Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04385/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/19/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL. NATUREZA E REGIME DE SUBIDA DA RECLAMAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº 276º DO CPPT.
Sumário:I) -A reclamação dos despachos proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças ou por outras autoridades da administração tributária prevista no artº 276º do CPPT, corresponde a um verdadeiro recurso, sendo como tal denominado no velho CPT e em outras vigorantes normas como é o caso do art.º 97.º n.º1 n) do próprio CPPT.

II) – Em regra, a reclamação só sobe ao tribunal, a final, depois de realizadas a penhora e a venda.

III) – Mas, fundando-se a reclamação em prejuízo irreparável, a sua subida é imediata e segue as regras dos processos urgentes.

IV) – E a irreparabilidade do prejuízo não está circunscrita aos casos elencados nas várias alíneas do n.º3 do art.º 278.º do CPPT já que essa limitação inquinaria a norma de inconstitucionalidade material, antes devendo ficar por ela abrangidos todos os casos de ocorrência para os interessados de um prejuízo irreparável, em consideração do princípio da tutela judicial efectiva que a norma do art.º 268.º n.º4 da CRP consagra.

V) – Assim, está garantida a subida imediata de todas as reclamações quando a sua retenção importe perda de toda a sua utilidade, por força da consagração do direito de impugnar ou de recorrer de todos os actos lesivos previsto na LGT e ser esse o regime geral dos agravos contido no norma do art.º 734.º n.º2 do CPC.

VI) -Embora nesta sede não se possa discutir ainda a legalidade do acto sindicado, o mesmo é manifestamente ilegal, porquanto, ao mandar arquivar a oposição o órgão de execução incorre em vício de usurpação de poder, uma vez que apenas o tribunal tributário tem competência para apreciar a oposição, nos termos do artigo 151.° do CPPT, pelo que, se a reclamação só subir após a penhora e venda, a mesma deixa de ter qualquer utilidade, já que o recebimento da oposição tem um efeito suspensivo provisório do PEF, nos termos do artigo 169.°do CPPT caso seja prestada garantia, no prazo de 15 dias após notificação.

VII) -É que a reclamante deduziu oposição que a AT deveria ter remetido a tribunal no prazo de 20 dias (artigo 208.°/1 do CPPT), mas que mandou arquivar indevidamente, através da qual era passível de obter a suspensão do PEF, se a reclamação só subisse a final, depois da penhora da venda, a reclamação perderia, em absoluto, qualquer utilidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DESTE TRIBUNAL:

1.- A..., S.A., inconformada com a decisão proferida pelo Sr. Juiz do TAF de Leiria Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 17 de Setembro de 2010, exarada a fls. 139/141, que não conheceu da reclamação por entender que a mesma só deve subir a final e não imediatamente, dela recorre concluindo as suas alegações como segue:
“36 A executada apresenta reclamação nos termos do artigo 276° do CPPT., da decisão do órgão da execução que arquiva petição de oposição por inutilidade superveniente, consubstanciada a decisão na revogação do despacho que ordenara a citação da executada, citação esta que se concretizara.
37. Desta reclamação, despacha o órgão de execução no sentido da não subida dos autos por falta de verificação do prejuízo irreparável.
38. Desta decisão é apresentada segunda reclamação, que, após vários incidentes processuais o TAF de Leiria, em concordância com a executada, partilha da visão que a Administração Fiscal não é competente para apreciar a existência ou não do prejuízo irreparável, decisão que foi confirmada por Acórdão do STA.
39. Ordenada a subida da primeira reclamação, retida no Serviço de Finanças, estranhamente, coube-lhe o mesmo número de processo, o que levou a que a reclamante requeresse ao Tribunal esclarecimento, o qual lhe foi doutamente prestado.
40. Com todo o respeito, não concorda a reclamante com o facto de ter petição diferente sido autuada com o mesmo número de uma apresentada em momento posterior, ademais porque em situações idênticas esse não tem sido o comportamento adoptado pelo mesmo Tribunal.
41. Contudo, proferido despacho sobre a primeira reclamação, foi a mesma indeferida liminarmente, ordenando a douta decisão a sua subida a finai, por no seu entender, não estar verificado o prejuízo irreparável.
Sobre o arquivamento da oposição
42. Desde logo, denota a intenção do legislador, que a possibilidade de revogação do acto que tenha dado fundamento à oposição, pelo órgão da execução fiscal, perspectiva uma situação positiva para o executado e não uma situação que lhe cause um prejuízo irreparável.
43. Mesmo admitindo a possibilidade de revogação pelo órgão de execução de alguns dos seus próprios actos, não integra essa possibilidade, um acto discricionário, por forma a que daí resulte um prejuízo para o executado, impedindo-o do uso das garantias e meios de defesa a que tem direito, nem essa revogação cabe no dispositivo do n,°2 do artigo 208 ° do CPPT.
44. Havendo o executado apresentado oposição judicial à execução, o órgão de execução não detém qualquer competência para decidir pelo seu arquivamento, prosseguindo ainda com a execução como se nenhuma oposição houvesse sido deduzida.
45. Quando o órgão de execução decide revogar o despacho que ordena a citação, está impedido de revogar o acto material e praticado da citação.
46. Isto é, não pode pretender a revogação da citação realizada, pois esta, uma vez concretizada, não é possível, sob qualquer forma desfaze-la nem materialmente nem formalmente, em prejuízo do executado.
47. Pelo que toda a sua substância de conteúdos e eficácia adquire vitalidade com a sua materialidade e consequentemente também a tempestividade da oposição.
48. Mesmo tratando-se de situação de intempestividade ou inexistência de fundamentos para oposição tal situação seria obrigatoriamente avaliada pelo tribunal competente e não pelo órgão de execução.
49. Apresentada a oposição não é esta passível de arquivamento peio órgão de execução sob nenhuma forma, a não ser eventualmente pela concordância com todos os fundamentos aduzidos, com enquadramento no n.°2 do artigo 208.° do CPPT.
50. Desta forma, por falta de competência total no arquivamento da oposição na presente situação, teria esta forçosamente de ser enviada ao tribunal competente.
51. Em suma, com a revogação do despacho que ordena a citação de 10 de Setembro de 2009 o órgão de execução apenas incorre na nulidade formal da citação realizada sem que essa nulidade importe na efectividade e materialidade da citação e respectivos direitos que com ela integraram a esfera jurídica do executado.
52. No entanto, é com esta deturpada interpretação do artigo 208° n° 2 do CPPT que a órgão de execução pretende prosseguir e coarctar ao executado a mais nobre garantia de defesa no processo executivo - a oposição à execução fiscal.
53. E é deste acto de arquivamento da oposição, em flagrante desvio de poder, para já não falar em abuso de poder que se extrai do conjunto de comportamentos do órgão de execução, que o executado reclamou nos termos do artigo 276° do CPPT com óbvio prejuízo irreparável.
Do prejuízo irreparável
54. Deve ser considerado irreparável o prejuízo ou dano cuja extensão não possa ser avaliada pecuniariamente, sendo certo que esses prejuízos terão de ser directos e consequência do acto de que se reclama.
55. Podemos entender assim, que o alcance da tutela judicial, não exige só a reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal e lesiva da administração tributária, mas também e especialmente que, sempre que possível, sejam evitados prejuízos decorrentes dessa actuação.
56. Porém, é surpreendente, a decisão de arquivamento da oposição proferida pelo órgão da execução fiscal no processo executivo e respectivos apensos, pois é lesiva dos mais elementares direitos de defesa da executada, pelo que o seu prejuízo irreparável é óbvio desde logo porque acarreta limitações inconstitucionais ao direito de defesa do executado.
57. Quer por via constitucional, quer pela interpretação de lei com valor reforçado - LGT revigorada em preceitos do CPPT é o arquivamento da oposição, realizada pela AF, um acto violentador dos mais basilares direitos fundamentais do acesso aos tribunais e à justiça
58. Como tal, o prejuízo irreparável não carece de prova acrescida ou extensão de argumentação.
59. Em erro, o tribunal a quo fundamentou a sua posição de inadmissibilidade da reclamação com base essencialmente na ideia de possibilidade de "reembolso" dos eventuais prejuízos causados pela actuação da administração ou pela reversibilidade dos actos entretanto realizados,
60. O que merece a nossa humilde discordância, pois o prejuízo irreparável decorre imediatamente do cerceamento de direitos fundamentais de acesso ao tribunal e à justiça perpetrados pelo órgão da execução fiscal, através do arquivamento da oposição à execução.
Termos em que requer, sempre com o mui douto provimento de V. Ex.a, seja o presente recurso aceite por estar em tempo, e julgado procedente por provado, decidindo a douta decisão do Tribunal ad quem, pela revogação do despacho de indeferimento liminar proferido em 1ª Instância, devendo a reclamação apresentada ser decida, ordenando a subida imediata dos autos de oposição à execução ao Tribunal, com vista à sua apreciação, por estar devidamente demonstrado o prejuízo irreparável decorrente do arquivo de uma petição de oposição, consubstanciada a decisão, na revogação do acto que determinara a citação do executado, com fundamento no n.°2 do artigo 208.° do CPPT.
Não houve contra – alegações.
O EPGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso por, a subir a final, a reclamação perderia, em absoluto, qualquer utilidade.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. – É do seguinte teor o despacho reclamado:
"A... S.A." apresentou no Serviço de Finanças (SF) de Porto de Mós uma reclamação de acto do OEF, no âmbito do PEF n.° 1457200501027670, requerendo, em síntese, a anulação do despacho ali proferido que considerou sem efeito a citação efectuada e determinou a extinção da acção de oposição interposta. Aquele SF entendeu que a referida reclamação subiria apenas a final por falta de alegação e demonstração do prejuízo irreparável. O reclamante apresentou nova reclamação do acto do OEF, desta feita, contra o acto de retenção até final da execução da sua reclamação, tendo aquela sido procedente, por ter o Tribunal entendido, em síntese, que o prejuízo irreparável estava invocado, cabendo por isso ao Juiz a apreciação da bondade da alegação e demonstração do prejuízo irreparável por se tratar, desde logo, de uma decisão de mérito.
Por conseguinte, foi determinada a subida imediata da presente reclamação. Estamos, por isso, na fase liminar de admissão ou não da presente reclamação, sendo esta a fase em que se procede à referida apreciação dos pressupostos da subida imediata da reclamação.
Ora, o art. 276.°, do C.P.P.T., dispõe que as decisões proferidas pelo O.E.F. e outras autoridades da A.T. que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.
Por sua vez, dispõe o art. 278.°, do CPPT que o Tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.
Em contrapartida, dispõe o n.° 3, daquela norma, que a reclamação subirá de imediato nas situações em que se fundamente em prejuízo irreparável.
Assim, é necessário, além do mais, que na sua reclamação, o interessado invoque prejuízo irreparável. O reclamante que pretenda a subida imediata deverá invocar a existência de um prejuízo irreparável.
Analisada a P.l., verifica-se que o reclamante efectivamente invoca o prejuízo irreparável, cabendo agora decidir se este se encontra demonstrado em termos que determinem a subida imediata da reclamação.
A este propósito refere o reclamante que A decisão proferida pelo Órgão de Execução Fiscal no processo executivo e respectivos apensos, para além de ser lesiva dos direitos e interesses legítimos da executada constitui um prejuízo irreparável causado justamente pela ilegalidade levada a efeito, de proceder à revogação de um acto, que não constituiu fundamento da oposição e por isso, praticado à revelia do que dispõe o n.° 2, do art. 208°, do CPPT (art. 68.°, da petição inicial a fls. 46 e ss. dos autos).
Ora, como se vê o reclamante não alega factos susceptíveis de integrar o conceito de prejuízo irreparável, limitando-se a fazer uma referência vaga e genérica no sentido de o prejuízo irreparável se traduzir em pagar aquilo que não está obrigado a pagar. Ora, entendemos que isto não representa um prejuízo irreparável, na medida em que é perfeitamente reembolsável. O prejuízo a que se refere de forma genérica o reclamante é o incómodo da execução, de pagar o que alegadamente não devia. Este prejuízo é susceptível de reparação, pelo reembolso, não encontrando correspondência legal na norma em causa que se refere a um prejuízo irreparável. Nem implicitamente se consegue apreender o prejuízo irreparável invocado pelo reclamante.
A este propósito sufragamos o entendimento do T.C.A. - Sul, resultante, nomeadamente, do Acórdão de 12 de Agosto de 2009, proferido no recurso n.° 03407/09, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual não é irreparável o prejuízo em que possa haver uma restituição do pagamento indevido. Mais ali se refere que A excepção existe para casos em que o prejuízo resultante do andamento da execução fiscal não é sequer previsível ou de muito difícil reparação. A lei exige, pois, «prejuízo irreparável», conceito que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem preenchido, integrado, comparado e conexionado mormente com a noção de «absoluta inutilidade» da subida não imediata (diferida) da reclamação ao Tribunal.
No acórdão de 23-5-2007, proferido no recurso n.° 374/07 pode ler-se: (...) a inutilidade resultante da subida diferida da reclamação é noção a definir em presença da de prejuízo irreparável de que fala a lei. É seguro que o legislador não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja retenção pode originar prejuízos. Não está em causa, pois, poupar o interessado a todo o prejuízo. Por isso se estabelece que as reclamações sobem imediatamente só quando a sua retenção seja susceptível de provocar um prejuízo irreparável. Em súmula, a reclamação que não suba logo não perde todo o seu efeito útil, mesmo que não evite o prejuízo que se quer impedir, desde que seja possível repará-lo. Ora, a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta ou total inutilidade do recurso (reclamação), entendendo-se que a sua eventual retenção deverá ter um resultado irreversível, não bastando a mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual, sem que aí se possa vislumbrar qualquer ofensa constitucional. Cf r. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3, pp. 115/116, e jurisprudência aí citada. A subida da reclamação após a penhora não a torna totalmente inútil, pelo contrário, pois, se deferida a reclamação, o acto processual em causa - a instauração da execução -, será anulado, ficando esta sem efeito. Claro que com os prejuízos inerentes mas, como se disse, só a respectiva irreparabilidade é fundamento da subida imediata.
Com efeito, não são alegados quaisquer factos que permitam sustentar a existência de um prejuízo irreparável, ainda que de forma implícita, da concretização do despacho recorrido.
Por conseguinte, a presente reclamação não pode subir imediatamente, por falta de fundamento legal, pois só nas situações em que o reclamante demonstre a existência de um prejuízo irreparável é que o Tribunal conhecerá, de imediato, do mérito da reclamação.
Pelo exposto, indefiro liminarmente a subida imediata da presente reclamação, ordenando a sua remessa ao competente SF para prosseguimento dos seus trâmites até final.
Custas pelo Autor, que se fixam pelo mínimo legal.”
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Tendo em conta o assim fundamentado e decidido e as conclusões do recurso, delimitativas do seu objecto, a questão decidenda consiste em saber se, ao não subir imediatamente, a presente reclamação perde utilidade e já não poderá aproveitar à recorrente, causando-lhe prejuízo irreparável, ainda que venha a ser atendida e, caso se entenda que não ocorre nenhuma dessas circunstâncias, se deve indeferir a reclamação ou ordenar a sua baixa aos SF a aguardar o momento oportuno da subida.
Como se viu, a decisão recorrida indeferiu liminarmente a reclamação judicial, porque entendeu que a presente reclamação não podia ter subido imediatamente, pois só nas situações em que o reclamante demonstre a existência de um prejuízo irreparável é que a A.T fará subir os autos imediatamente, sem prejuízo de o juiz se abster de conhecer imediatamente do seu mérito, se entender que não se verifica uma situação em que essa subida deve ocorrer.
Aquilatemos, então, se estamos, ou não, perante um dos casos previstos no art. 278° do CPPT para que o Tribunal conheça das reclamações das decisões dos Órgãos de Execução Fiscal em momento anterior ao da penhora e da venda.
O artº 276º do CPPT dispõe que “As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal (...) que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância”.
Esta reclamação dos despachos proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças ou por outras autoridades da administração tributária, corresponde a um verdadeiro recurso, assim sendo denominada no anterior CPT e também ainda hoje, em outras normas, designadamente na do art.º 97.º n.º1 n) do próprio CPPT.
Em regra, a subida do recurso é diferida visto que do nº 1 do artº 278º do CPPT resulta que a reclamação só será conhecida a final, devendo o processo ser remetido para o efeito ao TT 1ª Instância depois da realização da penhora e da venda.
Mas o nº 3 excepciona que se a reclamante invocar prejuízo irreparável decorrente da imediata execução da decisão reclamada causado por alguma das ilegalidades indicadas nas diversas alíneas daquele nº 3, o processo subirá imediatamente ao tribunal, nos 8 dias subsequentes à sua apresentação (nº 4), salvo, evidentemente, se a decisão ou o acto tiver sido revogado, entretanto, pelo órgão da execução fiscal.
Mas será que, atento o teor literal do nº 3 do artº 278º do CPPT bastava a mera invocação do prejuízo irreparável para que o processo subisse imediatamente ao tribunal?
O preceituado nos artºs 276º e ss do CPPT insere-se no quadro de garantias dos contribuintes, de consagração constitucional (nº 4 do art. 268 da CRP) e legal (artº 9º da LGT) ao permitir o recurso judicial das decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades que afectem os seus direitos e interesses legítimos em processo de execução fiscal.
Todavia, como se disse, o disposto no n.º1 do artº 278º do CPPT não tem aplicação quando a reclamação se fundar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
a)Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b)Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda;
c)Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d)Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida. (n.º3 do art.º supra).
Em qualquer destes casos, a reclamação subirá no prazo de oito dias ao tribunal e segue as regras dos processos urgentes – n.ºs 4 e 5 do art.º supra.
No entendimento de Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 1064., não poderá restringir-se a subida imediata das reclamações aos casos indicados no n.º3 daquele artigo, sob pena de inconstitucionalidade material de tal norma, porque a CRP garante o direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo (art.º 268.º n.º4) em que se engloba o tributário.
O alcance da tutela judicial efectiva, não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
E vai mesmo mais longe, ao entender que deve assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade Ob. cit, pág, cit. Nota 6., prosseguindo a este propósito:
“...
Nos casos em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, a imposição deste regime de subida reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático, o que é incompatível com a LGT e o referido sentido da lei de autorização legislativa.
Por isso, também nestes casos, se terá de aceitar a possibilidade de subida imediata.
Um exemplo de situação em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação é a decisão que recuse suspender o processo de execução fiscal...” Ob. cit. pág. 1065. .
Como se afirma no Acórdão proferido em 06-07-2004 na Secção de Contencioso Tributário - 2º Juízo do TCAS, no Recurso nº 00177/04, é “…também de trazer à colação o regime geral dos recursos de agravo cuja norma do art.º 734.º n.º2 do CPC, dispõe que estes devem subir imediatamente, sempre que a retenção os tornasse absolutamente inúteis, e que é aplicável subsidiariamente aos recursos no âmbito do processo tributário (art.º 281.º do CPPT), não sendo tal reclamação mais do que um verdadeiro recurso, assim sendo de resto denominada no anterior CPT (art.º 355.º) e também em alguns artigos de outra legislação fiscal, como no art.º 62.º n.º1 g) do ETAF, 10.º n.º1 do RCPT e no art.º 97.º n.º1 n), do próprio CPPT.”
Ora, ainda na senda de Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 3a edição, 2002, páginas 1165 e 1166, “…, no processo de execução fiscal, estando em causa apenas a cobrança de dívidas, não será viável, fora de casos extremos em que estejam em causa quantias invulgarmente avultadas, considerar que a eventual necessidade de suspensão do processo de execução fiscal possa provocar uma grave lesão do interesse público que se possa sobrepor ao interesse do particular em não ver concretizada uma irremediável lesão dos seus direitos ou interesses legítimos. Aliás, mesmo nos casos em que a demora da efectivação da penhora possa constituir risco sério para a cobrança dos créditos, a posição da Administração Tributária estará suficientemente salvaguardada pela possibilidade que tem de requerer ao tribunal a adopção das medidas cautelares que sejam necessárias, designadamente o arresto de bens, que tem o mesmo efeito da penhora a nível da eficácia em relação ao processo de execução fiscal dos actos do executado (arte. 622° e 819° do CPC).
Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam utilidade.
Na verdade, prevendo-se na LGT a obrigatoriedade de assegurar a possibilidade de reclamação de todos os actos lesivos (arts. 95°, n°s l e 2, alínea j), e 103°, n.° 2 da LGT) e sendo reconhecida a supremacia das normas da LGT sobre as do CPPT (art. l.° deste e alínea c), do n.° l do art. 51° da Lei n.° 87-B/98, de 31 de Dezembro) este Código não poderá afastar a possibilidade de reclamação em todos os casos em que o acto praticado no processo de execução fiscal seja potencialmente lesivo.
Na verdade, sendo o sentido da autorização legislativa constante da referida Lei n.° 87-B/98 o da compatibilização das normas do CPT com as LGT e regulamentação das disposições desta dela carecidas, estará ferida de inconstitucionalidade orgânica a actuação do governo em dissonância com aquela lei no que concerne a matérias incluídas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (arts. 103°, n.° 2, e 165°, n.° l, alínea p), da CRP), pois estava limitado pelo sentido da lei de autorização legislativa em que se basear (arts. 122°, n.° 2 e 198°, n.° 1. alínea b) da CRP).
A definição das possibilidades concedidas aos contribuintes e outros obrigados tributários de impugnarem contenciosamente decisões da administração tributária, inclui-se, sem dúvida, nas garantias dos contribuintes a que se refere o n.° 2 do art. 103° da CRP, matéria que se deve considerar englobada na referida reserva de competência legislativa.
Nos casos em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, a imposição deste regime de subida reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático, o que é incompatível com a LGT e o referido sentido da lei de autorização.
Por isso, também nestes casos, se terá de aceitar a possibilidade de subida mediata".
Idêntica doutrina dimana do Acórdão do STA, de 6 de Março de 2008, proferido no recurso n.° 058/08, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt..
Assim, não merece qualquer censura a conclusão da sentença de que a reclamante não alega factos susceptíveis de integrar o conceito de prejuízo irreparável, limitando-se a fazer uma referência vaga e genérica no sentido de o prejuízo irreparável se traduzir em pagar aquilo que não está obrigado a pagar, antes devendo entender-se que isto não representa um prejuízo irreparável, na medida em que é perfeitamente reembolsável.
Por esse prisma, o despacho reclamado, ao qual a recorrente imputa várias ilegalidades, não é subsumível em nenhuma das hipóteses referidas no artigo 278.°/3 do CPPT.
Acresce que a reclamante não alega nem demonstra qualquer outro facto concreto susceptível de determinar prejuízo irreparável.
Não sendo alegados factos que permitam concluir pela existência de prejuízo irreparável, não se trata de situação enquadrável na previsão do n° 3 do art. 278° do CPPT, pelo que não existe fundamento para que o Tribunal conheça da reclamação antes de efectuada a venda.
A reclamante não veio juntar prova quer documental, quer testemunhal, ou requerer diligências no sentido de demonstrar que a existência de prejuízo irreparável e a emanação de tal ónus da prova para a reclamante resultava, quer da norma geral do art.º 342.º n.º1 do Código Civil, quer da norma do art.º74.º n.º1 da LGT, que dispõe que, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Na senda do Conselheiro João António Valente Torrão In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 2005, Almedina, pág. 935, nota 3, embora não se refira aqui a necessidade de indicação de prova na reclamação ao contrário do que a lei determina noutros processos (v. os artigos 108.º, n.º3, 146.º-B, n.º3, 146.º-C, n.º2 e 206.º), a verdade é que tem de ser admitida a prova no caso de ela ser necessária à defesa do direito que se invoca como violado, não obstante a reclamação correr no processo de execução (artigo 97.º, n.º1, alínea n) do Código).
Neste mesmo sentido decidiu também o então Tribunal Central Administrativo, no seu acórdão de 6.7.2004, recurso n.º 177/04, ao doutrinar, no ponto 3. do seu sumário: “Mesmo admitindo que o artigo 278.º, n.º3 citado permite a subida do recurso nos casos em que da sua retenção possa resultar prejuízo irreparável para o recorrente, necessário é que este efectue a prova do prejuízo irreparável perante o órgão de execução fiscal para que este possa mandar subir imediatamente o recurso.”
Acresce que e em reforço do que já foi dito, chamando à colação os Acórdãos do STA, de 2009.02.25 e 2009.04.02, proferidos nos recursos números 01082/08 e 0167/09, respectivamente, disponíveis no sítio da internet www.dgsi.pt., a subida diferida da reclamação só é completamente inútil quando o prejuízo eventualmente decorrente da decisão não possa ser reparado, o que não é, manifestamente, o caso dos autos.
Como expende o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, II volume, 2007, página 668/669,casos em que a subida diferida fará perder qualquer utilidade à reclamação serão, v. g., o da decisão que recuse suspender o PEF, nos termos do artigo 172.° do CPPT, o de fixação de valor base para venda e o da reclamação de despacho do órgão de execução fiscal que não considera um crédito litigioso e ordena a notificação do respectivo devedor para depositar o crédito, sob a cominação de ser executado pelas importância respectiva, no próprio processo.
Sendo assim, como é, a reclamação deve ter subida diferida, tendo a decisão recorrida feito um correcto julgamento de facto, no que à questão da penhora do crédito se refere e uma incorrecta interpretação e aplicação do direito à situação em análise.
Destarte, porque não se prova o prejuízo irreparável para a ora recorrente com a subida ao tribunal da reclamação em causa apenas depois de realizada a venda do imóvel, que ainda não ocorreu, e nem ser completamente inútil a reclamação se só conhecida a final, é de confirmar a nessa parte a sentença.
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Todavia, em coerência com o que atrás se disse na vertente da inutilidade, o que se impõe, como corolário lógico de tal entendimento, acaba mesmo por ser a subida imediata da reclamação.
Na verdade, o despacho reclamado, a que a recorrente imputa várias ilegalidades, consubstancia-se na revogação da citação pessoal da reclamante operada em 11 de Setembro de 2009 em virtude de a recorrente já ter sido citada individualmente, em cada um dos apensos PEFS e no arquivamento da oposição deduzida na sequência dessa citação por alegada inutilidade.
Sendo manifesto, por tudo que antecedentemente se advogou, que esse despacho não integra nenhuma das situações referidas no artigo 278.°/3 do CPPT.
Mas, como bem observa o EPGA, a recorrente sustenta que o prejuízo irreparável resulta imediatamente do cerceamento dos direitos fundamentais de acesso ao tribunal e à justiça perpetrados pelo órgão de execução fiscal através do arquivamento da oposição à execução.
Por isso que, na senda do douto parecer do EPGA, ainda que não isenta de dúvidas, a melhor solução será a subida imediata da reclamação, sob pena de a reclamação perder qualquer utilidade.
É que, sem embargo de nesta sede não se discutir ainda a legalidade do acto sindicado, o mesmo é manifestamente ilegal, porquanto, ao mandar arquivar a oposição o órgão de execução incorre em vício de usurpação de poder, uma vez que apenas o tribunal tributário tem competência para apreciar a oposição, nos termos do artigo 151.° do CPPT em conformidade com a pronúncia de Jorge Lopes de Sousa in CPPT, anotado e comentado, II edição, 2007, página 411.
Donde que, se a reclamação só subir após a penhora e venda a mesma deixa de ter qualquer utilidade, já que o recebimento da oposição tem um efeito suspensivo provisório do PEF, nos termos do artigo 169.°do CPPT.
De facto, uma vez recebida a oposição, a consequente prestação de garantia, no prazo de 15 dias após notificação, determina a suspensão do PEF.
Ora, posto que a reclamante deduziu oposição, que a AT deveria ter remetido a tribunal no prazo de 20 dias (artigo 208.°/1 do CPPT), mas que mandou arquivar indevidamente, através da qual, era passível de obter a suspensão do PEF, se a reclamação só subisse a final, depois da penhora da venda, a reclamação perderia, em absoluto, qualquer utilidade.
Assim e em consonância com o douto parecer do EPGA, impõe-se revogar a sentença recorrida e que o tribunal recorrido conheça de imediato da reclamação deduzida do despacho que revogou a citação da reclamante e arquivou a oposição deduzida por alegada inutilidade.
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3. - Nestes termos acordam, os juízes da secção de contencioso tributário do TACS, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e em determinar que o tribunal «a quo» conheça de imediato da reclamação deduzida do despacho que revogou a citação da reclamante e arquivou a oposição deduzida por alegada inutilidade.
Sem custas.
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Lisboa, 19 de Janeiro de 2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)