Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03229/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC. ERRÓNEA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL FIXADA POR AVALIAÇÃO INDIRECTA. INAPLICABILIDADE DO ARTº 100º DO CPPT.
Sumário:I) -Tendo a AT adoptado o recurso a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
II) -Em tal situação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, é exigível a este a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados.
III) -O contribuinte não demonstra o erro na quantificação do lucro tributável se não consegue provar, como alegou, que um dos pressupostos factuais utilizados excede o realmente verificado e, pelo contrário, a prova apresentada confirma o acerto desse facto.
IV) - A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indiciários que suportam a liquidação.
V) - Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – ao tempo consagrado no artº 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
VI) - Na situação sub judice, a liquidação impugnada provém de acção de fiscalização onde foram constatados erros e inexactidões na contabilização das operações e indícios fundados que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, sendo perante os indícios existentes nos autos que se julgou cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte.
VII) -Não é de admitir a possibilidade de operar com a fundada dúvida a que se refere o art.º 100º do CPPT, preceito abrange os actos da administração que, como no caso concreto, se traduzam no não reconhecimento de certas situações declaradas pelos contribuintes dado que aqui a dúvida se refere à legalidade da actuação da administração e não à existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido.
VIII) - É que o 100º do CPPT contém uma norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AF (in dubio pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.
IX) -Não é legítima a dúvida alicerçada numa escrita que não merece qualquer credibilidade por falta de elementos minimamente rigorosos pois em conformidade com o artº 100º CPPT, se o facto tributário, no que respeita aos pressupostos e quantificação, resulta duvidoso pese embora a prova produzida pela parte a quem compete o ónus subjectivo - o impugnante - cabe resolver contra a parte contrária - a Fazenda Pública - e dar como não existente o facto tributário, anulando a liquidação, princípio inverso do que vigora no direito adjectivo comum, v.g. artºs. 516º CPC e 346º CC, que impõe a decisão da dúvida contra a parte onerada com a prova.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

I. - RELATÓRIO

A EXCELENTISSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão da Mmª Juiz do TAF de Loulé que julgou procedente a impugnação deduzida por MÁRIO ..., na qualidade de liquidatário da Sociedade ..., Ldª, contra a liquidação adicional de IRC que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1999, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
a) Foi impugnada a decisão de recurso hierárquico que manteve o deferimento parcial do pedido de anulação da liquidação oficiosa de IRC, relativa ao exercício de 1999;
b) A impugnante, ora recorrida, alegou excesso de quantificação da matéria colectável, tal como o fez nos meios graciosos;
c) A douta sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação judicial por entender ter sido criada dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário, nos termos do art. 100° nº 1 do CPPT;
d) A Fazenda Pública não se conforma com semelhante entendimento, pelas razões que de seguida se resumem:
e) Não tendo a recorrida apresentado, no prazo legal a que se refere o art. 112° nº1 do CIRC, declaração de rendimentos para o exercício em causa, foi efectuada liquidação oficiosa com base na matéria colectável do exercício mais próximo nos termos do disposto no art. 83° nº1 b) do CIRC;
f) A matéria colectável foi assim fixada em €33.411,10, montante que havia sido declarado pela recorrida para 1998;
g) Desta liquidação, a recorrida apresentou reclamação graciosa, a qual foi instaurada no SF de Portimão, sob o nº 1112200394000943, tendo sido parcialmente deferida por despacho de 18/04/2006, em conformidade com informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária de 27/07/2005;
h) Decisão esta confirmada, em 10/03/2008, em sede de recurso hierárquico;
i) A recorrida pretendia que fosse considerada como matéria colectável, para o exercício de 1999, o montante de €9.420,03, tendo para o efeito juntado apenas declaração de rendimentos Mod. 22, entregue em 20/06/2003, ou seja, fora do prazo legal e após emissão da liquidação oficiosa que data de 24/05/2003; declaração anual entregue na mesma data; e acta de prestação de contas;
j) No entanto, estes documentos não são, nem podem ser suficientes para afastar a presunção criada pelo preenchimento dos pressupostos de aplicação de métodos indirectos de tributação;
k) Efectivamente, estabelece-se no art. 74° nº 3 da LGT uma repartição do ónus da prova no caso de aplicação de métodos indirectos, cabendo ao sujeito passivo a prova do excesso na respectiva quantificação;
l) Não basta, como entendeu a douta sentença recorrida, criar no espírito do julgador, uma dúvida fundada sobre aquela mesma quantificação;
m) Neste sentido v. a título exemplificativo o recente Acórdão do TCAS, de 31/03/2009, Proc. 02697/08: "Nos casos em que a matéria tributável é determinada por métodos indirectos, a fundada dúvida (possível), quanto à existência e qualificação do facto tributário, não aproveita ao contribuinte para obter ganho de causa, mas só a prova do excesso nessa quantificação (art.° 74,° n.°3 da LGT e 100° n°s 2 e 3 do CPPT).";
n) Assim, a douta sentença recorrida fez uma errada valoração dos factos dados como provados e incorreu em erro de julgamento quanto às disposições legais aplicáveis ao caso concreto;
o) Mesmo a impugnante, na sua petição inicial, tal como já antes havia defendido, admite a legalidade do recurso a métodos indirectos por estarem provados os pressupostos da respectiva aplicação;
p) Defendeu, ainda, que pretendia apenas colocar em causa a sua quantificação, tal como lhe era exigido pela repartição do ónus da prova prevista no já referido art. 74º nº 3 da LGT;
q) No entanto, a douta sentença, satisfez-se com a mera dúvida sobre a quantificação da matéria colectável;
r) Acontece que esta dúvida não é suficiente para o afastamento da aplicação de métodos indirectos de tributação, já que os arts. 74° nº 3 da LGT e 100° nºs 2 e 3 do CPPT, impõem a efectiva prova do excesso da sua quantificação;
s) A Jurisprudência é unânime no sentido da repartição do ónus da prova, tal como exposto, como é disso exemplo os Acórdãos do TCAS de 18/12/2008 e 23/10/2007, proferidos nos Procs. 02692/08 e 01792/07, respectivamente;
t) A prova produzida nos autos, reconduzindo-se aos três documentos supra indicados, não é adequada a afastar a presunção legal estabelecida quanto à quantificação da matéria colectável;
u) Até porque a presunção de veracidade da declaração do SP, prevista no art. 75° n.° l da LGT, apenas existe nos casos em que é apresentada "nos termos previstos na lei", e um dos requisitos impostos na lei é precisamente a apresentação dentro do prazo legal;
v) Acresce que, o próprio art. 83° n.° l b) e c) da LGT estabelece que, na falta de declaração de rendimentos, a AT apenas levará em consideração outros elementos, no caso de não ser possível a determinação da matéria colectável através do exercício mais próximo;
w) Pelo que, a AT não poderia considerar a matéria colectável declarada pela recorrida em Mod. 22 apresentada fora do prazo legal e após liquidação oficiosa;
x) Facto, aliás, admitido na própria sentença: "Com efeito a simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar um imposto diverso do liquidado pela AT, não anula automaticamente a anterior liquidação."
y) A prova produzida pela recorrida limitou-se aos três documentos referidos, pelo que não se vislumbra a que se refere a sentença quando remete para "a demais prova produzida";
z) A recorrida não alegou factos nem apresentou qualquer prova de que a matéria colectável fixada fosse excessiva, não baseando, assim, a sua pretensão em qualquer alicerce factual ou documental externo à própria sociedade;
aã) Se considerássemos preenchido o ónus da prova, que cabia à recorrida, pela mera apresentação de declaração de rendimentos, fora do prazo legal e após emissão da liquidação oficiosa, ou pela entrega de declaração anual, também ela posterior à liquidação oficiosa, fácil seria a qualquer contribuinte ver reduzida a sua obrigação de imposto, perante a notificação de uma liquidação oficiosa, o que não é de todo consentâneo com a letra ou o espírito do legislador;
bb) Daí que apenas se possa admitir a substituição de uma liquidação oficiosa através de declaração de rendimentos entregue posteriormente, nos casos em que o SP declare matéria colectável superior. Nos restantes casos, terá sempre que provar o excesso na quantificação;
cc) Nem se diga que, com o deferimento parcial da reclamação graciosa, a AT admitiu o excesso na quantificação da matéria colectável, já que esta se manteve inalterada no valor de €33.411,10;
dd) Com a decisão de reclamação graciosa não foi alterada a matéria colectável inicialmente fixada, apenas se tomou em consideração um pagamento especial por conta, no valor de €748,20, um pagamento por conta, no montante de € 2.839,95, e a retenção na fonte, no valor de € 8,28, porque efectivamente pagos pela recorrida;
ee) O deferimento parcial decorreu, pois, do imperativo legal previsto, para estes pagamentos antecipados do imposto devido a final, nos arts. 87°, 88° e 97° do CIRC;
ff) Pelo que, não merece censura a decisão de reclamação graciosa e consequentemente a de recurso hierárquico, objecto da presente impugnação judicial.
Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha a decisão de recurso hierárquico impugnada, só assim se fazendo JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra -alegações.
A EPGA emitiu a fls. 86 o seguinte douto parecer:
“I - A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença do Mmo Juiz do TAF de Loulé que julgou procedente a impugnação deduzida por Mário ....
A recorrente nas conclusões de recurso vem suscitar a existência de errónea interpretação factual dos elementos de prova que serviram de fundamento à decisão recorrida.
II - Para além de questionar a interpretação factual a recorrente suscita ainda questão jurídica que assenta na interpretação ao disposto no art. 74° nº 3 da LGT que refere «em casos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.»
A recorrente entende que o recorrido não apresentou a prova devida que pusesse em causa a impugnada quantificação da matéria tributável e que refere na petição inicial como excessiva.
No probatório da sentença não foram fixados factos que possibilitem a análise da argumentação da recorrente, nomeadamente no que se refere à verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiciários, decorrendo esta ausência certamente da explicita aceitação pelo recorrido, do uso dos métodos indiciários pela recorrente, desde a petição inicial.
Não se fixaram também no probatório da sentença, quaisquer factos que possam sustentar ter o recorrido apresentado prova da existência de excesso por parte da AT, na quantificação que deu azo à liquidação de IRC do exercício de 1999.
O impugnante não apresentou prova que possa contrariar a existência de excesso de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, tal como decorre da argumentação da recorrente nos pontos 29° a 32° das alegações de recurso e conclusões e), f), i), j) e K).
Acompanha-se a argumentação sustentada pela recorrente quando refere que na sentença recorrida foi feita errada interpretação factual dos elementos de prova existentes nos autos.
Posta em evidência pela AT a ausência de documentos contabilísticos do recorrido e não tendo este apresentado qualquer prova suficiente que possibilitasse afastar a existência de pressupostos de aplicação dos métodos indirectos na fixação e quantificação da matéria tributável, errou a sentença recorrida ao conceder provimento àquela pretensão, por não se encontrar consistência na fundamentação em que assenta tal decisão (concl. o), p) e q)), pelo que se entende que deve a sentença ser revogada como vem pretendido pela recorrente.
Emite-se parecer no sentido do provimento do recurso da Fazenda Pública.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. - FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. - DOS FACTOS:
Na sentença fixou-se o seguinte probatório:
Factos provados
A) Em 04-06-2003 a AT fez a liquidação oficiosa, para o ano de 1999, que determinou a matéria colectável o montante de €33.411,10, com lugar a pagamento de IRC de €11.756,27 (fls 18 a 22, do PS apenso);
B) Em 07-07-2003 a impugnante deduziu reclamação graciosa, a qual foi parcialmente deferida, conforme despacho de fls 23 a 26, da PA, apenso.
C) Do parecer de fls 18, do PA apenso, refere-se que: "Contudo relativamente ao exercício de 1999, o S.P., efectuou aos 31-03-1999, um pagamento especial por conta (artº 87°) no valor de €748,20 e aos 16-12-1999 um pagamento por conta (art° 97°), no valor de €2839,95, os quais se encontram evidenciados na declaração Mod 22, apresentada pelo S.P., aos 20-06-2003. Na referida declaração encontra-se ainda declarada uma retenção na fonte no valor de €8,28 relativa a rendimentos da Categoria E, pagos pelo Banco BPI, SA. No entanto, através da liquidação oficiosa emitida pela Direcção de Serviços de IRC, verifica-se que não foram considerados os pagamentos efectuados pelo S. P., nomeadamente Pagamento Especial por Conta e Pagamento por Conta bem como a Retenção na Fonte efectuada pelo Banco BPI".
D) A fls. 24, do PA apenso, foi emitido o seguinte parecer: "Contudo, creio que se poderá proceder à liquidação rectificativa do IRC de 1999, em face dos elementos constantes da declaração de rendimentos m/22 de substituição (caso os mesmos sejam confirmados pelos SIT da DF, em face dos elementos de escrita), considerando que a reclamação foi deduzida dentro do prazo legal".
E) Do projecto de despacho de fls 33/34 consta:
"Analisados os documentos juntos ao processo, reputados convenientes para a decisão, bem como a informação, prestada pelos serviços de Inspecção Tributária desta Direcção de Finanças (...) constata-se que a reclamante, apresentou a Declaração Mod. 22, relativa ao exercício de 1999, em 20/06/2003, ou seja, em data posterior à data da liquidação oficiosa, para o ano de 1999, emitida pela Direcção dos Serviços de IRC resultou um lucro tributável no montante de €33.411,10.
De harmonia com o disposto nos ofícios nºs 35523 e 4424, de 02/10/2001 e 03/02/2003, respectivamente, da Direcção de IRC, apenas se admite a substituição da liquidação oficiosa através da declaração de rendimentos, nos casos em que o S.P., declare matéria colectável superior à que serviu de base à liquidação oficiosa, o que efectivamente não sucedeu.
Constata-se relativamente ao exercício em causa, a ora reclamante, efectuou em 31/03/1999, um pagamento especial por conta (art° 87º, do C IRC), no valor de €748,20 e em 16/12/1999 um pagamento por conta (art° 97°, do CIRC) no valor de €2.839,95, os quais se encontram relacionados na mod. 22, mais concretamente no quadro 10, da respectiva declaração, encontrando-se uma retenção na fonte da categoria E, no entanto através da liquidação oficiosa emitida pela Direcção de Serviços de IRC, verifica-se que os mesmos não foram considerados.
Assim, pelo exposto, no uso da competência que me é conferida pelo nº 1, do artº 75°, do CPPT, defiro parcialmente o pedido concedendo a anulação de €3992,93, respeitantes á liquidação n°8310006835, devendo para o efeito proceder-se a elaboração e recolha do Documento de correcção Único (DC -Único) ".
F) Da decisão referida em B) interpôs recurso hierárquico que veio a manter aquela decisão, por despacho de 10-03-2008 (fls do PA, apenso);
G) Em 20-06-2003 a impugnante entregou a declaração Mod 22, a declaração anual e a prestação de contas, apresentando como matéria colectável o montante de €9.420,03 (fls 4 e 5, da reclamação graciosa, junta ao PA).
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Os factos provados fundamentaram-se nos documentos referidos em cada ponto.
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Factos não provados
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Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, não se provou qualquer outro facto.
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2.2. – DO DIREITO:
Fixada a matéria de facto, determinemos então, pois são essas as questões a decidir delimitadas nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando, para dar como verificado o erro na quantificação da matéria tributável ou, pelo menos, a fundada dúvida sobre o excesso de quantificação, o tribunal a quo se serviu de factos articulados pela impugnante mas dos quais não foi apresentada prova pelo impugnante.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação com base no seguinte discurso jurídico:
“Alega a impugnante que não está em causa o recurso a métodos indirectos que considera legal tendo em consideração que não foi atempadamente entregue a declaração de rendimentos, Mod 22, mas considera ter havido excesso na matéria tributária quantificada, tendo apresentado prova suficiente desse excesso tanto na reclamação graciosa como no recurso hierárquico.
A tributação das empresas deverá incidir sobre o seu rendimento real (art° 104°, n° 2, da CRP), diz o imperativo constitucional, o que implica, desde logo, um acréscimo dos deveres de cooperação do sujeito passivo para com a Administração tributária (doravante apenas AT).
Um desses deveres é o da entrega da declaração periódica de rendimentos (art° 109°, n° 1°, do CIRC).
Diz-se no art° 59°, n° l, do CPPT que "o procedimento de liquidação instaura-se com a declaração dos contribuintes ou, na falta ou vicio destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente", sendo que, "o apuramento da matéria tributável far-se-á com base na declaração dos contribuintes, desde que estes as apresente nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária " (n° 2).
Como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em anotação a este artigo (no CPPT, Anotado, pág. 447, Vol I) que se estabelece neste artigo a regra da instauração do procedimento de tributação com as declarações dos contribuintes (...) e que quando não é feita com base nas declarações dos contribuintes, por estes não as terem apresentado ou a sua apresentação não for a correcta, a liquidação é feita pela totalidade do rendimento do ano mais próximo que se encontrar determinado ou com base nos elementos que os serviços centrais da DGCI, disponham (art°s 83°, do CIRC e 76°, do CIRS).
A obrigação de apresentação das declarações é também uma das obrigações acessórias dos sujeitos passivos previstas no art° 31°, n° 2, da LGT.
In casu, o apuramento da matéria tributável não foi feita com base na declaração de rendimentos, porquanto a impugnante não a apresentou nos termos previstos na lei e, por isso, a AT procedeu oficiosamente à sua determinação, utilizando o comando previsto no n° 3, do art° 56°, da CPPT, facto que não é contestado pela impugnante.
Sendo a questão decidenda - a quantificação da matéria tributável - cabe ao contribuinte fazer prova de que houve erro ou excesso manifesto na matéria tributável quantificada (artº 100°, do CPPT) e não apenas gerar dúvida.
Considera a impugnante que a prova produzida, tanto na reclamação graciosa como no recurso hierárquico, é suficiente e basta-se com a entrega da declaração anual e a prestação de contas expressa na cópia da acta (entregue em tempo), com resultados apurados.
Importa, pois conhecer da questão de saber se a impugnante logrou demonstrar o invocado erro na quantificação da matéria tributável.
Com efeito a simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar um imposto diverso do liquidado pela AT, não anula automaticamente a anterior liquidação.
Desde logo se verifica que a AT determinou, para o exercício de 1999, a matéria colectável com base no exercício de 1998, ou seja, €33.411,10 e, posteriormente com base na declaração modelo 22, apresentada pelo contribuinte, em 20/06/2003 (ainda que depois confirmada pela Direcção de Serviços de IRC) procedeu à sua anulação parcial na sequência da reclamação graciosa apresentada pelo contribuinte, como se pode verificar na informação de fls 18, de fls 24, no projecto de despacho de fls 33 que se veio a tornar definitivo e notificado ao sujeito passivo.
O conjunto da declaração de rendimentos, da declaração anual e ainda da acta que se encontra registada são, aptos a contrariar, com um mínimo de certeza e de segurança, criaram uma dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário em causa o que implica a sua anulação peticionados, designadamente quando conjugados com a demais prova produzida.
Aliás, a própria AT teve em consideração os elementos fornecidos pelo impugnante, designadamente a declaração Modelo 22, e por isso anulou parcialmente a liquidação, tendo emitido parecer favorável para se proceder à liquidação rectificativa de IRC. Assim, o conjunto daquela prova documental apresentada pela impugnante aliada à demais prova acima analisada, é, susceptível de criar a dúvida fundada sobre a existência do excesso de quantificação de tal liquidação que favorece a impugnante e desfavorece a AT, nos termos da citada norma do art.° 100° n.°l do CPPT. Pelo é de proceder a impugnação pelos motivos alegados pela impugnante.”
Irresignada com o assim fundamentado e decidido, a recorrente FP sustenta que o recorrido não apresentou a prova devida que pusesse em causa a impugnada quantificação da matéria tributável por métodos indirectos e que refere na petição inicial como excessiva –cfr. Artºs 29° a 32° das alegações de recurso e conclusões e), f), i), j) e K).
A EPGA acompanha a argumentação sustentada pela recorrente quando refere que na sentença recorrida foi feita errada interpretação factual dos elementos de prova existentes nos autos e, posta em evidência pela AT a ausência de documentos contabilísticos do recorrido e não tendo este apresentado qualquer prova suficiente que possibilitasse afastar a existência de pressupostos de aplicação dos métodos indirectos na fixação e quantificação da matéria tributável, considera a EPGA que a sentença recorrida errou ao conceder provimento àquela pretensão, por não se encontrar consistência na fundamentação em que assenta tal decisão (concl. o), p) e q)), pelo que se entende que deve a sentença ser revogada como vem pretendido pela recorrente.
Há, pois, que aquilatar se a sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto quando, para dar como verificado o erro na quantificação da matéria tributável, o tribunal a quo se serviu de factos articulados pela impugnante e não expostos como provados no material de facto da sentença, que manifestamente estão incorrectos.
Concluindo-se pela existência de irregularidades que retiravam à escrita credibilidade não se vê através de que elementos se poderia alcançar o real valor da margem de lucro, sendo que os que o impugnante indica não são aceitáveis.
Na utilização de valores indiciários entende-se que a administração fiscal goza de uma margem de discricionariedade na sua quantificação, por ser ela que, pela sua continuada experiência e contacto com os operadores económicos, se encontra em melhor posição e com melhores dados para o efeito, e tendo em conta que se trata de valores necessariamente indicativos de médias generalizadas.
E por se tratar de uma margem de discricionariedade ela só pode ser jurisdicionalmente sindicável se inequivocamente, por si ou por elementos apresentados pelos interessados, se mostrar fora dos limites da razoabilidade.
Contra o entendimento da sentença, a realidade é que a matéria de facto foi fixada sem ter em conta àquela exigência e, nessa conformidade, não se vislumbra que à quantificação do rendimento colectável efectuada se possa assacar qualquer erro.
De resto, na esteira do Acórdão deste TCA de 22/05/2001, tirado no Recurso nº 3216/00, cabe à Fazenda Pública, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou métodos indiciários e presuntivos, constantes do relatório dos serviços de fiscalização.
E incumbe ao contribuinte o ónus da prova de que deu cumprimento às obrigações de natureza contabilística, impostas pela lei comercial e fiscal, v.g. o DL 410/89 de 21.11 (Plano Oficial de Contabilidade).
Assim sendo, quanto à errada quantificação da matéria tributável, vê-se que está justificada claramente a forma de encontrar a referida matéria, não logrando a contribuinte provar que houve erro ou excesso na determinação da matéria colectável, como lho impunham os artºs 100º, nº 3.
Inexistem, pois, razões que justifiquem a aceitação dos valores propostos pela impugnante – que nem sequer põe em causa a bondade da aplicação dos métodos indirectos - e também não há motivo para, em geral, não conferir validade aos valores avançados pela AF.
Assim, a impugnante estava onerada com a prova dos pretensos “excessos”, não competindo ao tribunal proceder à quantificação dos mesmos.
Ora, o facto de não ter vindo oferecer ou requerer quaisquer provas que infirmem o valor determinado pelo Fisco, também sempre se dirá que o apuramento da matéria tributável no caso, não está a ser efectuado directamente pela contabilidade do sujeito passivo, por falta de crédito desta, descredibilização que tanto vale para a contribuinte como para a AT, e que o apuramento da matéria tributável por métodos indirectos, visa, ao menos tendencialmente, sempre alcançar o rendimento real efectivo, como se proclama no preâmbulo do CIRC...em qualquer caso, procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional...seu ponto 9., que tem o seu método normal de medição, mais rigoroso e mais preciso, directamente, através dos resultados revelados pela contabilidade, ou, excepcionalmente, por quaisquer outros meios, quando aqueles não sejam aptos para o mesmo fim.
A possível incerteza da quantificação da matéria colectável mais não é do que a normal consequência do próprio método presuntivo ou indiciário dessa quantificação, que lhe é inerente, surgindo como uma última ratio fisci para apuramento de uma matéria colectável que por culpa da contribuinte não foi apurada através da forma normal que é a sua escrita comercial, mercê das deficiências que apresenta ou perante a sua falta pura e simples.
No art.° 51º do CIRC e, agora, no artº 87º da LGT, prevê o recurso a métodos indiciários para a determinação do imposto como uma faculdade que assiste ao Fisco, com a margem de livre apreciação ali conferida quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável nas situações que estão que estão expressamente tipificadas no CIRC e que assumem um carácter excepcional - a utilização, de métodos indiciários para a determinação da matéria colectável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita com o recurso a presunções ou estimativas sempre que a AT constate a existência de inexactidões ou omissões nas declarações que conduzam a um imposto inferior ou a uma dedução superior aos que se mostrem devidos, sendo certo que a aludida constatação pode resultar de diversos factores enunciados naquele preceito legal, nomeadamente, de visita da Fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame aos seus elementos de escrita e/ou da verificação das existências físicas do estabelecimento.
De acordo com o Acórdão deste TCA de 03/02/04, tirado no Recurso nº 785/03, cuja fundamentação estamos seguindo de perto, com a devida vénia, a utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AT, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que servem de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.
Por outro lado, muito embora as situações que constituem os pressupostos que legitimam o recurso ao método indirecto de avaliação constituam as mais das vezes contra - ordenações fiscais/a aplicação de tais métodos não visa nunca a punição desses factos mas tão somente, nas palavras de Génova Galván, in La estimación indirecta, Tecnos, Madrid, 1985, «alcançar senão aquela certeza que o método directo atinge pelo menos atingir a máxima verosimilhança que seja possível alcançar no caso concreto através da utilização de inferências probabilísticas».
O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável sendo por isso uma faculdade da AT no exercício do seu poder/dever de liquidar quando comprovadamente demonstre não poder por via directa alcançar o rendimento tributável.
Na senda do douto acórdão que vimos citando, para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.
Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuisticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.
Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.º 264° nºs 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a... suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto... cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
Ora, o impugnante não devia limitar-se a alegar factos que pusessem em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário, impondo-se-lhe cumprir o ónus probatório de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder - dever inquisitório, diligenciar também comprová-los - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPT, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, anotação 8. ao art.° 121.°, págs. 267 e 268.
Volta a salientar-se que o apuramento da matéria tributável não está a ser efectuado directamente pela contabilidade do sujeito passivo, por falta de crédito desta, descredibilização que tanto vale para a contribuinte como para a AT, o que significa que a possível incerteza da quantificação da matéria colectável mais não é do que a normal consequência do próprio método presuntivo ou indiciário dessa quantificação, que lhe é inerente, surgindo como uma última ratio fisci para apuramento de uma matéria colectável que por culpa da contribuinte não foi apurada através da forma normal que é a sua escrita comerciai, mercê das deficiências que apresenta ou perante a sua falta pura e simples.
Se é pacífico que o recorrido podia em qualquer altura do procedimento demonstrar que houve erro na quantificação ou foi cometida qualquer ilegalidade ou preterição de formalidade que afectem a liquidação através de provas sérias e convincentes, não resta qualquer dúvida de que ele não ofereceu contraprova convincente.
Mas, como ficou fundamentado, os pressupostos legitimadores do recurso ao método presuntivo foram efectivamente comprovados o que, à míngua de contestação válida e credível, acarreta necessariamente a conclusão de que a AF ficou impossibilitada de calcular directamente a base tributável tanto mais que, como resulta da matéria de facto que foi dada como assente, o Recorrente não logrou provar sequer a existência de qualquer erro na quantificação efectuada por presunção pois, sustentando embora que o critério deveria ter sido outro, toda a prova produzida vai no sentido de demonstrar que o valor adoptado pela AT é claro, justificado e razoável, tanto mais que foi retirado da actividade da impugnante.
Sendo assim, verifica-se deficiência de fundamentação na sentença recorrida que a faz incorrer em erro de julgamento e apreciação da matéria de facto, a impor a sua revogação com as legais consequências.
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Importa, ainda e frontalmente, apreciar se, como alegado pelo Mº Juiz «a quo», existe fundada dúvida sobre a quantificação da alteração dos rendimentos declarados.
A verificação da factualidade vertida no probatório e que atrás se transcreveu, afasta a possibilidade de operar com a fundada dúvida a que se refere o art.º ou 100º do CPPT.
Este preceito abrange os actos da administração que, como no caso concreto, se traduzam no não reconhecimento das situações declaradas pelos contribuintes dado que aqui a dúvida se refere à legalidade da actuação da administração e não à existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido.
É que o artº 100º do CPT contém uma norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AF (in dubio pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.
Ora, e como já se disse, tudo indica que o sr. Juiz «a quo» fez tábua rasa do valor probatório desses elementos relevantes para a comprovação da existência e quantificação do facto tributário, ou, para, pelo menos, gerarem a dúvida sobre o seu conteúdo.
Daí que não seja lícito invocar o regime do artº 100º do CPPT.
Dispõe o citado normativo:
"Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado".
O exposto acerca do ónus de prova objectivo vigente em sede de direito processual fiscal constitui o fundamento jurídico de que o preceito em causa é corolário.
Seguindo Alfredo José de Sousa, José da Silva Paixão, in "CPPT - Comentado e Anotado", 1ª edição, anotação 8 ao artº 100º, págs. 236 temos que "[...] a prova produzida de que há-de resultar a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário há-de ser, não só a prova aduzida pelas partes, como também e sobretudo a prova que ao juiz se impõe diligenciar.
A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se "fundada", se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante.
Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do acto tributário.
Cabe-lhe o ónus de prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder - dever inquisitório, diligenciar também comprová-los."
Em conformidade com o disposto no artº 100º CPPT, se o facto tributário, no que respeita aos pressupostos e quantificação, resulta duvidoso pese embora a prova produzida pela parte a quem compete o ónus subjectivo - o impugnante - cabe resolver contra a parte contrária - a Fazenda Pública - e dar como não existente o facto tributário, anulando a liquidação, princípio inverso do que vigora no direito adjectivo comum, v.g. artºs. 516º CPC e 346º CC, que impõe a decisão da dúvida contra a parte onerada com a prova. Simplesmente, o ónus de prova do alegado erro sobre os pressupostos do acto de liquidação onera o Recorrido pelo que, se, em face da contraprova produzida pela Fazenda Pública a respeito dos mesmos factos, o resultado fosse duvidoso, o desiderato teria de se resolver em desfavor do Recorrido, dando-se por assente o facto contrário, isto é, a inexistência de erro sobre os pressupostos e quantificação do facto tributário.
No artº 100º do CPT acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AF que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável» devendo, em caso de subsistência de dúvida «acerca do objecto do processo (...) abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum»(Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150, 158 e 169).
De acordo com A.Sousa e Silva Paixão, CPPT anotado, pág. 237, hoje é irrecusável que aquele princípio é estruturante não só do processo contencioso tributário como do processo administrativo tributário, devendo a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário implicar que a AF se abstenha quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do tributo.
Em suma, é a indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal.
A prova para aquele efeito relevante será não apenas a aduzida pelas partes, mas também e especialmente a prova que ao juiz se impõe diligenciar. Nesse sentido se pronunciou o Acórdão do STA-2ª Secção, de 29/11/1995, proferido no Recurso nº 19 247, quando nele se expende, para justificar que o STA não sindica matéria de facto nos termos do artº 21º nº 4 do ETAF, que «A «fundada dúvida» referida no artº 121º do CPT- que corresponde hoje ao artº 100º do CPPT- é a que resulta da consideração de todo o apport probatório trazido ao processo pela Administração Fiscal e pelo contribuinte e tendo em conta ainda as diligências ordenadas pelo juiz, nos termos do seu artº 40º nº 1-hoje 13º do CPPT -, que não apenas a «imputável» ao Fisco».
Assim sendo, cabia ao juiz da 1ª Instância realizar ou ordenar todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade pois não pode considerar-se fundada a dúvida que implica a anulação do acto impugnado se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, especialmente do impugnante.
É que este não pode limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário», incumbindo-lhe o «ónus probandi» de tais factos sem prejuízo de o juiz, no uso do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também pela sua comprovação só sendo possível concluir-se pelo fundamento da dúvida mediante a prova concludente dos mesmos.
A este enquadramento do regime do artº 100º do CPPT há um «prius» que é a conceituação de facto tributário aderindo nós à que dele dá Alberto Xavier em Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 247 e segs segundo a qual naquele existem um elemento subjectivo e um elemento objectivo integrado por um elemento material (acontecimento natural ou fenómeno de natureza económica, acto ou negócio jurídico tipificados na norma de incidência real), um elemento temporal (factos instantâneos ou duradouros) e um elemento quantitativo (factores legais de medição do objecto material do imposto).É este elemento objectivo nas assinaladas vertentes que releva para efeitos da apreciação do regime estabelecido no artº 100º do CPPT de sorte que, no encalço dos dispositivos que nos vários códigos fiscais ao mesmo se referem, a existência do facto tributário será a realidade dos eventos concretos de natureza económica, actos ou negócios jurídicos que revelem a capacidade contributiva do contribuinte e que em abstracto estão descritos nas normas de incidência real de cada um daqueles códigos e a quantificação do facto tributário se aterá à medição daqueles factos materiais actuando as regras estabelecidas em cada um daqueles Códigos para a determinação da matéria colectável proveniente de rendimento, lucro ou valor.
Com esta delimitação, vejamos agora se é sustentável alguma dúvida fundada sobre a existência e/ou quantificação do facto tributário e se dela foi feita prova concludente.
Em nosso entender, da prova carreada para os autos não resulta uma fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário na medida em que não é legítima a dúvida alicerçada numa escrita que não merece qualquer credibilidade por falta de elementos minimamente rigorosos até porque, como já se disse, a liquidação se mostra em todos os seus aspectos devidamente fundamentada e a anulação do acto tributário com base no disposto no artigo 100º do CPPT, só se justificava caso os factos alegados se mostrassem devidamente provados e tal não se verifica dado que a prova produzida não revela força suficiente para destruir o referido nas informações prestadas devidamente documentadas.
«Prima facie», e como já se aventou, a força probatória dos documentos, a sua genuidade ou falsidade, o ónus da prova, são conceitos de direito probatório material e, como tal, regulados no Ccivil do qual resulta que a falsidade dos documentos está conexionada com a prova do contrário da verdade demonstrada pela prova legal plena (cfr. artºs. 347º, 370º, nº 2, 371º, nº 1, 372º, nºs. 1 e 2, 375º, nºs. 1 e 2 e 376º, nº 1). É para essa situação que existe o meio adjectivo do incidente de falsidade regulado nos artºs. 360º e segs. do CPC.
Decorre do supra explanado que se verificavam os pressupostos das presunções operadas em termos de se poder afirmar que não há qualquer dúvida pois essa que funcionaria como legitimadora da imprecisão, incoerência ou ilegalidade.
É que, os fundamentos aduzidos pelo Fisco e os resultados obtidos na determinação da matéria tributável, não foram relevantemente contrariados com argumentos ou documentos que, suscitando fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários em análise determinassem a anulação do acto tributário de liquidação.
Perante o exposto, dúvidas não sobram de que existe facto tributário e que foi correctamente quantificado pelo que o acto tributário, por ser legal, deverá manter-se na ordem jurídica e por isso não se torna necessário recorrer à regra do artº 100º do CPPT pois que resulta do probatório exarado na sentença sob recurso que a documentação de suporte dos lançamentos contabilísticos tidos em conta na liquidação, não se apresentam de acordo com os requisitos legalmente tabelados.
No fundo, o que a recorrente FP sustenta é que a sentença recorrida não apreciou, como devia, os elementos probatórios, razão por que também não pode afirmar, baseado no probatório fixado, que ele é susceptível de gerar dúvida na quantificação operada pela AT.
Para a recorrente, não se demonstrou o erro/excesso na quantificação do facto tributário. E, se é certo que nada obstava a que o Impugnante questionasse em sede de impugnação da liquidação do IRC a fixação da matéria tributável com base em erro/excesso na quantificação, designadamente por erro quanto aos pressupostos de facto em que esta assentou, o que ficou dito permite concluir que também no que se refere à concreta quantificação da matéria colectável, não se vislumbra que a actuação da Administrarão Fiscal padeça de ilegalidade que invalide a liquidação impugnada.
É que, porque essa quantificação foi feita pelos motivos apontados, é sobre o Contribuinte que recai o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero desta quantificação (art. 100.º, n.º 3, do CPT), não bastando que o mesmo crie dúvida sobre a quantificação do facto tributário.
Se é pacífico que o recorrente podia em qualquer altura do procedimento demonstrar que houve erro na quantificação ou foi cometida qualquer ilegalidade ou preterição de formalidade que afectem a liquidação através de provas sérias e convincentes, não resta qualquer dúvida de que ele não ofereceu contraprova convincente.
Termos em que improcedem as conclusões sob análise.
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3. -DECISÃO:
Termos em que se acorda neste TCA em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
Custas pela recorrida em 1ª instância.
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Lisboa, 20/10/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)