Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2127/14.2BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:01/07/2021
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO - ARTS. 78.º E 79.º
LEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA
INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS DA LEI
Sumário:
I. A legitimidade processual ativa, nos termos do artigo 55º, nº 1, al. a), do CPTA, será aferível, direta ou imediatamente, da utilidade da invalidação do ato administrativo, o que só ocorre quando o interesse do autor é atual, imediato e efetivo, e não quando for reflexo ou mediato em relação ao efeito próprio do ato administrativo.

II. Na ausência de determinação legal que explicite qual é o regime remuneratório aplicável, não se podendo lançar mão das normas contidas em outros regimes excecionais (e por isso insuscetíveis de aplicação analógica, nos termos do artº 11º do Código Civil), há que indagar, nos termos do artº 10º, nº 3 do Código Civil, qual a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

III. O regime remuneratório dos aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré ao abrigo do DL n.º 145/2007 deve ser regulado por norma, criada ad hoc, nos termos do nº 3 do artº 10º do CC, que admita a cumulação apenas parcial da pensão (ou remuneração na reserva) com o valor da remuneração devida pelo exercício de funções públicas ou a prestação de serviços, devendo uma delas ser obrigatoriamente reduzida em 2/3.

Votação:MAIORIA - VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
A....., A....., A....., A....., A....., J....., E....., F....., I....., J....., J....., J....., J....., J.....J e A....., Recorrentes/Autores, melhor identificados nos autos, em que é Réu/Recorrido o INAC – INSTITUTO NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL, I.P. [entretanto redenominado de ANAC – Autoridade Nacional de Aviação Civil por força do disposto no n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Abril de 2015 (cfr. n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 67/2013 de 28 de Agosto, e artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de Março], também ele melhor identificado nos autos, interpôs recurso da decisão do TAF de Sintra, datada de 28.12.2015, que decidiu:

- Julgar procedente a excepção da ilegitimidade activa do Autor A..... e da inimpugnabilidade do acto praticado pelo Presidente do Conselho Directivo do INAC de 16 de Julho de 2014, absolvendo, assim, a Entidade Demandada da instância quanto ao pedido anulatório;

- Convolar a acção administrativa especial em acção administrativa comum e,

- Conhecendo do pedido de condenação da Ré no pagamento de 2/3 das remunerações, julgou a acção totalmente improcedente e absolveu o Réu do pedido.

Os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:
“I. Na douta sentença, o Tribunal julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa do Autor A....., tendo procedido a uma errada aplicação do direito e violou o disposto no artigo 9.º n.º 1 e 55.º n.º 1 alínea a) do CPTA, porquanto este tem um interesse directo e pessoal;
II. Foi erradamente acolhida pelo Tribunal a quo a interpretação de que a falta de indicação do regime remuneratório dos Recorrentes estabelecida na alínea b) do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010, nas redacções introduzida pela Lei n.º 60-A/2011, Decreto-Lei n.º 23/2012 e Decreto-Lei n.º 36/2013, constitui uma lacuna, carecida de integração, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil, pois que essa falta tornaria a norma inaplicável, tendo procedido a uma aplicação errónea do espírito do sistema, tendo violado o direito estatuído no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil;
III. Correlativamente o Tribunal a quo violou o regime da interpretação jurídica estabelecida no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, ao não considerar o elemento sistemático da interpretação jurídica;
IV. O Tribunal a quo decidiu erradamente ao não considerar pertinentes as normas derivadas da Lei n.º 12-A/2008 e as normas do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, que são aplicáveis aos Recorrentes e de onde resulta o respectivo regime remuneratório pelo seu exercício de funções públicas;”

O recorrido, por sua vez, apresentou contra-alegações nos seguintes termos:



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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Colhidos os vistos legais vem o processo submetido à conferência para julgamento.
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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA)
As questões suscitadas prendem-se com saber se o acórdão em crise incorreu em erro de julgamento, (1) ao absolver o Recorrida da instância por ilegitimidade do Autor A..... e ao (2) julgar improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento de 2/3 das remunerações e interpretar indevidamente o disposto no nº 3 do artº 6º do Decreto-Lei n.º 137/2010, que alterou os artigos 78° e 79° do Estatuto de Aposentação e na alínea b) do n.º 3 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação, na redação que lhe foi dada por aquele artº 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
A) Em 12 de Março de 2014, A....., A....., A....., A....., A....., C....., D....., E....., F....., I....., I....., J....., J....., J....., J..... e J....., todos representados pelo advogado J....., requereram à Entidade demandada o pagamento do remanescente das remunerações devidas ao abrigo dos contratos de prestação de serviços celebrados com aquela entidade, defendendo o seu direito à cumulação do valor integral da contrapartida devida pela execução de funções públicas com o valor integral da pensão ou remuneração na reserva – cfr. documento de fls. 38-41 dos autos (Doc. 2 junto com a petição inicial), que se dá por reproduzido;

B) Por ofício de 16 de Julho de 2014, do Presidente do Conselho Directivo da Entidade Demandada, foi comunicado ao advogado referido no parágrafo anterior o seguinte:
«(…) Importa, antes de mais, referir que a possibilidade de exercício de funções públicas por parte de aposentados lato sensu já decorria do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 145/2007, o qual confere uma autorização ope legis ao INAC, I.P., para a contratação de técnicos do sector da aviação civil, que se encontrem na situação de aposentados, reservistas ou reformados. Esta norma reporta-se apenas às situações previstas no artigo 78.º do EA (autorização de acumulação de funções) e nada refere quanto à autorização de acumulação de remunerações (reforma/pensão e vencimento).
Por sua vez, face à redacção do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010 (na redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, e ainda pelo Decreto-Lei n.º 36/2013, de 11 de Março) coloca-se a questão de saber se o INAC, I.P. ou a Caixa Geral de Aposentações (CGA) podem proceder ao pagamento integral das respectivas prestações pecuniárias sem a verificação de cortes remuneratórios para os profissionais, onde se enquadram os clientes de V. Exa.
(…)
De tudo o exposto, e ao contrário do afirmado por V. Exa., não nos parece que o legislador tenha tido a intenção de afastar o regime remuneratório do corte remuneratório, na medida em que não há norma expressa que permita a cumulação das duas remunerações em causa. Decorre assim do exposto, e conforme já referido anteriormente, a cumulação parcial de uma das prestações pecuniárias tem cabimento na letra da lei.
Assim sendo, considera-se que os avençados e o trabalhador-reformado em questão, a prestar funções no INAC, I.P., não poderiam cumular na íntegra as duas prestações pecuniárias entre 01.09.2011 e 31.12.2013 sob pena de violação do regime constante do artigo 79.º do EA, o qual (e conforme já mencionado) é do conhecimento dos Constituintes de V. Exa. (conforme já referido), na medida em que os mesmos subscreveram (ou manifestaram) uma declaração expressa quanto à opção de cumulação parcial das remunerações.
(…)
Ademais, tendo presente que a atuação deste Instituto rege-se pelo princípio da legalidade, associado ao facto de o legislador não ter expressamente previsto a possibilidade de cumulação integral da prestação pecuniária (pelo exercício de funções públicas) com a pensão para os técnicos do INAC, I.P., entre 01.09.2011 e 31.12.2013, e analisados os argumentos apresentados em sede de audiência de interessados, informa-se V. Exa. que o INAC, I.P., indefere a pretensão dos seus constituintes (Senhores A....., A....., A....., A....., A....., C....., J....., E....., F....., I....., I....., J....., J....., J....., J..... e J.....), pelos fundamentos acima mencionados.
Em consequência, informa-se V. Exa. que este Instituto não irá proceder à „(…) reposição de 2/3 da sua remuneração desde o dia 1 de Setembro de 2011 até ao dia 31 de Dezembro de 2013, ou desde a data do início das respectivas funções públicas no INAC, I.P.(…)‟» (cfr. documento de fls. 32-37 cujo teor se dá por reproduzido);
C) Em 12 de Janeiro de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta a seguinte redacção:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 36264 € (trinta e seis mil, duzentos e sessenta e quatro euros), em doze prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 3022,00 € (três mil e vinte e dois euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor.
2. A prestação mensal prevista no número anterior decorre da aplicação do disposto no artigo 26.º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
3. Sobre o montante mensal a pagar ao Segundo contratante incidirá a redução remuneratória prevista no artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, pelo que o INAC, I.P., pagará ao Segundo contratante a prestação mensal de 1077,33
€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor» − cfr. documento de fls. 63-69 cujo teor
se dá por reproduzido;

D) Em 12 de Janeiro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta a seguinte redacção:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 36264 € (trinta e seis mil, duzentos e sessenta e quatro euros), em doze prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 3022,00 € (três mil e vinte e dois euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor, sobre a qual incidiu a redução remuneratória prevista na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com a redacção dada pelo n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro.
2. Em virtude do Segundo contratante ser reformado/aposentado da Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações, o Primeiro contratante irá apenas pagar mensalmente a quantia de 1007,33 € (mil e sete euros e trinta e três cêntimos), nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro» (cfr. documento de fls. 70-73 dos autos cujo teor se dá por reproduzido;

E) Em 31 de Agosto de 2011, o Autor A..... assinou uma declaração com o seguinte teor:
«Declaração
Aquisição de serviços na modalidade de avença
(…)
(…), venho por este meio atestar ter sido informado pelo Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P., das alterações ao Estatuto de Aposentação, da Extensão do Regime dos Aposentados aos Reformados da Segurança Social, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, e declarar que:
(…) Pretendo continuar a colaborar com o Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P., através da prestação de serviços, na modalidade de avença, assumindo o cumprimento do disposto na lei, nomeadamente:
(…)
3. Opto pelo recebimento da pensão de reforma/aposentação, aceitando prestar o serviço contratualizado com o INAC, optando pelo não pagamento dos honorários devidos / redução em 2/3 dos honorários devidos, durante a vigência do contrato» (cfr. documento de fls. 257 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

F) Em Outubro de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., no qual foi convencionado uma remuneração mensal ilíquida de € 3.300,00 (três mil e trezentos euros) e o pagamento de 1/3 dessa remuneração (por acordo);

G) Em 1 de Outubro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima (cfr. documento de fls. 75-78 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

H) Em 4 de Janeiro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima (cfr. documento de fls. 250-251 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

I) Em 9 de Junho de 2011, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., no qual foi convencionada uma remuneração mensal ilíquida de € 2.350,00 (dois mil trezentos e cinquenta euros) e o pagamento de 1/3 dessa remuneração (por acordo);

J) Em 16 de Setembro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta o seguinte teor:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 28200 € (vinte e oito mil e duzentos euros), em doze prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 2350 € (dois mil trezentos e cinquenta euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor, sobre a qual incidiu a redução remuneratória prevista na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com a redacção dada pelo n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro, e
mantida em vigor pelo artigo 75.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
2. Em virtude do Segundo contratante ser reformado da Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações, o Primeiro contratante irá apenas pagar mensalmente a quantia de 783,33 € (setecentos e oitenta e três euros e trinta e três cêntimos), nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a
redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro» (cfr. documento de
fls. 81-84 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

L) Em 1 de Maio de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de oito meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta o seguinte teor:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 24176 € (vinte e quatro mil, cento e setenta e seis euros), em oito prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 3022,00 € (três mil e vinte e dois euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor.
2. Em virtude do Segundo contratante ser beneficiário de uma pensão de aposentação da Caixa Geral de Aposentações, o Primeiro contratante irá apenas pagar mensalmente a quantia de 1007,33 € (mil e sete euros e trinta e três cêntimos), nos
termos do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro» (cfr. documento de
fls. 89-92 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

M) Em 2 de Janeiro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima (cfr. documento de fls. 93-96 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

N) Em Novembro de 2011, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., no qual foi convencionada uma remuneração mensal ilíquida de € 3.022,00 (três mil e vinte e dois euros) e o pagamento de 1/3 da remuneração (por acordo);

O) Em 15 de Novembro de 2012, a Entidade demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima (cfr. documento de fls. 169-172 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

P) Em 15 de Novembro de 2013, a Entidade demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima (cfr. documento de fls. 173-176 dos autos cujo teor se dá por reproduzido;

Q) Em 6 de Março de 2012, a Entidade demandada celebrou um contrato de avença com o Autor E....., com a duração de nove meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta o seguinte teor:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 27198 € (vinte e sete mil, cento e noventa e oito euros), em nove prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 3022,00 € (três mil e vinte e dois euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor, sobre a qual incidiu a redução remuneratória prevista na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com a redacção dada pelo n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro.
2. Sobre o montante mensal a pagar ao Segundo contratante incidirá a redução remuneratória prevista no artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, pelo que o INAC, I.P. pagará ao Segundo contratante a prestação mensal de 1007,33
(mil e sete euros e trinta e três cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal em vigor» (cfr. documento de fls. 115-118 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

R) Em 6 de Dezembro de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor E....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima (cfr. documento de fls. 107-110 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

S) Em 6 de Dezembro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor E....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima (cfr. documento de fls. 111-114 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

T) Em 1 de Maio de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor F....., com a duração de oito meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea L) acima (cfr. documento de fls. 120-123 dos autos cujo teor se dá por reproduzido;

U) Em 7 de Janeiro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor F....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) acima –cfr. documento de fls. 124-127 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

W) Em 1 de Julho de 2000, a Entidade Demandada celebrou um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado com o Autor I....., cuja cláusula quarta tem o seguinte teor:
«4. A remuneração a pagar pelo Primeiro Contratante ao Segundo será a correspondente ao nível da sua inserção no quadro do Instituto na Carreira I, Técnico
Superior, Categoria III, Técnico Superior III, Escalão C, Nível 23, a que corresponde
Esc.: 475.000$00 (quatrocentos e setenta e cinco mil escudos), nos termos do Regime Retributivo e do Regulamento de Carreiras do Instituto» (cfr. documento de fls. 252- 253 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

X) Em Janeiro de 2012 o Autor I....., após solicitação da Entidade Demandada, declarou optar pelo corte de 2/3 no valor da remuneração (fls. 357-358 dos autos);

Y) Entre 1 de Janeiro de 2012 e 31 de Dezembro de 2013, a Entidade Demandada processou o vencimento do Autor I..... no valor mensal bruto de € 969,00 (novecentos e noventa e nove euros), equivalente a 1/3 do vencimento mensal convencionado (doc. de fls. 177-178 dos autos);

Z) Em 5 de Dezembro de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta a seguinte redacção:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 36264 € (trinta e seis mil duzentos e vinte e quatro euros), em doze prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 3022 € (três mil e vinte e dois euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor, sobre a qual incidiu a redução remuneratória prevista na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com a redacção dada pelo n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro.
2. Sobre o montante mensal a pagar ao Segundo contratante incidirá a redução remuneratória prevista no artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro,
pelo que o INAC, I.P. pagará ao Segundo contratante a prestação mensal de 1007,33 € (mil e sete euros e trinta e três cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal em vigor» (cfr. documento de fls. 246-247 dos autos);

AA) Em 6 de Dezembro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redação idêntica à cláusula transcrita na alínea anterior (cfr. fls. 248-249 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

BB) Em 23 de Dezembro de 2011, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redação idêntica à cláusula transcrita na alínea C) (cfr. fls. 160- 165 dos autos cujo teor se dá por reproduzido);

CC) Em 26 de Dezembro de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redação idêntica à cláusula transcrita na alínea D) (fls. 156-159 dos autos);

DD) Em 9 de Janeiro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta o seguinte teor:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 39600 € (trinta e nove mil e seiscentos euros), em doze prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 3300,00 € (três mil e trezentos euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor.
2. Em virtude do Segundo contratante ser beneficiário de uma pensão de reserva, o Primeiro contratante irá apenas pagar mensalmente a quantia de 1100 € (mil e cem euros), nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro» (fls. 139-142 dos autos);

EE) Em 19 de Novembro de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea D) (fls. 129- 132 dos autos);

FF) Em 19 de Novembro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redação idêntica à cláusula transcrita na alínea D) (fls. 133-136 dos autos);

GG) Em 30 de Janeiro de 2012, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redacção idêntica à cláusula transcrita na alínea Z) (fls. 146-150 dos autos);

HH) Em 31 de Janeiro de 2013, a Entidade Demandada celebrou um contrato de avença com o Autor J....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta apresenta redação idêntica à cláusula transcrita na alínea D) (fls. 151-154 dos autos);

II) Em 15 de Julho de 2011, a Ré celebrou um contrato de avença com o Autor A....., com a duração de doze meses a contar da data da sua assinatura, cuja cláusula quarta tem o seguinte teor:
«(Remuneração)
1. Como contrapartida do serviço prestado pelo Segundo contratante, o INAC, I.P., pagará o montante anual de 39600 € (trinta e nove mil e seiscentos euros), em doze prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 3300,00 € (três mil e trezentos euros), acrescidas de IVA à taxa legal em vigor.
2. Sobre o montante mensal incidirá a remuneração remuneratória prevista no artigo 19.º conjugado com o artigo 22.º, todos da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, sendo pago mensalmente o valor de € 3022,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor» (fls. 97-103 dos autos);

JJ) Entre Dezembro de 2011 e Março de 2012, a Ré pagou ao Autor A..... a quantia mensal de € 1.007,33 (mil e sete euros e trinta e três cêntimos), pelos serviços prestados ao abrigo do contrato referido no parágrafo anterior (por acordo);

LL) Em 1 de Março de 2012, o Autor A..... denunciou o contrato de avença referido na alínea II) (por acordo);
*
IV. Direito
As questões suscitadas prendem-se com saber se o acórdão em crise incorreu em erro de julgamento, (1) ao absolver o Recorrida da instância por ilegitimidade do Autor A..... e ao (2) julgar improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento de 2/3 das remunerações e interpretar indevidamente o disposto no nº 3 do artº 6º do Decreto-Lei n.º 137/2010, que alterou os artigos 78° e 79° do Estatuto de Aposentação e na alínea b) do n.º 3 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação, na redação que lhe foi dada por aquele artº 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010.
Vejamos, pois.
Em relação à questão da invocada legitimidade do Recorrente A....., os Recorrentes limitam-se a dizer que este tem interesse na demanda e, portanto, é parte legítima.
No entanto, se analisarmos a matéria de facto dada como provada, concluiremos, efetivamente, como na sentença recorrida, que, da lista dos signatários do requerimento da alínea A), não figura o nome do Autor A...... Ou seja, este Autor não subscreveu o requerimento dirigido à Entidade demandada em 12 de Março de 2014, nem foi um dos destinatários do acto plural, praticado pelo Presidente do Conselho Directivo da Entidade Demandada, em 16 de Julho de 2014, impugnado nos presentes autos.
Em matéria de legitimidade, diz-se no CPTA, no artº 9º:
“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40.º e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste Código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.
2 - Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.”

(negrito, itálico e sublinhados são sempre de nossa autoria)

Por sua vez, segundo o artº 55º do mesmo CPTA:
1 - Tem legitimidade para impugnar um acto administrativo:
a) Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos;
b) O Ministério Público;
c) Pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;
d) Órgãos administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva;
e) Presidentes de órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei;
f) Pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º
2 - A qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado.
3 - A intervenção do interessado no procedimento em que tenha sido praticado o acto administrativo constitui mera presunção de legitimidade para a sua impugnação.”

Já no que respeita ao pedido de condenação à prática de ato devido, diz-se, no artº 68º do CPTA, que:
“1 - Tem legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido:
a) Quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto;
b) Pessoas colectivas, públicas ou privadas, em relação aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;
c) O Ministério Público, quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º;
d) As demais pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º
2 - Para além da entidade responsável pela situação de omissão ilegal, são obrigatoriamente demandados no processo os contra-interessados a quem a prática do acto omitido possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”

A Lei, ao exigir que seja alegado um interesse direto e pessoal, pretende limitar a legitimidade àqueles para quem a impugnação do ato se traduza na efetiva obtenção de uma situação de vantagem ou a eliminação de um prejuízo na esfera jurídica e que estejam carecidos de tal tutela por força da actualidade/iminência da lesão ao/do respetivo interesse pessoal em discussão.
Neste caso, como bem entendeu o tribunal a quo, o Autor A..... não foi um dos signatários do requerimento deduzido e referido em A) dos fatos provados e, em consequência, não foi um dos destinatários da comunicação referida na alínea B) dos factos provados.
Sem prejuízo de existir, como apontou, de resto, o tribunal a quo, um interesse circunstancial, indireto ou reflexo na anulação do ato impugnado nos presentes autos (por nele ser sustentada uma interpretação jurídica que, se aplicada ao seu caso particular, afecta os seus direitos e interesses), não bastará a existência de um interesse meramente reflexo ou indirecto para assegurar a legitimidade ativa, impondo-se como critério aferidor da legitimidade que a anulação do ato tenha repercussão direta na esfera jurídica do impugnante.
Neste sentido, veja-se o recente acórdão deste TCA- Sul, proferido no processo nº 1205/17.0BELRA, datado de 06-12-2017 e disponível para consulta em www.dgsi.pt e segundo o qual:
I – A legitimidade processual ativa nas ações administrativas de impugnação de ato administrativo está prevista no artigo 55º, nº 1, al. a), do CPTA.
II - A utilidade a retirar do sucesso da ação tem de advir diretamente ou imediatamente da invalidação do ato administrativo, o que só ocorre quando o interesse do autor é atual, imediato e efetivo, e não quando for reflexo ou mediato em relação ao efeito próprio do ato administrativo

Ter-se-á, pois, de secundar o juízo empreendido pelo tribunal a quo, nesta parte, julgando improcedente este argumento dos Recorrentes.
*
No demais, vêm os Recorrentes imputar à decisão em crise o vício de erro de julgamento, concretamente, a violação do disposto no artº 6º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, que alterou os art.ºs 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, e a desconsideração das normas da Lei n.º 12-A/2008 (Regimes de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações - Funções Públicas) e as normas do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, e de onde resultaria o respetivo regime remuneratório, pelo exercício de funções públicas.
Em primeiro lugar, dir-se-á ser irrelevante para a exegese infra a menção genérica feita às normas da Lei n.º 12-A/2008 (Regimes de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações - Funções Públicas) e do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008.

Basta, para tanto, atentar no que nos é dito pelo nº 2 do artº 6º, do DL nº 137/2010, que infra se transcreverá, para percebermos que, à exceção do constante do nº 3 desse artigo, o disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro, tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário.



Isto assente, debrucemo-nos, então sobre o sobredito artº 6º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, que alterou os art.ºs 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação e que prevê o seguinte:
“1 - Os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 78.º

[...]

1 - Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas colectivas públicas, excepto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excepcional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

2 - Não podem exercer funções públicas nos termos do número anterior:

a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade;

b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.

3 - Consideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:

a) Todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;

b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.

4 - A decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direcção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, excepto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções.

5 - (Revogado.)

6 - O disposto no presente artigo aplica-se igualmente ao pessoal na reserva fora de efectividade ou equiparado.

7 - Os termos a que deve obedecer a autorização de exercício de funções prevista no n.º 1 pelos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação de aposentação são estabelecidos, atento o interesse público subjacente, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, sem prejuízo do disposto nos números anteriores.

Artigo 79.º

Cumulação de pensão e remuneração

1 - Os aposentados, bem como os referidos no n.º 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.

2 - Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.

3 - Caso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta actualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão.

4 - O início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, I. P., possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento.

5 - O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I. P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão.»

2 - O disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro, tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excepcionais, em contrário, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 - É ressalvado do disposto no número anterior o regime constante do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho, durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida.”

Conforme se referiu acima, pretendem os Recorrentes que o tribunal a quo interpretou indevidamente o preceito acima e que o mesmo deveria ter considerado as normas constantes da Lei n.º 12-A/2008 e as normas do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, que seriam aplicáveis aos Recorrentes e de onde resultaria o respetivo regime remuneratório pelo seu exercício de funções públicas.

Laboram em erro, os Recorrentes, contudo.

Basta para tanto atentar no que nos é dito pelo nº 2 do artº 6º, do DL nº 137/2010, acima transcrito, para percebermos que, à exceção do constante do nº 3 desse artigo, o disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro, tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário.

A ressalva constante do nº 3 é a que permite aos pensionistas, como era o caso dos Recorrentes, cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida.

Que foi o que a Recorrida fez, in casu. Contratou os Recorrentes e estipulou que, porque 2/3 da remuneração são assegurados pela pensão que estes auferem, lhes iria pagar apenas, mensalmente, a quantia correspondente ao remanescente 1/3 da remuneração, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro.

Desde logo, note-se, a situação em apreço radica na norma contida no artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 145/2007, de 27 de Abril, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de Março, que dispunha que “para o desempenho de funções que tornem indispensável a respectiva especialização profissional, o INAC, I.P., pode contratar pilotos de aeronaves, controladores de tráfego aéreo ou outros técnicos de aviação civil, de reconhecida competência, em situação de aposentação, de reforma ou de reserva das Forças Armadas até à idade de 70 anos”.

Foi com essa cobertura legal que os Recorrentes foram contratados pelo Recorrido.

Porém, o referido diploma nada previa sobre a possibilidade de cumulação, integral ou parcial, da remuneração devida pelo exercício dessas funções com a pensão de aposentação ou reforma (ou remuneração na reserva) desse pessoal aeronáutico. As condições contratuais em que esse exercício de funções pode ter lugar, mais concretamente a matéria da remuneração, deviam então ser procuradas nos supra transcritos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, e sucessivamente alterado.

O artigo 78.º do Estatuto da Aposentação sempre limitou a possibilidade de exercício de funções públicas remuneradas por aposentados, admitindo-a apenas em casos excecionalmente previstos na lei ou mediante autorização do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro ou do membro do Governo responsável pela pasta das finanças e da Administração Pública.

E, nos termos do nº 6 do artº 78º, esse regime é aplicável nos mesmos termos ao pessoal na reserva fora de efetividade ou equiparado.

Por sua vez, segundo o artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, “[n]os casos em que aos aposentados seja permitido desempenhar outras funções públicas, é-lhes mantida a pensão de aposentação e abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se lei especial determinar ou o Conselho de Ministros autorizar abono superior, até ao limite da mesma remuneração”.

Ou seja, na sua origem, o regime remuneratório associado ao exercício de funções públicas por aposentados foi sempre o de cumulação (tendencialmente) parcial do valor dessa remuneração com a pensão de aposentação, apenas se admitindo a cumulação integral das duas importâncias mediante autorização governamental ou lei especial.

Esta solução normativa manteve-se, com pequenas alterações, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 137/2010, acima transcrito, no que para o caso releva.

Desde a entrada em vigor do DL nº 137/2010, a regra geral passou a ser a da proibição absoluta da cumulação dessas fontes de rendimento, sem prejuízo da ressalva consagrada no n.º 3 do mesmo artigo 6.º: o regime constante do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho, que permite aos médicos aposentados a exercer funções ou prestar serviços em estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida.

A ressalva introduzida pelo n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010 visou, justamente, manter em vigor, embora apenas para os médicos aposentados do Serviço Nacional de Saúde, o regime que, até então, tinha vigorado em termos gerais para todos os aposentados e reservistas ou equiparados autorizados a exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado em serviços públicos, entidades ou empresas públicas.

Para regular a situação do pessoal aeronáutico contratado pela Ré ao abrigo do então artigo 11.º, n.º 2, do DL n.º 145/2007, o artigo 81.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março, que regulou a execução orçamental do ano de 2011, previu o seguinte:

“Até à entrada em vigor dos diplomas que procedem à alteração da orgânica e dos estatutos do Instituto Nacional de Aviação Civil, I. P., os pilotos, controladores de tráfego aéreo, técnicos de manutenção aeronáutica e outro pessoal aeronáutico especializado aposentado, reformado ou reservista, contratados ou nomeados nas condições permitidas pela sua Lei Orgânica, mantêm transitoriamente a situação de vínculo e remuneração anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, sem prejuízo do disposto nos artigos 19.º e 22.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de Dezembro”.

Ou seja:

Até à aprovação desses diplomas, os aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré para o exercício de funções ou a prestação de serviços nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do DL n.º 145/2007 não ficariam abarcados pelo regime de proibição de cumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação introduzido pelo DL n.º 137/2010, mantendo a possibilidade de cumulação parcial da pensão com a remuneração, prevista na versão anterior do artigo 79.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação.

Esta ressalva à imperatividade do regime de proibição da cumulação de vencimentos públicos e pensões foi incorporada no texto do preceito do n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010 pela segunda alteração à Lei do Orçamento de Estado para 2011, aprovada pela Lei n.º 60-A/2011.

O artigo 8.º desse diploma alterou o preceito do n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2011, passando a prever o seguinte:

“Fica ressalvado do disposto no número anterior [que prevê a imperatividade do regime regulado nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação] o regime constante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 117/2009, de 18 de Maio, no que respeita às equipas de vigilância às escolas, o regime constante do Decreto-Lei n.º 145/2007, de 27 de Abril, no que se refere aos pilotos, controladores de tráfego aéreo, técnicos de manutenção aeronáutica e outro pessoal aeronáutico especializado, aposentado, reformado ou reservista, contratado ou nomeado, bem como o regime constante do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho [contratação de médicos aposentados para os Serviço Nacional de Saúde], durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções com uma terça parte da pensão que lhes seja devida”.

Essa disposição foi integralmente mantida pelo artigo 75.º do Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro, que regulou a execução orçamental para o ano de 2012.

Subsequentemente, o artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 36/2013, de 11 de Março, que regulou a execução orçamental para o ano de 2013, alterou a redação do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 137/2010, passando a prever o seguinte:

“Ficam ressalvados do disposto no número anterior [que prevê a imperatividade do regime regulado nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação] os regimes constantes dos:

a) Artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 117/2009, de 18 de maio, alterado pelo Decreto -Lei n.º 14/2012, de 20 de Janeiro, no que respeita às equipas de vigilância às escolas;

b) Decreto-Lei n.º 145/2007, de 27 de Abril, no que se refere aos pilotos, controladores de tráfego aéreo, técnicos de manutenção aeronáutica, investigadores de acidentes na aviação civil e outro pessoal aeronáutico especializado, aposentado, reformado ou reservista, contratado ou nomeado;

c) Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho [contratação de médicos aposentados para o Serviço Nacional de Saúde], durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções com uma terça parte da pensão que lhes seja devida”.

Nos presentes autos, os Recorrentes divergem da interpretação que o tribunal a quo deu ao n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010 (na redação conferida pela Lei n.º 60-A/2011 e pelo DL n.º 36/2013), no sentido de a ressalva aí constante não consagrar uma autorização para a cumulação integral destas fontes de rendimento e, como tal, obrigar a uma redução de 2/3 da pensão ou da remuneração auferida ao abrigo de contratos de avença ou de trabalho em funções públicas.

Sustentar-se-á tal dissenso, em parte, no facto de, ao contrário do que sucede com os outros dois regimes ressalvados pelo n.º 3 do artigo 6.º do DL 137/2010, o regime do DL n.º 145/2007, aplicável à contratação pela Ré de pessoal aeronáutico especializado de entre aposentados, reformados e reservistas, nada dispor em matéria de remuneração desse pessoal.

Com efeito, o artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 117/2009, de 18 de Maio, aplicável às equipas de vigilância às escolas, prevê que os chefes de equipa de zona e os vigilantes, contratados de entre aposentados e reservistas, mantêm a respectiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes abonada uma terça parte da remuneração que compete às respectivas funções.

E o artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 89/2010, de 21 de Julho, manda aplicar aos médicos aposentados contratados para estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde o regime do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, com a redação introduzida pelo DL n.º 179/2005, o qual admitia, em termos gerais, a cumulação parcial da pensão com a remuneração devida pelo exercício de funções ou a prestação de serviços médicos.

Como tal, uma vez que o regime de contratação pelo Recorrido de aposentados, reformados e reservistas (DL n.º 145/2007) não dispõe de disposição idêntica, a ressalva contida no n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010, deveria ser interpretada como permissão legal para a cumulação do valor integral da pensão ou da remuneração na reserva com o montante integral da remuneração devida pelo exercício de funções públicas.

No entanto, secunda-se a exegese feita pelo Tribunal a quo, no sentido de afastar tal entendimento.

Na decisão ora sob escrutínio escreveu-se o seguinte:

“(…) O processo interpretativo deve socorrer-se, em primeiro lugar, do elemento gramatical. E da letra do n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010, tanto na redacção da Lei n.º 60-A/2011, como na redacção do DL n.º 36/2013, resulta que os trabalhadores e prestadores de serviços contratados pela Ré ao abrigo do regime do artigo 11.º, n.º 2, do DL n.º 145/2007 estão ressalvados da aplicação das normas dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.

Assim, pode desde já concluir-se que estes aposentados e reservistas estão autorizados ao exercício de funções públicas remuneradas (por confronto com o regime do artigo 78.º), sendo legalmente admissível alguma forma de cumulação da pensão (ou da remuneração na reserva) com a remuneração devida pelo exercício de funções públicas (por confronto com o regime do artigo 79.º).

Sucede que o legislador nada mais disse, não explicitando o modo de aplicação da ressalva. O texto do n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010, em qualquer uma das redacções em análise, não prevê qual o regime de cumulação de fontes de rendimento aplicável a esses trabalhadores ou prestadores de serviços (cfr. o n.º 3 do artigo 6.º na redacção inserida pelo artigo 8.º da Lei n.º 60-A/2011 e a redacção da alínea b) do n.º 3 do artigo 6.º introduzida pelo artigo 69.º do DL n.º 36/2013).

Não se trata de um daqueles casos em que o silêncio da lei é significativo, ou seja, em que o silêncio é ele mesmo uma resposta a certa questão de direito. Pois, como logo se conclui, sem uma determinação legal que explicite qual é o regime remuneratório dos aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré, a ressalva contida na norma do n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 137/2010 é insusceptível de aplicação.

É patente e apreensível por critérios de pura lógica que o comando directo da lei não resolve a questão em causa nos autos, o que vale por dizer que se verifica no presente caso uma lacuna de lei, a resolver não por via de interpretação, mas sim pelo processo de integração de lacunas previsto no artigo 10.º do Código Civil.

Assiste razão aos Autores quando qualificam de excecionais as normas do artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 117/2009, de 18 de Maio, e do artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 89/2010, de 21 de Julho, e alegam que é impossível proceder no presente caso à aplicação analógica dos regimes nelas previstos apenas para os aposentados que desempenhem funções em equipas de vigilância de escolas ou como médicos do Serviço Nacional de Saúde, respectivamente.

Porque isso implicaria uma violação da previsão normativa do artigo 11.º do Código Civil, que afasta justamente a aplicação analógica de normas excepcionais. Mas arredada a aplicabilidade in casu do primeiro método de colmatação de lacunas previsto no n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil, não pode concluir-se de imediato, como pretendem os Autores, que está aberta a porta para o regime de cumulação total da pensão (ou remuneração na reserva) com o valor integral da remuneração devida pelo exercício de funções públicas.

Com efeito, na ausência de caso análogo susceptível de aplicação, há que resolver o litígio à luz de uma norma ad hoc a criar dentro do espírito do sistema, partindo dos seus princípios gerais constituintes, como impõe o n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil,. Ou seja, cabe ao julgador criar uma regra geral e abstracta que contemple o tipo de casos em que se integra o caso omisso, pois tratando-se de uma norma ad hoc, apenas aplicável ao caso sub judice, o processo de identificação dessa solução normativa deve isolar o problema jurídico das particularidades do caso concreto, a fim de alcançar o nível de objectividade que lhe permite a inserção no espírito do sistema (cfr., neste sentido, J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1994, Coimbra, Almedina, pp. 203-204).

No desenvolvimento dessa tarefa, revela-se pertinente uma indagação sobre a razão de ser da consagração da ressalva dos aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré ao abrigo do regime do artigo 11.º, n.º 2, do DL n.º 145/2007, bem como sobre as circunstâncias em que essa norma foi elaborada (a occasio legis), pois são essa teleologia e esse contexto que influenciariam o legislador no momento de regular o regime de cumulação (total ou parcial) a que ficariam sujeitas a remuneração e a pensão destes prestadores de serviços e trabalhadores em funções públicas. A esse respeito, importa sublinhar que a primeira versão do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 137/2010 integrou-se entre as medidas adicionais de consolidação orçamental e redução de despesa face às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013, representando, como se pode ler no preâmbulo do diploma, «um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular funcionamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais». Com um tal contexto económico-social como pano de fundo, e sabido que é que a medida geral adoptada pelo legislador foi a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentações, é previsível que todas as ressalvas a esse regime regra se traduzissem na mera possibilidade de cumulação parcial das referidas fontes de rendimento.

Essa solução de cumulação parcial foi expressamente consagrada pela Lei de execução orçamental do ano de 2011 (cfr. artigo 81.º, n.º 2, do DL n.º 29-A/2011 atrás transcrito) para os aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré para o exercício de funções ou a prestação de serviços nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do DL n.º 145/2007: ressalvando-os da aplicação do regime de proibição de cumulação introduzido pelo DL n. º 137/2010 e mantendo em vigor a possibilidade de cumulação parcial da pensão com a remuneração, prevista na versão anterior do artigo 79.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação (resultante do DL n.º 179/2005). O intento legislativo por detrás da nova redacção do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 137/2010, introduzida pela segunda alteração ao Orçamento de Estado para 2011 (a Lei n.º 60-A/2011), terá sido transferir esta norma da Lei de Execução Orçamental para um regime com uma vigência mais perene. Tal como o legislador fez com a norma paralela reguladora da situação dos aposentados que integram as equipas de vigilâncias das escolas. Embora tenha deixado por regular o regime de cumulação de vencimento público e pensão destes aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré, tudo leva a crer que, se tivesse detectado o caso omisso, o legislador manteria o regime que para eles resultava do DL n.º 29-A/2011 e que vinha sendo aplicado a estes trabalhadores e prestadores de serviços desde 2005. Também por isso cabe concluir que a norma ad hoc a criar para regular o caso omisso é a da cumulação parcial da pensão com a remuneração.

Também porque, repete-se, nesse sentido concorre o contexto económico-social em que todas estas normas foram produzidas e a que já se fez referência.

A estas razões acrescem ainda dois outros argumentos de suma importância.

Em primeiro lugar, a circunstância de ser essa a tradição legislativa em matéria de exercício de funções públicas por aposentados. Como se referiu atrás, desde a sua primeira versão, em 1972, o Estatuto da Aposentação sempre previu como regime remuneratório regra do exercício de funções públicas por aposentados a cumulação do valor da pensão com 1/3 da remuneração devida pelo exercício de tais funções. É verdade que, durante algum tempo, o mesmo regime admitiu a cumulação do valor integral da pensão com uma percentagem superior da remuneração até ao limite de 100%, mediante previsão legal especial ou autorização governamental. Mas esta alternativa legal constituía uma excepção àquele regime regra e, ainda assim, vigente apenas até 2005. Desde então, não mais vigorou qualquer regime especial que admitisse mais do que a cumulação meramente parcial destas fontes de rendimento, impondo-se antes que uma delas seja obrigatoriamente reduzida em 2/3. Donde, actuando no espírito do sistema, cabe concluir que o legislador não instituiria um regime de cumulação total destas fontes de rendimento para os aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré ao abrigo do DL n.º 145/2010. Antes estatuiria um regime de cumulação meramente parcial da pensão (ou remuneração na reserva) com o vencimento ou os honorários devidos pelo exercício de funções públicas, nos mesmos moldes do regime regra que vigorou em Portugal desde 1972.

Em segundo lugar, inexiste qualquer razão diferenciadora da situação destes aposentados, reformados e reservistas face àqueles outros que integram as equipas de vigilância das escolas ou são médicos de estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde. Seja em razão da maior especialização das actividades desenvolvidas pelos primeiros, seja em função da acrescida pertinência de tais actividades para a realização do interesse público. E aí onde terminam as razões da diferença, impõe-se naturalmente a igualdade das soluções normativas. Não está em causa o recurso à analogia, mas antes a ponderação dos critérios da coerência normativa e da justiça relativa, corolários do princípio da igualdade que, sendo um dos princípios estruturantes do sistema jurídico, deve ser obrigatoriamente tido em conta na concepção da norma ad hoc a que se refere o artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil.

Todos os dados apontam no mesmo sentido: o regime remuneratório dos aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré ao abrigo do DL n.º 145/2007 deve ser regulado por uma norma ad hoc que admite a cumulação apenas parcial da pensão (ou remuneração na reserva) com o valor da remuneração devida pelo exercício de funções públicas ou a prestação de serviços, devendo uma delas ser obrigatoriamente reduzida em 2/3.

A confirmar a correção desta solução normativa e a sua compatibilidade integral com o espírito do sistema, basta confrontar a Lei do Orçamento de Estado para 2014 (mais concretamente, o artigo 82.º, n.º 6, alínea b), e n.º 7, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a nova redação do artigo 79.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, nas quais os aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré são elencados entre as excepções ao regime regra de proibição absoluta da cumulação de pensão com remuneração e sujeitos ao regime da cumulação meramente parcial destas duas fontes de rendimento, devendo uma delas (à escolha do trabalhador ou prestador de serviços) ser obrigatoriamente reduzida em 2/3.

Face ao exposto, não resulta da disciplina do art. 6º/3 do DL nº 137/2010, na redacção dada pela Lei nº 60-A/2011 de 30.12 que os Autores tenham direito a ser abonados pela totalidade da remuneração em cumulação com a pensão de reforma, aposentação ou reserva, devendo improceder o pedido, na totalidade.”

Ou seja, concluiu o tribunal a quo que, perante a ausência de determinação legal que explicite qual é o regime remuneratório dos aposentados, reformados e reservistas contratados pelo Recorrido, não se podendo lançar mão das normas contidas no artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 117/2009, de 18 de Maio, e no artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 89/2010, de 21 de Julho, por se tratarem, também eles, de regimes excecionais (e por isso insuscetíveis de aplicação analógica, nos termos do artº 11º do Código Civil), haveria que indagar, nos termos do artº 10º, nº 3 do Código Civil, à falta de caso análogo, qual “a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”.

E foi nesse sentido e com tal desiderato que o tribunal a quo procurou reconstituir o iter legislativo e, analisando as respetivas etiologia e teleologia, chegou à conclusão que se impunha: a de que inexiste qualquer razão para diferenciar a situação destes aposentados, reformados e reservistas face àqueles outros que integram as equipas de vigilância das escolas ou são médicos de estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde.

E fê-lo, desde logo, como bem enuncia, ao abrigo de “critérios da coerência normativa e da justiça relativa”, corolários do princípio da igualdade que, sendo um dos princípios estruturantes do sistema jurídico, deve ser obrigatoriamente tido em conta na conceção da norma ad hoc a que se refere o artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil.

Tanto assim é que, conforme se sublinha na decisão sob escrutínio, posteriormente, na Lei do Orçamento de Estado para 2014 [mais concretamente, o artigo 82.º, n.º 6, alínea b), e n.º 7, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro] e a nova redação do artigo 79.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, os aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré são elencados entre as exceções ao regime regra de proibição absoluta da cumulação de pensão com remuneração e sujeitos ao regime da cumulação meramente parcial destas duas fontes de rendimento, devendo uma delas (à escolha do trabalhador ou prestador de serviços) ser obrigatoriamente reduzida em 2/3.

Portanto, efetivamente, o regime remuneratório dos aposentados, reformados e reservistas contratados pela Ré ao abrigo do DL n.º 145/2007 deve ser regulado por norma, criada ad hoc, nos termos do nº 3 do artº 10º do CC, que admita a cumulação apenas parcial da pensão (ou remuneração na reserva) com o valor da remuneração devida pelo exercício de funções públicas ou a prestação de serviços, devendo uma delas ser obrigatoriamente reduzida em 2/3.

Analisando tudo quanto acima vem excogitado, conclui-se que o regime de incompatibilidade, supra mencionado, deve ser aplicado aos Recorrentes e, como tal, a atuação do Recorrido, mostra-se isenta de reparos.
Aqui chegados, cumpre confirmar a decisão em crise, e consequentemente, julgar improcedente o recurso.

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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes – cfr. artº 527. nº 1 e 2 do CPC e artº 189º, nº 2 do CPTA.
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Lisboa, 07 de Janeiro de 2021


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Ricardo Ferreira Leite*

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* O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º - A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão o Ex. Sr. Juiz-Desembargador, Dr. Pedro Marchão Marques e voto de vencido da Ex.ª Sr.ª Juíza-Desembargadora Dr.ª Ana Celeste Carvalho, nos seguintes termos:


DECLARAÇÃO DE VOTO

O dissenso com o acórdão que faz vencimento incide sobre a decisão de procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa, que conduziu à absolvição da instância do Autor, ora Recorrente, quer quanto aos seus fundamentos, quer por tal decisão ser contraditória com a decisão de convolação da ação administrativa especial instaurada, em ação administrativa comum.

O fundamento para a ilegitimidade ativa numa ação de impugnação de ato administrativo não se pode basear na circunstância de o Autor não ter apresentado o requerimento que constitua a Administração no dever legal de decidir, como consta da fundamentação da sentença e nos termos mantidos no acórdão, por esse ser um requisito da ação administrativa de condenação à prática de ato devido (artigo 67.º, n.º 1 do CPTA) e não da ação impugnatória.

Por isso, a norma pertinente é a do artigo 55.º do CPTA e não a do artigo 68.º do CPTA, como consta do texto do acórdão, a qual é inaplicável ao caso.

Por outro lado, concluindo-se pela convolação da ação administrativa especial, em comum, por estar em causa a condenação ao pagamento, carece de fundamento a antecedente ilegitimidade ativa do Autor, tendo este legitimidade para a pretensão de condenação ao pagamento.

Neste sentido, concederia parcial provimento ao recurso e revogaria a sentença recorrida na parte em que decidiu pela ilegitimidade ativa do Autor, considerando-o parte legítima, quer porque a apresentação de requerimento na fase administrativa não constitui um pressuposto da ação de impugnação de ato, quer por esse requerimento não ser exigível no caso de ser pedida a condenação ao pagamento de uma quantia.

(Ana Celeste Carvalho)