Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:335/13.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
EXCUSSÃO PRÉVIA
CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO DA SOCIEDADE PARA SOLVER A DÍVIDA EXEQUENDA.
Sumário:I - Concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens da responsabilidade subsidiária esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário.

II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.

III - No caso, a outorga do contrato de factoring em apreço e a realização de pagamentos das dívidas, no quadro de plano de prestações, não configuram a observância do padrão do gerente criterioso e cumpridor.

IV – O Oponente podia e devia ter atuado no sentido de obviar ao incumprimento das dívidas em presença, assegurando o pagamento das mesmas, através da disponibilização dos montantes cobrados no âmbito do contrato de factoring ou acordando com o Fisco formas de pagamento em prestações das dívidas que fossem efetivamente cumpridas e recorrendo ao processo de insolvência da sociedade devedora originária, em caso de impossibilidade de cumprimento, por falta de meios, com vista a garantir o concurso universal de credores.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

G………………………, com os demais sinais nos autos, deduziu oposição à execução fiscal nº …………………102 e apensos que contra si reverteu, depois de originariamente instaurada, pelo Serviço de Finanças de Sintra-1, contra a sociedade denominada D………………., S.A. (anteriormente designada G……….- ………….., S.A.), visando a cobrança coerciva da quantia global de €74.331,08, respeitante a dívidas provenientes de autoliquidações de IVA, dos anos de 2011 e 2012, de IRC do exercício de 2010, de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2011 e 2012 e de Coimas Fiscais dos anos de 2011 e 2012.

Por sentença datada de 10/11/22, o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra julgou a presente oposição parcialmente procedente, ordenando a extinção da execução quanto ao Oponente no que respeita às dívidas de coimas e improcedente no demais, ou seja, quanto às dívidas de IVA, de IRC e de IRS.

O Oponente recorreu da sentença na parte em que a mesma lhe foi desfavorável, tendo, na sua alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«A. A Oposição à execução fiscal deduzida pelo ora Recorrente foi julgada improcedente na parte referente ao IRC, IVA e IRS, sem que fosse devidamente valorada a prova produzida e, adequadamente, apreciados os vícios identificados, nomeadamente, quanto à falta de excussão prévia da sociedade devedora e à ausência de culpa do Recorrente na insuficiência patrimonial da devedora originária.

B. No que respeita ao vício da falta de excussão prévia da devedora originária, cabe à AT, de acordo com a interpretação conjugada do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e do artigo 153.º, n.º 2 do CPPT, demonstrar a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

C. Sucedendo que, em momento algum essa demonstração foi feita, tendo-se a AT limitado a alegar que a devedora originária não dispunha de bens penhoráveis, conforme resulta da fundamentação da Sentença recorrida.

D. A não demonstração da insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido implica a inobservância de um dos pressupostos legalmente exigíveis para a reversão, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, da LGT, pelo que a reversão operada é ilegal.

E. No que respeita à ausência de culpa do Recorrente na insuficiência patrimonial da devedora originária, este juntou aos autos documentos que demonstram o padrão de incumprimento por parte dos hospitais público-privados, acompanhados do Contrato de Factoring celebrado com o B......... e o pedido de pagamento das quantias em dívida.

F. Acrescendo que foi deferido pelo Tribunal a quo, o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do Processo n.º 334/13.4BESNT, atenta a identidade fáctica e jurídica das duas situações em apreciação, a que acresceu o depoimento da testemunha arrolada pela AT em sede dos presentes autos.

G. As testemunhas inquiridas revelaram um conhecimento direto da atividade da devedora originária e o modo de funcionamento do Contrato de Factoring, tendo todos deposto com segurança e credibilidade, tendo os seus depoimentos permitido não apenas confirmar a celebração de um contrato de factoring que visava resolver os problemas de liquidez da sociedade, como ainda confirmaram que o Recorrente sempre foi criterioso e zeloso no cumprimento das obrigações fiscais daquela, sendo que a liquidez obtida através do contrato de factoring era destinada a pagar às finanças e que o valor não serviu para a realização de quaisquer outros pagamentos (p.e., salários); bem como o facto de o Recorrente ter realizado pagamentos de dívidas fiscais da sociedade com dinheiro próprio.

H. As testemunhas referiram que os pagamentos das faturas pelos clientes eram efetuados com atrasos e que o Recorrente não tinha acesso à conta bancária associada ao contrato de factoring, tendo, contudo, desenvolvido esforços no sentido de resolver os problemas de liquidez da sociedade, por forma a cumprir com as obrigações fiscais da mesma.

I. Em momento algum foi questionada a causa do incumprimento das obrigações fiscais da sociedade devedora originária – atrasos de pagamento das faturas por parte das entidades público-privadas – ou os esforços, empenho e determinação do Recorrente em resolver os problemas para os quais a sociedade devedora originária foi empurrada.

J. Todavia, o Tribunal a quo, apesar de dar como provada a celebração do Contrato de Factoring e ter verificado que houve sucessivos e prolongados atrasos no pagamento das faturas por parte dos hospitais público-privados, entendeu que o Recorrente não logrou provar que a falta de pagamento não lhe é imputável.

K. Esta decisão assentou na desconsideração da prova documental e testemunhal produzida quanto ao vício da ausência de culpa do Recorrente na insuficiência patrimonial da devedora originária, requisito necessário à legitimação da reversão.

L. O Tribunal a quo apoiou-se num Acórdão do TCA Sul apenas para determinar a relevância da celebração de um contrato de factoring para efeitos de ilisão da presunção de culpa pela falta de pagamento da dívida exequenda, sem atender às razões e o circunstancialismo envolto ao não cumprimento atempado das obrigações fiscais pela devedora originária, bem como os esforços e diligências levadas a cabo pelo ora Recorrente para cumprir com essas obrigações, não obstante os problemas financeiros em que se viu por culpa do próprio Estado.

M. Conforme resulta da prova documental e testemunhal, o Recorrente logrou demonstrar que a insuficiência patrimonial a que chegou a devedora originária não foi consequência de qualquer ação ou omissão da sua parte. Antes pelo contrário, a mesma deveu-se a fatores fora do seu âmbito de controlo – o sistemático e prolongado atraso no pagamento das faturas devidas pelos hospitais públicos e público-privados –, que impossibilitaram o cumprimento atempado das obrigações fiscais da sociedade devedora originária.

N. Não obstante a situação de dificuldade financeira a que a sociedade se viu forçada, a atuação do ora Recorrente, enquanto administrador da devedora originária, pautou-se pelo esforço e empenho na resolução dos problemas de liquidez da mesma, por forma a cumprir com as obrigações fiscais da sociedade, nomeadamente, a celebração do Contrato de Factoring com o B......... e o pedido de pagamento prestacional das quantias em dívida à AT, o que revela a consciência do Recorrente relativamente às obrigações fiscais da sociedade de que era gestor e a preocupação e determinação no cumprimento das mesmas.

O. A produção de prova serve a finalidade de alicerçar a formação da convicção do tribunal, através da infirmação ou confirmação dos factos controvertidos, como o determina o artigo 341.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

P. Não poderia o Tribunal a quo ter desvalorizado a prova documental oferecida e, muito menos, desconsiderado, por completo, os depoimentos das testemunhas, com conhecimento direto, pessoal e profissional dos factos sobre os quais foram inquiridas.

Q. Concluindo-se que o Tribunal a quo fez uma interpretação inadequada e limitada da prova produzida, à luz das normas substantivas e adjetivas, que lhe são aplicadas, cabendo agora a esta douta Instância de Recurso, ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC (aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT), reapreciar a prova produzida, fazer a sua devida valoração e, de acordo com as regras da experiência, face a toda prova produzida, dar como provados que a insuficiência do património da sociedade e a impossibilidade de pagamento das dívidas fiscais ora revertidas, jamais se ficou a dever a qualquer atitude culposa ou danosa levada a cabo pelo ora Recorrente, cuja atuação sempre se pautou, objetivamente, por um padrão de diligência de um bom pai de família.

R. Consequentemente, o ora Recorrente é parte ilegítima no processo de execução fiscal e apensos aqui em causa, ao abrigo do disposto nos artigos 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT e 24.º da LGT.


NESTES TERMOS,


E nos demais de direito que V. Exas., os Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em conformidade, ser revogada a douta Sentença recorrida, na parte que julgou improcedente a Oposição Judicial, com as devidas consequências legais, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!»

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Não há registo de contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Em 2005, foi constituída a sociedade D……………., S.A., com o NIF …………, que tinha como objecto social “Importação, exportação, comercialização e manufactura de dispositivos médicos; organização de empresas e serviços na área de gestão contabilidade, informática e recursos humanos; investigação e desenvolvimento, formação profissional e aluguer de equipamentos; importação, exportação, representação e comercialização de material didático e pedagógico” e como Presidente do conselho de administração, o ora Oponente, G ……………….., com o NIF ……….. – cf. Doc. 2 junto pelo Oponente - Certidão Comercial da matrícula com o NIPC ……………. - AP. 18/…………., de fls.105, de fls. 105 a 115

B) O Oponente permaneceu no cargo de Presidente do Conselho de administração da sociedade identificada na alínea anterior, pelo menos até 2013. – cf. Doc. 2 junto pelo Oponente - Certidão Comercial da matrícula com o NIPC ………….. - informação em vigor e AP. 18/………. Insc. 7 – AP. 38/20080828, a fls. 105, 106, 110 e 111, de fls. 105 a 115

C) Em 5 de Julho de 2007, a devedora originária G………….. S.A., celebrou um contrato de Factoring, com o B………… – Banco ………………, S.A.. - facto que se extrai do Doc. 5 junto pelo Oponente – Alteração ao Contrato n.º ……….. celebrado em 05/07/2007, de fls. 177 a 179

D) Em 17 de Outubro de 2011, a devedora originária G......... S.A., representada pelo Oponente, e o B…………– Banco …………………., S.A. acordaram proceder à alteração do contrato descrito na alínea anterior, determinando além do mais, o seguinte:
- o valor máximo a disponibilizar é de € 500.000;
- só será aceite a cessão de créditos de faturas com prazo de vencimento inferior a 180 dias.

– cf. Doc. 5 junto pelo Oponente – Alteração ao Contrato n.º ………. celebrado em 05/07/2007, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de fls. 177 a 179

E) No âmbito do contrato de factoring descrito nas duas alíneas precedentes, estava previsto e a devedora originária, estava obrigada, além do mais, a:

“- 2.1. (…) submeter ao FACTOR, na periodicidade convencionada (…), os créditos de curto prazo aIi indicados, de que é, ou venha a ser, titular, sobre os seus DEVEDORES, desde que esses créditos sejam decorrentes da sua actividade comercial de venda de produtos ou prestação de serviços. exercida no mercado português, e estejam titulados por FACTURAS, que, sempre que o FACTOR o solicite, deverão ser acompanhadas dos justificativos de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços. (…)

4. Adiantamentos por conta dos créditos

4.1. O FACTOR poderá conceder ao ADERENTE, adiantamentos por conta do valor dos créditos cedidos e por si aceites, se, e até ao montante, expressamente previsto nas CONDIÇOES PARTICULARES.

4.2. Os adiantamentos previstos no número anterior estão sujeitos às seguintes condições:

a). Solicitação expressa do ADERENTE;

b). O valor dos adiantamentos sobre créditos cedidos não exceda o valor máximo definido pelo FACTOR relativamente ao ADERENTE, nas CONDIÇOES PARTICULARES;

c). O valor dos adiantamentos concedidos não exceda os valores máximos acordados pelas partes, relativamente a cada DEVEDOR (…)

5.4. O ADERENTE obriga-se a entregar ao FACTOR, no prazo máximo de 24 horas sobre o seu recebimento, quaisquer quantias que, Independentemente do motivo, haja recebido directamente dos DEVEDORES. e que sejam relativas a créditos cedidos no âmbito do presente contrato, sem que possa reter tais pagamentos a qualquer titulo, designadamente alegando qualquer tipo de *compensação* relativamente a créditos que Invoque, sobre o FACTOR ou sobre os DEVEDORES.

5.5. O ADERENTE obriga-se a reembolsar o FACTOR de todos os encargos. portes e outras despesas que este tenha suportado (…)

5.6. O ADERENTE obriga-se a enviar ao FACTOR o *Balanço* anual e semestral da sua actividade, a previsão anual da sua facturação. e a manter na posse deste, permanentemente actualizadas, certidões referentes à sua situação contributiva, designadamente quanto a responsabilidades perante a Fazenda Pública e a Segurança Social.

5.7. O ADERENTE obriga-se a facultar elou permitir a consulta, pelo FACTOR ou por quem este designar, de todos os elementos constantes da sua contabilidade, nomeadamente para verificação da exactidão de quaisquer Informações ou documentos referentes à sua situação financeira, ao presente contrato e aos créditos cedidos. (…)

6.2. O ADERENTE obriga-se a fazer constar das FACTURAS que titulam os créditos cedidos, a seguinte declaração: “O pagamento do valor constante deste documento deverá ser efectuado ao B…………. - Banco ………………, S.A., para a conta NIB ……………………., ao qual cedemos os direitos de crédito nele contidos, e que é a única entidade com direito a cobrar a quantia respectiva e a dar a correspondente quitação”. (…)

9.2. Um crédito aceite SEM DIREITO DE REGRESSO, converter-se-á imediata e automaticamente em COM DIREITO DE REGRESSO, assim que se encontre em qualquer das situações descritas no número anterior, ou, quando e na medida em que, no seu conjunto, ultrapassem o valor da LINHA DE CRÉDITO concedida ao DEVEDOR.

10. Cancelamento da cessão do crédito

Sem prejuízo da Cláusula antecedente, e em alternativa ao que nela se convenciona, o FACTOR poderá, em cada uma das situações ali previstas, optar pela restituição imediata dos créditos cedidos, ao ADERENTE, debitando o seu valor na conta-corrente a se refere a Cláusula 13.”

– cf. Doc. 5 junto pelo Oponente – Condições Gerais, de fls. 186 190, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de fls. 177 a 179

F) Em 9 de Setembro de 2011, a devedora originária G......... S.A., com o NIF ………………, tinha a sua situação tributária regularizada, por não ser devedora à Fazenda Nacional e estar a “proceder ao pagamento da dívida nas condições e termos autorizados”. - cf. Doc. 8 junto pelo Oponente – Certidão, emitida pelo Serviço de Finanças de Sintra-1, a fls. 204

G) No final de 2011, a Administração Pública e os Hospitais Públicos “apresentavam (…) um total de cerca de 5 338 milhões de euros de pagamentos vencidos há mais de 90 dias”. - facto que se extrai do Doc. 4 junto pelo Oponente – documento elaborado pelo Ministério das Finanças, designado por “Estratégia para a redução dos pagamentos em atraso há mais de 90 dias”, a fls. 126, 106, 110 e 111, de fls. 123 a 175

H) Em 30 de Dezembro de 2011, a devedora originária, G........., representada pelo Oponente, requereu o pagamento de dívida tributaria, no valor de € 39.814,38, em 12 prestações mensais, com dispensa de prestação de garantia, “em virtude da situação financeira excepcional da empresa bem como pela inexistência de bens penhoráveis”.cf. requerimento, a fls. 256 do PEF apenso.

I) Em 8 de Novembro de 2012, foi lida decisão instrutória no Processo n.º 87/11.0IDLSB, em que a devedora originária, G........., e o Oponente, eram acusados da “prática de um crime de abuso de confiança fiscal, (…) consubstanciado na falta de entrega do IVA que a sociedade liquidou e recebeu” em 2010 e 2012, sem “ter entregue os meios de pagamento nem aquando do envio das respectivas declarações, nem nos 90 (…) dias subsequentes, nem durante o decurso do prazo concedido”, que determinou o arquivamento dos autos, por concluir que “da prova recolhida não resultam indícios de facto e elementos de direito para justificar a submissão da causa a julgamento”. – cf. Doc. 9 junto pelo Oponente – Acta de Leitura de Decisão instrutória, de fls. 206 a 217

J) Em 13 de Setembro de 2012 foi instaurado o PEF n.º …………..102, para cobrança de dívida tributária proveniente de “Impostos englobados na conta corrente”, no valor de € 783,90, de que era devedora originária a sociedade D............, com o NIF 507.142.268. – cf. Auto de oposição, a fls. 1

K) Ao PEF descrito na alínea anterior foram apensos, PEF n.os ………………094, …………..290, ………………834, ……………..690, ……………..110, ………………773, ………………683, ………………569, ……………120, …………….991, ……………980, ……………..911, …………….388, …………631, ………….538, …………930, …………….660, …………….280, ………….304, …………..001, …………..730, ……………346, …………….667, ……………152 e …………..566, totalizando a quantia exequenda de € 74.331,08. – cf. Auto de oposição, a fls. 1

L) Em 7 de Dezembro de 2012, o Oponente recebeu uma carta a notifica-lo que se encontrava em preparação a reversão contra si do PEF n.º ………………..102, para cobrança de dívida no valor de € 74.331,08 e para exercer o direito de audição prévia. - cf. Ofício de Notificação e comprovativo de envio e recepção postal, a fls. 257 verso e 258 do PEF apenso

M) Em 22 de Janeiro de 2013, o Oponente foi citado como responsável subsidiário, no PEF e apensos, descritos nas alíneas J) e K) supra, para pagar dívida tributária no valor global de € 74.331,08, nos termos seguintes:


- cf. Doc. 1 junto pelo Oponente - “Citação em Reversão”, a fls. 42, 43, 100 e aviso de recepção, a fls. 260 do PEF apenso

N) A dívida referida na alínea anterior, tinha a seguinte composição:

« Texto no original»

– cf. cf. Doc. 1 junto pelo Oponente - descrição “Quantia Exequenda” e certidões de dívida, de fls. 44 a 99

O) Em 19 de Fevereiro de 2013, a devedora originária, G......... S.A., registava pagamentos de clientes em atraso, desde Setembro de 2009, no valor de € 112.084,40. - cf. Doc. 3 junto pelo Oponente - Balancete de Devedores, remetido pelo Núcleo de factoring do B........., de fls. 117 a 121


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Factos Não Provados

Não foram alegados factos com relevância para a decisão que mérito que importe registar como não provados.


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Motivação Da Matéria De Facto

A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, contextualizados pelos depoimentos das testemunhas.

Nos presentes autos, foram inquiridas três testemunhas, que depuseram com credibilidade e isenção, evidenciando a sua razão de ciência, assente na prestação de serviços à devedora originária, seja como trabalhadora, seja como fornecedor externo.

Os seus depoimentos foram credíveis e permitiram confirmar, consubstanciar e contextualizar os factos alegados pelo Oponente e que resultaram provados por prova documental, em concreto:

- o atraso recorrente e conjuntural no apagamento de facturas, a que se ferente as alíneas G) e O) supra;

- as limitações decorrentes do contrato de factoring para o exercício da actividade da devedora originária, como resulta das alíneas C) a E) supra.

Com efeito, quer as testemunhas arroladas pelo Oponente, A ………………. (administrativa da devedora originária, com responsabilidade pela emissão de faturas e pelo controlo da sua cobrança) e L…………..(gestor bancário responsável pela conta da Oponente, que acompanhou a execução do contrato de factoring); quer a testemunha arrolada pela Fazenda Pública, Ana ……………. (contabilista da devedora originária); relataram as dificuldades na cobrança sentidas pela devedora originária, agravadas desde 2007, e que conduziram à celebração do contrato de factoring; e o esforço no contacto a clientes para lograr obter tal cobrança.

De igual modo, todos evidenciaram as limitações decorrentes do contrato de factoring para a gestão de tesouraria da devedora originária, porquanto ficava totalmente privada do valor das faturas por si emitidas, e consequentemente sem fundos para fazer face às despesas da sociedade.

Resultou ainda dos seus depoimentos que, se numa primeira fase, tal privação era precedida de um adiantamento do seu valor (conforme resulta da essência e funcionamento do contrato de factoring), a partir de determinada altura (que não foi especificada), as novas faturas eram afectas à regularização da conta corrente, cujo saldo se apresentava permanentemente deficitário devido aos sucessivos e prolongados atrasados no pagamento das faturas emitidas, o que aumentava o valor em dívida perante terceiros, incluindo a Autoridade Tributária (AT).»


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- De Direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a oposição, declarando a extinção da execução fiscal relativamente ao ora Recorrente quanto às dívidas de coimas. No mais, isto é, quanto às dívidas de impostos, a oposição foi julgada improcedente, mantendo-se a execução fiscal.

É, pois, quanto a este segmento da sentença, na medida em que foi desfavorável ao Oponente, que o presente recurso se dirige.

Foram vários os fundamentos de oposição apreciados pelo TAF de Sintra e todos foram julgados improcedentes.

Neste recurso, vêm suscitadas duas questões, dois erros de julgamento: em primeiro lugar, vem posta em causa a apreciação feita pelo Tribunal relativamente à falta de excussão prévia da devedora originária; vem também questionada a apreciação quanto à culpa na alegada insuficiência do património da devedora originária para solver a dívida exequenda.

Vejamos, então, esclarecendo, desde já, conforme resulta das conclusões, que não foi impugnada a matéria de facto, pelo que a mesma mostra-se estabilizada.

Detenhamo-nos nas conclusões B) a D), nas quais o Recorrente ataca o julgamento feito em 1ª instância relativamente à apreciação da falta de excussão prévia da devedora originária.

A este propósito, a Mma. Juíza discorreu nos seguintes termos que, no essencial, se reproduzem:

“(…) Quanto à insuficiência patrimonial da devedora originária e à alegada existência de activos para assegurar o pagamento da dívida exequenda, começamos por referir, como decorre do artigo 23º n.os 1 e 2 da LGT, que a responsabilidade subsidiária se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, dependendo esta da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.

Neste âmbito, determina o artigo 153º nº 2, do CPPT, que o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Das normas supra citadas, decorre que não é necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão, sendo bastante que se verifique a fundada insuficiência de bens penhoráveis. (cfr. entre outros, os Acórdãos do STA, proferidos em 25 de Janeiro de 2017, no processo n.º 0286/16, e 12 de Outubro de 2016, no processo n.º 0287/16, e do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS); proferido em 22 de Maio de 2019, no processo n.º 633/13.5BESNT)

Neste segmento, impende sobre a AT o ónus probatório da verificação dos pressupostos legais dos quais depende a reversão, ou seja, e no que aqui releva: demonstrar a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Só ulteriormente, caso a Administração faça aquela prova, caberá ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens no património da devedora originária de que não haja conhecimento no processo, fazendo, assim, prova da sua ilegitimidade (cfr. entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), proferido no Processo nº 00032/05.2BEPNF, em 19 de Janeiro de 2006).

Deste modo, à face da LGT, concluindo-se pela fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, pelo órgão da execução fiscal, acautelando-se a cobrança do imposto devido sem que com isso se viole o benefício da excussão prévia.

Ou seja, é pressuposto da reversão, acionando validamente os gerentes ou administradores por dívidas fiscais da empresa que representam, que esta não tenha bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos débitos (benefício da excussão).

Ora, sendo certo que resulta dos autos a existência de créditos da devedora originária sobre clientes (cf. alínea O) da factualidade assente); Também é certo, conforme alega a Fazenda Pública (e noutro âmbito o próprio Oponente), que tais créditos se encontram indisponíveis fora do âmbito do contrato de factoring, pelo qual a devedora originária se obrigou a ceder ao FACTOR todos os créditos de curto prazo. (cf. alínea E) da factualidade assente – pontos 2.1, 5.6, 5.7 e 6.2). Refira-se que não é feita qualquer menção à eventual existência de créditos superiores a 180 dias, que são os abrangidos pelo contrato de factoring, que pudessem fazer face ao pagamento da dívida exequenda.

Por outro lado, o Oponente não refere a existência de quaisquer outros bens suscetíveis de ser executados para pagamento da dívida exequenda.

E, pelo contrário, assume a sua inexistência perante a AT como fundamento para obter a dispensa de prestação de garantia, como alega a Fazenda Pública e resulta da alínea H) da factualidade assente, porquanto o próprio Oponente, em representação da devedora originária, assumiu perante a AT, a “situação financeira excepcional da empresa”, decorrente da falta de liquidez resultante do cumprimento do contrato de factoring e da “inexistência de bens penhoráveis”.

Como refere a AT, a indisponibilidade dos créditos da devedora originária por força do contrato de factoring, é-lhe extensível, pelo que os mesmos não eram susceptíveis de excussão.

Ou seja, ao contrário do que pretende o Oponente, não resulta provado que a devedora originária seja detentora de ativos de valor suficiente para liquidar a dívida exequenda, mas sim que a AT reuniu indícios de inexistência ou insuficiência do património que obstam à cobrança das dívidas tributárias.

Assim, haverá que concluir que a AT analisou a situação patrimonial da empresa, constatando que esta não dispunha de bens idóneos para o pagamento da dívida exequenda, considerando-se assim devidamente excutido o seu património.

Aqui chegados, haverá que considerar que a AT logrou demonstrar a verificação da situação prevista no artigo 23º nº 2 da LGT.

Por seu turno, o Oponente não logrou fazer prova da existência de outros bens penhoráveis por parte da empresa, que permitissem solver a dívida exequenda.

Deste modo, haverá que considerar cumprido este pressuposto e concluir pela verificação do pressuposto de reversão previsto no artigo 23º nº 2 da LGT, improcedendo o alegado pelo Oponente neste domínio”.

Inconformado com o assim decidido, sustenta o Recorrente que “cabe à AT, de acordo com a interpretação conjugada do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e do artigo 153.º, n.º 2 do CPPT, demonstrar a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”, demostração esta que “em momento algum (…) foi feita, tendo-se a AT limitado a alegar que a devedora originária não dispunha de bens penhoráveis, conforme resulta da fundamentação da Sentença recorrida”. A falta desta demostração, legalmente imposta, “implica a inobservância de um dos pressupostos legalmente exigíveis para a reversão, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, da LGT, pelo que a reversão operada é ilegal”.

Vejamos, então.

O caráter subsidiário da responsabilidade tributária, assim como a acessoriedade que a carateriza, implica que, à partida, só depois de excutidos os bens do devedor originário possa ser revertida a execução contra o responsável subsidiário – benefício da excussão prévia.

No nosso ordenamento jurídico, encontra-se consagrado expressamente este benefício da excussão prévia, decorrendo do disposto no art.º 23.º, n.º 2, da LGT, nos termos do qual: “A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.

Por seu turno, determina o n.º 2 do art.º 153.º do CPPT que: “O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.

“Assim, é possível a reversão da execução em casos de insuficiência, ou seja, em casos em que existem bens — penhoráveis ou penhorados — na esfera patrimonial do devedor originário de valor inferior ao da dívida exequenda. Logo, o legislador entendeu que o benefício da excussão não é posto em causa nestas circunstâncias”. – cfr- acórdão deste TCA, de 13/12/19, processo nº 1099/05.9 BESNT.

Como se escreveu no acórdão de 25 de janeiro de 2017, proferido no processo n.º 0286/16, do STA, entre muitos outros, “concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens da responsabilidade subsidiária esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário”

“Não há, por conseguinte, que confundir os requisitos da decisão de reversão com os requisitos de execução concreta dos bens do responsável subsidiário (…). Importa, ao invés, reiterar que se encontra assegurada a tutela dos interesses do responsável subsidiário quando, pese embora já após a reversão, este pode ainda assim obstar à execução dos seus bens, invocando o benefício de excussão prévia, traduzido na penhora e venda de todos os bens do devedor principal - conforme resulta do disposto na parte final do supra citado artigo 23.º, n.º 2 da LGT” – cfr. acórdão do STA, de 14/10/20, processo nº 3294/10. BEPRT.

Temos, assim, que competia ao OEF aferir da inexistência ou fundada insuficiência dos referidos bens.

De acordo com o despacho de reversão, esta teve por base a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal ou responsáveis solidários. O despacho refere-se às diligências de fls. que antecedem, ou seja, fundamenta-se por remissão para outros elementos do processo.

Ora, as folhas que antecedem correspondem precisamente ao um pedido de pagamento em prestações, formulado, em 30/12/11, pela devedora originária, no qual a mesma refere que “solicita a isenção (leia-se, da garantia) em virtude de situação financeira excepcional da empresa, bem como pela inexistência de bens penhoráveis”. Trata-se, pois, de um documento em que a própria devedora assume não ter património suscetível de penhora e, como tal, apto ao pagamento/garantia da dívida exequenda.

Face a tais elementos de que o OEF dispunha, reveladores da inexistência de bens penhoráveis na esfera jurídica da devedora originária, há que concluir que, no momento da prolação do despacho de reversão, os dados disponíveis permitiam concluir de forma sustentada pela fundada insuficiência/inexistência de património da devedora originária.

Acresce que, como a AT refere na informação que prestou na oposição, “quanto à penhora de créditos, sendo que o oponente refere como bens da devedora, a existência de créditos junto de terceiros, designadamente junto de hospitais, estas resultaram infrutíferas, em resultado da cedência dos créditos efectuada no âmbito do contrato de factoring”.

Assim, concluiu-se, com a sentença, que, em sede de reversão, a AT demonstrou a insuficiência/inexistência do património da devedora originária nos termos que lhe são exigíveis, encontrando-se evidenciado o requisito previsto no nº 2 do artigo 23º da LGT e, bem assim, no nº 2 do artigo153º do CPPT.

Como tal, estando demonstrada a fundada insuficiência/inexistência do património da devedora originária, podia a execução fiscal reverter contra o Oponente, não lhe assistindo razão nesta parte.

Improcedem, portanto, as conclusões que vimos de apreciar.


*

Avancemos para a segunda questão que nos ocupa e que corresponde a outro dos fundamentos que aqui vem invocado em clara discordância com a sentença: a ausência de culpa na alegada insuficiência do património da sociedade para solver a dívida exequenda.

Também aqui a resposta do TAF de Sintra foi contrária à posição do Recorrente, considerando--se, em síntese, que:

“Resulta da alínea M) supra que a responsabilidade subsidiária do Oponente assenta na alínea b) da norma citada, ou seja, trata-se de responsabilidade pela falta de pagamento, para a qual a lei estabelece uma presunção legal (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT) que carece de ser ilidida pelo revertido.

Cabe, então, apurar se o Oponente logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

Dir-se-á, em abono da verdade, que o que se presume é que o gestor não actuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no artigo 64º do Código das Sociedades Comercias (CSC), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

(…)

No caso em análise, não constitui facto controvertido que o pagamento das dívidas fiscais era da sua responsabilidade, porquanto, enquanto Presidente do Conselho de Administração da devedora originária (cf. alíneas A) e B) da factualidade assente), lhe competia verificar se os impostos eram pagos e adoptar todas as diligências para esse efeito enquanto gestor criterioso.

A este respeito, a alegação do Oponente consubstancia-se apenas na invocação do atraso no pagamento das faturas, que resulta provado (cf. alínea G) supra), e na celebração de um contrato de factoring para assegurar liquidez na empresa e cumprir as suas obrigações financeiras, o que resultou igualmente provado (cf. alíneas C) e E) supra).

Aqui chegados, sabendo que o TCAS já se pronunciou sobre a relevância da celebração de um contrato de factoring para efeitos de ilisão da presunção de culpa pela falta de pagamento da dívida exequenda e tendo presente o disposto o artigo 8º n.º 3 do Código Civil, nos termos do qual, “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”;

Cumpre trazer à colação o que decidiu (em processo que opôs as mesmas partes e assente em idêntica factualidade), aquele Tribunal, no acórdão proferido em 28 de Janeiro de 2021, no processo n.º 334/13.4BESNT, onde se sumariza:

“1. O contrato de factoring serve o propósito de garantia do cumprimento dos créditos da sociedade, aumentando a liquidez da mesma, mas o impacto na sua contabilidade, a par da sua relação com o saneamento financeiro da empresa tem der ser comprovado pelo revertido.

2. Com vista à ilisão da presunção de culpa pela falta de pagamento das dívidas em execução, a outorga de um contrato de factoring e a realização de alguns pagamentos das dívidas exequendas, no quadro de plano de prestações, não configuram só por si a observância do padrão do gerente criterioso e cumpridor” (no mesmo sentido, com as devidas adaptações, entre outros, os acórdãos do TCAS proferidos em 10 de Fevereiro de 2022, no processo n.º 2969/12.3BELRS, em 11 de Abril de 2019, no processo n.º 2968/12.5BELRS e 08-03- 2018, no processo n.º 1564/15.0BELRA)

(…)

No caso, a outorga do contrato de factoring em apreço e a realização de pagamentos das dívidas, no quadro de plano de prestações não configuram a observância do padrão do gerente criterioso e cumpridor. É verdade que o contrato de factoring serve o propósito de garantia do cumprimento dos créditos da sociedade, sobretudo quando se trata de créditos com atraso de 700 dias, aumentando a liquidez da sociedade devedora originária, mas o impacto na contabilidade da mesma de tal mora não está demostrado nos autos. Bem assim como a sua relação com o saneamento financeiro da mesma. (…) O que se impunha numa sociedade em situação de incumprimento das suas dívidas era, ou o saneamento financeiro da mesma ou o requerimento da sua insolvência, o que não foi feito.

O recorrido podia e devia ter actuado no sentido de obviar ao incumprimento das dívidas em presença, assegurando o pagamento das mesmas, através da disponibilização dos montantes cobrados no âmbito do contrato de factoring ou acordando com o Fisco formas de pagamento em prestações das dívidas que fossem efectivamente cumpridas e recorrendo ao processo de insolvência da sociedade devedora originária, em caso de impossibilidade de cumprimento, por falta de meios, com vista a garantir o concurso universal de credores. A censurabilidade da conduta do revertido é acentuada pelo facto de estarem também em causa quantias retidas pela sociedade devedora originária, enquanto substituto tributário, com vista à sua entrega ao Estado e que não foram entregues ao seu destinatário. Pelo que o juízo de imputação da falta de pagamento das dívidas não logra ser interrompido no caso.”

Perante a similitude jurídico-fáctica da questão em análise, acima identificada;

E tendo presente a premissa que deve orientar a análise da factualidade assente, resta-nos concluir, em sintonia com o acórdão citado, que o Oponente não logrou, como lhe competia, demonstrar não lhe ser imputável o incumprimento das obrigações fiscais em cobrança coerciva”.

Contra o assim decidido, insurge-se o Recorrente argumentando que: “juntou aos autos documentos que demonstram o padrão de incumprimento por parte dos hospitais público-privados, acompanhados do Contrato de Factoring celebrado com o B......... e o pedido de pagamento das quantias em dívida”; “As testemunhas inquiridas revelaram um conhecimento direto da atividade da devedora originária e o modo de funcionamento do Contrato de Factoring, tendo todos deposto com segurança e credibilidade, tendo os seus depoimentos permitido não apenas confirmar a celebração de um contrato de factoring que visava resolver os problemas de liquidez da sociedade, como ainda confirmaram que o Recorrente sempre foi criterioso e zeloso no cumprimento das obrigações fiscais daquela, sendo que a liquidez obtida através do contrato de factoring era destinada a pagar às finanças e que o valor não serviu para a realização de quaisquer outros pagamentos (p.e., salários); bem como o facto de o Recorrente ter realizado pagamentos de dívidas fiscais da sociedade com dinheiro próprio”; “os pagamentos das faturas pelos clientes eram efetuados com atrasos e que o Recorrente não tinha acesso à conta bancária associada ao contrato de factoring, tendo, contudo, desenvolvido esforços no sentido de resolver os problemas de liquidez da sociedade, por forma a cumprir com as obrigações fiscais da mesma”; “o Recorrente logrou demonstrar que a insuficiência patrimonial a que chegou a devedora originária não foi consequência de qualquer ação ou omissão da sua parte”; e que “a mesma deveu-se a fatores fora do seu âmbito de controlo – o sistemático e prolongado atraso no pagamento das faturas devidas pelos hospitais públicos e público-privados –, que impossibilitaram o cumprimento atempado das obrigações fiscais da sociedade devedora originária”.

A Mma. Juíza a quo apoiou a sua análise, como a mesma reconheceu, naquilo “que decidiu (em processo que opôs as mesmas partes e assente em idêntica factualidade), aquele Tribunal, no acórdão proferido em 28 de Janeiro de 2021, no processo n.º 334/13.4BESNT”.

Com efeito, esta concreta questão que aqui vem colocada foi já apreciada em acórdão desta ST, no processo 334/13.4BESNT, de 28/01/21, relativo ao mesmo Oponente, G ……………., num quadro factual absolutamente idêntico ao que aqui nos ocupa. Trata-se de acórdão proferido em oposição à execução fiscal relativa a dívidas da mesma devedora originária, a sociedade DROWAFRIM, SA.

Em tal aresto ficou dito, em termos que merecem a nossa total concordância e respondendo integralmente às conclusões que nos vêm dirigidas, sem prejuízo das necessárias adaptações, o seguinte:

“2.2.2. Nos presentes autos está em causa a reversão contra o recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT, da execução fiscal por dívidas da sociedade devedora originária, no valor de € 231.835,67, referentes a autoliquidações de IVA dos anos de 2010 e 2011, de IRC dos anos de 2008 e 2009, retenções na fonte de IRS dos anos de 2010 e 2012 e dívidas de coimas fiscais dos anos de 2010, 2011 e 2012. ( aqui, €74.331,08, respeitantes a dívidas provenientes de autoliquidações de IVA, dos anos de 2011 e 2012, de IRC do ano de 2010, de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2011 e 2012 e de Coimas Fiscais dos anos de 2011 e 2012.)

(…)

Está em causa a reversão da execução, ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT. O preceito estatui que «Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (…) // b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

«Neste caso, o ónus da prova inverte-se contra o gestor, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Presume-se a culpa do gestor porque, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, considera-se que, em princípio, não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco. Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar» - 1 Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11.

Mais se refere que «há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas.

Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável» 2 Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 456/13.1BELLE

No caso, do probatório resultam os elementos seguintes:

i) A devedora originária, D............, S.A, anteriormente designada G........., tem como objecto social a importação, exportação, comercialização e manufactura de dispositivos médicos, organização de empresas e serviços na área de gestão, contabilidade informática e recursos humanos, investigação e desenvolvimento, formação profissional e aluguer de equipamentos, importação e exportação, representação e comercialização de material didáctico e pedagógico (alínea F). (aqui, A)

ii) No âmbito da actividade comercial desenvolvida pela D............, a mesma estabelecia, maioritariamente, relações comerciais com hospitais públicos, privados e público-privados (alínea G).

iii) Os pagamentos das facturas pelas entidades referidas na alínea antecedente eram efectuados com atrasos (alínea H). (aqui, G)

iv) A partir do final do ano de 2009 os hospitais a quem a devedora originária fornecia equipamentos e serviços efectuavam os pagamentos com atrasos na ordem dos 700 dias (alínea I). (aqui, O).

v) A partir do ano de 2007 a devedora originária celebrou com o B......... – Banco ………….., SA, acordo de cessão de créditos, denominado contrato de factoring (alínea J). (aqui, C, D e E)

vi) O Oponente não tinha acesso à conta bancária da devedora originária associada ao contrato de factoring (alínea K).

vii) As penhoras dos créditos da devedora originária determinadas pelo SF, no âmbito do PEF referido em a), foram infrutíferas, em resultado da cedência de créditos efectuada nos termos do contrato de factoring (alínea L).

viii) Durante os anos de 2010 e 2011, o oponente, enquanto representante da sociedade devedora originária, solicitou à AT, o pagamento em prestações das dívidas exequendas (alíneas K) a Z). (aqui, H)

ix) Em meados de 2011, a sociedade devedora originária entrou em incumprimento do plano de prestações (alínea AA).

Dos elementos em apreço resulta a ilisão da presunção de culpa do oponente na falta de pagamento das dívidas exequendas? Por outras palavras, a celebração do contrato de factoring, associada aos atrasos no pagamento dos créditos da devedora originária por parte dos seus clientes, conjugada com a outorga de planos de pagamento das dívidas em prestações, relevam como factores excludentes da culpa do oponente na falta de pagamento?

Julgamos que a resposta é negativa.

Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 171/95, de 18/07, diploma que estabelece o regime das sociedades de factoring e dos contratos de factoring, «A actividade de factoring ou cessão financeira consiste na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços, nos mercados interno e externo» // «Compreendem-se na actividade de factoring acções complementares de colaboração entre as entidades referidas no artigo 4.º e os seus clientes, designadamente de estudo dos riscos de crédito e de apoio jurídico, comercial e contabilístico à boa gestão dos créditos transaccionados».

Mais se refere que o contrato em apreço «… pode ser definido como o contrato pelo qual uma das partes (o facturizado) cede ou se obriga a ceder a outra (o factor) a totalidade ou parte dos seus créditos comerciais de curto prazo decorrentes dos contratos já celebrados ou a celebrar com certos terceiros (alguns ou mesmo a totalidade dos clientes do cedente), para que este último os administre e cobre na data do seu vencimento e, eventualmente, nos termos fixados nesse negócio, lhe conceda adiantamentos calculados sobre o valor nominal desses créditos e/ou, também, garanta o cumprimento ou a solvência dos devedores cedidos. Pelo serviço de gestão e cobrança dos créditos o facturizado paga uma comissão (comissão de cobrança), em contrapartida do adiantamento, quando concedido, …, paga juros e pela garantia paga igualmente uma comissão (comissão garantia) …”// (…) [E]ste tipo de contrato passa, por um lado, por uma “função de financiamento ou aquisição de liquidez” [que possibilita ao credor/cedente/aderente a obtenção imediata de disponibilidades financeiras quando não está em situação que lhe permita esperar pelo prazo de vencimento dos créditos de que é titular]; por outro lado, por uma função de “prestação de serviços” [assegurada ou fornecida pelo «cessionário/factor» ao passar o mesmo, através da sua estrutura e meios próprios, a assegurar a gestão e cobrança dos créditos e, assim, permitir que as empresas cedentes possam reduzir/poupar custos administrativos com tal atividade]; e, por fim, por uma outra função de “assunção dos riscos de cobrança do crédito” [nas situações de convenção «del credere» pela qual o «cessionário/factor» assume o risco do incumprimento por parte dos devedores do «cedente/aderente»]» 3 Acórdão do STA, 19/01/2017, P. 0484/16

No caso, a outorga do contrato de factoring em apreço e a realização de pagamentos das dívidas, no quadro de plano de prestações não configuram a observância do padrão do gerente criterioso e cumpridor. É verdade que o contrato de factoring serve o propósito de garantia do cumprimento dos créditos da sociedade, sobretudo quando se trata de créditos com atraso de 700 dias, aumentando a liquidez da sociedade devedora originária, mas o impacto na contabilidade da mesma de tal mora não está demostrado nos autos. Bem assim como a sua relação com o saneamento financeiro da mesma. O contrato de factoring serviu, também, no caso, para evitar que a ora exequente possa vir a obter o cumprimento dos seus créditos à custa do património social (alínea L), do probatório). Por outro lado, a outorga do plano de pagamento em prestações das dívidas, que aliás foi incumprido, desde meados de 2011, em nada revela a preocupação do gestor criterioso na protecção do património social em face dos vários credores, seja pelo seu incumprimento, seja pelo montante de dívidas acumuladas sem regularização (€231,835,67). O que se impunha numa sociedade em situação de incumprimento das suas dívidas era, ou o saneamento financeiro da mesma ou o requerimento da sua insolvência, o que não foi feito.

O recorrido podia e devia ter actuado no sentido de obviar ao incumprimento das dívidas em presença, assegurando o pagamento das mesmas, através da disponibilização dos montantes cobrados no âmbito do contrato de factoring ou acordando com o Fisco formas de pagamento em prestações das dívidas que fossem efectivamente cumpridas e recorrendo ao processo de insolvência da sociedade devedora originária, em caso de impossibilidade de cumprimento, por falta de meios, com vista a garantir o concurso universal de credores. A censurabilidade da conduta do revertido é acentuada pelo facto de estarem também em causa quantias retidas pela sociedade devedora originária, enquanto substituto tributário, com vista à sua entrega ao Estado e que não foram entregues ao seu destinatário. Pelo que o juízo de imputação da falta de pagamento das dívidas não logra ser interrompido no caso.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente o presente fundamento de oposição”. – fim de citação.

Ora, em face do já decidido por este TCA, num circunstancialismo de facto e num quadro legal absolutamente idênticos, nenhumas dúvidas restam que, aqui, tal como no acórdão transcrito, há que concluir que o Recorrente não demonstrou a sua falta de culpa na insuficiência do património da sociedade para solver a dívida exequenda.

Assim sendo, há que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso que vimos analisando, negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


*

III - Decisão


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 18/05/23.


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Lurdes Toscano)