Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2774/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/21/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:TAXA.
ILEGALIDADE CONCRETA DA DÍVIDA.
ILEGALIDADE ABSTRACTA.
Sumário:

1. O vício alegado de inexistência do facto tributário não pode ser dirimido na oposição à execução fiscal, dado que contende com a ilegalidade concreta da dívida.
2. A cobrança de uma taxa pela implantação de estruturas de distribuição de gás, na mesma via rodoviária, no mesmo período de tempo, por duas entidades públicas distintas viola os princípios da proporcionalidade e da equivalência jurídica das taxas.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

“L.............. – S.............., SA”, veio deduzir oposição no âmbito do processo de execução fiscal nº ..........., instaurado pela Câmara Municipal de Mafra para cobrança de taxa relativa a abertura de valas na via pública, no montante de € 28.464,90.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 377 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 06 de Setembro de 2019, julgou improcedente a Oposição.
A oponente não se conformou, pelo que interpôs recurso jurisdicional.
Nas alegações de fls. 410 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formulou as conclusões seguintes:
«i. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida, em 6 de setembro de 2019, no processo de Oposição Judicial acima identificado, que correu termos junto da 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 2774/10.1 BELRS contra o processo de execução fiscal n.º ..........., instaurado para cobrança de taxa relativa a abertura de valas na via pública, no montante de € 28.464,90;
ii. Na petição inicial de Oposição Judicial a ora Recorrente invocou, em síntese, i) a ilegalidade da liquidação da taxa liquidada pelo Município de Mafra, uma vez que a EN9 faz parte da rede rodoviária nacional complementar, atribuído por concessão à E..........., S.A., e, portanto, subtraído ao domínio da Câmara Municipal de Mafra; por integrar a sua jurisdição, é a E..........., S.A., que tem direito a liquidar e cobrar taxas, inexistindo, além do mais, da parte da autarquia, uma prestação concreta e individualizada dirigida ao sujeito passivo, pelo que a taxa se aproxima de um inadmissível imposto; e ii) duplicação de coleta, uma vez que a ora Recorrente, pagou à E…. – E..........., S.A. a quantia de € 15.912,24 pela emissão de licença para abertura de vala na EN9 entre os kms 29+000 a 30+000, tendo a Câmara Municipal de Mafra liquidado taxa pela abertura de vala nesse mesmo espaço.
iii. A douta Sentença recorrida concluiu, em síntese, que foi invocada uma ilegalidade concreta da taxa liquidada pelo Município de Mafra, razão pela qual não enquadrável na alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT e, bem assim, que não se encontram reunidos os requisitos legais da duplicação de coleta, pelo que também este fundamento da oposição deveria improceder.
iv. Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a Recorrente é concessionária em regime de exclusivo de serviço público da rede de distribuição regional de gás natural de Lisboa (cfr. alínea A) da matéria de facto dada como provada).
v. No exercício das suas funções, obrigou-se a construir todas as infraestruturas necessárias à implantação da rede de distribuição regional de gás natural, nelas se compreendendo, naturalmente, as tubagens – Cfr. Bases I, V e VI anexas ao referido Decreto-Lei n.º 33/91. Foi, pois, neste contexto, que no concelho de Mafra, à semelhança de outros integrados na área de concessão, a ora Recorrente teve de proceder à montagem das infraestruturas indispensáveis à prossecução da atividade concessionada, apresentando, para este efeito, em 26 de março de 2009, um pedido de licenciamento para execução de obras e trabalhos na via pública, relativo à construção, instalação e conservação de infra-estruturas, expansão de rede de gás na Freguesia de Igreja Nova (cfr. fls. 9 a 14 dos autos) (cfr. alínea B) da matéria de facto dada como provada).
vi. Conforme também resulta da matéria de facto dada como provada, através do ofício n.º U2708/2009, de 13.04.2009, a ora Recorrente foi notificada do despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mafra que deferiu o pedido de licenciamento, “com os condicionalismos que vierem a ser fixados pela E..........., S.A., no âmbito das estradas Nacionais e a ARHTejo, no âmbito do regime hídrico, pelo que deverá promover o licenciamento junto das referidas Entidades”, acompanhado de guia de liquidação, prevista na Tabela de Taxas e Licenças, artigo 18.º, n.º 1, alínea K), referente à abertura de valas por ML, numa extensão de 7.940 ml por dia, no montante de € 56.929,80 (cfr. doc. 2 junto com a p.i.); (cfr. alínea C) da matéria de facto dada como provada).
vii. Ou seja, embora exigisse o pagamento dessas supostas taxas, a Câmara Municipal de Mafra realçava que a ora Recorrente deveria promover o licenciamento da obra junto da E..........., S.A., no que respeitava às intervenções junto das Estradas Nacionais, e da ARHTEJO no que respeitava ao regime hídrico.
viii. Conforme decorre da alínea D) da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida, a ora Recorrente apresentou, em 22 de abril de 2009, reclamação graciosa relativamente à extensão considerada, alegando que “o projecto tem na sua totalidade 3.970 m, dos quais 670 são licenciados pelas E............ Em estradas municipais (taxas da Câmara Municipal de Mafra), são 3.300 m e não 7.940m (...)” (cfr. doc. 3 junto com a p.i.). Ou seja, o projeto em causa não tinha 7940 metros, mas sim 3970 metros, dos quais 670 se situavam em Estradas Municipais sob domínio da E..........., S.A., e, portanto, fora do domínio de intervenção da autarquia.
ix. Não obstante a reclamação graciosa apresentada pela ora Recorrente, a Câmara Municipal de Mafra enviou o ofício n.º U5827/2009, de 19.08.2009, no qual referiu que fora “indeferido o pedido de cobrança das taxas apenas no que se refere às obras que incidem junto a Estradas Municipais, por se entender que o fundamento da cobrança da taxa assenta na remoção de um obstáculo que consiste na possibilidade de realizar trabalhos na via pública, abrindo valas, situação que é semelhante à cobrança de taxas para emissão de uma licença de construção cuja edificação é feita em propriedade privada” (cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial alínea E) da matéria de facto da como provada). Mais referiu que a taxa deveria incidir sobre todo o traçado, i.e., sobre as estradas municipais e também nacionais, corrigindo o valor anteriormente apurado para € 28.464,90 face à extensão do projeto.
x. Como também resulta da alínea F) da matéria de facto dada como provada, em 20.11.2009, a E..........., S.A. emitiu o alvará de licença n.º ........... tendo em vista a “Abertura de Vala” na EN9 entre os kms. 29+000 e 30+000 da mesma, liquidando uma taxa, a título de emissão de licença, no montante de € 15.912,24.
xi. Porém, e conforme resulta da alínea H) da matéria de facto dada como provada, a ora Recorrente foi notificada, através dos ofícios n.ºs U7378/2009, de 22.10.2009, n.º U2543/2010, de 29.04.2010 e U 4821/2010, de 12.08.2010, da CMM, para pagamento, no prazo de 30 dias, do montante de € 28.464,90, relativa às taxas devidas pela execução de obras na via pública (cfr. fls. 4, e 9 a 14 dos autos).
xii. Conforme já referido, o Tribunal a quo considerou que a ilegalidade da taxa relativa a abertura de valas na via pública, nos termos invocados pela ora Recorrente, não constitui fundamento de oposição judicial à execução fiscal, entendimento este que é ilegal e resulta de uma errada interpretação dos factos e aplicação da lei ao caso concreto.
xiii. O artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 239/2004, de 21 de dezembro estatui que “As infra-estruturas rodoviárias nacionais que integram o domínio público rodoviário do Estado e estejam em regime de afectação ao trânsito público ficam nesse regime sob administração da E..........., S.A. ”. A E..........., S.A. de acordo com os estatutos anexos ao Decreto-Lei n.º 347/2007, de 7 de novembro, é uma sociedade anónima de capitais públicos que tem por objeto a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, nos termos do contrato de concessão firmado com o Estado Português.
xiv. Ora, conforme já referido na petição inicial, de acordo com o Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de julho, diploma que rege o chamado “Plano Rodoviário Nacional”, as Estradas Nacionais integram a rede nacional complementar, que por sua vez integra a rede rodoviária nacional – cfr. artigos 1.º, n.º 2 e 4.º desse diploma.
xv. O que significa que a Estrada Nacional 9 (EN9), na qual a recorrente procedeu à abertura de valas sob licença da E..........., S.A.., faz parte da rede rodoviária nacional por integrar a rede nacional complementar, conforme se conclui da Lista III anexa ao Decreto-Lei n.º 222/98. O mesmo resulta da Base 1, n.º 1, als. au) e bd), da Base 2, n.º 1, da Base 6, n.º 1, al. a), e da Base 8, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 110/2009, de 18 de Maio, diploma que alterou o Decreto-Lei n.º 374/2007 e reformulou as bases da concessão atribuída à E..........., S.A... Atente-se, ainda, na Base 2, n.º 1, de acordo com a qual “a concessão tem por objecto o financiamento, a conservação, a exploração, a requalificação e o alargamento das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional”, incluindo aí a EN8.
xvi. Não restam, pois, dúvidas de que o espaço correspondente à EN9, por ser abrangido pela concessão atribuída pelo Estado à E..........., S.A.., está subtraído ao domínio da Câmara Municipal de Mafra.
xvii. Com efeito, o artigo 15.º, n.º 1, als. a) e b) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro (atualizado pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro) prevê que são devidas taxas por autorização/licença em virtude da ocupação do subsolo da zona da estrada ou da ocupação temporária de parte da zona da estrada com construções, sendo o valor de ambas € 11,38 por cada metro de extensão de canalização. Acresce que a zona da estrada, entendendo-se por esta o terreno ocupado, conforme os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 13/71, está na área de jurisdição da Junta Autónoma de Estradas (anterior designação da E..........., S.A..). Esse mesmo Decreto-Lei n.º 13/71, no seu artigo 6.º, n.º 2, al. b) prevê que, relativamente ao subsolo da zona da estrada, a respetiva ocupação para estabelecimento de canalizações carece de autorização da Junta Autónoma de Estradas.
xviii. De acordo com as Condições Especiais mencionadas no anexo ao Doc. 5, a licença foi emitida pela E..........., S.A.. ao abrigo desta disposição legal e também do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 13/94, de 15 de janeiro, conforme o qual “Nas OE [Outras Estradas], a implantação ou instalação das infra-estruturas e equipamentos a que se refere o artigo anterior deve fazer-se … mediante aprovação da JAE [Junta Autónoma de Estradas] em conformidade com o n.º 5 daquele artigo.”. Com efeito, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 13/71 determina que as obras abrangidas pelo mesmo carecem de prévia aprovação pela Junta Autónoma de Estradas, atualmente E..........., S.A.. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que, contrariamente ao que sustenta a Sentença recorrida a zona da estrada está dentro da área de jurisdição daquela entidade, só esta pode autorizar as intervenções que nela se realizem.
xix. Foi precisamente no subsolo da zona da estrada EN9 que parte da tubagem de distribuição de gás natural foi colocada, o que significa que a mesma se encontra parcialmente em área do domínio público sob a administração da E..........., S.A.. e, portanto, fora do domínio da autarquia.
xx. Nessa medida, toda e qualquer intervenção de um particular realizada sobre este espaço deve ser apreciada não pelo Município de Mafra, mas sim pela E..........., S.A.
xxi. Tenha-se em atenção o disposto no já referido artigo 6.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. b) do aludido Decreto- Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, de onde resulta claro que só mediante autorização da E..........., S.A.. é lícito efetuar obras ou utilizar de qualquer modo o solo, subsolo ou o espaço aéreo da zona da estrada. É por isso que se reconhece à E..........., S.A.. o direito de liquidar e cobrar taxas por licenciamentos, aprovações ou actos similares praticados no exercício das suas atribuições - Cfr., nesse sentido, o preâmbulo do Decreto- Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro. Dentre essas atribuições está, como foi referido, emitir licenças pelas intervenções na rede rodoviária nacional, bem como tributar a ocupação do subsolo na zona da estrada.
xxii. Ora, tendo a E..........., S.A.., no âmbito das suas competências, procedido ao licenciamento necessário para que a ora Recorrente abrisse uma vala junto da EN9, nada pode a Câmara Municipal de Mafra exigir a título de taxa sobre esta parcela de território. Efetivamente, se o espaço ocupado pela EN9 se encontra fora do âmbito da jurisdição da autarquia, a liquidação e cobrança da taxa não encontram suporte em qualquer prestação efetuada à Recorrente (cfr. Acórdão do TCA Norte de 18.11.2004, proc. n.º 00068/04, em www.dgsi.pt). Ora, inexistindo uma prestação concreta e individualizada dirigida ao sujeito passivo da taxa pela autarquia, a taxa aproxima-se de um autêntico e inadmissível imposto.
xxiii. Resulta da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (Lei das Finanças Locais) que as taxas municipais devem incidir sobre utilidades prestadas aos particulares e respeitar o imperativo da equivalência jurídica – Cfr. artigo 15.º, n.º 2. O Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53- E/2006, de 29 de Dezembro, prevê, por seu turno, que as taxas locais assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público/privado das autarquias ou na remoção de um obstáculo jurídico à atividade dos particulares quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei – Cfr. artigo 3.º. No caso concreto, porém, inexistia qualquer obstáculo jurídico que devesse ser legalmente removido pelo Município de Mafra.
xxiv. Acresce que o bem público ocupado pela Recorrente não está na esfera jurídica do Município de Mafra, mas sim da E..........., S.A.., razão pela qual a tributação dessa ocupação só pode ser realizada por esta entidade. Em conclusão, a cobrança da taxa pretendida pela Câmara Municipal de Mafra, pelo menos na parte em que incide sobre o traçado da EN9, não encontra apoio em qualquer norma concreta, sendo, pelos motivos expostos, inadmissível, aproximando-se mesmo de um imposto, cuja criação está vedada aos municípios por força da reserva de lei consagrada no artigo 165.º, n.º 1, al. i) da CRP.
xxv. Ora, não restam quaisquer dúvidas de que o bem público ocupado pela Recorrente não está na esfera jurídica do Município de Mafra, mas sim da E..........., S.A., inexiste base legal para liquidar a taxa, o que significa que a sua liquidação.
xxvi. Face ao exposto, deve concluir-se pela ilegalidade abstrata da liquidação da taxa na parte em que incide sobre as intervenções efetuadas na EN9, com todas as consequências legais – Cfr. artigo 204.º, n.º 1, al. a) do CPPT.
xxvii. Conforme referido, a Recorrente assentou, ainda, a oposição judicial à execução fiscal na duplicação de coleta, a qual, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal recorrido, é evidente no caso vertente;
xxviii. Como ficou demonstrado nos presentes autos, e resulta da matéria de facto dada como provada (cfr. alíneas F) e G) da matéria de facto dada como provada), a Recorrente pagou à E..........., S.A., a quantia de € 15.912,24 pela emissão de licença para abertura de valas na EN9 entre os kms. 29+000 e 30+000.
xxix. Sendo que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a Câmara Municipal de Mafra liquidou e ora cobra uma taxa pela abertura de vala nesse mesmo espaço. Com efeito, a Câmara Municipal de Mafra alega que essa taxa deve incidir também sobre o espaço correspondente à EN9 por existir um “obstáculo” a remover.
xxx. Esta situação enquadra-se, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, evidentemente, numa situação de duplicação de coleta do artigo 204.º, n.º 1, alínea g) e artigo 205.º do CPPT.
xxxi. O artigo 205.º, n.º 1 do CPPT qualifica como duplicação da colecta a situação em que, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido em 8 de novembro de 2012 no processo n.º 01128/05.6BE...........RT)
xxxii. Desde logo, conforme resulta demonstrado a taxa por licenciamento foi integralmente paga pela Oponente à E..........., S.A., (cfr. alínea G) da matéria de facto dada como provada na Sentença).
xxxiii. Do mesmo modo, a taxa cobrada pela Câmara Municipal de Mafra à Recorrente respeita ainda ao mesmo facto – a abertura de valas na EN9 por motivo de obras no âmbito da concessão – e, inevitavelmente, ao mesmo período de tempo (cfr. alíneas C), D), E) e F) da matéria de facto dada como provada na Sentença).
xxxiv. Nessa medida, está consumada a duplicação da colecta que serve de fundamento à oposição, nos termos da al. g) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, pelo que a cobrança coerciva de taxa pela emissão de licença, na medida em que incide sobre intervenção efectuada numa Estrada Nacional sob administração da E..........., S.A., deve ser anulada, com todas as consequências legais, determinando, consequentemente, também nesta parte, a revogação da Sentença recorrida. (…)»

*
A recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, expendendo sumariamente o seguinte quadro conclusivo:
«A. A Executada/Recorrente L........... - S.............., S.A. vem recorrer da douta sentença de fls.(...). dos autos, datada de 06/09/2019, que julgou totalmente improcedente a oposição à execução fiscal por si apresentada - Cfr. sentença recorrida, datada de 06/09/2019, de fls. (...), dos autos.
B. Na dita oposição à execução a ora Recorrente alegou, em síntese, a Ilegalidade da liquidação da taxa pelo Município de Mafra, porquanto a EN9 faz parte da rede rodoviária nacional complementar, atribuído por concessão à E…-E..........., SA (E...........) e, portanto, subtraído ao domínio da CMM; por integrar a sua jurisdição, é a E........... que tem direito a liquidar e cobrar taxas, inexistindo, além do mais, da parte da autarquia, uma prestação concreta e individualizada dirigida ao sujeito passivo, pelo que a taxa se aproxima de um inadmissível imposto - Cfr. Petição Inicial de Oposição à Execução, de fls. (...), dos autos.
C. Concluiu pedindo a procedência da oposição à execução fiscal e a consequente extinção do processo executivo, no que respeita à cobrança da taxa liquidada pelas intervenções efetuadas na EN9. - Cfr. sentença recorrida, datada de 06/09/2019, de fls. (...), dos autos.
D. É na petição inicial que as partes devem alegar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo.
E. Na petição inicial da oposição deverá, pois, o Executado expor os factos em que baseia a oposição e as razões de direito que a fundamentam, incluindo a alínea ou alíneas do art.º 204.º, n.º 1, do CPPT.
F. Como resulta da petição inicial de oposição e dos documentos juntos aos autos, a dívida em cobrança coerciva respeita à liquidação da taxa pela abertura de valas, prevista no artigo 9.º, n.º 1, do Regulamento de Obras de Trabalhos na Via Pública relativa à construção, instalação, uso e conservação de infra- estruturas no Município de Mafra (Regulamento).
G. E quanto ao primeiro dos fundamentos estribados pela Recorrente na sua petição inicial de oposição à execução, o mesmo reconduz-se, obviamente, não à ilegalidade abstrata da dívida, como conclui o Recorrente nas suas alegações de recurso, mas sim à sua ilegalidade concreta, consubstanciada na discussão da liquidação da taxa pela Recorrida.
H. O primeiro fundamento da Recorrente traduz-se numa ilegalidade concreta, dE...........endente do circunstancialismo em que o ato sindicado foi praticado, e que se consubstancia na (i)legitimidade do credor tributàrio.
I. O primeiro fundamento não se integra na alínea a), do artigo 204.º, do C.P.P.T, por não se enquadrar no conceito de ilegalidade abstrata, não constituindo, por via disso, fundamento válido de oposição.
J . Com efeito, tem de improceder, nesta parte, a oposição à execução fiscal.
K. Pelo que andou bem o tribunal a quo quando entendeu que o primeiro dos fundamentos não se enquadra na alínea a) do artigo 204.º, do C.P.P.T., e, por via disso, julgou improcedente nesta parte a oposição.
L. A Recorrente teve a possibilidade de impugnar a liquidação da taxa, designadamente no seguimento do ofício a que se refere a alínea E) do probatório (com o montante corrigido), o que não fez.
M. Está vedada a possibilidade de a Recorrente discutir a legalidade da liquidação em sede de oposição à execução fiscal.
N. O mesmo fundamento não se integra na alínea h), do artigo 204.º, do C.P.P.T.
O. Na petição inicial de oposição à execução, a ora Recorrente alegou, ainda e em síntese, que existia duplicação de colecta, uma vez que pagou à E........... a quantia de € 15.912,24 pela emissão de licença para abertura de vala na EN9 entre os kms 29+000 e 30+000, tendo a CMM liquidado taxa pela abertura da vala nesse mesmo espaço - Cfr. Petição Inicial de Oposição à Execução, de fls. (...), dos autos.
P. Nos termos do n.º 1 do artigo 205° do CPPT que "Haverá duplicação de colecta (...) quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
Q. São requisitos cumulativos para verificação da duplicação de colecta: a unicidade dos factos tributários; identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige e a coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar.
R. Embora não resulte do texto legal supracitado, tem sido o entendimento da jurisprudência (4) que apenas há duplicação de colecta quando o tributo é pago e exigido pelo mesmo credor tributário.
S. A dívida em cobrança coerciva resulta, como se sabe, do não pagamento da taxa devida pelo licenciamento para a abertura de valas, no âmbito do processo de obras n.º 559/08, em que a Recorrente foi Requerente.
(4) Neste sentido cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 10-03-2017, relatado pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora Paula Moura Teixeira no processo n.º 00204/12 .3BE...........NF.
T. Como resulta da documentação que a própria juntou aos autos, a Recorrente reclamou da liquidação que lhe foi efectuada, em 13 de Abril de 2009, através do Requerimento datado de 16 de Abril de 2009, onde refere: "as taxas aplicadas ao projecto nº 559108, no âmbito do processo de licenciamento, não estão correctas, o projecto tem na sua totalidade 3.970M3, dos quais 670M3 são licenciados pela E............ Em estradas municipais (taxas da Câmara Municipal de Mafra), são 3.300M3 e não 7.940M3, como é referido no vosso ofício n.0 U2708/2009".
U. Nesta sequência, foi a Recorrente notificada em 19 de Agosto de 2009 da liquidação da taxa de abertura de valas, no montante € 28.464,90, tendo por base uma extensão de 3 970 M3.
V. Como resulta do probatório da sentença, de toda a documentação que foi trazida aos autos pelas partes e das alegações da própria Recorrente, os fundamentos legais das taxas liquidadas pela aqui Recorrida e E........... S.A. são, manifestamente, distintas e assentem em fundamentos de facto e de direito distintos.
W. Como bem explanou o tribunal a quo:
"(...) Por um lado, a taxa emitida pela CMM, foi liquidada ao abrigo do Regulamento de Obras e Trabalhos na via Pública Relativo à Construção, Instalação, Uso e Conservação de Infra- Estruturas no Município de Mafra, decorrendo, além do mais, do ofício descrito na alínea E) do probatório que se trata de uma situação semelhante à cobrança de taxas para emissão de licença para construção, em que a edificação é propriedade privada [cfr. igualmente alínea C) do probatório];
Por ouro lado, embora integrem a mesma licença e recibo, foram liquidadas pela E........... duas taxas, ao abrigo do artigo 15°, nº 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei nº 13171, de 23.01: uma referente a ocupação do subsolo na zona de estrada, e outra por ocupação temporária de zona de estrada com construções [cfr. alínea F) da factualidade assente]." - ctr. decisão recorrida.
X. As referidas liquidações emitidas pela Recorrida e E.P. não assentam no mesmo facto tributário, nem foi aplicado o mesmo preceito legal, nem tampouco se está perante o mesmo credor tributário,
Y. motivo pelo qual não se mostram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 205.º do C.P.P.T.
Z. Sem prescindir, ainda quanto a este fundamento e para o caso de assim não se entender, entendimento que só por mera hipótese académica se concebe, a solução jurídica nunca poderia ser diferente,
AA. uma vez que a liquidação em causa nos autos foi emitida pela Recorrida em momento prévio à liquidação efetuada pela E........... S.A., e ao pagamento desta pela Recorrente
BB. e por este motivo, ainda que haja duplicação de coleta, a mesma deveria e sempre se verificaria a propósito da liquidação realizada pela E........... S.A., por ser posterior.
CC. Pelo que a existir - que não há - tal não poderia ser arguido nestes autos.
DO. Sem prescindir, e para o caso de assim não se entender, o que não se aceita, ainda que houvesse duplicação de colecta parcial - que não há, pelo que apenas por hipótese académica se dá - ela só incidiria sobre a abertura de valas na extensão de 670 M3.
EE. Pois, com efeito, a Recorrente no documento que junta sob. o n.º 3 com a sua petição inicial alega que "o projecto tem na sua totalidade 3.970m2, dos quais 670m2 são licenciados pelas E..........., e em Estradas Municipais são 3.300m2".
FF. Assim, sempre a Recorrente aceitaria que em relação a 3.300m2 a Recorrida tem legitimidade para cobrar a taxa por abertura de valas - no montante, neste caso de € 23.661,00 (3.300 M3 * 2,39 *3 = 23.661,00).
GG. A Recorrente L........... - S.............., S.A. tem pago voluntariamente esta mesma taxa noutras situações idênticas, sem as contestar.»
Termina, pedindo que seja negado provimento ao recurso apresentado pela Recorrente L........................., S.A., e confirmada a sentença recorrida nos precisos termos.
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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) A Oponente é concessionária em regime exclusivo do serviço público da rede de distribuição regional de gás natural de Lisboa (cfr. Decreto-lei nº 33/91, de 16.01 e contrato de concessão junto com a p.i. como doc. 1);
B) Em 26.03.2009, a Oponente apresentou junto da Câmara Municipal de Mafra (CMM) pedido de licenciamento para execução de obras e trabalhos na via pública, relativo à construção, instalação e conservação de infra-estruturas, expansão de rede de gás na Freguesia de Igreja Nova (cfr. fls. 9 a 14 dos autos);
C) Através do ofício nº U2708/2009, datado de 13.04.2009, foi notificado à Oponente o despacho do Vice-Presidente da CMM, que deferiu o pedido de licenciamento, “com os condicionamentos que vierem a ser fixados pela E........... - E..........., SA, no âmbito das Estradas Nacionais e a ARHTEJO, no âmbito do regime hídrico, pelo que deverá promover o licenciamento junto das referidas Entidades”, acompanhado de guia de liquidação de taxa, prevista na Tabela de Taxas e Licenças, artigo o 18º, nº 1, alínea K), referente à abertura de valas por ML, numa extensão de 7.940 ml por dia, no montante de
€ 56.929,80 (cfr. doc. 2 junto com a p.i.);
D) Em 22.04.2009, foi apresentada reclamação pela Oponente, relativamente à extensão considerada, alegando que “o projecto tem na sua totalidade 3.970 m, dos quais 670 são licenciados pelas E............ Em estradas municipais (taxas da Câmara Municipal de Mafra), são 3.300m e não 7.940m (…)” (cfr. doc. 3 junto com a p.i.);
E) Através do ofício nº U5827/2009, de 19.08.2009, a Oponente foi notificada do indeferimento do “pedido de cobrança das taxas apenas no que às obras que incidem junto a Estradas Municipais, por se entender que o fundamento da cobrança da taxa assenta na remoção de um obstáculo que consiste na possibilidade de realizar trabalhos na via pública, abrindo valas, situação que é semelhante à cobrança de taxas para emissão de uma licença de construção cuja edificação é feita em propriedade privada, o taxamento deve incidir sobre todo o traçado”, acompanhado da liquidação de taxa, no montante de € 28.464,90:

«imagem no original»


(Cfr. doc. 4 junto com a p.i.);
F) Em 20.11.2009, a E........... emitiu alvará de licença nº ..........., para abertura de vala na EN9 entre os km 29+000 e 30+000, lado esquerdo, liquidando uma taxa, a título de emissão de licença, no montante de € 15.912,24, nos seguintes termos:
- Efectuada ao abrigo do artigo 15º, nº 1 do Decreto-Lei nº 13/71, de 23.01 (actualizado pelo Decreto-Lei n° 25/2004, de 24.01), alíneas:
“a) Ocupação do subsolo da zona de estrada (…) € 7.954,62
b) Ocupação temporária de parte de zona de estrada com construções, abrigos móveis ou andaimes (…) € 7.954,62”;
- De acordo com as condições especiais mencionadas no anexo, a licença foi emitida ao abrigo do disposto na alínea a b) do n° 2 do artigo 6° do Decreto-lei n° 13/71, de 23.01, o qual prevê uma autorização para estabelecimento de canalizações no subsolo da zona de estrada, e também do artigo 9° do Decreto-Lei n° 13/94, de 15.01 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.);
G) Foram emitidas a guia de receita e o respectivo recibo, em nome da Oponente, no montante de € 15.912,24, em 16.10.2009 (cfr. doc. 6 junto com a p.i.);
H) A Oponente foi notificada, através dos ofícios nº U7378/2009, de 22.10.2009, n° U2543/2010, de 29.04.2010 e U4821/2010, de 12.08.2010, da CMM, para pagamento, no prazo de 30 dias, do montante de € 28.464,90, relativa às taxas devidas pela execução das obras na via pública (cfr. fls. 4, e 9 a 14 dos autos);
I) Após extracção da certidão de dívida em 06.10.2010, foi instaurado no serviço de execuções fiscais da CMM, contra a Oponente, o processo de execução fiscal nº ..........., para cobrança coerciva do montante de € 28.464,90, relativo a taxa melhor descrita na alínea E) supra (cfr. fls. 3 e 6 dos autos);
J) Foi apresentada pela Oponente reclamação (cfr. fls. 76 a 79 do PA);
K) Através do ofício nº U7109/2010, de 25.11.2010, foi a Oponente notificada do indeferimento da reclamação que reitera a liquidação da taxa sobre todo o traçado, “incluindo a área que incide sobre os troços da EN9 km inicial 29+000, km 30+000, porquanto os mesmos se encontravam, à data em que foi emitida a licença pela E..........., em 2009/11/29, sob o domínio público municipal, por terem sido desclassificados” (cfr. fls. 152 do PA);
L) A presente oposição foi remetida aos serviços da CMM em 12.11.2010 (cfr. fls. 15 dos autos).
Mais se provou que:
M) Por Auto de Transferência assinado entre o Município de Mafra e o Instituto das E..........., em 12.12.2003, foi transferido para o domínio patrimonial da CMM, designadamente, o troço da EN9 entre os km 24+850 e o km 34+400, sendo que “a transferência torna-se efectiva quando da entrada em serviço das respectivas variantes a construir” (cfr. fls. 124 e 125 do PA);
N) Em 10.09.2009, foi celebrado entre a E...........-E..........., SA e o Município de Mafra, e homologado em 16.09.2009, o Protocolo referente ao auto de transferência indicado na alínea antecedente, desclassificando e integrando no domínio patrimonial do município o troço da EN9 (cfr. fls. 139 a 145 do PA);
O) Em 20.01.2009, foi celebrado entre a CMM e a Oponente um protocolo destinado à definição de regras aplicáveis à execução das obras, inclusive colocação de redes de tubagem para distribuição de gás, constando da cláusula 2ª, n° 8 que "A execução de obras pela L........... fica sujeita às taxas devidas pela abertura de valas e ocupação do domínio público municipal” (cfr. fls. 118 a 123 do PA).
*
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
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Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e PA (digitalizado), conforme especificado em cada uma das alíneas supra.»

X
2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o erro de julgamento assacado à sentença sob escrutínio, seja no que se refere à inadmissibilidade legal da liquidação (i), seja no que se refere à duplicação da colecta (ii).
2.2.2. No que respeita ao esteio de recurso referido em i), a recorrente invoca erro de julgamento, alegando, para tanto, «que o bem público ocupado pela Recorrente não está na esfera jurídica do Município de Mafra, mas sim da E..........., S.A., razão pela qual a tributação dessa ocupação só pode ser realizada por esta entidade. Em conclusão, a cobrança da taxa pretendida pela Câmara Municipal de Mafra, pelo menos na parte em que incide sobre o traçado da EN9, não encontra apoio em qualquer norma concreta, sendo, pelos motivos expostos, inadmissível, aproximando-se mesmo de um imposto, cuja criação está vedada aos municípios por força da reserva de lei consagrada no artigo 165.º, n.º 1, al. i) da CRP»; pelo que «deve concluir-se pela ilegalidade abstrata da liquidação da taxa na parte em que incide sobre as intervenções efetuadas na EN9, com todas as consequências legais».
Apreciação. Está em causa a cobrança de taxa devida pela utilização do solo e subsolo pertencente ao domínio público municipal da exequente, por parte da executada através da colocação de infraestruturas da rede distribuidora de gás(1).
«A invocação da inexistência do facto tributário subjacente à liquidação da dívida exequenda reconduz-se a fundamento que envolve apreciação da legalidade concreta da liquidação, por alegada falta de incidência objectiva (inexistência do facto tributário)»(2).
No caso em exame, perante a cobrança de taxa devida pela utilização do solo e sobsolo da autarquia, ora recorrida, a recorrente vem alegar a ilegalidade da sua liquidação e cobrança, dado que o tributo respeitaria a bem do domínio público rodoviário que extravasa a jurisdição do Município recorrido. Sucede, porém, que, nem a premissa de que parte a recorrente é comprovada pelos elementos coligidos no probatório (alíneas F), M) N), do probatório), nem a presente oposição à execução fiscal é o meio processual adequado com vista a dirimir a questão da invocada ilegalidade da liquidação que subjaz à execução em causa. Os argumentos extraídos pela recorrente relativos à ilegalidade da liquidação, com base na falta de competência ou de jurisdição do Município recorrido para licenciar o uso da via pública em causa e seu subsolo, são argumentos atinentes à legalidade concreta da liquidação, dado que contendem com o enquadramento fáctico-jurídico da liquidação em cobrança nos autos, pelo que não servem de esteio à presente pretensão extintiva da execução. Mais se refere que «[a]s entidades públicas têm o poder-dever de exigir as taxas como compensação devida à comunidade pela exclusão da disponibilidade do bem para um uso comum e geral ou para outro uso especial». É «o aproveitamento individualizado que o sujeito passivo faz do bem que lhe confere a vantagem ou benefício individualizado, o qual dá origem à obrigação de pagamento da taxa»(3). No caso em exame, da matéria de facto assente, não impugnada pela recorrente, resulta que, pela ocupação da via pública com as obras a realizar pela recorrente com vista à implantação da estrutura de distribuição de gás, está a ser cobrado pela exequente uma taxa (alíneas F), K), do probatório). De onde se extrai que a alegação de que o tributo cobrado corresponde a imposição sem qualquer contrapartida por parte do Município exequente não se mostra confirmado pelos dados coligidos nos autos.
Ao decidir no sentido apontado, a sentença em exame não enferma do erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3. No que respeita ao esteio de recurso, referido em ii), relativo à duplicação da colecta, a recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento. Alega que «pagou à E..........., S.A., a quantia de € 15.912,24 pela emissão de licença para abertura de valas na EN9 entre os kms. 29+000 e 30+000»; que «a Câmara Municipal de Mafra liquidou e ora cobra uma taxa pela abertura de vala nesse mesmo espaço»; que «esta situação enquadra-se, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, numa situação de duplicação de coleta do artigo 204.º, n.º 1, alínea g) e artigo 205.º do CPPT».
Apreciação. Os requisitos da duplicação de colecta constam do artigo 205.º/1, do CPPT: «[h]averá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma pessoa ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo». «A finalidade da duplicação de colecta é impedir que seja repetida a cobrança de um mesmo tributo. // A duplicação de colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta»(4). Dito por outras palavras, «existe duplicação de colecta quando: i) um tributo esteja pago por inteiro e ii) outro tributo de igual natureza seja exigido à mesma ou a diferente pessoa, desde que este segundo tributo seja iii) referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo»(5).
Do probatório resultam os elementos seguintes:
1. A recorrida/exequente emitiu, em nome da recorrente, licença de implantação de infra-estruturas de distribuição de gás, sobre a EN9, km início a 29+000, km 30+000, pela qual foi liquidada a taxa de €28.464,90, cuja cobrança deu origem ao presente processo de execução fiscal n.º ..........., instaurado no serviço de cobranças da recorrida (alíneas B), E), H), I) e K), do probatório).
2. A “E..........., S.A.” emitiu, em nome da recorrente, licença de implantação de infra-estruturas de distribuição de gás, sobre a EN9, km início a 29+000, km 30+000, pela qual foi cobrada a taxa de €15.912,24, a qual foi paga pela recorrente (alíneas F), G), do probatório).
A taxa questionada nos autos é devida ao abrigo do regulamento municipal que rege o uso individual de parcelas do domínio público do Município exequente, concretamente, em virtude da realização por parte da executada de obras de implantação da infraestrutura de distribuição de gás na via pública (alíneas E), H) e K), do probatório). Sucede, porém, que a existência de eventual conflito de jurisdições entre as entidades administrativas envolvidas, não pode fazer olvidar que pela mesma contrapartida – utilização do solo e subsolo, com a implantação da estrutura de distribuição de gás – está a ser exigida à recorrente, pelo menos duas taxas, ainda que por entidades distintas, a E..........., E..........., SA, de um lado, e o Município de Mafra, do outro. O que significa que, pelo mesmo facto tributário (implantação das estruturas de distribuição de gás, na mesma via rodoviária), no mesmo período de tempo (respeitante à utilização da via pública pela realização das obras necessárias à referida implantação), está a ser cobrada pelo Município exequente uma taxa, quando antes outra taxa, correspondente à mesma contrapartida, havia sido liquidada e paga à E..........., – E..........., SA, pela recorrente. Não se afigura existir duplicação de colecta dado que a verificação da identidade do credor e das normas jurídicas aplicadas não está assegurada. Sem embargo, na sequência de notificação do Município exequente (alínea C), do probatório), a oponente liquidou e pagou a taxa em causa junto da E..........., E..........., SA, com vista a obter o licenciamento de implantação das estruturas referidas, taxa que, pelo referido licenciamento, desta feita deferido pelo Município exequente, é -lhe agora exigida por este. A exigência desta segunda taxa, a ser confirmada, implicaria a violação dos princípios da colaboração e da boa fé da Administração para com o contribuinte (artigo 59.º da LGT), porque a primeira taxa é paga na sequência do ofício do Município exequente a instar o contribuinte a realizar o respetivo licenciamento junto das E..........., E............
Implicaria, igualmente, a violação do princípio da equivalência jurídica das taxas (artigo 4.º da Lei n.º 53-E/2006, de 25 de Dezembro, que aprova o regime jurídico das taxas das autarquias locais), na medida em que as utilidades concedidas foram obtidas através do licenciamento ocorrido em primeiro lugar.
Implicaria, bem assim, a ofensa dos princípios da proporcionalidade e do direito a não pagar impostos que não sejam liquidados e cobrados nos termos da Constituição e da lei (artigos 18.º/2 e 103.º/3, da CRP), dado o excesso de tributação associado ao licenciamento em causa.
Nestes termos, a exigência da taxa em apreço, no enquadramento fáctico-jurídico descrito, não pode ser aceite, sendo a mesma inexigível, o que determina a procedência da oposição, com este fundamento (artigo 204.º/1/a), do CPPT).
Ao julgar no sentido discrepante, a sentença em apreço incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a oposição.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a oposição, extinguir a execução.
Custas pela recorrido.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta)

(2ª. Adjunta)

________________

(1)Alíneas B), E), F), M) N), do probatório.
(2)Acórdão do STA, de 18.05.2016, P. 01076/15.
(3)Suzana Tavares da Silva, As taxas e a coerência do sistema tributário, Coimbra Editora, 2013, p. 107.
(4)Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. III, 6.º Ed., p. 526.
(5)Acórdão do STA, 30.10.2019, P. 01225/09.9BEPRT.