. documento de folhas 17 a 19 dos autos com o seguinte teor:"
Assunto: Recurso Hierárquico.
Na sequência do recurso hierárquico interposto por V. Ex.a, informa-se que, por deliberação do Conselho Directivo de 2 de Novembro de 2005,

Foi negado provimento ao presente recurso no que respeita à elaboração oficiosa de folhas de remunerações relativamente ao período de Novembro de 1991 a Junho de 2001, com os seguintes fundamentos:

1. Relativamente ao enquadramento da beneficiária concluiu-se que o S……….. sempre reconheceu ao longo do processo administrativo que a beneficiária reclamante trabalhara nessa entidade na qualidade de trabalhadora doméstica; sempre reconheceu o período reclamado (Novembro de 1991 a Junho de 2001) e sempre reconheceu o horário do período laboral cerca de uma hora e trinta minutos por dia útil/mês);

2. A beneficiária trabalhou no S………….. como profissional do serviço doméstico e ao abrigo de um contrato de serviço doméstico;

3. A subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do empregador, podendo este delimitar a prestação do trabalhador através de ordens, directivas e instruções. Mas não tem que ter implícito que a entidade patronal tenha de repetir diariamente quais as tarefas a realizar - uma vez acordadas, a trabalhadora executa-as;

4. O art°1° do Decreto Regulamentar n°43/82, de 22 de Julho, exige que os profissionais do serviço doméstico e as respectivas entidades patronais são obrigatoriamente abrangidos, como beneficiários e contribuintes, respectivamente, pelo regime geral da segurança social, a cujas regras ficam sujeitos, tendo em conta as particularidades deste diploma;

5.O art°3° do referido Decreto Regulamentar dispõe que a inscrição incumbe à entidade patronal e será efectuada com base em boletim de identificação, que deve ser entregue anteriormente ou simultaneamente com a entrada da primeira contribuição;

6. O art°14° do referido Decreto Regulamentar manda que o pagamento das contribuições seja feito por meio de folhas-guias e estas folhas guias de pagamento têm o valor de folhas de remunerações. As entidades patronais têm a exclusiva responsabilidade pelo pagamento das contribuições devidas à segurança social, bem como pela inscrição dos trabalhadores ao seu serviço. São igualmente obrigadas a inscrever-se no sistema de segurança social, ficando com a qualidade de contribuinte;

7. O regime do Dec.Lei 124/84, de 18 de Abril, prevê que a actividade prestada em período anteriores últimos 12 meses que antecedam o pagamento voluntário, com efeitos retroactivos, de contribuições relativas a trabalhadores do serviço doméstico que não tenham efectuado a declaração de inicio de exercício de actividade profissional e de vinculação a uma nova entidade patronal, só será considerada desde que o seu efectivo exercício seja comprovado por sentença ou auto de conciliação judiciais.
No entanto, não tem aplicabilidade no caso presente, na medida em que o objectivo do diploma foi regular as condições em que devem ser feitas perante a segurança social as declarações do exercício de actividade, bem como as condições e consequências da declaração extemporânea do período de actividade profissional perante as instituições de segurança social. Mas tal regularização é uma regularização voluntária e não coerciva, que é requerida pelas entidades patronais faltosas ou pelos trabalhadores interessados;

Foi concedido provimento ao presente recurso no que respeita á aplicação da taxa contributiva, com os seguintes fundamentos:

8. A taxa contributiva aplicável aos meses de Novembro de 1991 a Agosto de 1999 é a estabelecida pelo Dec.- Lei n°140-D/86, de 14 de Junho. O seu art°2° manda acrescentar a taxa de 0,5% a todas as taxas previstas no diploma acima referido, destinando-se a mesma ao financiamento do risco de doença profissional, estabelecendo o art°4° a taxa de 28,5% para os profissionais do serviço doméstico.
Pelo que a taxa aplicável ao período de Novembro de 1991 a Agosto de 1999 é de 29,00%.
A partir de Setembro de 1999 rege o Dec-Lei n°199/99, de 8 de Junho, sendo a taxa contributiva relativa aos profissionais de serviço doméstico, quando o âmbito material de protecção não integre a eventualidade desemprego de 26,70% e quando o âmbito material de protecção integre a eventualidade desemprego de 31,60%;

9. A Lei n°28/84, de 14 de Agosto, fixava em 10 anos o prazo de prescrição das contribuições.
A Lei 17/2000, de 8 de Agosto, que entrou em vigor no dia 4 de Fevereiro de 2001, alterou o prazo de prescrição das contribuições para 5 anos.
O princípio geral da aplicação das leis no tempo é o de que a lei só dispõe para o futuro, nos termos do art°12° n°1 do Código Civil.
No entanto, o prazo prescricional inicia a sua contagem na vigência da Lei 28/84, de 14 de Agosto mas decorre ainda á data da entrada em vigor da Lei 17/2000, de 8 de Agosto.
Quanto a esta questão dispõe o art°297 n°1 do Código Civil que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos em curso, mas o prazo só se conta a partir da data da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei mais antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Aplicando estas regras ao caso concreto conclui-se que, à obrigação de pagar as contribuições dos anos de 1991, 1992, 1993, 1994 e 1995, aplica-se a lei antiga, porque segundo esta vai faltar menos tempo para o prazo de prescrição se completar. À obrigação de pagar as contribuições dos anos de 1996, 1997, 1998, 1999.2000 e 2001, aplica-se a lei nova, porque pela lei antiga faltaria mais tempo para o prazo de prescrição se completar.
Pelo que o ano de 1991 prescreveu, sendo que quanto às contribuições de 1992 a 2001, o prazo da prescrição foi interrompido pela notificação da empresa através do ofício datado de 21 de Janeiro de 2002.

10. O CDSS de Lisboa terá de proceder à rectificação da dívida, tendo em conta a prescrição do ano de 1991 e a taxa contributiva a aplicar.
* *
3. Direito aplicável
Como decorre das suas alegações, o recorrente alega que celebrou com Maria ……………… tão sómente um contrato de prestação de serviços, e não um contrato de trabalho, não possuindo aquela um horário fixo e desenvolvendo a sua actividade de acordo com a sua própria orientação, durante uma hora diária, e prestando serviço em outros locais, que não apenas nas instalações do recorrente.
Tanto assim que a reclamante, conhecedora dessa situação, nunca questionou a sua entidade patronal, ora recorrente, como era seu dever, a hipótese desta proceder à sua inscrição e regularização dos respectivos descontos junto dos Serviços da Segurança Social.
Ao contrário do que afirma a sentença recorrida, o recorrente apenas reconhece que a reclamante prestou serviço no S………….., tendo aludido à sua eventual qualidade de trabalhadora doméstica, por mera precaução de patrocínio e desde que tivessem sido cumpridas as exigências prescritas na lei no que respeita a esse regime laboral, o que não sucedeu no caso concreto, razão pela qual a sentença “sub judice” é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão (conclusões a) a f)).
Alega ainda o recorrente que houve abuso de direito por parte da reclamante, que apenas efectuou a reclamação na Segurança Social volvidos mais de doze anos após o início da prestação de serviços e após a data em que deixou de prestar tais serviços.
Finalmente, alega que, tendo decorrido o prazo para o pagamento de quantias devidas à Segurança Social, sempre a dívida estaria prescrita, prescrição essa que é do conhecimento oficioso, e que a cobrança coerciva dos valores relativos às quotizações e às contribuições é efectuada, através de processo executivo, o que não sucedeu no caso dos autos, pelo que não houve nenhum acto de interrupção da prescrição (cfr. alíneas g) a q)).
O recorrido I.S.S., I.P., contra-alegou, pedindo a manutenção do julgado, nos termos das conclusões supra transcritas.
É esta a questão a apreciar.
O recorrente entende que o contrato celebrado com a reclamante não consubstancia, de todo, em contrato de trabalho, mas outrossim um mero contrato de prestação de serviços, visto não existir subordinação jurídica nem um horário de trabalho fixo, e sendo certo que a reclamante Maria …………. desenvolvia a sua actividade de acordo com a sua própria orientação. Tanto assim é, diz a recorrente, que a reclamante, conhecedora desta situação, nunca questionou à sua entidade patronal, como era seu dever, a hipótese de esta proceder à sua inscrição e regularização dos respectivos descontos junto dos serviços da Segurança Social.
Salvo o devido respeito, esta argumentação do recorrente não procede.
Na verdade, o artigo 2º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro, define o contrato de serviço doméstico como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua orientação e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou de um agregado familiar ou equiparado (...).
Desta norma decorre a exigência de retribuição, e a prestação de trabalho com carácter regular, bem como a subordinação do prestador à orientação e autoridade de outrem.
Quanto aos dois primeiros elementos, é indubitável a sua verificação (remuneração e carácter regular).
Quanto ao terceiro (subordinação jurídica) também a mesma é de presumir, dada a natureza do trabalho prestado, que não tem a especificidade técnica própria das actividades que normalmente integram o contrato de prestação de serviços, típico, por exemplo, das profissões liberais, nas quais a autonomia técnica é indispensável. Na hipótese da prestação de serviços promete-se o resultado do trabalho, sendo o trabalhador livre de toda a direcção alheia sobre o modo de realização da actividade, enquanto no contrato de trabalho a actividade se integra na organização da entidade patronal (cfr. Antunes Varela, “ Código Civil Anoado”, Notas aos artigos 1152 a 1154, e Galvão Teles, “ Contratos Civis”, p.62 e 63).
Ora, de acordo com as próprias declarações do recorrente, a trabalhadora exercia a sua actividade de limpeza e arrumo das instalações diariamente, embora apenas durante hora e meia por dia, sendo nítida a posição de supremacia do empregador, razão pela qual os profissionais de serviço doméstico e as respectivas entidades patronais são, obrigatoriamente abrangidas como beneficiários e contribuintes (cfr.artigo 1º do Decreto Regulamentar n.º43/82).
Acresce que, ao contrário do pretendido pelo recorrente, a inscrição incumbe à entidade patronal com base em boletim de identificação que deve ser anteriormente ou simultaneamente com a entrada da primeira contribuição (cfr. artigo 14º do aludido Decreto Regulamentar).
As entidades patronais têm a exclusiva responsabilidade pelo pagamento das contribuições devidas à Segurança Social e pela inscrição dos trabalhadores ao seu serviço.
Ora, no caso concreto, o recorrente não elaborou quaisquer folhas de remuneração e não pagou as contribuições devidas à Segurança Social relativamente ao período de Novembro de 1991 a Junho de 2001, bem como não inscreveu a trabalhadora Maria ……………., como lhe era exigível pelo Dec-Regulamentar n.º 43/82 (artºs 1º e 3º n.º1).
Daí que faleça o primeiro argumento do recorrente.
Quanto ao segundo, é notório que não existe qualquer abuso de direito por parte da trabalhadora, apesar de esta ter efectuado a reclamação à Segurança Social volvidos mais de nove anos após o início do seu contrato de serviço doméstico, visto que, como já se disse, tal dever incumbia à entidade patronal.
Finalmente, não se verifica a prescrição invocada pelo recorrente nas suas alegações, pois que, tal como foi entendido pela sentença recorrida, a prescrição se interrompe por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
Ora, encontra-se provado que pelo então Instituto de Solidariedade e Segurança Social foi enviado, em 21.02.2006, ao S……………. – Sindicato Democrático …………, uma comunicação solicitando esclarecimento sobre a omissão de descontos para a Segurança Social, relativos a Maria ………………….., pelo que se tem a prescrição interrompida naquela data, para efeitos do disposto na Lei n.º17/2000, de 8 de Agosto (artigo 60º,n.º4).
Em face do exposto, e não havendo qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida, esta é de manter na ordem jurídica.
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4. Decisão
Termos em que, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida
Sem custas, por isenção subjectiva do recorrente
Lisboa, 25.02.2010
Coelho da Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira