Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:35/23.5 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/13/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:ÓNUS DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO – TAD
Sumário:I – A prova em procedimento disciplinar não pode resultar de meras presunções, sendo que inexistem nos autos provas irrefutáveis que permitam concluir pela prática das infrações disciplinares imputadas ao dirigente desportivo individualmente punido, entre outros, no Local do incidente, e mesmo admitindo a verificação do mesmo, não pode uma qualquer decisão, “escolher” quem materialmente praticou os factos participados, sem que exista uma prova irrefutável.
II – A apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por via de conjeturas ou presunções.
Perante uma manifesta insuficiência de prova, tem o tribunal a obrigação de dar por verificada uma situação de “non liquet”, o que sempre imporá a aplicação do principio do “in dubio pro reo”.
III - Pratica a infração disciplinar prevista e punida pelo artigo 112.°, n.°s 1 e 4, do RDLPFP, a SAD que, numa sua conta em rede social, publica uma fotografia da garagem do seu estádio, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda «P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa», após o final do jogo que opôs aquela sociedade desportiva a outra sociedade desportiva adversária sediada em Lisboa, pouco tempo depois de ter sido dada noticia pública de que o Presidente dessa sociedade desportiva adversária teria sido desapossado do seu telemóvel.
IV - Uma tal publicação, tendo sido divulgada na própria noite em que ocorreu aquele jogo de futebol no qual, de forma pública e notória, ocorreram no seu final e ainda em pleno relvado diversos episódios de violência entre diferentes agentes desportivos, é suscetível de incitar à violência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO
Os Demandantes R....e Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD, nos Autos em que é Demandado Federação Portuguesa de Futebol, tendo tomado conhecimento do sentido e teor do acórdão arbitral proferido em 11-01-2023, e com ele não se conformando, vieram dele interpor RECURSO para este Tribunal Central Administrativo do Sul.

Efetivamente, decidiu-se Arbitralmente negar provimento à pretensão dos Demandantes, mantendo-se o acórdão do Conselho de Disciplina proferido no âmbito do Processo nº 78-2021/2022, que condenou cada um dos Demandantes nos seguintes termos:
a) R......, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 131 n.º 1, do RDLPF, com a sanção de suspensão de 115 dias, e, acessoriamente, com a sanção de multa de 37,50 UC, isto é, 3.825€;
b) Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 112.°, n.ºs 1, 3 e 4, do RDLPFP com a sanção de multa de 160UC, isto é, 16.320,00€.

Apresentaram conjuntamente os Recorrentes/R...... e F....... SAD, as seguintes Conclusões:
“-I-
A. O presente recurso tem por objeto o acórdão de 11-01-2023 do TAD, que confirmou a condenação dos Recorrentes, Futebol Clube do P....., SAD pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 112.° do RD, numa pena de € 16.320,00 de multa, e R...... pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 131.°-1 do RD, na sanção de 115 dias de suspensão e € 3.825,00 de multa.
B. Os Recorrentes não se conformam com o sentido e teor do acórdão proferido por duas ordens de razões fundamentais: em primeiro lugar existe erro manifesto na apreciação da prova; e, além do mais, nem a atuação do arguido R...... preenche materialmente o tipo legal do ilícito disciplinar de “agressões” p. c p. pelo art. 131.°-1 do RD, nem a atuação da sociedade arguida preenche o tipo de ilícito p. e p. pelo art. 112.º 1 e 4 do RD.
C. Tudo o que deverá determinar a revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que importe a absolvição dos aqui Recorrentes da prática dos ilícitos disciplinares imputados.
-II-
D. Reportam-se estes autos ao sucedido no final do jogo n.º 12201 realizado em 11-02-2022 no Estádio do Dragão entre a S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD e a Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD, a contar para a 22:“ jornada da “Liga Portugal Bwin”.
E. A partida terminou empatada a dois golos, tendo-se assistido, logo após o apito final, a uma altercação generalizada entre os elementos do staff de ambas as equipas intervenientes.
F. No rescaldo da contenda, o Presidente da S...... SAD, F......., dirigiu-se à sala de imprensa do Estádio do Dragão onde prestou declarações aos órgãos de comunicação sociais aí presentes, tendo atribuído, em exclusivo, ao Presidente da Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD a culpa pelo clima de violência que se gerou.
G. Depois de ter prestado as referidas declarações, o Presidente da S...... SAD. acompanhado pelo diretor de comunicação, M......., pelo diretor de imprensa. F.......e pelo assessor do presidente, P......., saíram da sala de imprensa em direção à zona da garagem do estádio do Dragão - local onde se encontrava estacionado o autocarro oficial do Clube.
H. Nesse momento foram confrontados pelo Administrador da F....... SAD, V......., que se insurgiu contra o discurso proferido, tendo dirigido alguns insultos a F........
I. Sucede que é absolutamente inverídico o vertido nos pontos 7.° a 9.° dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente que o arguido R...... se tenha abeirado de F......., batendo-lhe na mão com o fito de o desapossar do seu telemóvel e demais bens pessoais.
J. Na verdade, R...... não permaneceu no local da contenda por mais de 20 segundos, tendo estado afastado do epicentro do aglomerado - e, por inerência, de F....... - durante quase a totalidade do tempo em que ali permaneceu.
K. Não decorrendo das imagens - porque tal efetivamente não aconteceu
- que em algum momento R...... se tenha aproximado do Presidente da S...... SAD, desferindo-lhe uma palmada na mão (ou em qualquer outra zona do corpo).
L. Note-se que. não se nega que houve efetivamente uma troca de palavras menos amistosa entre o Administrador da F....... SAD e o Presidente da S...... SAD - o que motivou a que acorressem àquele local várias pessoas que por ali se encontravam a passar, assim gerando o aglomerado a que se assiste nas imagens juntas aos autos - mas tal situação em momento algum assumiu os contornos de “agressão” descritos na decisão recorrida.
M. A discordância relativamente à condenação do Recorrente assenta assim, numa primeira linha e essencialmente, numa questão de facto e de prova: não existem nos autos elementos probatórios cabais e robustos que permitam a demonstração da realidade fáctica dada como provada pelo Tribunal a quo no que concerne à conduta de R.......
N. A verdade é que, à exceção dos (interessados) depoimentos das testemunhas indicadas pela participante, não existe qualquer base probatória que permita imputar ao Demandante, aqui Recorrente, a prática de um comportamento disciplinarmente censurável.
O. Sendo certo que nem mesmo o vertido no Relatório do Delegado (a fls. 91 a 94 dos autos) e no Relatório de Policiamento desportivo (a fls. 106 a 111) pode servir para inverter este estado de coisas pois que a sua valoração (enquanto meio de prova com valor reforçado) só pode resultar de factos por “eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa” - o que manifestamente não aconteceu in casu.
P. O Tribunal a quo faz uma errada valoração da prova ao atribuir credibilidade à versão trazida aos autos pelas testemunhas indicadas pela participante (ouvidas unicamente em sede de procedimento administrativo!) em detrimento das declarações do arguido e depoimento das testemunhas por si indicadas, escorando, no essencial, a sua decisão (de condenação) naquele meio probatório.
Q. Não podendo, a este respeito, deixar de se sublinhar, como bem discorre o Sr. Arbitro, Dr. G......., na declaração de voto de vencido junta ao acórdão recorrido (a qual se dá nesta sede por integralmente reproduzida), que estamos, in casu, perante uma total ausência de imediação entre o Tribunal e a prova considerada como fulcral para a fixação da matéria de facto e condenação do arguido.
R. Nenhum dos demais meios de prova produzidos no âmbito do procedimento administrativo sequer indicia que R...... “bateu com uma das suas mãos na mão direita de F......., com que este segurava o telemóvel para filmar”: tal facto não resulta do Relatório de Policiamento Desportivo e esclarecimentos adicionais de fls. 106 a 111 e 450 a 452 dos autos, nem do Relatório da equipa de arbitragem de fls. 80 a 90, nem, tampouco, do Relatório dos Delegados da Liga de fls. 91 a 94.
S. Sendo certo que da visualização, em audiência perante o Colégio Arbitrai, das imagens captadas pela CCTV o que fica inabalavelmente demonstrado é que não é possível descortinar o mínimo indício de que R...... praticou a conduta que a decisão arbitrai lhe imputa no ponto 7 dos factos dados como provados.
T. E lógico que a circunstância de não ser possível visualizar nas referidas imagens a ocorrência de uma agressão (atenta, desde logo, a qualidade daquelas) não é garantia de que a mesma não ocorreu. Mas é inquestionavelmente garantia de que não é possível a sua prova em sede de direito disciplinar sancionatório - o que se mostra, como é evidente, fundamental para decidir pela condenação do arguido.
U. A prova de que o Tribunal se socorre para sustentar a condenação não permite a demonstração, com o grau de certeza exigível no âmbito do processo disciplinar - isto é, para além de qualquer dúvida razoável que R...... tenha praticado a factualidade melhor descrita no ponto 7 da matéria provada. Motivo pelo qual sempre teria, tal factualidade, de ser dada como não provada - o que se requer com as devidas e legais consequências.
V. Nesta senda, parece o Tribunal Arbitrai olvidar que não cabe ao Recorrente o ónus de afastar a matéria de facto dada como provada na decisão impugnada.
W. É que é, desde logo, irrefutável que no âmbito do direito sancionatório disciplinar, como é o caso, aplicam-se subsidiariamente os princípios processuais penais, mais precisamente, o principio da presunção de inocência e o principio in dúbio pro reo, pelo que o Tribunal Arbitrai não era - nem podia - ser alheio às exigências de prova impostas pelo direito sancionatório disciplinar (neste sentido, por outros, o acórdão do TCA Norte de 02.10.2008, proc. n.º 01551/05.8BEPRT e o acórdão do TCA Sul de 23.02.2012, proc. n.º 03658/08, disponíveis em www.dgsi.pt).
X. Dúvidas não havendo de que “um ‘non liquet em matéria de prova resolve-se a favor do arguido por aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do ‘in dubio pro reo’ devendo a prova coligida assentar em factos que permitam um juízo de certeza, isto é, numa convicção segura, para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados” (por outros, cf. Ac. TCAS de 02-06-2010, proc. n.° 5260/01).
Y. Revela-se, aliás, unânime que o arguido em processo disciplinar tem direito a um “processo justo", o que passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio da presunção da inocência, acolhido no art. 32.°-2 da CRP (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27-11- 1997, Proc. 039040; de 16-10-1997. Proc. 031496: de 14/03/96. Proc. 02S264; de 19-01-1995. Proc. 031486; de 10-12-1998, Proc. 037808; de 01-03-2007. Proc. 01199. 06; de 28-04-2005, Proc. 333/05; de 17-05-2001, Proc. 40528. disponíveis em vvww.dgsi.pt).
Z. Ora, é precisamente o princípio da presunção de inocência que exigia ao Tribunal formular um juízo de certeza sobre o cometimento da infração para condenar o Recorrente, não se bastando com meras ilações, como, porém, aconteceu.
AA. Com efeito, não se pode pretender impor ao processo disciplinar - postergando os elementares princípios jurídico-constitucionais - qualquer distribuição ou inversão do ónus da prova, uma vez que, com tal exercício, violam-se frontalmente os direitos fundamentais do Recorrente.
BB. Face às normas e princípios que conformam o processo sancionatório, admitir o entendimento vertido na decisão recorrida equivaleria a uma aberta e clamorosa violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência - o que é, só por si, bastante para conduzir ao repúdio de tal tese.
CC. A condenação deve estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura, que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados. Tudo o que, assumidamente. não aconteceu no presente pleito.
DD. Não obstante, certo é que os contraindícios carreados aos autos pelo Recorrente (quer os que resultam das suas declarações prestadas em audiência disciplinar realizada no dia 28/11/2022 perante o TAD, minutos 00:02:20 a 00:35:00: quer da prova testemunhal por si indicada, nomeadamente o depoimento prestado por T....... em sede audiência no dia 28/11/2022, minutos 00:36:50 a 01:18:40; quer da própria visualização das imagens também exibidas naquela sede) mostram-se sérios, credíveis e de acordo com as regras da experiência suficientes para abalar a “harmonia" da prova indiciária cm que se sustenta o Tribunal a quo.
EE. Tudo o que haverá assim de determinar a inevitável revogação da decisão recorrida e, consequente, absolvição do Recorrente R...... da prática do ilícito disciplinar que lhe é imputado - o que, desde já, se requer.
-III-
FF. Ainda que, contra tudo o alegado supra, venha este Tribunal ad quem a concluir ter existido de facto o imputado contacto físico entre o Recorrente e F......., tal circunstância, está longe de ter de. automaticamente, implicar a imputação ao Recorrente da infração disciplinar de natureza muito grave prevista no art. 131.° do RD.
GG. Desde logo por não estarmos perante uma verdadeira agressão no sentido jurídico-disciplinar do termo - não tendo havido o emprego de força excessiva ou brutalidade - mas tão só. quando muito, de um mero contacto motivado pela altercação que se gerou.
HH. Da concreta configuração do contacto físico - tal qual como ele vem objetivamente descrito na matéria assente da decisão recorrida [isto é, bater com a sua mão na mão direita do visado provocando a queda do telemóvel] - que foi de intensidade insignificante e sem quaisquer consequências (relevantes) para o corpo ou para a saúde do visado - resulta não ser a conduta do Recorrente suficiente para preencher materialmente o tipo legal do ilícito disciplinar de “agressões” p. e p. pelo art. 131.M do RDLPFP.
II. Além do mais, sendo a intencionalidade algo referente “à vida interior de cada um”, é, como tal, de “natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão”, só sendo possível captar a sua existência através de factos materiais comuns e inequívocos.
JJ. Ora, nem o descrito nos Relatórios do Delegado e de Policiamento, nem a versão trazida aos autos pelas testemunhas da participante, são aptas a, por si só e desacompanhadas de qualquer outra prova robusta, revelar a intencionalidade do agente.
KK. Não permitindo que se considere provado, para além de toda a dúvida razoável, que o Recorrente R...... representou e quis, propositadamente, atingir o corpo do visado, muito menos molestando- o ou causando dor.
LL. Resultando assim indubitável que não há prova nos autos que permita manter a imputação ao Recorrente de uma conduta a título doloso, ficando, também por esta via, necessariamente prejudicada a condenação pela prática da infração p. e p. pelo art.º 31.º do RD.
- IV
MM. Também no que concerne à conduta imputada à Recorrente F....... SAD, não pode, em absoluto, concordar-se com as conclusões tecidas na decisão recorrida quanto ao revelo e apreciação jurídico-disciplinar atribuído à publicação em apreço.
NN. É que, não só a factualidade melhor descrita nos pontos 9.° e 10.° da matéria dada como provada não é apta a preencher o ilícito disciplinar p. e p. nos termos dos arts. 112.°-1 do RDLPFP, como a decisão recorrida faz, além do mais, tábua-rasa de um dos mais elementares Direitos Fundamentais: a Liberdade de Expressão!
00. Apreciando a publicação aqui em apreço forçoso se toma concluir não ter a mesma uma grosseria intrínseca que represente um atentado sério e relevante contra o direito à reputação ou honra de quem quer que seja.
PP. Nem, tão pouco, se pode considerar de tal modo difamatória ou injuriosa que justifique a intervenção do direito sancionatório disciplinar, nos termos previstos no normativo imputado.
QQ. Não se consegue sequer compreender em que medida a mera publicação na rede social Twitter de uma fotomontagem, em que é visível um telemóvel no chão, com uma legenda absolutamente inócua, não se referindo objetivamente ao Presidente da SAD do S......, a qualquer clube ou a qualquer outro agente desportivo, possa deter um carácter injurioso ou lesivo da honra.
RR. Sobretudo quando é utilizada uma linguagem correta e respeitosa e não é sequer feita referência a qualquer destinatário em concreto.
SS. Analisados os factos à luz do disposto no art. 112.° do RD, a única conclusão possível é a de que a publicação aqui em apreço não é injuriosa (não imputa a outro agente desportivo facto ofensivo da honra), não é difamatória (não imputa a outro agente desportivo facto ofensivo da honra, veiculado através de terceiros) e não é grosseira (não emprega linguagem vernacular, rude ou baixa).
TT. Muito menos se logrando perscrutar nesta publicação um incitamento à violência claro e inequívoco que viabilize a subsunção da conduta em causa na 2.a parte do artigo 112.°.
UU. Tratou-se, quando muito, de uma sátira, de uma paródia, que se atém dentro dos limites socialmente adequados e toleráveis no contexto daquilo que são as relações sociais, e sobretudo desportivas. Nada, portanto, que detenha sequer revelo jurídico suficiente para se poder considerar como disciplinarmente censurável.
VV. Face a tudo o exposto, resulta, pois, evidente a ausência de preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos dos ilícitos disciplinares p. e p. pelos arts. 131.°- 1 e 112.°-1, ambos do RDLPFP, padecendo assim a decisão recorrida de erro de julgamento nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deve ser revogada.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem julgar procedente o presente recurso, e, consequentemente, revogar o acórdão arbitrai recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que importe a absolvição dos Recorrentes R...... e F....... SAD atenta a ausência da prática de qualquer infração disciplinar.”

Das Contra-alegações de Recurso apresentadas pela Federação Portuguesa de Futebol, constam as seguintes Conclusões:
“1. O presente recurso, interposto pelos Recorrentes tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitrai do Desporto proferido em 11 de Janeiro de 2023 que confirmou a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol de: (I) Sancionar a Recorrente Futebol Clube do P..... - Futebol SAD pela prática de infração disciplinar, p. e p. pelo art. 112.º do RDLPFP (Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros), aplicando uma sanção de multa no valor de € 16.320; (ii) Sancionar o Recorrente R...... pela prática de infração disciplinar p. e p. pelo art. 113.º, n.º 1 do RDLPFP (Agressões), com 115 dias de suspensão e multa no valor de €3.825;
2. Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo andou mal ao confirmar as sanções aplicadas porquanto, na sua opinião: (i) Verifica-se erro nos pressupostos de facto e na apreciação da prova; (ii) Os factos sub judice não têm qualquer relevância disciplinar, não se verificando o preenchimento dos elementos típicos das infrações imputadas, tendo a Recorrente CP, SAD apenas exercido o direito à liberdade de expressão;
Sem razão, senão vejamos,
3. Em concreto, estão em causa factos ocorridos após o jogo oficial n.2 12201 realizado no dia 11.02.2022, pelas 20h15 no Estádio do Dragão, disputado entre a FC P..... SAD e a S...... CP SAD, a contar para a Jornada 22 da Liga Portugal Bwin, sendo que, durante e após o referido jogo, se verificaram diversos episódios de tensão e violência entre e para com agentes desportivos e por parte de adeptos presentes no estádio, factos objeto de transmissão televisiva;
4. Tais factos foram televisionados em direto, pelo operador responsável pela transmissão televisiva do mesmo, tendo ocupado vários espaços noticiosos, generalistas e da especialidade, tendo dado origem ao processo disciplinar n.ºs 110-21/22, que correu termos na Secção Profissional do Conselho de Disciplina, de cuja condenação os ali arguidos recorreram para o Tribunal Arbitrai do Desporto, onde corre termos o processo n.ºs 55/2022;
5. Sem prejuízo da atuação da justiça desportiva e não desportiva, tais episódios foram unanimemente considerados como "Futebol profissional continua a ser uma vergonha em Portugal", "Clássico intenso acaba em cenas lamentáveis’', aludindo apenas ao título de duas notícias relativas aos referidos episódios, constituindo a factualidade em crise nos presentes autos, um dos casos mais graves de que há memória no futebol português, no que respeita a fenómenos de violência entre e contra agentes desportivos, cujos factos criam na comunidade uma ideia de que as entidades competentes - designadamente os clubes - nada fazem para garantir e alcançar o fito constitucional de prevenção e combate a fenómenos de violência no desporto;
6. Como bem disseram alguns dos intervenientes no jogo em crise nos autos, designadamente na "flash interview" e na conferência de imprensa, designadamente os respetivos treinadores, S....... e R......., não foi dado um bom exemplo do que se pretende num espetáculo desportivo, cumprindo, acrescentamos nós, sancionar tais comportamentos, só assim se assegurando o interesse público que cabe a todos defender e preservar; Prosseguindo,
7. E neste contexto que vem de se expor, que se verificam os factos em crise nos presentes autos, sendo que, já no túnel do Estádio do Dragão, onde se realizou o aludido jogo, se verificou que o Presidente da S...... Clube de Portugal, Futebol SAD, F......., após marcar presença em conferência de imprensa e quando se dirigia para o autocarro da referida SAD, juntamente com mais três elementos da respetiva comitiva, "foram confrontados pelo arguido V......., que, dirigindo-se ao presidente da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD, gritou os seguintes dizeres: «Filho da puta!», «corno», «és um corno», «Presidente de merda» - cfr. ponto 4 dos factos provados;
8. Enquanto prosseguia a sua marcha em direção ao autocarro da equipa, o presidente da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD voltou-se para o arguido V....... e disse-lhe: «Achas que tenho medo de ti? Queres continuar a insultar? Vou gravar isto» - cfr, ponto 5 dos factos provados;
9. Neste momento, de acordo com o ponto 7 dos factos dados como provados, "De repente, por detrás do aglomerado de pessoas, surgiu o Demandante R......, que bateu com uma das suas mãos na mão direita de F......., com que este segurava o telemóvel para filmar, o que provocou a queda instantânea do telemóvel, em cuja capa de proteção estavam guardados o seu cartão de cidadão e um cartão bancário".
10. Também de acordo com o ponto 9 dos factos provados, "No dia 12.02.2022, pelas 00:24 horas, o departamento de media da Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD (com o nome de utilizador "FC P..... Media") publicou na rede social Twitter uma fotografia da garagem do estádio do Dragão, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda "P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa".
11. o Recorrente foi sancionado pelo Conselho de Disciplina por ter produzido e difundido em newsletter no seu sítio da internet oficial, na rede social Twitter, declarações, cujo teor consubstancia comportamento desrespeitoso e lesivo da honra e consideração dos elementos da equipa de arbitragem visados, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva, por uso de expressões manifesta e objetivamente ofensivas da honra e consideração dos agentes de arbitragem do jogo, que atingem a personalidade, experiência, idoneidade e seriedade dos visados, enquanto agentes de arbitragem;
12. Entendem os Recorrentes que não existe nos autos prova suficiente que permita concluir pela prática da factualidade referida no ponto 7 dos factos provados, por parte do Recorrente R......; Vejamos,
13. Consta dos autos diversa prova que permite dar como provada a referida factualidade, desde logo a inquirição das testemunhas indicadas pela participante S......, Futebol SAD, F......., Presidente do Conselho de Administração da participante; M......., diretor de Comunicação da participante; A......., diretor de Imprensa da participante; P.A......., diretor de segurança substituto da participante; P......., funcionário da participante - cf. fls. 171 a 194 e 205 a 229 - e bem assim, os depoimentos resultantes depoimentos resultantes da acareação realizada em sede de audiência disciplinar em que participaram as testemunhas F.......; M.......; A.......; e P....... (cf. registo áudio a fls. 430);
14. Nesta sede, "temos, depois, a valoração dos depoimentos das testemunhas da SAD participante, o Presidente daquela SAD, o diretor de comunicação, M......., o diretor de imprensa, A......., e o assessor do presidente da SAD, P......., particularmente as colhidas em sede de acareação, em que as mesmas falaram de forma espontânea e sem qualquer rede de suporte de leitura da participação", revelando-se " concordantes entre si" - cfr. Acórdão do CD da Recorrida em sede de motivação e valoração da prova produzida.
15. Saliente-se que "Todas estas quatro testemunhas, saliente-se, foram ouvidas no âmbito do precedente processo disciplinar em dois momentos processuais distintos, primeiramente perante a Sra. Instrutora Dra. F......., por ocasião em que os respetivos depoimentos foram reduzidos a escrito (cf. Documentos de fls 171 a 174,180 a 194 e 205 a 229 do processo disciplinar), mas posteriormente, também na própria audiência disciplinar, designadamente no decurso da acareação oportunamente determinada e promovida pela Sra. Presidente da Secção Disciplinar, encontrando-se nos presentes autos devidamente gravado em suporte áudio a eles anexo, tudo quanto foi então mencionado e testemunhado pelas mesmas", sendo que, "considerou o Colégio Arbitrai que os depoimentos dessas quatro testemunhas ouvidas em dois momentos distintos se mostraram consistentes e credíveis, porque espontâneos, coerentes e concordantes entre si" - cfr. Acórdão recorrido.
16. Refira-se também que o relatório de policiamento desportivo - a fls 111 - refere que: "23H05 - Após conferência de imprensa do presidente do S...... e quando este se dirigia para a zona técnica, foi interpelado por agentes desportivos pertencentes ao F....... (destacando-se o vice-presidente V......., o treinador S....... e o diretor de comunicação R......), havendo alguma tensão no local entre os intervenientes, com intervenção policial para separar as partes em conflito. Sobre este episódio foi elaborado o NUIPC 116/22.2 SLPRT.", factos aliás corroborados posteriormente, em sede de esclarecimentos prestados pela PSP - a fls 450 e 451;
17. "Em termos probatórios, o Relatório de Policiamento Desportivo (fls. 111) e os esclarecimentos da PSP (de fls. 450) colocam o arguido na zona referida na acusação - parque de garagem localizado no piso -3 (parque Pl) - e como tendo sido uma das pessoas que rodeou o Sr. Presidente da SAD participante, F.......", sendo que, "Essa presença do arguido é, igualmente, comprovada pelas imagens CCTV juntas aos autos" - cfr. Acórdão do CD da Recorrida;
18. Os relatórios das forças policiais têm valor probatório reforçado, nos termos do disposto nos artigos 363.º, n.º 2, 371.º,n.º 1 e 372.º, n.º 1 do Código Civil, sendo que, tal valor probatório apenas pode ser afastado com base na sua falsidade;
19. Também o relatório do Delegado da LPFP descreve tal factualidade da seguinte forma: "Na sequência deste incidente, ainda segundo descrito pelo denunciante, o diretor de imprensa R...... terá dado uma palmada no braço do presidente do S...... C.P., fazendo cair o telemóvel e os headphones deste ao chão, tendo-se de seguida gerado uma discussão entre elementos das sociedades desportivas e outros elementos civis que se encontravam naquela zona, tendo os factos vindos de retratar sanados por elementos da força policial que se encontravam presentes no local. Segundo nos foi ainda reportado pelo aludido diretor de segurança do S...... C.P., o telemóvel do seu presidente desapareceu nesse momento, não mais aparecendo";
20. Tais relatórios têm uma força probatória especial, porquanto, o RDLPFP - numa aproximação à previsão constante do artigo 169.5 do Código de Processo Penal - dispõe, na al f) do artigo 13.5, que os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da LPFP, percecionados no exercício das suas funções, constantes de relatórios de jogo e de declarações complementares, se presumem verdadeiros enquanto a sua veracidade não for 'fundadamente' posta em causa;
21. Atente-se ainda na documentação junta pela participante, através do seu requerimento datado de 24.05.2022, atinente ao pedido de renovação de cartão de cidadão e cancelamento de cartão de crédito do Sr. Presidente da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD (cf. fls. 441 a 444), o que permitiu concluir que os factos relatados eram verdadeiros, porquanto não é crivei que F....... tivesse procedido ao cancelamento do seu cartão de crédito e tivesse requerido a renovação do seu cartão de cidadão, se os factos não tivesse ocorrido como se demonstra na factualidade dada como provada;
22. Nas palavras do Acórdão do CD da Recorrida, "mostra-se que não foi confabulatório o desaparecimento daqueles documentos, tanto mais que, de modo imediato, quanto a um deles, aquele que maiores riscos de segurança diretos levantava, foi pedido de pronto o seu cancelamento; ademais, o depoimento das testemunhas é coerente com o indicado pelos próprios testemunhos dos arguidos em sede de audiência disciplinar, que confirmam que elementos da SAD participante, e até um segurança ou agente da polícia [veja-se o depoimento do Senhor T....... na audiência disciplinar (cf. 46m:20ss a 47m:08ss do registo áudio a fls. 507)] se encontravam à procura de objetos no local onde decorreu o incidente, instantes após estes se registar; é, ainda, coerente com a publicação realizada na rede social Twitter logo após os incidentes, em que se exibe um telemóvel (sendo certo que não era o do Presidente da SAD participante), mas numa associação, óbvia e evidente, aos incidentes que determinaram o desapossamento desse telemóvel momentos antes, porventura procurando reclamar para o universo do clube dos arguidos esse "feito";
23. Andou assim bem o Tribunal a quo ao afirmar que "convém recordar, não obstante o Demandante R...... ter prestado declarações de Parte e ter apresentado três testemunhas que foram ouvidas a respeito dos factos em discussão, considerou a Demandada que os depoimentos prestados peias outras quatro testemunhas igualmente ouvidas em audiência disciplinar, designadamente em sede de acareação, se mostraram mais credíveis, porque mais consistentes e compatíveis com toda a restante prova produzida, designadamente, com as imagens visualizadas e comentadas em audiência, com os relatos e posteriores esclarecimentos de policiamento desportivo, e com a prova adicional produzida na audiência disciplinar, em especial a que resultou da junção aos autos do pedidos de renovação do cartão de cidadão e de cancelamento do carão de crédito de F....... (efetuado às 00h03 do dia 12.02.2022, ou seja, poucos minutos apos a ocorrência dos factos), cartões que se encontravam guardados na capa de proteção do telemóvel (cf. Fls. 443 do processo disciplinar) - desta forma tendo também ficado demonstrado, tal como aliás os próprios Demandantes, entretanto, reconheceram já perante estes Tribunal Arbitrai, não ter sido "confabulatório" o desaparecimento daqueles cartões";
24. A testemunha T....... confirmou, em sede de audiência arbitrai que um Agente da PSP e um Assistente de Recinto Desportivo, levaram a cabo uma procura do telemóvel de F......., no local dos factos melhor referidos no ponto 7 dos factos provados, momentos após a verificação daquela factualidade - Ihl3m50s da audiência arbitrai;
25. Acompanha-se a afirmação dos Recorrentes de que "É lógico que a circunstância de não ser possível visualizar nas referidas imagens a ocorrência de uma agressão (atenta, desde logo, a qualidade daquelas) não é garantia de que a mesma não ocorreu".
26. Do registo de vídeo junto aos autos pela Recorrente F......., SAD, apenas num determinado (curto) momento, é feito um "zoom", para que se torne mais percetível quem pratica o quê, contudo tal momento não é o que se encontra em liça nesta sede, sendo que, tal registo de vídeo não permite contrariar toda a prova produzida nos autos e que permitiu ao CD da Recorrida e ao Tribunal a quo concluir pela sanção do Recorrente R......;
27. Sucede que os Recorrentes se propuseram a demonstrar provada determinada factualidade, desde logo e quanto ao facto 7 dos factos dados como provados, que "Uma tal narrativa (...) não é coincidente com a realidade dos factos, nomeadamente com aquela que é percecionada através da visualização das imagens captadas", o que, como é bom de ver, não lograram fazer;
28. Acresce que do testemunho do Recorrente R...... e das testemunhas por si arroladas, resulta que "a leitura pormenorizada que fazem das imagens CCTV juntas aos autos (as que resultam das câmaras colocadas naquele espaço, nenhuma focando diretamente sobre a zona exata onde decorreram os incidentes), e da presença do arguido R......, reflete, claramente, um prévio estudo das mesmas (que estavam na posse da SAD arguida), cuidado e detalhado, daí resultando um prejuízo para a espontaneidade das suas declarações" - cfr. Acórdão do CD da Recorrida;
29. Resulta inclusivamente das declarações do Recorrente R...... em sede de audiência arbitrai, que o mesmo se encontrava no momento da prática dos factos - facto 7 da factualidade provada - "atrás" da comitiva da S...... CP, SAD, ou seja de F......., sendo tal afirmação consentânea com o facto provado de o Recorrente ter surgido "por detrás do aglomerado de pessoas" - 33ml3s da audiência arbitrai;
30. Algumas testemunhas arroladas pelos Recorrentes afirmaram em sede disciplinar que não existiam polícias perto do local do confronto entre V....... e F......., o que é contrariado pelos documentos de fls. 106 a 111 e de fls 450 a 452 e pela visualização das imagens, o que é relevante per si, mas também na valoração da credibilidade da prova testemunhal;
31. "Ora, sendo o Demandante R...... Diretor de Comunicação do Futebol da Equipa A e também Diretor de Imprensa, dir-se-á, pelo menos em comparação com T......., que caso ele não tivesse realmente adotado a conduta descrita no ponto 7 dos factos provados, sempre teria então acrescidas razões para igualmente permanecer no local pelo menos durante mais alguns minutos, ao invés de se ter ausentado de imediato e por ocasião da chegada ao local dos primeiros polícias, num momento de enorme tensão e de conflito iminente, tal como foi descrito por diversas testemunhas e foi possível verificar pela mera visualização das imagens que se encontram nos autos." - cfr. Acórdão recorrido.
32. O facto de apenas aquelas três testemunhas que integravam a denominada "comitiva do S......" (M......., F.......e P.......), se encontrarem a ladear F....... por ocasião da ocorrência dos factos em discussão, razão pela qual, evidentemente, muito melhor do que qualquer outra pessoas (com a óbvia exceção do próprio F.......), poderiam essas testemunhas testemunhar tudo aquilo que, mesmo ali ao seu lado e naquele exato momento, pudesse ou não ter efetivamente sucedido.;
33. Andou bem Tribunal a quo ao afirmar que “não tem cabimento, no caso em apreço, a invocação do princípio in dubio pro reo, uma vez que, como aliás decorre já de tudo o que acima se expôs, a prova apresentada e produzida pela acusação se sobrepõe de forma muito clara e manifesta àquela outra que a defesa (não) logrou nunca apresentar nem produzir, não tendo nunca os julgadores, na consideração e valoração conjunta de toda aquela prova, sentido a mais pequena dúvida quanto à inevitável imputação ao Demandante R...... da conduta descrita no ponto 7 dos factos provados", pelo que, “em face da abundante e incisiva prova existente no processo, o concreto apuramento da factualidade relevante não permitiu que pairasse ou pudesse restar no espírito do(s) julgador(es) uma única dúvida {"dubio"), suscetível de aproveitar ao Demandante (“reo").";
34. Entendem os Recorrentes que os factos praticados pelo Recorrente R......, não consubstanciam uma agressão disciplinarmente sancionável, a que acresce o facto de não se verificar qualquer intencionalidade na ação; Vejamos,
35. A conduta de bater com a mão na mão de outrem, de tal ordem que determina a queda de telemóvel que o visado tinha na sua posse, ultrapassa o nível objetivo de mera violação dos deveres gerais, constituindo tal ação, pela sua intensidade e desvalor de ação (mais grave), conduta objetivamente sancionável pelo tipo de agressões (ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 131.2, n.2 1, do RDLPFP);
36. No caso concreto, o Recorrente R......, quer agredir o dirigente do clube adversário com dolo necessário, porquanto representa a agressão como necessária ao desapossamento do telemóvel e à interrupção da gravação que estaria a ser feita e que terá percecionado como potencialmente desfavorável para o seu clube;
37. Para que se preencha o tipo da infração imputada [artigo 131.2, n.21, RDLPFP], necessário se torna que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa: (i) um dirigente; (ii) cometa uma agressão; (iii) contra outro dirigente;
38. Pela sua intensidade e desvalor de ação, é objetivamente sancionável pelo tipo de agressões (p. e p. pelo artigo 131.3, n.º 1, do RDLPFP) porquanto constitui uma lesão da integridade física do dirigente visado;
39. E, subjetivamente, não resta qualquer dúvida que o Recorrente R...... sabia e desejou tal comportamento e resultado {atuando com dolo necessário) não atuando ao abrigo de qualquer causa excludente da responsabilidade, tendo aliás, a SAD a que pertence, a Recorrente F......., Futebol SAD, publicou uma fotomontagem - como infra se dilucidará - também punida peio mesmo Acórdão ora em crise, aludindo ao comportamento ocorrido;
40. Tal conduta é por isso igualmente ilícita porque contrária à ordem jurídica, nomeadamente aos deveres regulamentares a que estão sujeitos os agentes desportivos - em especial os que constam do artigo 52.º RCLPFP - não beneficiando de qualquer causa excludente da ilicitude, não se devendo olvidar que o Recorrente R......, exercia à data as funções de Diretor de Imprensa, pelo que, sempre lhe seria "exigível social e normativamente um outro comportamento do arguido, tendo em conta as funções que desempenha na estrutura da SAD a que está afeto" - cfr. Acórdão do CD da Recorrida;
41. Dos factos provados 4 a 7, resulta por demais evidente toda a intencionalidade e até dolo do Recorrente R......: "utilizar a força e a violência necessárias para conseguir desapossar F....... mediante esbulho violento, do telemóvel que aquele empunhava enquanto anunciava que iria gravar todos os insultos que lhe estavam a ser dirigidos" - cfr. Acórdão recorrido;
42. Mais entendem os Recorrentes que a Recorrente F......., Futebol SAD que com a publicação melhor referida supra, mais não fez do que exercer o seu direito à liberdade de expressão e que não se verificam preenchidos os elementos típicos da infração prevista no artigo 112.º do RDLPFP;
43. De acordo com o ponto 9 dos factos provados: "No dia 12.02.2022, pelas 00:24 horas, o departamento de media da Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD (com o nome de utilizador "FC P..... Media") publicou na rede social Twitter uma fotografia da garagem do estádio do Dragão, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda "P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa"
44. Tal publicação foi feita num contexto de tensão e violência,, depois de vários episódios de violência entre e contra agentes desportivos e após o Recorrente R......, ter provocado a queda do telemóvel de F....... ao bater-lhe na mão que segurava o referido aparelho;
45. Apesar de toda essa factualidade, a Recorrente F......., SAD, apesar do dever que sobre si impende de ser parte ativa na salvaguarda e prevenção de fenómenos de violência no desporto, entendeu por bem fazer a referida publicação;
46. No que concerne à norma ínsita no artigo 112.º do RDLPFP, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa ao mesmo tempo a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play;
47. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com estas normas são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem;
48. Esta atuação da disciplina jurídico-desportiva é assim autónoma do direito penal e civil, nos termos do disposto no artigo 6.º do RD da LPFP;
49. As normas em causa visam prevenir e sancionar a prática de condutas desrespeitosas entre agentes desportivos, visando tutelar a ética desportiva, a urbanidade, a probidade e a lealdade, enquanto princípios e valores que norteiam a prática de desporto em contexto de competição, sob um eixo de ética desportiva, associada, naturalmente, à necessária tutela da reputação, bom nome, consideração, credibilidade e profissionalismo dos diversos agentes desportivos e outros intervenientes, que, sob qualquer veste e independentemente do tipo de intervenção concreta, participam nas competições;
50. As normas em crise, impõem aos clubes o escrupuloso cumprimento de deveres de correção e de urbanidade nas suas relações desportivas;
51. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento de expressões ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto facto de realização do valor da ética desportiva;
52. No enquadramento regulamentar dado pelo preceito disciplinar em apreço, reprova-se e sanciona-se especialmente quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos que, assumindo natureza desrespeitadora, difamatória, injuriosa ou grosseira, ofendam o direito à honra, ao bom nome e reputação de elementos das equipas de arbitragem visadas;
53. O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão;
54. Evidentemente, se é verdade que o direito à crítica constitui uma afirmação concreta do valor da liberdade de pensamento e expressão que assiste ao indivíduo (artigo 37.9, n.9 1, da CRP), esse direito não é ilimitado. Ao invés, deve respeitar outros direitos ou valores igualmente dignos de proteção.
55. Em particular, veja-se o art. 26.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) que, sob a epígrafe "outros direitos pessoais", consagra os chamados direitos de personalidade, entre os quais se encontra o direito ao bom nome e à reputação (nº 1 do art. 26.º da CRP).
56. Tratando-se de uma das maiores instituições desportivas nacionais, a Recorrente sabe que as declarações que profere e as publicações produz são aptas a influenciar a comunidade e a imagem que a mesma tem das competições e dos agentes desportivos nelas envolvidos, pelo que, impende sobre si, um dever de zelo para prevenir fenómenos de violência e intolerância no desporto;
57. Sucede que, a Recorrente F......., SAD, optou por fazer uma publicação ofensiva, rude e provocatória, sendo que, até o próprio Recorrente R...... "qualificou a publicação em causa como "cretinice" [«acho que a publicação que foi feita é uma cretinice» «foi aquele bate boca de resposta a isso» (divulgação da SAD participante quanto aos incidentes com o telemóvel) (cf. 54m:48s a 54m54s; 01hllm:48s a 01hl2m:44s; e 01hl3m:45s a 01hl4m:10s do registo áudio a fis. 326), retirando, assim, da esfera de uma piada de mau gosto, e entrando na esfera de um ato zombeteiro incivil, rude, que adquire a natureza de grosseria prevista no tipo legal de ilícito em questão'' (cfr. Fls... do Acórdão do CD da Recorrida). - cfr. Acórdão do CD da Recorrida;
58. Enquanto uma das maiores instituições desportivas nacionais, a Recorrente F......., SAD sabe que as declarações que são proferidas em plataforma por si detida são aptas as influenciar a comunidade e a imagem que a mesma tem das competições e dos agentes desportivos nelas envolvidos, pelo que, impende sobre si, um dever de zelo para prevenir fenómenos de violência e intolerância no desporto;
59. Nas palavras certeiras do Acórdão do CD da Recorrida “Destarte, a publicação, numa conta na rede social Twitter da SAD arguida, de uma fotografia da garagem do estádio do Dragão, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda «P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa», após o final do jogo que opôs aquela SAD a SAD adversária sediada em Lisboa, e poucos instantes volvidos de ter sido dado notícia pública de que o Presidente dessa SAD teria sido desapossado do seu telemóvel, em incidentes, ocorridos após o final do jogo, envolvendo aquele e agentes desportivos da SAD arguida, consubstancia conduta grosseira, que vai muito para além de uma qualquer boutade, sendo, isso sim, rude, ético-jurídica incorreta e atentatória dos padrões de conduta esperados e minimamente exigíveis a qualquer SAD que disputa as competições profissionais, até pelo reflexo negativo que tem na imagem dessas mesmas competições";
60. Tal publicação, não reporta ao mero exercício do direito à liberdade de expressão, indo muito além do exercício de tal direito;
61. O direito disciplinar contempla deveres de cordialidade, de urbanidade, de correção e de moderação, impondo constrangimentos mais intensos à "linguagem" utilizada, na tentativa, precisamente, de prevenir a violência no desporto e de fomentar o respeito entre os agentes desportivos;
62. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
63. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderira determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, nomeadamente, as deontológicas, disciplinares e sancionatórias.
64. A temática em apreço nada tem a ver com a chamada problemática da ''linguagem do futebol", mas sim com desrespeito para com outros agentes desportivos, sendo que se trata de publicação grosseira para com outros agentes desportivos, configurando uma atitude contrária à ética desportiva, violadora dos deveres de correção e urbanidade para com outros agentes desportivos, contrária à ética desportiva;
65. Não se nega que expressões como as usadas pelo Recorrente são corriqueiramente usadas no meio do desporto em geral e do futebol em particular.
66. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de consubstanciarem a violação dos deveres de correção e urbanidade a que todos os agentes desportivos estão adstritos nas relações entre si.
67. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
68. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos "atores" desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
69. O artigo 10.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem dispõe que o exercício da liberdade de expressão implica deveres e responsabilidades com restrições desenhadas, entre outras, pela proteção da honra e dos direitos de outrem, salvaguardando ainda que as declarações proferidas devem ter sempre uma base factual, o que não se verifica, também, no caso concreto.
70. Para que se verifiquem preenchidos os elementos do tipo do artigo 112.º do RDLPFP, exige-se portanto, também aqui, que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, um (i) clube, (ii) use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros; (iii) para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, (iv) ou incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina;
71. Nesse sentido, andou bem o Tribunal a quo ao afirmar que "Trata-se, pois, de uma publicação promovida por esta Demandante naquela mesma noite em que foi disputado o jogo de futebol entre as equipas da Futebol Clube do P....., Futebol SAD, e a S...... Clube de Portugal, Futebol SAD, divulgada pouco mais de uma hora depois de terem ocorrido todos os factos provados e atrás enunciados sob os números 2 a 8 (...) Com efeito, a publicação em causa afigura-se-nos grosseira, desde logo considerado que a mesma foi efetuada às 00h24 horas do dia 12.02.2022, isto é, muito pouco tempo após os incidentes dos autos (cf. Factos provados 2 a 8) e, acrescente-se na própria noite daquele jogo de futebol em que, como é público e notório, sucederam no final do jogo e ainda em pleno relvado, portanto à vista do público presente, e de quem assistia na TV e de todos os que seguissem o relato do jogo pela rádio, diversos episódios de enorme tensão e de grande violência entre diferentes agentes desportivos, episódios que não podem senão ser considerados como tendo sido verdadeiramente graves";
72. Nesse sentido, se considera que ultrapassa "de forma clara e inadmissível todas as mais alargadas fronteiras que a invocada liberdade de expressão possa e deva até assumir na vida em sociedade, o carácter assumidamente jocoso e de inapropriada chacota de que se revestiu a publicação em causa, designadamente, a legenda e a foto dela constantes que aludem claramente, ainda que de forma indireta, ao facto de minutos antes, na garagem do Estádio, o Presidente do S...... F....... ter sido desapossado de forma violenta do seu telemóvel, o que se traduz, sublinhe-se, não apenas numa mera "sátira" ou numa "paródia" juridicamente irrelevantes, mas antes numa inadmissível banalização e consequente aceitação não só daquele episódio, como também de todo o contexto de inegável violência a que se assistiu, dessa forma assumindo contornos, ilícitos, profundamente censuráveis e totalmente intoleráveis, de incitamento à violência" - cfr. Acórdão recorrido.
73. Neste conspecto, nenhum vício pode ser assacado ao Acórdão recorrido, designadamente a violação do princípio do in dúbio pro reo, ou a verificação de inversão do ónus da prova, tendo resultado plenamente demonstrada a suficiência da prova para responsabilizar disciplinarmente os Recorrentes, verificando-se preenchidos os elementos do tipo das normas pelas quais os mesmos foram sancionados, devendo o Acórdão recorrido manter-se na íntegra. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Central Administrativo decidir pela improcedência do recurso, mantendo o Acórdão do Tribunal Arbitrai do Desporto, com as devidas consequências legais, assim se fazendo o que é de lei e de Justiça.”

O Recurso foi admitido por Despacho de 20 de fevereiro de 2023.

O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 28 de fevereiro de 2023, emitiu Parecer em 2 de março de 2023, no qual se concluiu que concorda inteiramente com a decisão sob recurso, que, a nosso ver, e salvo melhor opinião, não merece censura, devendo manter-se, termos em que se emite parecer no sentido da improcedência do presente recurso.”

II – Objeto do recurso:
Em face das conclusões formuladas, cumpre verificar e decidir se, como alegado, se verificará “erro manifesto na apreciação da prova; e que, além do mais, nem a atuação do arguido R...... preenche materialmente o tipo legal do ilícito “agressões” p. e p. pelo art. 131º, nº 1, do RD, nem a atuação da sociedade arguida preenche o tipo de ilícito p. e p. pelo art. 112º, nºs 1 e 4, do RD”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III - Fundamentação De Facto:
No acórdão recorrido, relativamente à fixação da matéria de facto, consta o seguinte:
“i) Matéria de facto julgada provada
Analisada e devidamente valorada toda a prova existente nos autos, o Colégio Arbitrai considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão a ser proferida:
1) No dia 11.02.2022, realizou-se o jogo n.º 12201, a contar para a Liga Portugal Bwin, disputado entre as equipas da Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD e da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD;
2) Terminado o jogo, o presidente da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD, F......., acompanhado pelo diretor de comunicação da S......, SAD, M......., pelo diretor de imprensa da S......, SAD, F......., e pelo assessor do presidente da S......, SAD, P......., foi à sala de imprensa do Estádio do Dragão, onde prestou declarações aos órgãos de comunicação social aí presentes;
3) Depois de ter prestado as referidas declarações, o presidente da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD e os três elementos que o acompanhavam saíram da sala de imprensa em direção à zona da garagem do estádio do Dragão, local onde se encontrava estacionado o autocarro oficial da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD;
4) Quando os elementos da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD, acima referidos, entraram na zona da garagem, foram confrontados por V......., que, dirigindo-se ao presidente da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD, gritou os seguintes dizeres: «Filho da puta!», «corno», «és um corno», «Presidente de merda»;
5) Enquanto prosseguia a sua marcha em direção ao autocarro da equipa, o presidente da S...... Clube de Portugal - Futebol, SAD voltou-se para o arguido V....... e disse-lhe: «Achas que tenho medo de ti? Queres continuar a insultar? Vou gravar isto»:
6) Assim que F....... empunhou o seu telemóvel e começou a gravar o sucedido, o aglomerado de pessoas que, entretanto, se formara em volta, aumentou sobremaneira, gerando uma concentração de pessoas naquela zona do recinto desportivo;
7) De repente, por detrás do aglomerado de pessoas que rodeou a comitiva da S...... SAD, surgiu o Demandante R......, que bateu com uma das suas mãos na mão direita de F......., com que este segurava o telemóvel para filmar, o que provocou a queda instantânea do telemóvel, em cuja capa de proteção estavam guardados o seu cartão de cidadão e um cartão bancário; (Facto Suprimido, nos termos do nº 1 do Artº 662º CPC).
8) O telemóvel e os cartões do presidente da S...... SAD não foram encontrados pelos elementos da S...... SAD nem foram depois restituídos ao Presidente da S...... SAD;
9} No dia 12.02.2022, pelas 00:24 horas, o departamento de media da Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD (com o nome de utilizador “FC P..... Media") publicou na rede social Twitter uma fotografia da garagem do estádio do Dragão, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa" - https://twitter.eom/MediaPorto/status/1492293470Q22684672/ohoto/1:
10) Os Demandantes R...... e Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD, agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram disciplinarmente puníveis;
ii) Matéria de facto julgada não provada
Com relevo para a decisão da causa, o Colégio Arbitral considerou não provados os seguintes factos alegados pela Demandante:
1 - Uma tal narrativa de repente, por detrás do aglomerado de pessoas, surgiu o arguido R......, que bateu com uma das suas mãos na mão direita de F......., com que este segurava o telemóvel para filmar, o que provocou a queda instantânea do telemóvel, em cuja capa de preleção estavam guardados o seu cartão de cidadão e um cartão bancário que não mais foram encontrados"] não é coincidente com a realidade dos factos, nomeadamente com aquela que ê percecionada através da visualização das imagens captadas.
2 - Resulta patente da visualização das imagens captadas peio sistema de videovigilância interna do Estádio (juntas aos autos), designadamente pela câmara 1, o seguinte:
(...)
-às 23:01:08 é visível o Demandante R...... a chegar ao local;
- às 23:01:17 (...) nesse momento é visível R...... afastado cerca de 2 metros do epicentro;
-às 23:01:28 R......, depois de se dirigir a F......., pedindo-lhe que lhe abrisse a porta. regressa à zona dos balneários acompanhado deste e de B......., e seguido por V........
3 - O Demandante R...... não permaneceu no local por mais de 20 segundos, tendo estado afastado do epicentro do aglomerado - e, por inerência, de F....... - durante quase a totalidade do tempo em que ali permaneceu.”

Sumariou-se no Acórdão Arbitral recorrido:
“1 - Pratica a infração disciplinar prevista e punida no artigo 131.°, n.° 1, do RDLPFP, o dirigente que no decurso de uma altercação ocorrida no final de um jogo de futebol, bateu de forma dolosa com uma das suas mãos na mão do Presidente de uma SAD adversária, tendo-o feito de forma violenta e com a força e o engenho necessários para provocarem a queda instantânea, no chão, do telemóvel que aquele segurava então para filmar os insultos que lhe estavam a ser dirigidos.
2 - Pratica a infração disciplinar prevista e punida pelo artigo 112.°, n.°s 1 e 4, do RDLPFP, a SAD que, numa sua conta na rede social Twitter, realiza uma publicação de uma fotografia da garagem do seu estádio, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda «P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa», após o final do jogo que opôs aquela sociedade desportiva a outra sociedade desportiva adversária sediada em Lisboa, pouco tempo depois de ter sido dada noticia pública de que o Presidente dessa sociedade desportiva adversária teria sido desapossado do seu telemóvel.
3 - Uma tal publicação, tendo sido divulgada na própria noite em que ocorreu aquele jogo de futebol no qual, de forma pública e notória (e antes ainda de ter ocorrido o episódio do desapossamento do telemóvel), sucederam no seu final e ainda em pleno relvado, aos olhos do público presente e televisivo, diversos episódios de agressão e de violência entre diferentes agentes desportivos, não só é efetivamente grosseira, como também, muito mais grave ainda, é suscetível de incitar à violência, não podendo por isso ficar impune.
4 - O carácter “grosseiro" a que se alude no artigo 131 nº 1, do RDLPFP, não tem necessariamente que ver com a utilização de qualquer tipo de linguagem vernacular, rude ou baixa, porquanto se assim fosse, nem os desenhos nem os gestos que por definição não contêm qualquer tipo de linguagem expressa por palavras, poderiam alguma vez ser considerados grosseiros.

Correspondentemente, decidiu-se arbitralmente negar provimento à pretensão dos Demandantes, mantendo-se o acórdão do Conselho de Disciplina proferido no âmbito do Processo nº 78-2021/2022, que condenou cada um dos Demandantes nos seguintes termos:
a) R......, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 131 n.º 1, do RDLPF, com a sanção de suspensão de 115 dias, e, acessoriamente, com a sanção de multa de 37,50 UC, isto é, 3.825€;
b) Futebol! Clube do P..... - Futebol, SAD, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 112.°, n.ºs 1, 3 e 4, do RDLPFP com a sanção de muita de 160UC, isto é, 16.320,00€.

São recursivamente suscitados os seguintes vícios:
(i) Erro nos pressupostos de facto e na apreciação da prova;
(ii) Os factos controvertidos não têm relevância disciplinar, não se verificando o preenchimento dos elementos típicos das infrações imputadas.

Vejamos;
Do erro de violação de lei, decorrente de erro nos pressupostos de facto e do erro na apreciação da prova quanto a R......
Entendem os Recorrentes que não existe nos autos prova suficiente para concluir pela prática dos factos imputados ao Recorrente R...... - facto 7 -,
Corroboram o referido entendimento, nomeadamente, os depoimentos prestados pelas das testemunhas indicadas pela participante S...... - SAP, F......., Presidente do Conselho de Administração da participante; M......., diretor de Comunicação da participante; A......., diretor de Imprensa da participante; P.A......., diretor de segurança substituto da participante; P......., funcionário da participante.

Afirmou acrescidamente o Conselho de Disciplina da aqui Recorrida que "temos, depois, a valoração dos depoimentos das testemunhas da SAD participante, o Presidente daquela SAD, o diretor de comunicação, M......., o diretor de imprensa, A......., e o assessor do presidente da SAD, P......., particularmente as colhidas em sede de acareação, em que as mesmas falaram de forma espontânea e sem qualquer rede de suporte de leitura da participação".

Em qualquer caso, tal como referem os aqui Recorrentes e o voto de vencido do Acórdão recorrido, não existem nos autos provas irrefutáveis que permitam concluir pela prática dos factos por parte do Recorrente R.......

O próprio relatório policial que poderia trazer luz à controvertida questão, é neste aspeto inconclusivo, ao afirmar simplesmente o seguinte:
"23H05 - Após conferência de imprensa do presidente do S...... e quando este se dirigia para a zona técnica, foi interpelado por agentes desportivos pertencentes ao F....... (destacando-se o vice-presidente V......., o treinador S....... e o diretor de comunicação R......), havendo alguma tensão no local entre os intervenientes, com intervenção policial para separar as partes em conflito. Sobre este episódio foi elaborado o NUIPC 116/22.2 SLPRT."

Através de comunicação de 25.05.2022, a PSP prestou os seguintes esclarecimentos complementares:
«Sobre o assunto em epígrafe e V/email infra, encarrega-me S. Exa. o Diretor Nacional Adjunto (UOOS), Superintendente-Chefe C......., de remeter a V. Exas., a resposta aos esclarecimentos solicitados, que se transcreve:
Em resposta ao presente email, cumpre-me informar que relativamente ao solicitado, o mesmo já se encontra descrito no Auto de Noticia com o NUIPC116/22.2SLPRT, que foi elaborado para os devidos efeitos, e que passo a transcrever:
"....Quando nos encontrávamos, na zona de parqueamento dos autocarros, verificámos que, sensivelmente a meio do trajeto, compreendido entre a sala de imprensa e o local onde nos encontrávamos, uma comitiva da equipa do S......, de onde se destacava o seu presidente F......., sem que nada o fizesse prever, tinha sido rodeado por diversos elementos da equipa do F. C. do P....., de onde se destacava o treinador, S......., o Vice-presidente, V......., e o diretor de comunicação R......, os quais proferiam diversos, impropérios, dirigidos ao F......., de forma veemente, o que provocou uma altercação naquele local, entre os intervenientes, aos quais se juntaram outros elementos de ambas as equipas, de que resultaram vários empurrões e apertos.
Em face de tal, os elementos policiais, que se encontravam, na zona do parqueamento, junto ao autocarro da equipa do S......, rapidamente dirigiram-se para aquele local, tendo conseguido separar as partes, retirando daquela zona, em segurança, os elementos da comitiva leonina, encaminhando-os para junto do autocarro dos mesmos, fazendo desta forma serenar os ânimos, atitude que fez com que todos os intervenientes dispersassem rapidamente."
Porquanto e tendo em conta o já narrado, nada mais existe a acrescentar, pois devido à distância a que nos encontrávamos e à confusão gerada pela altercação, não é possível informar com objetividade, quais foram os factos praticados por cada um dos intervenientes, unicamente e de acordo com o já narrado, no Auto de Noticia anteriormente citado. Com os melhores cumprimentos».

O conjunto da prova produzida não permite assim concluir pela responsabilidade disciplinar do Recorrente R......, o que determina que, neste aspeto, tendamos a acolher o entendimento expresso no voto de vencido do Acórdão recorrido.

É certo que os esclarecimentos da PSP colocam o arguido na zona referida na acusação - parque de garagem localizado no piso -3 (parque Pl), o que só por si não permite concluir pela sua responsabilidade material pela situação descrita.

Acresce que é incontornável que não resulta de quaisquer imagens a responsabilidade de R...... pelo referido incidente, sendo que o ónus da prova é da contraparte.

Nenhuma das partes contesta que se terão verificado incidentes entre elementos da SAD do F....... e da SAD do S......, mas tal não permite afirmar, sem margem de dúvida, quem terá batido na mão de F......., a ponto de fazer cair o seu telemóvel.

Efetivamente, se é certo que o Relatório de Policiamento coloca o Recorrente Cerqueira, entre outros, no Local do incidente, e mesmo admitindo a verificação do mesmo, não pode uma qualquer decisão, “escolher” quem materialmente praticou os factos participados, sem que exista uma prova irrefutável.

Assim, não se acompanha o discurso fundamentador da decisão recorrida quando afirma que “... sendo o R...... Diretor de Comunicação da Equipa A e também Diretor de Imprensa, dir-se-á, pelo menos por comparação com T......., que caso ele não tivesse realmente adotado a conduta descrita no ponto 7 dos factos provados, sempre teria então acrescidas razões para igualmente permanecer no local pelo menos durante mais alguns minutos, ao invés de se ter ausentado de imediato e por ocasião da chegada dos primeiros policias... ”.

Diríamos que é um fraco e tendencioso argumento.

Assim, terá de ser suprimido, por falta de prova, o facto provado 7º, o qual, recorda-se, afirmava:
“De repente, por detrás do aglomerado de pessoas que rodeou a comitiva da S...... SAD, surgiu o Demandante R......, que bateu com uma das suas mãos na mão direita de F......., com que este segurava o telemóvel para filmar, o que provocou a queda instantânea do telemóvel, em cuja capa de proteção estavam guardados o seu cartão de cidadão e um cartão bancário”

Efetivamente, o Tribunal Arbitral fez uma errada valoração da prova disponível, ao assentar em meras presunções, ancoradas nos depoimentos das testemunhas de uma das partes.

É incontornável que a versão dos acontecimentos do Tribunal Arbitral não resulta do afirmado, quer no Relatório de Policiamento Desportivo e esclarecimentos adicionais, quer no Relatório da equipa de arbitragem, nem no Relatório dos Delegados da Liga, mas unicamente no depoimento das testemunhas do S...... SAD.

Entendeu surpreendentemente o Tribunal Arbitral que “... não pode também o Colégio de Árbitros ignorar o facto de os Demandantes não terem logrado cumprir o ónus de prova que sobre eles recaía (...). E que, em face da concreta alegação efetuada pelos Demandantes nos artigos 17., 19., 20. e 40. do Requerimento de Arbitragem, a prova desses factos sempre estaria inteiramente dependente daquilo que a concreta visualização das imagens existentes nos autos pudesse, ou não, comprovar”.

É claro que não teria de ser a Demandante, aqui Recorrente/F....... SAD a fazer prova de que a agressão não ocorreu e que R...... não era o seu responsável material, tanto mais que as imagens captadas pela CCTV nada de substancial demonstram.

Não se está aqui a afirmar que a agressão se não verificou, mas tão-só a sublinhar que não está feita a prova irrefutável de quem tenha sido seu autor material, não cabendo ao Tribunal Arbitral, como já afirmado, “escolher” quem terá praticado o controvertido ato, de entre todos aqueles que se encontravam no local.

Como afirmado no Voto de Vencido do Acórdão Recorrido:
“Assim, no âmbito da impugnação contenciosa de um ato disciplinar condenatório em que vem invocada como causa de ilegalidade a existência de erro nos pressupostos de facto alegando-se não se ter verificado a factualidade que, na decisão impugnada, foi dada como provada e que preencheria a factispècie da norma sancionatória aplicada é sobre a Administração que recai o ónus de fazer, em juízo, a prova desses factos legitimadores da sua atuação punitiva, não incumbindo ao arguido/impugnante a tarefa de demonstrar a sua inocência. Esta solução, para além de resultar dos normativos legais já citados, é manifestamente imposta pelo princípio da justiça e qualquer entendimento diverso corresponderia, a meu ver, a uma denegação do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva em matéria administrativa (art. 268.° n.° 4, da CRP) e em matéria processual (art. 20.°, n° 4, da CRP) e, bem assim, a um esvaziamento do princípio da presunção da inocência que está implícito no direito fundamental de defesa em procedimentos sancionatórios não criminais (art. 32.º, n.º 10, da CRP) já que se assim fosse bastaria à Administração aplicar ao particular uma sanção disciplinar, mesmo sem prova bastante para o fazer, e assim lograr obter a inversão do ónus da prova em matéria sancionatória, impondo ao condenado o ónus de demonstrar a sua inocência em sede de impugnação jurisdicional, sob pena de a condenação se manter”

Como transcrito no próprio Acórdão Recorrido, citando-se Germano Marques da Silva, a apreciação da prova não pode nunca “ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.”

Perante uma manifesta insuficiência de prova, teria o tribunal arbitral de dar, neste particular, como verificada uma situação de “non liquet”, o que sempre imporia a aplicação do principio do “in dubio pro reo”.

Como mais uma vez afirmado no Voto Vencido:
“(…) os elementos probatórios não permitem assegurar ou garantir que o arguido R....tenha praticado os factos de que está acusado e aos quais a decisão acaba por aderir. Estamos tão só perante diferentes abordagens da prova recolhida e produzida e da sua subsequente valoração.
(...) Para além disto, destas dúvidas e destas incertezas (diremos que inultrapassáveis) e ainda que a história do telemóvel tenha algum suporte factual (…), questionamos honestamente se é mesmo possível afirmar, com o mínimo de certeza e de segurança, que no reconhecido aglomerado e ajuntamento, com barulho, empurrões e berros, foi possível vislumbrar o arguido R.......a bater na mão do Presidente da S....... só porque alguém viu a sua mão no ar, ou só porque duas ou três testemunhas (incluindo o visado), afirmam, nas deficientes condições recolhidas em inquérito, que foi aquele arguido o autor?! Temos por certo que a prova deve ser valorada na sua globalidade, mas a credibilidade não pode ficar à mercê de determinada factualidade em detrimento de outra.
Um estado de direito supõe princípios básicos, como sejam o da presunção da inocência e o principio in dubio pro reo, tal como em direito penal, também em direito disciplinar desportivo.
(...) Pelas apontadas razões, também absolveria (…) o arguido R......”.

O princípio da presunção de inocência sempre exigiria que o Tribunal Arbitral tivesse formulado um juízo de certeza sobre o cometimento da infração para condenar o Recorrente R......, não se bastando com meras ilações e presunções.

Como já afirmado pelo STA,Não impende sobre o arguido o ónus de reunir as provas indispensáveis para a decisão a proferir, em especial, em sede de comprovação dos factos que lhe são imputados(cf. Acórdão do STA de 28 de Abril de 2005, processo n.° 333/05).

No mesmo sentido, veja-se o acórdão do TCAS de 24.01.2019, no âmbito do proc. n.° 58/18.6BCLSB, com relação ao direito sancionatório desportivo:
“[...] deveria ser salvaguardado o cumprimento dos princípios da presunção de inocência dos arguidos, da culpa e proibição da inversão do ónus da prova em processos disciplinares, não podendo em circunstância alguma o silêncio dos arguidos ser valorado contra os próprios. A presunção de veracidade da factualidade apurada aos relatórios dos jogos mostra-se por si só insuficiente para fundamentar as multas aplicadas pelo Conselho de Disciplina, não competindo ao visado a obrigação de proceder a qualquer contraprova para escapar à aplicação de tais multas. "
“O princípio da presunção de inocência do arguido consagrado no n.º 2 do artigo 32º da Constituição da Republica afirma-se ao nível do direito probatório, vedando ao legislador ordinário a estatuição em processo penal de normas que, em desfavor do arguido, invertam o ónus da prova, com imposição a seu cargo da demonstração de inocência e obriga o Juiz a que absolva, no caso de dúvida sobre a prova dos factos imputados." (Cf Ac. do STA de 12 de Janeiro de 1998 - Processo n.° 023940).

Aqui chegados, resta a este Tribunal suprimir dos factos dados como provados o Facto 7, nos termos do nº 1 do Artº 662º CPC, e julgar procedente o Recurso relativamente à condenação de R......, por falta de prova.

Da Infração imputada à F....... SAD
Entendem os Recorrentes, que a Recorrente F......., Futebol SAD, com a publicação que fez, se limitou a exercer o seu direito à liberdade de expressão e que não se terão preenchido os elementos típicos da infração prevista no artigo 112.º do RDLPFP.

Para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, consta do Facto 9 da matéria dada como Provada:
"No dia 12.02.2022, pelas 00:24 horas, o departamento de media da Futebol Clube do P..... - Futebol, SAD (com o nome de utilizador "FC P..... Media") publicou na rede social Twitter uma fotografia da garagem do estádio do Dragão, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda "P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa".

Comprovadamente a referida publicação decorre do conjunto de incidentes verificados entre agentes desportivos das SAD do FC P..... e do S.......

Vejamos:
Resulta do Artº 112º do RDLPFP
Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros
1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante afixar entre o mínimo de 75 UCe o máximo de 350 UC.
(...)»
3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das muitas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.
4. Sem prejuízo do disposto nas leis que regulam a imprensa, a rádio e a televisão, o clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa"
(...)”

A nível disciplinar e em abstrato, os valores protegidos pelo referido normativo são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.

O referido normativo visa prevenir e sancionar a prática de condutas desrespeitosas entre agentes desportivos, visando tutelar a ética desportiva, a urbanidade, a probidade e a lealdade, enquanto princípios e valores que norteiam a prática de desporto em contexto de competição, sob um eixo de ética desportiva, associada, naturalmente, à necessária tutela da reputação, bom nome, consideração, credibilidade e profissionalismo dos diversos agentes desportivos e outros intervenientes.

Assim, se é certo que o direito à crítica constitui uma afirmação da liberdade de pensamento e expressão que assiste ao indivíduo (artigo 37.º, n.ºs 1, da CRP), o mesmo não pode ser entendido como ilimitado.

A relevância constitucional atribuída à tutela do bom nome e reputação legitimou, entre outros, a criminalização de comportamentos como a injúria e a difamação e, no âmbito do direito disciplinar desportivo, a tipificação de infrações disciplinares que consubstanciem ofensas à honra e reputação, designadamente, de agentes desportivos e dos órgãos da Federação Portuguesa de Futebol.

É com base nos referidos pressupostos que terá de ser ponderado o teor da publicação aqui controvertida.

Sem surpresa, alega a F....... - SAD que as declarações por si proferidas não têm caráter desrespeitoso nem atentatório de quaisquer valores dignos de proteção, embora uma mera apreciação superficial da referida publicação, permite qualifica-la, não como um mero ato de ironia de mau gosto, mas como uma mensagem de natureza provocatória e ofensiva.

Como se afirmou no Acórdão do Conselho de Disciplina da Recorrida, ''Destarte, a publicação, numa conta na rede social Twitter da SAD arguida, de uma fotografia da garagem do estádio do Dragão, em que é visível um telemóvel no chão, com a legenda «P......., 40 anos a tirar a rede a Lisboa», após o final do jogo que opôs aquela SAD a SAD adversária sediada em Lisboa, e poucos instantes volvidos de ter sido dado notícia pública de que o Presidente dessa SAD teria sido desapossado do seu telemóvel, em incidentes, ocorridos após o final do jogo, envolvendo aquele e agentes desportivos da SAD arguida, consubstancia conduta grosseira, que vai muito para além de uma qualquer boutade, sendo, isso sim, rude, ético-jurídica incorreta e atentatória dos padrões de conduta esperados e minimamente exigíveis a qualquer SAD que disputa as competições profissionais, até pelo reflexo negativo que tem na imagem dessas mesmas competições".
Mais se refere no Acórdão do CD da Recorrida que "A publicação transcrita em 10) de §2. Factos provados, consubstancia uma conduta típica, ilícita e culposa, e não é suscetível de encontrar justificação no exercício de um direito, concretamente, do direito à liberdade de expressão. Atente-se à agravante - não despicienda - de que sobre os clubes recaem nos termos regulamentares, especiais deveres em matéria de prevenção da violência, entre eles o dever de zelar por que dirigentes, equipa técnica, jogadores, pessoal de apoio ou representantes dos clubes ajam com moderação, correção e respeito para com os demais agentes desportivos e não profiram declarações públicas que sejam suscetíveis de incitar ou defender a violência".

Como se discorreu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, nº 066/18.7BCLSB, de 26-02-2019:
"Relembremos as expressões em causa:
«Golo limpo anulado ao B.......que nem o vídeo árbitro viu. Esta é a jornada da vergonha»;
«Não se via uma jornada com uma arbitragem assim desde o Apito Dourado: falta nítida de..........antes do penalty a favor do C.........., dois penalties limpos contra o D..........não assinalados e golo limpo mal anulado ao B..........
É um escândalo, esta é a jornada da vergonha».
Ora, verifica-se que nestes escritos o que se afirma é consentâneo com a existência de graves erros de arbitragem, que as críticas consideram ter existido, tornando aquela a "jornada da vergonha".
Ao criticar-se a jornada naqueles termos, imputando aos árbitros atos ilegais, está-se a atingir os árbitros em termos pessoais, dirigindo-lhes imputações desonrosas na forma como arbitraram as partidas em questão, significativas de que as respetivas atuações não se realizaram de acordo com critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, colocando-se deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação.
Além de que se afirma que "nesta jornada" ocorreram factos equiparados aos alegados casos de corrupção em causa no "Apito Dourado", imputando aos árbitros comportamento semelhante aos em causa naquele caso. Ou seja, imputa-se aos árbitros, a título pessoal, comportamentos que podem configurar indício de corrupção, pondo em causa o seu direito ao bom nome.
Imputações estas que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa.
Ou seja, os escritos criticam a "jornada" no que se refere aos jogos neles aludidos, dirigindo expressões injuriosas e difamatórias aos árbitros que neles tiveram intervenção, expressões estas que excedem os limites do que deve ser a liberdade de expressão, conforme previsto no art. 37º, nºs 1 e 2 da CRP, pondo em causa o direito ao bom nome dos árbitros em questão.
Assim, e, visto o que o nº 1 do art. 112º citado se estabelece, entendemos que se verifica a infração nele prevista."

Sumariou-se ainda, lapidarmente, no mesmo Acórdão do STA que “De acordo com o nº 3 do art. 112º do RDLPFP, o clube é responsável pelos tweets publicados na sua conta Twitter oficial, na qual os mesmos foram divulgados, sendo certo que este sítio na Internet é explorado pela Recorrida, diretamente ou pela empresa gestora de conteúdos. Isto é, ao publicar os tweets na referida página da Internet, procedeu a Recorrida à sua divulgação, já que a eles podiam ter (e tiveram) acesso um determinado grupo de pessoas, no caso jornalistas a quem o site era destinado.

Discorreu ainda o STA, desta vez no seu Acórdão proferido em 4 de Junho de 2020, no processo n.º 154/19.2BCLSB, aqui aplicável mutatis mutandis, o seguinte:
"5. A questão que se discute neste recurso é o de saber se o texto publicado pela Recorrida no seu jornal eletrónico "News Benfica preenche o tipo de infração disciplinar previsto e punido no n.º 1 do artigo 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).
Tem, por isso, razão a Recorrente quando afirma que, independentemente da relevância penal que a conduta da Recorrida possa ter, que é autónoma, e que não cabe neste âmbito apreciar, a sua responsabilidade disciplinar não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúria, mas apenas da violação dos deveres gerais ou especiais a que a mesma está adstrita no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas em que participa - v. artigo 17.º/2 do RDLPFP.
E esses deveres resultam, exclusivamente, da conjugação dos artigos 19.º e 112.º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respetivo tipo disciplinar.
No nº 1 do artigo 19.º do regulamento disciplinar em questão, se estabelece que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua atividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal, «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social». E, deforma muito expressiva, no n.º 2 da mesma disposição regulamentar se inibe aqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nas competições organizadas pela Liga».
É no quadro desses deveres gerais de lealdade, probidade, verdade e retidão, e da proibição expressa de publicitação de juízos ou afirmações lesivos da reputação de todos aqueles que intervenham nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que o n.º 1 do artigo 112.º do RDLPFP comina com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC, o uso «de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos».
A questão em discussão nos autos resume-se, pois, em determinar se os factos dados como provados pelas instâncias se subsumem às citadas previsões normativas do RDLPFP.
6.. Este Tribunal não tem dúvidas de que o texto publicado na edição n° 22 do jornal eletrónico "News Benfica" é lesivo da reputação dos árbitros que arbitraram as partidas da primeira volta da Liga Portugal que nele são objeto de análise, nomeadamente quando nele se lança a suspeição de que os apontados erros de arbitragem prejudiciais à Recorrida foram cometidos com a intenção de beneficiar o seu clube rival.
Ao insinuar que esses erros ocorreram sempre «em momentos decisivos de jogos», ou que «houve quem não visse o que toda a gente viu», mas sobretudo, ao afirmar que os erros apontados não foram alheios ao «clima de pressão, ameaças e coação dirigidos a diferentes agentes desportivos», e que os mesmos consubstanciaram uma «dualidade de critérios e proteção absurda a um clube», o texto publicado naquela newsletter não se limitou a enunciar factos objetivos, ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo, atentando diretamente contra o bom nome e reputação dos árbitros envolvidos.
O texto não se limitou, pois, a apontar «erros de apreciação» aos árbitros, na medida em que afirma que os mesmos atuaram com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. Na verdade, ao afirmar que os árbitros não arbitraram aquelas partidas de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que estão adstritos, o texto insinua que os mesmos foram corrompidos pelo clube rival, colocando assim deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação.
(...)
7. O acórdão recorrido, na linha do que decidiu o Tribunal Arbitrai do Desporto, assentou a sua conclusão na liberdade de expressão e de informação garantida pelo artigo 37.º da Constituição, afirmando que «considerar juridicamente difamatório o comportamento de alguém que imputa a outrem o cometimento de erros de apreciação, seja em que domínio for, no caso dos autos, erros de arbitragem, equivale a proibir as pessoas de falar, constranger as pessoas no sentido de se guardarem de expressar o seu pensamento e se autocensurarem».
O texto publicado no jornal eletrónico da Recorrida, como vimos, não se limitou a apontar erros de apreciação, ou de arbitragem, na medida em que acusou os árbitros de terem atuado com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. E como se afirmou a propósito do abuso de liberdade de imprensa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de dezembro de 2002, proferido na Revista n.º 3553/02, da 7.ª Secção, «o simples facto de se atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado, é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade moral».
Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do artigo 26º da Constituição.
O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e à reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube - cfr. artigo 112.º/4 do RDLPFP.
Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido neste autos, sobre «(...) até que ponto se pode disciplinarmente reagir - com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro - contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que a sanção disciplinar foi bem aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF, devendo por isso a mesma manter-se, contra o que foi decidido pelas instâncias."
Mais se refere no acórdão de 2 de Julho de 2020 do STA, proferido no âmbito do processo n.º 0139/19.9BCLSB, que:
"(...) constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas, não pode deixar de se considerar que o aludido texto põe em causa a integridade moral e o bom nome e reputação do agente desportivo em questão, além de afetar a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva. E se é verdade que o direito à crítica se inclui no exercício da liberdade de expressão consagrada no art.º 37.º, da CRP, como um direito fundamental, também o é que não se está perante um direito absoluto, ilimitado, insuscetível de ser restringido.''

No mesmo sentido decidiu o STA, em acórdão datado de 10 de Setembro de 2020, no âmbito do processo n.º 156/19.9BCLSB11, onde se afirma:
"6. No caso em apreço, não subsistem dúvidas de que as mensagens difundidas pela Recorrida através da conta Twitter "S......." são lesivas da reputação de M......., o árbitro que arbitrou a partida entre o V....... e o Futebol Clube do P....., nomeadamente quando nelas se afirma que o mesmo cometeu erros de arbitragem com a intenção de beneficiar o Futebol Clube do P......
Ao afirmar que M....... foi nomeado para arbitrar um jogo do Futebol Clube do P..... para assegurar «que asfaltas que todos veem só o árbitro não veja», ou «que golos limpos sejam anulados», ou ainda quando afirmam que a Liga Profissional de Clubes perdeu a vergonha e «esta noite assistimos a uma farsa com alto patrocínio», as mensagens difundidas pela conta oficial do clube não se limitaram a enunciar factos objetivos, ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo, atentando diretamente contra o bom nome e reputação de um árbitro, e da própria Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
(...)
Na verdade, ao afirmar que M....... não arbitrou aquela partida de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que está adstrito, o texto insinua que o mesmo foi corrompido pelo clube rival, colocando assim deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação.
(…)
Ora, as mensagens difundidas pela conta oficial de Twitter do clube, como vimos, não se limitaram a apontar a M....... erros de apreciação, ou de arbitragem, na medida em que o acusam de ter atuado com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhe um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. E isso não corresponde a um mero escrutínio público da sua atuação, que seria perfeitamente legítimo, mas a uma evidente ofensa do seu bom nome, honra e reputação. Como se afirmou a propósito do abuso de liberdade de imprensa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de dezembro de 2002, proferido na Revista n.º 3553/02, da 7.ª Secção, «o simples facto de se atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado, é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade moral».
Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do artigo 26º da Constituição.
O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e à reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube - cfr. artigo 112.º/4 do RDLPFP."

Ainda, em Acórdão de 10 de Setembro de 2020, no âmbito do processo n.º 38/19.4BCLSB, afirmou o STA que:
"Com efeito, estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injurias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respetivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respetivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável a realização das competições desportivas.
Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos arts. 19º e 112° do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respetivo tipo disciplinar.
(...)
Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar- se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem "permitida" no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem, quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer um pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes.
(…)
Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa critica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objetivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação a luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objetiva, quer subjetivamente a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injurias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão da CRP."

Uma última nota para a jurisprudência no âmbito do processo n.º 100/20.0BCLSB, do TCA Sul, em que se afirma:
"De todo o modo, a mera existência de erro(s) na arbitragem não permite, de todo, extrair a conclusão de que o(s) mesmo(s) foi(ram) cometido(s) de forma dolosa e que o Conselho de Arbitragem da FPF ao nomear os árbitros tinha conhecimento de tal intenção de favorecimento.
(...)
Ora, não se tendo provado a veracidade das afirmações em causa (...) cumpre concluir que as mesmas traduzem-se num ataque contra a reputação dos árbitros e do Conselho de Arbitragem da FPF, pois a imparcialidade e a isenção são atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas pelos árbitros e pelo Conselho de Arbitragem da FPF, ou seja, o recorrido excedeu a sua liberdade de expressão, razão pela qual inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude.
Como a este propósito se explica no supra citado Ac. do STA de 4.6.2020, proc. n.º 154/19.2 BCLSB:
"O texto publicado no jornal eletrónico da Recorrida, como vimos, não se limitou a apontar erros de apreciação, ou de arbitragem, na medida em que acusou os árbitros de terem atuado com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. E como se afirmou a propósito do abuso de liberdade de imprensa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de dezembro de 2002, proferido na Revista n.º 3553/02, da 7.ª Secção, «o simples facto de se atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado, é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade moral».
Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do artigo 26º da Constituição.
O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e à reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social (...)
Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido neste autos, sobre «(...) até que ponto se pode disciplinarmente reagir-com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro - contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas (...)" – Também neste preciso sentido, Acs. Do STA de 2.7.2020, proc. n.º 139/19.9 BCLSB ["I - Preenche a infração disciplinar prevista e punida pelos arts. 19.º e 112.º do RDLPFP a publicação de um artigo na "newsletter" de um clube desportivo onde se imputa ao VAR uma atuação deliberada de erro com o objetivo de favorecer um clube em detrimento de outro, colocando em causa a sua idoneidade para o exercício das funções que desempenha. II - Os citados preceitos do RDLPFP não podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervêm nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional."], e 10.9.2020, procs. n.ºs 38/19.4 BCLSB e 156/19.9 BCLSB."

Todo este entendimento, não é colocado em crise pelo disposto no artigo 10.º da CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Com efeito, sem prejuízo de a liberdade de expressão ser um valor e princípio protegido pela referida norma, haverá que atentar no que dispõe o n.º 2 do referido artigo 10.º da CEDH. Nesse sentido, ali se refere que certas pessoas ou grupos, pela natureza das suas funções e responsabilidades, poderão ver a sua liberdade de expressão limitada.

Isto mesmo se afirmou na decisão do CD da Recorrida no âmbito do PD 15-20/21, remetendo para outro acórdão do CD da Demandada, conforme infra se transcreve:
(...) o juízo de ponderação entre os bens jurídicos em conflito não pode ignorar o facto de a qualidade de agente desportivo estar associada, nos termos legais e regulamentares, a um estatuto especial de direitos e deveres, entre eles o dever, para esses agentes, de se absterem de condutas que potenciem comportamentos violentos ou perturbações da ordem pública desportiva (v. supra ponto 31). Como impressivamente resulta do RHI n.º 13 - 20/2021, em «a (proporcional) compressão do direito à liberdade de expressão faz parte dos ónus que decorrem do privilégio de se tornarem destinatários das normas que, aliás, os mesmos ajudaram a construir através da aprovação do regulamento disciplinar ao abrigo de competência delegada legalmente».
74. Esta asserção não só encontra arrimo na jurisprudência do STA, como é um dos aspetos tidos em conta pelo TEDH na interpretação e aplicação do artigo 10.º, n.º 2 da CEDH, quando ali se assinala que certas pessoas ou grupos, pelos deveres e responsabilidades inerentes à atividade que desempenham, podem ter de suportar interferências mais intensas na sua liberdade de expressão, sem que isso perturbe o justo equilíbrio dos interesses em presença, atenta a premência dos interesses públicos em que se esteiam aquelas situações funcionais. Não esquecer, ademais, que, no modelo de autorregulação em que, por opção político-legislativa, se concretizou a regulação pública do desporto, as federações desportivas exibem uma legitimidade democrática originária (de tipo associativo), apta, portanto, a conferir ao estatuto de agente desportivo, e inerente compressão regulamentar de certas posições jurídicas subjetivas fundamentais, um elemento de consentimento ou autovinculação.".

Voltando ao caso concreto, para que se verifiquem preenchidos os elementos do tipo do artigo 112.º do RDLPFP, exige-se singelamente que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, um (i) clube, (ii) use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros; (iii) para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, (iv) ou incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina.

Como sustentou o CD da Recorrida, “Quanto ao elemento subjetivo, a nossa conclusão, presente o teor da publicação realizada, é a de que a SAD arguida agiu com dolo, havendo, no caso vertente, conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito, ao publicar numa rede social por si gerida declarações grosseiras dirigidas ao Presidente da SAD participante e a esta SAD".

Isto dito, andou bem o Tribunal arbitral ao concluir que:
“Trata-se, pois, de uma publicação promovida por esta Demandante naquela mesma noite em que foi disputado o jogo de futebol entre as equipas da Futebol Clube do P....., Futebol SAD, e a S...... Clube de Portugal, Futebol SAD, divulgada pouco mais de uma hora depois de terem ocorrido todos os factos provados e atrás enunciados sob os números 2 a 8.
Com efeito, a publicação em causa afigura-se-nos grosseira, desde logo considerado que a mesma foi efetuada às 00h24 horas do dia 12.02.2022, isto é, muito pouco tempo após os incidentes dos autos (cf. Factos provados 2 a 8) e, acrescente-se na própria noite daquele jogo de futebol em que, como é público e notório, sucederam no final do jogo e ainda em pleno relvado, portanto à vista do público presente, e de quem assistia na TV e de todos os que seguissem o relato do jogo pela rádio, diversos episódios de enorme tensão e de grande violência entre diferentes agentes desportivos, episódios que não podem senão ser considerados como tendo sido verdadeiramente graves.
A este respeito, aliás, para se ter uma ideia do clima de tremenda tensão e de violência quase generalizada que se viveu então, bastará que se leiam as diversas descrições de agressões e/ou de "condutas violentas" constantes do Relatório do Árbitro cf. Documento de fls. 80 e seguintes do processo disciplinar dos autos) e do Relatório de Delegado (cf. Documento de fls 91 e seguintes), assim se podendo facilmente concluir que tudo aquilo que se passou então, independentemente da imputação de responsabilidades a quem quer que seja, foi verdadeiramente grave, não sendo aceitável nem admissível que suceda num Estado de Direito - e, muito em particular, num contexto desportivo.
Por assim ser, considera o Colégio de Árbitros que é inaceitável, ultrapassando de forma clara e inadmissível todas as mais alargadas fronteiras que a invocada liberdade de expressão possa e deva até assumir na vida em sociedade, o carácter assumidamente jocoso e de inapropriada chacota de que se revestiu a publicação em causa, designadamente, a legenda e a foto dela constantes que aludem claramente, ainda que de forma indireta, ao facto de minutos antes, na garagem do Estádio, o Presidente do S...... F....... ter sido desapossado de forma violenta do seu telemóvel, o que se traduz, sublinhe-se, não apenas numa mera "sátira" ou numa "paródia" juridicamente irrelevantes, mas antes numa inadmissível banalização e consequente aceitação não só daquele episódio, como também de todo o contexto de inegável violência a que se assistiu, dessa forma assumindo contornos, ilícitos, profundamente censuráveis e totalmente intoleráveis, de incitamento à violência."

Sem prejuízo do direito à liberdade de expressão, "entende o Colégio de Árbitros que a publicação em causa é manifestamente grosseira, bem como ainda, dado todo o contexto e envolvente já atrás mencionados, suscetível de incitar à violência, razões pelas quais não tem dúvidas o Colégio de Árbitros em considera que se encontram preenchidas toda as condições de cuja verificação depende o preenchimento do ilícito disciplinar previsto e punido no artigo 112.º, n.ºs 1 e 4 do RDLPFP.

Pelo exposto, entende-se que não merece censura o entendimento adotado neste particular pelo Tribunal Arbitral, ao considerar verificados os elementos do tipo do artigo 112.º do RDLPPF relativamente à controvertida publicação, a qual extravasou, assim, o mero exercício do direito à liberdade de expressão.

IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao Recurso,:
a) Anulando-se a sanção aplicada a R.... de suspensão de 115 dias, e de multa de 37,50 UC, correspondente a 3.825€;
b) Confirmando-se a sanção aplicada à Futebol Clube do P..... - SAD, de multa de 160UC, correspondente a 16.320,00€.

Custas pelas partes, em função do decaimento.

Lisboa, 13 de abril de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa