Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1167/08.5BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:ROEF - ILEGITIMIDADE
Sumário:I – Por decisão judicial transitada em julgado, foi decidido que o reclamante não adquiriu o direito de propriedade, por usucapião, da fracção autónoma em causa nos autos, não tendo sido, portanto, reconhecido o seu direito de propriedade.
II – Do mesmo modo, foi decidido que uma vez que, o ora recorrente, não se encontra munido de título judicial a reconhecer a alegada propriedade incidente sobre a fracção autónoma vendida no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos autos, carece de legitimidade para neste intervir.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

F….. com os demais sinais nos autos, veio apresentar reclamação de acto do órgão da execução fiscal «consubstanciado no despacho que determinou o prosseguimento das diligências para cassação das chaves e comandos de acesso, incluindo o arrombamento das portas de acesso para o interior da fracção AN e anexos, no âmbito do processo de execução fiscal nº ….., a correr termos no Serviço de Finanças de Leiria 1».

Posteriormente, o reclamante interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, assinada em 11 de Junho de 2019, e posteriormente rectificada, com fundamento em erro material (ao abrigo 614.º, n.º 1, do Código do Processo Civil) através da junção de nova sentença assinada em 6 de Setembro de 2019, a qual julgou totalmente improcedente a reclamação, com manutenção do ato reclamado na ordem jurídica e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul datado de 20 de fevereiro de 2020, foi declarada a inexistência jurídica da sentença assinada em 6 de setembro de 2019 e, em consequência, determinada a manutenção na ordem jurídica da primitiva sentença (assinada a 11 de junho de 2019), por ser a única legalmente vigente na ordem jurídica, e, ainda, a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para prosseguimento dos autos, i.e., no caso, para a Mma. Juíza a quo apreciar o requerimento da Fazenda Pública apresentado ao abrigo do art. 614.º do CPC e, em caso de retificação, se permitir a alegação das partes nos termos do n.º 2 desse artigo 614.º.


Por despacho de 21 de maio de 2020, a Mma juiz a quo, na sequência do referido requerimento da Fazenda Pública, procedeu à retificação do ponto «IV. Dispositivo» da sentença primitiva passando do mesmo a constar: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo totalmente improcedente a presente reclamação, mantendo o ato reclamado na ordem jurídica, e em consequência, absolvo a Fazenda Pública do pedido.”

F….. veio, por requerimento datado de 5 de junho de 2020, requerer o prosseguimento dos autos, com admissão do recurso interposto da primitiva sentença por requerimento datado de 2 de julho de 2019, e consequente subida dos autos ao TCAS. Mais, nesse requerimento, renova o teor daquele requerimento de 2 de julho de 2019, porquanto o teor da retificação feita pelo despacho de 21 de maio de 2020, no seu entender, não prejudica os fundamentos do recurso oportunamente interposto, no qual mantém o interesse.

O Recorrente, naquelas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:
«1a - O Tribunal “a quo” não apreciou nenhuma das irregularidades processuais invocadas pela recorrente, entre as quais:O fiel depositário nunca tomou posse da fracção penhorada e vendida nestes autos; nunca foram afixados na Junta de Freguesia quaisquer editais; o recorrente encontra-se identificado com credor com garantia real no PEF (fls. 328 e 329) e nem nessa qualidade foi citado.
2 a - Foram estas irregularidades que determinaram que não conhecesse atempadamente da penhora nem da venda da fração, para efeitos de vir defender os seus direitos no processo, por embargos de terceiro - justamente em virtude das deficiências do processo denunciada e que são de caracter grosseiro; Só conheceu tais penhora e venda com a notificação do acto reclamado!
3 a - Assim, para efeitos de CONHECER DA ILEGITIMIDADE QUE JULGOU, deveria o tribunal “ a quo” ter analisado as circunstâncias de facto que se subsumem às mesmas, na invocação que dele as faz o recorrente, bem como as circunstâncias concretas do recorrente (identificado como credor com garantia real no PEF e residente na fracção penhorada e vendida - como resulta dos autos).
4a - Efectivamente, todas as omissões de actos invocadas tiveram por escopo e efeito esconder ao recorrente a penhora e a venda e deixá-lo numa situação processual em que “formalmente”, já não tivesse legitimidade processual para nada invocar....
5 a - O Recorrente identificou desta forma a questão que colocou sub judice, mas, apesar disso, o tribunal “ a quo” recusou ver para além do caracter formal, recusou aferir da verdade material e “caiu” no jogo dos prevaricadores, recusando conhecer a questão assim colocada e suscitada.
6a - Do exposto decorre que o tribunal “a quo” não conheceu de questão que deveria ter apreciado, pelo que a Douta Sentença proferida se encontra inquinada com nulidade, nos termos do art° 615°, n° 1 d) do CPC aplicável ex vi art° 2° do CPPT, que expressamente se argui.
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7a - O Tribunal “a quo” julgou erradamente os seguintes pontos da matéria de facto sendo MATÉRIA DE FACTO OMISSA NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA E QUE DEVERIA TER INTEGRADO OS FACTOS DADOS POR ASSENTES, os elencados nas subsequentes conclusões 8 a e 9 a:
8a - Encontram-se provados nos autos os seguintes factos relevantes para efeito de terem determinado o efeito suspensivo à presente reclamação:
UM- A fracção penhorada e vendida, objecto do acto reclamado constitui casa de habitação e domicílio do recorrente;
DOIS: Este tem mais de 70 anos e padece de doença grave (atualmente 80 anos).
9a - Do PEF consta expressamente, o seguinte facto:
TRES: a fls 328 e 329 do PEF consta que a fracção vendida se encontra onerada com garantia real a favor do ora Recorrente
10a - Deverão, pois, ser aditados ao elenco de factos provados os atrás referidos, sempre aceites por todas as parte e essenciais para conhecer das questões suscitadas: quer na perspectiva do recorrentes ser parte legítima para defender o seu direito de habitação e proteção do domicílio, quer na perspetiva de se anlisar que, efectivamente, os vícios processuais (maxime a falta de tomada de posse pelo fiel depositário) determinaram que aquele não conhecesse nem da penhora nem da venda da sua fracçao antes do acto reclamado - restando-lhe apenas a reclamação que deduziu nos presentes autos para defender os seus direitos (nunca iria a tempo de embargar de terceiro, por exemplo).
11 a - O recorrente deve, além do mais, ser considerado parte legítima:
a) Porque reside na fracção penhorada e vendida sem o seu conhecimento - atentos os vícios do PEF;
b) Porque, além do mais se encontra reconhecidos no PEF como credor com garantia real sobre tal fracção e NUNCA foi citado - conforme impõe a jurisprudência.

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12 aO Recorrente encontra-se reconhecido como credor com garantia real sobre a fracção penhorada e vendida a fls 328 e 329 do PEF: é, assim, parte legítima para arguir as nulidades processuais e peticionar como o fez na Reclamação.
13 a - “O credor com garantia real sobre os bens a vender é obrigatoriamente notificado do despacho que designa a venda (...) em processo de execução fiscal, constituindo nulidade processual a preterição dessa notificação, nulidade esta que determina a anulação de todos os actos praticados posteriores ao despacho que designou a modalidade da venda, neles se incluindo a venda executiva (art° 909°, n° 1, c) do CPC aplicável ex vi 257o do CPPT)” (AC STA de 07/07/2010 cuja cópia segue anexa às presentes alegações).
14a - O Recorrente deveria ter sido notificado da penhora e da venda e não o foi.
15a - Conforme Jurisprudência pacífica e dominante, encontrando-se identificado no PEF como credor com garantia real sobre a fracção vendida, tal falta determina nulidade processual e deve ser declarada - sendo o mesmo, obviamente, parte legítima para os presentes autos.
16a - a Douta Sentença recorrida violou e interpretou erradamente as normas referidas no aludido aresto (aqui aplicáveis ao tempo e ao caso - art°s 909°, n° 1 c) do CPC - redação anterior) e ignorou o teor de fls 328 e 329 do PEF.
17a - Deveria ter interpretado e aplicado tais normas de forma a considerar:
a) Que o Recorrente se encontra reconhecido a fls 328 e 329 do PEF como credor com garantia real sobre a fracção penhorada e vendida;
b) Que como tal deveria ter sido notificado pessoalmente da penhora e da venda;
c) Que por não o ter sido, o processo se encontra acometido de nulidades processuais que influem obviamente no exame e decisão da causa, em desfavor do recorrente, que assim se viu impedido de exercer os seus direitos (art° 201°, n° 1, do CPC aplicável à data), sendo parte legítima para invocar tal nulidade - conforme Jurisprudência pacífica e arestos cuja cópia se encontra anexa ás presentes alegações.
18a - a Douta Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare conforme anteriores conclusões 1a a 17°, julgando o recurso e a reclamação instaurada integralmente procedente.

REQUER: Que seja deferida a prática do presente autos no 3° dia útil subsequente ao termo do prazo, nos termos do art° 139°, n° 5, c) do CPC ex vi art° 2° do CPPT para o que junta DUC multa e comprovativo de pagamento
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O recorrido não apresentou contra-alegações.

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Notificado o Ministério Público deste Tribunal Central Administrativo, vem o Procurador-Geral Adjunto, manter o parecer proferido a 15 de janeiro de 2020, no sentido da improcedência do recurso, devendo a sentença manter-se «na esfera jurídica, uma vez que não sofre de qualquer vício.»
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à aferição da (i)legitimidade do reclamante, ora recorrente.


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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Por escritura de 23/10/1942, lavrada na Secretaria Notarial de Caldas Rainha – Segundo Cartório -, F….. e A….. compraram a J….. e mulher, M….., o prédio seguinte, do qual ficaram comproprietários, em partes iguais:
….., freguesia da Foz do Arelho (…), a confrontar do Norte e Sul com estrada, e nascente com A….. e F….., e do poente com estrada (…) inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Serra do Bouro, sob o artigo …..…» (escritura de fls. 69 e segs.. I volume cujo conteúdo se dá por reproduzido).
2. Na data referida no artigo anterior, F….. era casado com C….. no regime da comunhão geral de bens (fls. 75 do 1º vol cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3. Na mesma data, A….. era casado com L….. também no regime da comunhão geral de bens (fls. 77 do 1º volume cujo conteúdo se dá por reproduzido).
4. A….. morreu em 02/08/1947 (fls. 79 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. Sucederam-lhe, como seus únicos herdeiros legais:
L….., cônjuge sobrevivo;
A….., filho;
R….., filho; e
A….., filha (declarações do cabeça de casal, fls. 86 verso do 1º vol. Cujo conteúdo se dá por reproduzido),
6. O F….. morreu em 14/06/1969 (fls. 89 do 1º volume cujo conteúdo se dá por reproduzido).
7. Sucederam-lhe, como seus únicos herdeiros legais:
C….., na qualidade de cônjuge sobrevivo;
R….., filho;
F….., filho (ora requerente), tudo como consta da escritura de habilitação a fls. 92 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido.
8. No âmbito do processo do processo de imposto sucessório n.° …..do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, instaurado por morte de F….., foi incluída a metade ilíquida e indivisa do prédio inscrito na matriz rústica com o art.º ….. (fls. 98 e 99 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
9. Em 16/03/1988, através das apresentações ….. e ….., o prédio rústico sito ….., composto por terra de pousio e mato, com a área de 9020 m2, a confrontar do Norte com estrada, do Sul com A….., Nascente serventia, e Poente, estrada e herdeiros de V….., inscrito na matriz sob o art. …..foi registado na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, sob o n° …../Foz do Arelho (fls. 105 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. Na mesma data e através daquelas apresentações, ficou inscrita a propriedade desse prédio da seguinte forma:
a. “Aquisição de 1/2 em comum e sem determinação de parte ou direito – a favor de C….., viúva, residente na Rua ….., em Caldas da Rainha; R….., casado com M….., no regime de separação, residente na Rua ….., em Caldas da Rainha; e F….., casado com A….., no dito regime de bens, residente na referida Rua …..- por dissolução de comunhão conjugal por morte e sucessão de F….., casado com a citada C….., no regime da comunhão geral, residente em Caldas da Rainha.
b. “Aquisição de 1/2 em comum e sem determinação de parte ou direito – a favor de A….., casado com E….., no regime da separação, residente na Rua ….., em Caldas da Rainha; R…..o, casado com M….., no regime da comunhão geral, residente na vila do Cadaval; e A….., casada com A….., no regime da comunhão geral, residente na Rua ….., em Lisboa – por sucessão de L….., divorciada, residente na dita Rua …..,direito.
(tudo como consta de fls. 105 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
11. Por escritura celebrada em 09/01/1989 na Secretaria Notarial de Caldas da Rainha, o requerente, e os co-herdeiros C….. e R….., compraram aos Herdeiros de A….. a metade indivisa mencionada na alínea b) do número antecedente (fls. 110 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
12. Em 13/01/1989 registaram esta aquisição na Conservatória do Registo de Caldas da Rainha, através da ap. ….. (fls. 105 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
13. Em 16/08/1994, o requerente, c….. e r….. outorgaram no 17º Cartório Notarial de Lisboa, a escritura pública nos termos da qual os primeiros venderam a “g…..”, para revenda o referido art.º ….. (fls. 114 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. Tal escritura contemplou várias cláusulas, entre as quais as relativas a pagamento faseado, que incluía a alínea c) nos termos da qual a g….. entregava 36.000.000$ através da transmissão para o requerente e para o seu irmão, r….., de um apartamento do tipo T-2 para cada um, no valor unitário de 18.000.000$ (dezoito milhões de escudos), a serem construídos no empreendimento que aquela R. se propunha a construir no prédio objeto do contrato (fls. 116 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
14. Aquisição que a g….. registou pela Ap. ….. (fls. 105 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
15. Por escritura de 5/2/2002, a g….. vendeu a i….., Lda. o referido artigo ….. (fls. 131 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
16. Através da garantia bancária n.º ….., de 5/1/1999, prestada em nome de G….., S.A, a favor de C….., R….. e F….., o BES garantiu até ao montante de Esc. 36.000.000$00 destinada a caucionar o bom pagamento, por parte da G….., de prestações vincendas de parte do preço contratado do terreno na Foz do Arelho (fls. 497 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
17. Através da garantia bancária n.º ….., a pedido da I….., o BPN garantiu perante R….. e F….. uma garantia bancária no montante máximo de Esc. 55.000.000$00) destinada a garantir o cumprimento efetivo da obrigação de transmitir, livre de quaisquer ónus e encargos e no máximo até 30 de Setembro de 2003, a propriedade de dois fogos T3 à cota 40.00 metros, cuja construção será qualitativamente igual à dos demais fogos que integrem o empreendimento, fogos esses com a área unitária coberta de 119 m2, dotados, cada um, de um terraço de 15 m2, de um lugar de estacionamento e de uma arrecadação na cave, assim que os mesmos se encontrem concluídos (…) Esses fogos serão inseridos no empreendimento imobiliário que vai ser construído no prédio rústico (…) o artigo …...» (fls. 498 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
18. No exercício da sua atividade, a I….., construiu no prédio artigo …..um edifício para habitação, em regime de propriedade horizontal, composto por trinta e oito frações autónomas de “A” a “AP” (fls. 135 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
19. A construção visou a comercialização das frações.
20. Em 29/11/2004 foi emitido alvará de licença de utilização n.º ….. (fls. 135 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
21. No âmbito do processo de execução fiscal n° …..e apensos, instaurada contra a sociedade I….., S.A., foi penhorada em 29-10-2007 a fração “AN” do ….. (fls. 355 e 491 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. Esta sociedade foi declarada insolvente por sentença de 6/10/2008 (fls. 531 e 619 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido)
22. Foi nomeado depositário, no auto de penhora, o Sr. A….. (fls. 355 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
23. O qual não tomou posse do imóvel, designadamente recebendo as respetivas chaves (fls. 491 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
24. A respetiva venda, marcada para o dia 7/5/2008, foi publicitada em dois anúncios publicados na Gazeta das Caldas em 14/3/2008 e 21/3/2008 (fls. 477 e 480 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
25. E em 14/3/2008 foi lavrada informação pelo funcionário do SF nos termos da qual foram afixados editais de igual teor nos locais designados por lei (fls. 496 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
26. No dia 07-05-2008 procedeu-se à venda por propostas em carta fechada da referida fração “AN”, tendo sido adjudicada a Aa….. (fls. 358 e 360 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
27. Tal como consta do Auto de Abertura de Propostas e Adjudicação, e no que diz respeito à fração “AN”, foram proponentes J….., Lda., R….. e A….., que apresentou a maior oferta, não tendo havido reclamação nem preferentes, pelo que a fração “AN” foi adjudicada ao referido A….. (fls. 507 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).
28. Por Despacho do Chefe de Finanças de 15 de Maio de 2008, foram determinados o cancelamento e levantamento dos ónus e encargos, nomeadamente Hipoteca Legal a BPN e duas penhoras em nome da Fazenda Nacional (fls. 510 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
29. O aqui A. intentou em 01/9/2008 no Tribunal Judicial das Caldas da Rainha ação com processo sumário, que corre termos no 2° Juízo daquele Tribunal com o n° 2081/08.OTBCLD, contra “O….., S.A.”, I….., S.A., BPN – Banco Português de Negócios, S.A., A….. e mulher M….. e Estado Português, peticionando que o A. seja declarado como único e exclusivo proprietário da fração “AN”, que tal aquisição decorre de usucapião, sendo ainda declarada a ineficácia relativamente ao A. dos atos descritos no ponto 3 do pedido e ainda a inoponibilidade ao A. das inscrições na Conservatória do Registo Predial referidas em 4, ordenando-se o cancelamento das mesmas e que todos os RR. Sejam condenados a reconhecer o que vem pedido e a absterem-se da prática de quaisquer atos que perturbem a posse e o direito de propriedade do A. sob a referida fração “AN” (fls. 533 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).
30. Em 11/8/2008 o requerente foi notificado para restituir a posse com a consequente entrega da chave e comando de acesso às garagens referente à fração “AN” (fls. 326 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
31. Após reclamação deste, o despacho precedente foi revogado e substituído por outro, com o mesmo conteúdo e indicação dos meios de reação contra o despacho (fls. 365 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
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No que respeita aos factos não provados, a sentença decorrida discorre que:

Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

Os factos relativos à alegada posse do imóvel e propriedade, bem como os que poderiam sustentar o pedido reconvencional não foram objecto de pronúncia, por serem factos relativos a pedidos de que o tribunal não pode conhecer.

COM BASE NA SENTENÇA DO TJ CALDAS PROVOU-SE QUE NÃO É PROPRIETÁRIO

A matéria relativa à declaração do direito de propriedade está subtraída à competência material deste TAF, assim como está subtraída a matéria respeitante à declaração de ineficácia do registo a favor do adquirente, quer se funde no direito de propriedade, quer na posse.

É certo que no último caso, a posse poderia ter sido defendida com recurso a embargos de terceiro (Art.º 167 CPPT), para o qual este TT seria competente, mas nesta fase tal ação é inviável, considerando ter sido vendido o seu objeto (Art.º 353º/2 CPC).

Pelas mesmas razões que ficaram expostas, os factos relativos à causa de pedir que sustentam o pedido reconvencional formulado pelo adquirente também não foram apreciados.

Não obstante a decisão sobre a ilegitimidade do requerente, fixaram-se os factos que alegadamente conduziriam à anulação da venda, na perspetiva de várias soluções plausíveis da questão de direito (Art.º 511º/1 CPC).

(…)

Não se vislumbram outros factos alegados, cuja não prova releve para a decisão da causa.”

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A convicção do Tribunal a quo assentou, conforme relatam os termos seguintes da sentença recorrida: “O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto do probatório supra, não impugnados, no alegado pelas partes, tendo também em conta os artigos 72.º a 76.º da Lei Geral Tributária, e 342.º do Código Civil.

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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se relevarem úteis para a boa decisão da causa, e se encontrarem provados documentalmente, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

32. Na acção referida no nº 29, acção intentada em 01/09/2008 pelo aqui recorrente no Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, 2ºJuízo, Proc. Nº 2081/08.0TBCLD, em 09/08/2013 foi proferido despacho saneador de onde se extrai a seguinte decisão (cfr. fls. 1054 e sgs. dos autos):
«Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações resulta inequívoco que o A. não adquiriu por usucapião, a fracção autónoma melhor identificada no ponto 14, nos termos do disposto nos artigos 1259º a 1262º, 1287º e 1296º do Código Civil.
Em consequência, improcedem necessariamente os pedidos formulados a título principal em 3. a 6. – a ineficácia das penhoras, hipotecas e aquisição pelos 4ºRR relativamente ao A. e consequente cancelamento das inscrições prediais – porquanto dependiam do reconhecimento do direito de propriedade do A.
V. Decisão
Nestes termos e com estes fundamentos, julgo a acção parcialmente improcedente no que concerne aos pedidos principais de reconhecimento do direito de propriedade, ineficácia das penhoras, hipotecas e aquisição pelos 4ºRR e cancelamento das inscrições prediais e, em consequência, absolvo os RR. dos pedidos.
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Custas pelo A., atento o disposto no art. 446º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, a atender a final.
Registe e Notifique.
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Não sendo possível decidir desde já do mérito da causa quanto aos restantes pedidos subsidiários, impõe-se a fixação da matéria de facto quanto aos restantes pedidos subsidiários, impõe-se a fixação da matéria de facto considerada assente e a elaboração dos factos controvertidos que constituirão a base instrutória, uns e outros entendidos com interesse para a decisão do pleito.»

33. Em audiência final de julgamento realizada em 2017.09.15 nos autos de ação de processo ordinário n.º 2081/08.0 TBCLD, autor e réus acordaram em colocar termo ao litígio, acordo que ficou expresso mediante TRANSAÇÃO, com o seguinte conteúdo:
«A. O autor e a 1ª ré O….. reconhecem e aceitam, reciprocamente, como verdadeiros os factos constantes das alíneas a) a i) da B.I.;
B. O autor desiste do pedido formulado contra a 1ª ré O….., exonerando expressamente a mesma de qualquer responsabilidade no contrato de que tratam os autos;
C. A lide deverá ser declarada supervenientemente inútil em relação aos réus B.P.N., A….. e mulher e Estado Português;
D. As custas em dívida a juízo serão suportadas em partes iguais, prescindindo autor e réus de reclamar custas de parte e procuradoria, devendo ser atendido, na conta final, às taxas de justiça já pagas, nada mais havendo a liquidar por qualquer das partes.»
Cfr. fls. 1063 e sgs. dos autos.

34. O aqui recorrente intentou no TAF de Leiria os autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA, peticionando que:
“a) Seja declarada a anulação da venda da fração descrita sob o n° …..– “AN” da Freguesia da Foz do Arelho, na Conservatória do Registo predial de Caldas da Rainha efetuada na execução fiscal que integra os autos principais do presente incidente;
b) Que seja declarado o direito de propriedade do requerente sobre essa fração, adquirido por usucapião;
c) Bem como ineficácia relativamente ao requerente da venda judicial efetuada nos autos principais e a inoponibilidade ao requerente do ato de registo predial que inscreveu a propriedade da fração vendida nessa execução fiscal a favor do adquirente A….. e M….., casada com aquele no regime da comunhão de adquiridos e ainda das penhoras efetuadas nos autos principais e apensos, devendo ser ordenado o seu levantamento.”
– cfr. fls. 474 e ss. dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

35. Por Acórdão de 30/01/2014 do TCAS, proferido no Processo nº 6995/13, foi negado provimento ao recurso interposto pelo reclamante e confirmada a decisão recorrida que tinha sido proferida pelo Mmo. Juiz do TAF de Leiria nos autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA, e através da qual julgou verificada a excepção de ilegitimidade do recorrente para a dedução do incidente de anulação de venda no âmbito da execução fiscal nº …..e apensos, o qual corre seus termos no 1º Serviço de Finanças de Leiria, mais determinando a absolvição dos demandados da instância, cfr. fls. 1111 e sgs. dos autos;

36. Do Acórdão referido no número anterior, extrai-se o seguinte excerto:
«(…) Concluindo, também neste caso o terceiro reivindicante somente tem legitimidade para intervir no processo de execução quando se encontrar munido de decisão judicial que julgue procedente a dita acção de reivindicação. Até lá, carece de legitimidade para intervir na execução, nomeadamente para requerer a anulação da venda.
É esta a situação do apelante no âmbito dos presentes autos. Não deduziu, em tempo, embargos de terceiro, como ele próprio reconhece, e também ainda não se encontra munido de título judicial a reconhecer a alegada propriedade incidente sobre a fracção autónoma vendida no âmbito do processo de execução fiscal nº …..e apensos, pelo que carece de legitimidade para neste intervir para deduzir o presente incidente de anulação de venda, conforme já decidido em 1ª instância.
(…)» - cfr. Acordão junto aos autos a fls. 1111 e sgs. dos autos, que se dá por totalmente reproduzido;

37. O Acórdão referido nos dois números anteriores transitou em julgado em 12/03/2018, cfr. certidão junta aos autos a fls. 1110, após terem sido proferidos mais três acórdãos, por o recorrente ter deduzido:
- incidente de nulidade processual e nulidade de acórdão – Acórdão do TCAS de 13/11/2014;
- novo incidente no qual argui a rectificação de erros materiais do acórdão datado de 13/11/2014, tal como a nulidade e reforma do mesmo – Acórdão do TCAS de 19/02/2015;
- recurso com fundamento em oposição de acórdãos - Acórdão do Pleno do STA de 21/02/2018;
Conforme Proc. 1185/08.3BELRA via SITAF.
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II.2. De Direito

Antes de mais, importa realçar que os presentes autos foram suspensos, por despacho de 10/12/2010, e estiverem suspensos vários anos até prolação das sentenças/acórdãos nos autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA e ação ordinária 2081/08.0TBCLD (fls. 899).
Nos autos nº 2081/08.0TBCLD foram proferidas decisões finais, já transitadas em julgado, sendo oportunamente juntos aos autos certidão com as decisões proferidas que puseram termo àqueles autos – fls. 1049, onde foi decidido que o A. não adquiriu por usucapião, a fracção autónoma em causa nos autos, nos termos do disposto nos artigos 1259º a 1262º, 1287º e 1296º do Código Civil. E, em consequência, improcederam necessariamente os pedidos formulados a título principal – a ineficácia das penhoras, hipotecas e aquisição pelos 4ºRR relativamente ao A. e consequente cancelamento das inscrições prediais – porquanto dependiam do reconhecimento do direito de propriedade do A. - vejam-se os nºs 32 e 33 do probatório.
Do mesmo modo, a fls. 1110 e sgs. dos autos foi junta certidão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, com nota de trânsito em julgado, que confirmou a sentença proferida na acção anulação de venda n.º 1185/08.3 BELRA, que absolveu da instância os demandados naqueles autos, julgando procedente a exceção de ilegitimidade do aqui reclamante – vejam-se os nºs 34 a 37 do probatório.
Feita esta breve introdução, essencial para a melhor compreensão daquilo que vier a ser decidido, importa agora apreciar o presente recurso.

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a presente reclamação, mantendo o acto reclamado na ordem jurídica, e em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido, por ter julgado procedente a excepção de ilegitimidade do requerente.

Inconformado, o reclamante veio apresentar recurso da referida decisão alegando que o Tribunal “a quo” não apreciou nenhuma das irregularidades processuais invocadas pela recorrente, entre as quais: O fiel depositário nunca tomou posse da fracção penhorada e vendida nestes autos; nunca foram afixados na Junta de Freguesia quaisquer editais; o recorrente encontra-se identificado com credor com garantia real no PEF (fls. 328 e 329) e nem nessa qualidade foi citado. Do exposto decorre que o tribunal “a quo” não conheceu de questão que deveria ter apreciado, pelo que a Douta Sentença proferida se encontra inquinada com nulidade, nos termos do art° 615°, n° 1 d) do CPC aplicável ex vi art° 2° do CPPT, que expressamente se argui. [conclusões de recurso 1ª a 6ª]
Vem, assim, o recorrente invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
«Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).

Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).»(1)
Revertendo ao caso dos autos, o que o recorrente alega é que o Tribunal “a quo” não apreciou nenhuma das irregularidades processuais por si invocadas.
Ora, conforme supra já referimos, na sentença recorrida julgou-se procedente a excepção de ilegitimidade do recorrente para a acção, mais considerando que a solução dada a esta questão inutiliza a apreciação das restantes (art. 660º/2 do CPC).
Pelo que, quando o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Vem, também, o recorrente alegar que o Tribunal “a quo” julgou erradamente os seguintes pontos da matéria de facto sendo MATÉRIA DE FACTO OMISSA NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA E QUE DEVERIA TER INTEGRADO OS FACTOS DADOS POR ASSENTES, os elencados nas subsequentes conclusões 8 a e 9 a [conclusões de recurso 7 a 10]
Segundo julgamos perceber o recorrente bem invocar erro de julgamento da matéria de facto uma vez que a sentença recorrida omitiu factos que, no seu entender, deveriam ter integrado os factos dados por assentes.
«Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).»
(2)
Revertendo ao caso dos autos, a factualidade que o recorrente pretende aditar (constante das conclusões de recurso 8 e 9) não tem qualquer relevo para a decisão da causa, como veremos mais adiante.
Pelo que temos de concluir que a sentença recorrida não padece do invocado erro de julgamento de facto.

Mais alega o recorrente que deve ser considerado parte legítima [conclusões de recurso 11 a 13]:
c) Porque reside na fracção penhorada e vendida sem o seu conhecimento - atentos os vícios do PEF;
d) Porque, além do mais se encontra reconhecidos no PEF como credor com garantia real sobre tal fracção e NUNCA foi citado - conforme impõe a jurisprudência.

Com o devido respeito, vem o recorrente invocar que deve ser considerado parte legítima como se não houvesse já decisões judiciais transitadas em julgado que contrariam o por si alegado.
Como supra deixámos claro, os presentes autos estiverem suspensos vários anos até prolação das sentenças/acórdãos nos autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA e ação ordinária 2081/08.0TBCLD.
Como é do sobejo conhecimento do recorrente, na acção intentada em 01/09/2008 pelo aqui recorrente no Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, 2ºJuízo, Proc. Nº 2081/08.0TBCLD, em 09/08/2013 foi proferido despacho saneador de onde se extrai a seguinte decisão (cfr. fls. 1054 e sgs. dos autos):
«Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações resulta inequívoco que o A. não adquiriu por usucapião, a fracção autónoma melhor identificada no ponto 14, nos termos do disposto nos artigos 1259º a 1262º, 1287º e 1296º do Código Civil.
Em consequência, improcedem necessariamente os pedidos formulados a título principal em 3. a 6. – a ineficácia das penhoras, hipotecas e aquisição pelos 4ºRR relativamente ao A. e consequente cancelamento das inscrições prediais – porquanto dependiam do reconhecimento do direito de propriedade do A.
V. Decisão
Nestes termos e com estes fundamentos, julgo a acção parcialmente improcedente no que concerne aos pedidos principais de reconhecimento do direito de propriedade, ineficácia das penhoras, hipotecas e aquisição pelos 4ºRR e cancelamento das inscrições prediais e, em consequência, absolvo os RR. dos pedidos

Assim, por decisão judicial transitada em julgado, foi decidido que o reclamante não adquiriu o direito de propriedade, por usucapião, da fracção autónoma em causa nos autos, não tendo sido, portanto, reconhecido o seu direito de propriedade.
Do mesmo modo, improcederam os pedidos formulados a título principal, de ineficácia das penhoras, hipotecas e aquisição pelos 4ºRR relativamente ao A. e consequente cancelamento das inscrições prediais – porquanto dependiam do reconhecimento do direito de propriedade do A., o que como já vimos, não aconteceu.

Também, o aqui recorrente, intentou no TAF de Leiria os autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA, peticionando que:
“a) Seja declarada a anulação da venda da fração descrita sob o n° …..– “AN” da Freguesia da Foz do Arelho, na Conservatória do Registo predial de Caldas da Rainha efetuada na execução fiscal que integra os autos principais do presente incidente;
b) Que seja declarado o direito de propriedade do requerente sobre essa fração, adquirido por usucapião;
c) Bem como ineficácia relativamente ao requerente da venda judicial efetuada nos autos principais e a inoponibilidade ao requerente do ato de registo predial que inscreveu a propriedade da fração vendida nessa execução fiscal a favor do adquirente A….. e M….., casada com aquele no regime da comunhão de adquiridos e ainda das penhoras efetuadas nos autos principais e apensos, devendo ser ordenado o seu levantamento.”
Ora, por Acórdão de 30/01/2014 do TCAS, proferido no Processo nº 6995/13, foi negado provimento ao recurso interposto pelo reclamante e confirmada a decisão recorrida que tinha sido proferida pelo Mmo. Juiz do TAF de Leiria nos autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA, e através da qual julgou verificada a excepção de ilegitimidade do recorrente para a dedução do incidente de anulação de venda no âmbito da execução fiscal nº …..e apensos, o qual corre seus termos no 1º Serviço de Finanças de Leiria, mais determinando a absolvição dos demandados da instância.
Do referido Acórdão extrai-se o seguinte excerto:
«(…) Concluindo, também neste caso o terceiro reivindicante somente tem legitimidade para intervir no processo de execução quando se encontrar munido de decisão judicial que julgue procedente a dita acção de reivindicação. Até lá, carece de legitimidade para intervir na execução, nomeadamente para requerer a anulação da venda.
É esta a situação do apelante no âmbito dos presentes autos. Não deduziu, em tempo, embargos de terceiro, como ele próprio reconhece, e também ainda não se encontra munido de título judicial a reconhecer a alegada propriedade incidente sobre a fracção autónoma vendida no âmbito do processo de execução fiscal nº …..e apensos, pelo que carece de legitimidade para neste intervir para deduzir o presente incidente de anulação de venda, conforme já decidido em 1ª instância.
Conforme excerto supra transcrito, no Acórdão de 30/01/2014 do TCAS, proferido no Processo nº 6995/13(3), disponível em www.dgsi.pt, foi decidido que uma vez que, o ora recorrente, não se encontra munido de título judicial a reconhecer a alegada propriedade incidente sobre a fracção autónoma vendida no âmbito do processo de execução fiscal nº ….. e apensos, carece de legitimidade para neste intervir.
O Acórdão referido transitou em julgado em 12/03/2018, cfr. certidão junta aos autos a fls. 1110, após terem sido proferidos mais três acórdãos, por o recorrente ter deduzido:
- incidente de nulidade processual e nulidade de acórdão – Acórdão do TCAS de 13/11/2014;
- novo incidente no qual argui a rectificação de erros materiais do acórdão datado de 13/11/2014, tal como a nulidade e reforma do mesmo – Acórdão do TCAS de 19/02/2015;
- recurso com fundamento em oposição de acórdãos - Acórdão do Pleno do STA de 21/02/2018.

Ora, não foi debalde que os presentes autos ficaram suspensos aguardando as decisões proferidas nos processos supra nomeados. Conforme despacho proferido a fls. 899, suspenderam-se os presentes autos por se afigurar que as decisões a proferir no processo de anulação de venda e no processo nº 2081/08.0TBCLD influíam decisivamente o destino destes autos, e foi isso que aconteceu.
Deste modo, bem andou a sentença recorrida ao ter julgado procedente a excepção de ilegitimidade do requerente, agora recorrente, pelo que improcede na totalidade o presente recurso.
Face ao agora decidido, encontram-se prejudicadas quaisquer outras questões alegadas.
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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 5 de Novembro de 2020


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[Lurdes Toscano]


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[Maria Cardoso]


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[Catarina Almeida e Sousa]

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(1) Acórdão do TCAS de 30/01/2014, Proc. 06995/13, disponível em www.dgsi.pt.
(2) Idem.
(3) No SITAF encontra-se disponível nos autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA do TAF de Leiria.