Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1242/06.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TARIFAS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
SANAÇÃO VÍCIO
37.º CPPT
Sumário:I-A fundamentação dos atos tributários encontra-se, especificamente, prevista no artigo 77.º, da LGT, representando, outrossim, uma imposição constitucional regulada no artigo 268.º, nº3, a qual garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
II-Só pode admitir-se que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.
III-Não tendo a Câmara Municipal explicado, ainda que minimamente, qual foi o itinerário cognoscitivo e valorativo que determinou a liquidação das tarifas de ligação dos esgotos, não constando das faturas visadas qualquer referência à norma ou quadro jurídico que sustenta a sua liquidação, nem menção ao concreto apuramento da tarifa, não se evidenciando, tão-pouco, qual o valor patrimonial do imóvel, nem qual a taxa que foi aplicada, ter-se-á de concluir que não foi cumprido o dever de fundamentação.
IV-A falta de fundamentação do ato, não é passível de qualquer confusão conceptual com a falta de fundamentação da notificação da liquidação.
V-O artigo 37.º do CPPT, reporta-se apenas à notificação dos atos, visando regulamentar as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos atos notificados, porquanto com base nesse normativo apenas se podem suprir as deficiências da notificação, mas não do ato notificado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I-RELATÓRIO

Serviços Municipalizados de Oeiras e Amadora (SMAS), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P….., s.a., tendo por objeto as liquidações das Tarifas de Ligação de Esgotos, referentes a doze imóveis localizados na freguesia da Cruz-Quebrada, no valor global de € 217.779,20.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


i.Vem o presente Recurso interposto da Sentença de 5 de agosto de 2017 proferida no processo de Impugnação Judicial que correu termos junto da 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.° 1242/06.0 BESNT, e que julgou a Impugnação Judicial deduzida pela Entidade Recorrida contra a liquidação de Tarifa de Ligação de Esgotos procedente e condenou a Entidade Recorrida em custas;
ii.A douta Sentença recorrida concluiu que a liquidação das Tarifas de Ligação de Esgotos cobrada pela ora Recorrente padece de falta de fundamentação, por violação do disposto no artigo 77.°, n.° 2, da Lei Geral Tributária, do artigo 268.°, nº 3, da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 124.° e 125.° do Código de Procedimento Administrativo;
iii. Concluiu, contudo, a douta Sentença que não foi demonstrado o pagamento da Tarifa de Ligação de Esgotos, pelo que não recaia sobre a ora Recorrente o dever de restituir qualquer valor pago, nem o pagamento de juros indemnizatórios;
iv. Sucede, porém, que ficou demonstrado no presente recurso que a Lei Geral Tributária não é aplicável à liquidação e cobrança das tarifas cobradas pelo Município, (cf. Acórdão do STA proferido em 22 de maio de 2002 no processo n.° 26472, disponível em www.dgsi.pt e TCAS proferido no processo n.° 00852/03, em 9 de novembro de 2004);
v.Com efeito, a Tarifa de Ligação de Esgotos não se encontra sujeita ao princípio da legalidade tributária mas apenas à legalidade administrativa, o que desde logo invalida as conclusões alcançadas pela Sentença recorrida quanto à alegada falta de fundamentação da liquidação da Tarifa de Ligação de Esgotos;
vi. Acresce que, contrariamente ao que concluiu a douta Sentença recorrida, a Tarifa de Ligação de Esgotos não padece de vício de falta de fundamentação por violação do disposto no artigo 77.°, da Lei Geral Tributária, do artigo 268.°, nº 3, da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 124.° e 125.° do Código de Procedimento Administrativo;
vii.Desde logo, o Regulamento de Drenagem de Águas Residuais foi publicado através de Aviso n.º 891/97 (2a Série) - AP, publicado a fls. 109 e segts. Do Diário da República - II Série - n.° 156 - Apêndice n.º 56, de 9 de julho de 1997;
viii.Sendo que, o Regulamento de Drenagem de Águas Residuais identifica as leis que definem a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão, tendo sido submetida a apreciação pública nos termos previstos no então artigo 118.° do Código de Procedimento Administrativo;
ix.Acresce que a coberto do disposto no artigo 64.°, nº 1, alínea j), da Lei n.° 169/99, de 18 de setembro, as tarifas de ligação de esgotos são fixadas por deliberação da Câmara Municipal à qual foi dada a publicidade exigida não sendo necessário que o seu valor e as regras de cálculo estejam incluídas no referido Regulamento;
x. Por seu turno, o n.° 3, do artigo 64.° do Regulamento de Drenagem de Águas Residuais estabelece que a tarifa de ligação incide sobre o valor patrimonial dos prédios urbanos e é devida pelos proprietários ou usufrutuários ou quem tenha pela primeira vez inscrever o prédio na matriz predial, ou seja, define a sua incidência subjetiva e objetiva;
xi.Sendo que a Tarifa de Ligação de Esgotos foi fixada em 1% do valor patrimonial constante da matriz, conforme deliberação tomada pela Câmara Municipal de Oeiras no uso da competência que lhe é atribuída pelo artigo 64º, nº 1, alínea j) da Lei n.º 169/99, de 18 de outubro;
xii.Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que o Regulamento de Drenagem de Águas Residuais estabelece os elementos essenciais de que depende a determinação da incidência objetiva da Tarifa de Ligação de Esgotos e do seu sujeito passivo, bem como da fórmula de cálculo da tarifa;
xiii.Ora, tendo em conta que o Regulamento de Drenagem de Águas Residuais define, de forma expressa, os elementos essenciais de que depende a liquidação da Tarifa de Ligação de Esgotos, nomeadamente, a sua incidência subjetiva e objetiva, bem como a fórmula de cálculo daquela Tarifa é evidente que a ora Recorrente cumpriu, escrupulosamente, com o dever de fundamentação a partir do momento em que identificou, nas faturas /recibos emitidas, cada imóvel sobre o qual incidiu a Tarifa de Ligação de Esgotos através do seu número de matriz, bem como o valor final apurado por referência a cada prédio;
xiv.Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que não foi violado o dever de fundamentação previsto constitucionalmente no artigo 268º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos 77.°, n.° 2, da Lei Geral Tributária e no artigo 36º , nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
xv.Ou seja, através dos elementos facultados pela Recorrente, a Entidade Recorrida podia, como aliás, fez identificar os bens imóveis sobre os quais incidiu a Tarifa de Ligação de Esgotos e controlar a legalidade do valor liquidado, na justa medida em que o valor apurado resultava, apenas, da aplicação da taxa, expressamente prevista no Regulamento de Drenagem de Águas Residuais, ao valor patrimonial de cada imóvel;
xvi.Acresce que, mesmo que se entendesse, no que não se concede, que das faturas/recibos emitidos não resultava a fundamentação de facto ou de direito legalmente estabelecida, a Entidade Recorrida não fez uso do disposto no artigo 37.°, n.° 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, não apresentou um pedido de emissão de certidão que contivesse a fundamentação do ato de notificação;
xvii. Ora, em momento algum ficou demonstrado nos presentes autos, por parte da Entidade Recorrida, que esta tivesse feito uso do pedido de emissão de certidão, o que lhe teria permitido - no pressuposto que não se aceita de que desconhecia a fundamentação da liquidação de Tarifa de Ligação de Esgotos - tomar conhecimento da fundamentação e da fórmula de cálculo da referida tarifa;
xviii.Deverá, pois, concluir-se que a não apresentação, por parte da Entidade Requerida, do pedido de emissão de certidão contendo a fundamentação, quer de facto, quer de direito, subjacente ao ato de liquidação de Tarifas de Ligação de Esgotos determinou a sanação do (alegado) vício de falta de fundamentação do ato de notificação da liquidação da Tarifa de Ligação de Esgotos.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO E FUNDADO E, DESTE MODO, REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA EM 5 DE AGOSTO DE 2017, DECRETANDO A IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DEDUZIDA.”


***

O Recorrido apresentou contra-alegações concluindo da seguinte forma:
1ª Improcedem todas as conclusões de recurso, traduzindo-se o ataque à decisão sub judice numa mera reedição dos fundamentos avançados junto do Tribunal a quo em sede de contestação, aos quais a sentença recorrida deu resposta detalhada, clara e acertada, com total apoio legal, doutrinal e jurisprudencial.

2ª O Tribunal a quo fez correta interpretação e aplicação dos artigos 268°, n.º 3 da CRP e 77.°, n.°2 da LGT, ao anular os atos de liquidação por vício de forma por falta de fundamentação, pois tais atos não se mostram acompanhados de fundamentação de facto e de direito que habilitem um destinatário normalmente diligente a entender os motivos que no caso concreto levaram à fixação dos valores liquidados pelo Município de Oeiras, da designada "tarifa de ligação" de esgotos.

3ª Uma coisa é fundamentar o ato e outra, diferente, é comunicar os seus fundamentos, sendo a notificação um ato complementar (uma garantia acessória) que assegura a plena eficácia do ato comunicado, cfr., entre outros, os ac. do STA, de 03.05.2006, no Proc. n.° 154/06, de 26.09.2007, no Proc. n.° 4/07, de 24.01.2002 no Proc. n.º 26.636, de 08.03.2001, no Proc. Nº 25955, todos in www.dgsi.pt.. sendo certo que no caso dos autos, não está em causa nenhum vício imputável à notificação por falta de elementos informativos, estando em causa, isso sim, um vício de forma que afeta o próprio ato notificado.

4ª Contrariamente ao que defende a recorrente, o artigo 37º do CPPT, não contempla qualquer ónus ou dever jurídico a cargo do sujeito passivo, sendo certo que "se na notificação foi omitida a indicação da fundamentação do acto, o não uso da faculdade prevista naquele art. 37.° apenas tem como consequência que o destinatário perdeu o direito a ser notificado dessa fundamentação, mas não provoca a perda do direito a que o acto notificado esteja fundamentado é a invocar o respectivo vício de falta de fundamentação." – cf. por todos, JORGE LOPES DE SOUSA, Ob. cit, p. 350, e Ac. do STA, 21-11-2012, no Proc. n.° 0736/12, in www.dgsi.pt.

5ª Caso porventura este douto tribunal venha a conceder provimento ao recurso jurisdicional, requer-se, a título subsidiário e nos termos do citado artigo 636.°, n.° 1 do CPC, aplicável ex vi art.° 2° CP PT, que o Tribunal conheça dos fundamentos de impugnação em que a Impugnante decaiu.

5.1. Contrariamente ao que decidiu o tribunal a quo, os atos de liquidação impugnados violam o principio da legalidade ou enfermam de erro nos pressupostos da sua aplicação, devendo ser anulados, na medida em que cobram tarifas de ligação de esgotos que, em abstrato, visam custear a ligação dos ramais domiciliários ao sistema público de esgotos, quando no caso concreto inexiste qualquer prestação ou serviço de ligação por parte do Município que os justifique.

5.2. A entender-se que a citada tarifa não visa custear a execução da ligação dos ramais ao sistema público mas uma realidade diversa (tese expressa pelo Município), o artigo 65.°. do Regulamento Municipal, é ilegal por violar expressamente a Lei das Finanças Locais e por falta de norma habilitante, contrariamente ao decidido na sentença recorrida.

5.3. Se se considerar que a tarifa de ligação de esgotos não visa custear a instalação/execução dos ramais domiciliários, o artigo 65.° do Regulamento de Drenagem de Águas Residuais dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora é formalmente inconstitucional por falta de indicação da norma habilitante, violando o previsto nos arts. 241.° e 112.°, n.° 8 da Constituição.

5.4. Ao contrário do entendimento expresso na decisão recorrida, a tarifa de ligação de esgotos, prevista nos art. 65.° do Regulamento de Drenagem de Águas Residuais dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora não visa custear qualquer prestação ou serviço de ligação suportado por aquele Município, razão pela qual não constitui uma tarifa, mas antes um verdadeiro imposto, pelo que o citado regulamento é formal e organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade fiscal (cfr. art. 103°/2 e 165º//i) da CRP).

5.5. Mesmo que se reconhecesse que a denominada tarifa de ligação de esgotos seria uma verdadeira "taxa", ainda assim e contrariamente ao decidido na douta sentença impugnada, a mesma ofende o princípio da legalidade, pois o valor de liquidação não tem nenhuma relação com a contraprestação proporcionada.

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser Julgado improcedente, com as legais consequências, ou, subsidariamente, a entender-se procedente o recurso, deverá o tribunal nos termos do artigo 636.°, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi art.° 2.º CPPT, conhecer dos fundamentos de Impugnação em que a Impugnante decaiu.”


***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão, tendo em conta a documentação junta aos autos e constante do PAT, bem como a posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:

A) Em 23 de Abril de 2001, o Município de Oeiras emitiu um Alvará de Loteamento, à sociedade F….., Lda., referente a três prédios, entre os quais, o prédio denominado "M…..", da freguesia de Cruz Quebrada/Dafundo, descrito na Conservatória do Registos Predial de Oeiras, sob a ficha n.º ….., inscrito na matriz sob os artigos ….., com a área de 31.890,50 m2, de cujo teor se extrai:

"O requerente obriga-se a (…) proceder previamente à execução de qualquer trabalho de urbanização, à implantação da área de intervenção do loteamento e das infraestruturas principais de acordo com as coordenadas indicadas no projecto aprovado, não podendo efectuar quaisquer trabalhos sem que para o efeito solicite ao Município a verificação da sua implantação através dos serviços respectivos (…), apresentar projecto de sinalização provisória de obra e implementar sua execução após parecer favorável e autorização da CMO e a pedir vistoria a todos os trabalhos elementares tais como: (…)

Assentamento de colectores e suas ligações; (…)

A realização do loteamento fica sujeita às seguintes cláusulas:

1. É autorizada a constituição de 14 lotes de terreno, numerados de 1 a 14, destinados a habitação e equipamento (…)

6. De acordo com a informação nº …..prestada pelos Serviços Municipalizados de Oeiras, deverão ser tidos em consideração os seguintes aspectos:

a) As tampas das câmaras de visita da rede doméstica que atravessa a zona arborizada deverão ficar cerca de 40cm acima da cota do terreno;

b) O troço do colector pluvial PL a PM deverá ser rebaixado, de modo, a permitir a passagem do colector doméstico na rua a sul do loteamento.

O início dos trabalhos deverão ser comunicados aos SMAS para efeito de fiscalização". – cf. Doc. 13, junto pela Impugnante – Alvará de Loteamento n.º 2/01, de fls. 28 a 35

B) Em 25 de Maio de 2004, o Município de Oeiras emitiu um aditamento ao Alvará de Loteamento descrito na alínea precedente, alterando o titular para a Impugnante, P….., S.A., com o NIF n.º ….., a alterando as características dos lotes abrangidos. – cf. Doc. 14, junto pela Impugnante – Aditamento aos Alvará de Loteamento n.º ….., de fls. 36 a 39

C) Em 25 de Novembro de 2004, a Impugnante pagou € 296,79 referente à instalação do ramal de esgotos, por cada um dos lotes 1, 2, 7, 8 e 13 da Quinta ….., no Dafundo. - cf. Docs. 15 a 21, juntos pela Impugnante – Facturas/Recibo, de fls. 40 a 46

D) Em 3 de Maio de 2006, os SMAS emitiram as facturas a seguir referentes à prestação n.º 1, da Tarifa de Ligação de Esgotos de 2006, a pagar entre 2 de Maio e 31 de Julho de 2006, pela Impugnante, P….., S.A., com o NIF n.º …..:
“i. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 1 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 22.822,31;
ii. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 2 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 19.228,30;
iii. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 3 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 19.294,38;
iv. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no B….., Lote 4 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 22.722,21;
v. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 5, na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 14.157,15;
vi. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 6, na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 14.157,15;
vii. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 7 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 22.155,84;
viii. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 8 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 18.650,45;
ix. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 9 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 18.691,26;
x. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 10 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 21.997,64;
xi. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 11 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 14.186,41;
xii. Factura/Recibo n.º ….., referente ao prédio sito no ….., Lote 12 na Cruz-Quebrada, com o artigo matricial ….., no valor de € 14.183,75. – cf. Docs. 1 a 12, juntos pela Impugnante – facturas/recibo, de fls. 16 a 27

E) Os documentos que serviram de suporte ao lançamento da tarifa de ligação de 2006, dando origem às facturas descritas na alínea precedente, foram, relativamente a cada um dos prédios:
i. Dados de cadastro central;
ii. Detalhe de prédio urbano, contendo além da sua localização e propriedade, o valor patrimonial do prédio;
iii. Impressão de "mais Informação para Matriz de prédio em regime de Prop. Horiz.";
iv. Lista de Prédios, contendo todas as fracções e soma dos respectivos valores patrimoniais tributários. – conteúdo integral do PAT apenso


*

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se encontra provado o pagamento das liquidações impugnadas, alegado nos artigos 5.º e 10.º da petição inicial.

Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.”


***

Ficou, igualmente, consignado que a fundamentação da matéria de facto, efetuou-se “[c]om base nos documentos e informações constantes do processo, conforme indicado junto a cada alínea.

Quanto ao facto não provado, cumpre referir que no artigo 5 º, a Impugnante remete a prova de tal facto para os documentos 13 e 14 que junta. Porém, tais documentos correspondem ao Alvará de Loteamento e respectivo aditamento, emitidos antes da liquidação das tarifas em causa. Tais documentos não têm qualquer relação ou relevância para a prova do facto em análise.

Por outro lado, a respeito do mesmo facto, no artigo 10 º a Impugnante remete para o processo instrutor. Porém, dos PAT apensos aos autos também não consta qualquer referência ao pagamento, mas tão somente às características do imóvel a que respeita cada uma das liquidações impugnadas.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de Tarifas de Ligação de Esgotos, referentes a doze imóveis localizados na freguesia da Cruz-Quebrada, no valor global de €217.779,20.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, ao ter decidido pela falta de fundamentação dos atos tributários.

Procedendo o aludido erro de julgamento, importa apreciar as questões que foram julgadas prejudicadas pelo Tribunal a quo, concretamente, da incompetência do SMAS para a liquidação das taxas ou tarifas, em violação do artigo 18.º, nº 1 da LGT e a inconstitucionalidade dos tributos por desproporcionalidade, donde, violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade consagrados nos artigos 266.º, nº2 da CRP e 5.º e 6.º do CPA.

In fine, sendo caso disso, atenta a ampliação do objeto do recurso[1], importa conhecer das questões nas quais a Recorrida decaiu, concretamente:
Ø Ilegalidade da liquidação da tarifa por erro nos pressupostos de facto por não corresponder à prestação de qualquer serviço prestado;
Ø Ilegalidade da liquidação da tarifa por violação de lei, em concreto do artigo 20.º da Lei das Finanças Locais;
Ø Ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 65.º do RDAESMASO.

Apreciando.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao ter decidido que a decisão recorrida padece de falta de fundamentação, por violação do disposto no artigo 77.°, n.° 2, da LGT, porquanto o aludido diploma legal não é aplicável à liquidação e cobrança das tarifas cobradas pelo Município.

Com efeito, aduz que a Tarifa de Ligação de Esgotos não se encontra sujeita ao princípio da legalidade tributária, mas apenas à legalidade administrativa, o que per se invalida as conclusões alcançadas pela decisão recorrida quanto à alegada falta de fundamentação da liquidação da Tarifa de Ligação de Esgotos.

De todo o modo, sustenta que, contrariamente ao que ajuizado pelo Tribunal a quo, a Tarifa de Ligação de Esgotos não padece da arguida falta de fundamentação, e isto porque, o Regulamento de Drenagem de Águas Residuais publicado através de Aviso n.º 891/97 (2ª Série) não só identifica as leis que definem a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão, como foi submetido a apreciação pública, nos termos previstos no então artigo 118.° do CPA.

Mais sublinhando que, a coberto do disposto no artigo 64.º, n.º 1, alínea j), da Lei n.° 169/99, de 18 de setembro, as tarifas de ligação de esgotos são fixadas por deliberação da Câmara Municipal à qual foi dada a publicidade exigida não sendo necessário que o seu valor e as regras de cálculo estejam incluídos no referido Regulamento.

Sendo certo que, através dos elementos facultados pela Recorrente, a Entidade Recorrida podia, como aliás, fez identificar os bens imóveis sobre os quais incidiu a Tarifa de Ligação de Esgotos e controlar a legalidade do valor liquidado, na justa medida em que o valor apurado resultava, apenas, da aplicação da taxa, expressamente prevista no Regulamento de Drenagem de Águas Residuais, ao valor patrimonial de cada imóvel.

Logo, conclui que não foi violado o dever de fundamentação previsto constitucionalmente no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, bem como nos artigos 77.°, n.° 2, da LGT e no artigo 36.º, n.º2, do CPPT

In fine, e à cautela, sublinha que mesmo que se entendesse que das faturas/recibos emitidos não resultava a fundamentação de facto ou de direito legalmente estabelecida, a Entidade Recorrida não fez uso do disposto no artigo 37.°, n.° 1, do CPPT, pelo que a não apresentação, por parte da Entidade Requerida, do pedido de emissão de certidão contendo a fundamentação, quer de facto, quer de direito, subjacente ao ato de liquidação de Tarifas de Ligação de Esgotos determinou a sanação do aludido vício de falta de fundamentação do ato de notificação da liquidação da Tarifa de Ligação de Esgotos.

Dissente a Entidade Recorrida, defendendo o acerto da decisão recorrida, visto que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação dos artigos 268.°, n.º 3 da CRP, e 77.°, n.°2 da LGT, ao anular os atos de liquidação por vício de forma por falta de fundamentação, porquanto tais atos não se mostram acompanhados da fundamentação de facto e de direito que habilitem um destinatário normalmente diligente a entender os motivos que, no caso concreto levaram à fixação dos valores liquidados pelo Município de Oeiras.

Vejamos, então, se a decisão recorrida incorreu no erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente.

Comecemos por ter presente o juízo de razão em que assentou a procedência do vício de falta de fundamentação.

O Tribunal a quo convocando os normativos 268.º, nº 3 da CRP, 124.º e seguintes do CPA e 77.º da LGT conclui que, das faturas que consubstanciam a liquidação, apenas resulta a localização e o valor final apurado para cada prédio, não constando, “nem por remissão, qual a norma de incidência, qual a taxa ou o valor tributável, limitando-se a identificar o tributo, o imóvel sobre o qual incide e o valor final apurado”, sublinhando, nesse particular, que tais elementos se reputam de essenciais, desde logo, porque o valor não é fixo.

Mais adensando que “[n]ão consta sequer do PAT apenso aos autos, onde o único elemento adicional referente a cada prédio, e consequentemente a cada acto de liquidação é o seu valor patrimonial tributário e áreas. De qualquer modo, mesmo da consulta ao PAT, permanece desconhecido a forma de apuramento das tarifas liquidadas, designadamente as normas ao abrigo das quais foram liquidadas e as respectivas taxas, não sendo possível à Impugnante confirmar se o seu valor se encontra devidamente apurado.”

Concluindo, assim, que não podem manter-se as liquidações impugnadas, padecendo do vício da falta de fundamentação, cominando-as de anulabilidade.

E, de facto, nenhuma censura merece o juízo de entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, porquanto os atos impugnados padecem, efetivamente, de falta de fundamentação.

Expliquemos porque assim o entendemos.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” [2].

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente[3].

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto[4]”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09)[5]” (destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

Atentando no teor dos atos impugnados, identificados na alínea D), do probatório -não impugnada- resulta que os mesmos procedem, em epígrafe, à identificação do tributo com a denominação de “Tarifas de Ligação de Esgotos”, ao ano de liquidação, e bem, assim, ao imóvel em questão, constando como elementos identificativos a morada e o artigo matricial.

Contemplando, depois, o valor total da fatura/recibo e o respetivo prazo legal de pagamento.

Ora, face ao supra aludido dimana inequívoco que dos atos em contenda não consta qualquer referência à norma ou quadro jurídico que sustenta a liquidação das tarifas e bem assim qualquer evidência, expressa ou implícita, ao seu modo de cálculo. De sublinhar, neste particular, que não consta qualquer informação no verso, não resultando, igualmente, que as mesmas tenham sido acompanhadas de qualquer elemento identificativo, aliás factualidade e questão, nem tão-pouco, alegada pela Impugnante, ora, Recorrente.

É certo que, como visto, a Recorrente aduz que as tarifas não estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária, apenas ao da legalidade administrativa, não podendo, desde logo, convocar-se o artigo 77.º da LGT, porém o aludido entendimento não pode lograr provimento, não só porque a sujeição ao aludido princípio não permite extrapolar no sentido propugnado pela Recorrente, como a LGT é, efetivamente, aplicável às liquidações em apreço.

Clarificando.

Como sustenta o Aresto deste Tribunal, datado de 9 de novembro de 2004, proferido no âmbito do processo nº 00852/03, a propósito das tarifas em análise “Como simples taxa, o tributo não está sujeito ao princípio constitucional da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização legislativa do Parlamento (arts. 106.° n° 2 e 168.° n° 1 al. i) da CRP em vigor ao tempo do regulamento municipal)”, mas a verdade é que tal circunstância em nada influi na densidade de fundamentação formal.

Com efeito, tal alegação apenas releva para efeitos de aferição de competência normativa, como claramente enuncia o Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 11436/06, de 28 de novembro de 2006, no qual se enuncia que: “As tarifas apenas estão sujeitas ao princípio da legalidade administrativa e não também ao da legalidade tributária pelo que, embora nada obste a que a Câmara proponha à Assembleia um regulamento sobre essa matéria, é aquele órgão que detém a competência normativa, nada impedindo que a exerça sem recurso à Assembleia.”

Por outro lado, as tarifas têm, indiscutivelmente, natureza tributária porquanto devem considerar-se verdadeiras taxas, como repetidamente tem vindo a afirmar a jurisprudência do STA, designadamente, no Aresto do Pleno, proferido no processo nº 15/12, datado de 10 de abril de 2013, e no processo nº 244/16, datado de 31 de março de 2016.

Como doutrina Jorge Lopes de Sousa [6]“ [a] denominada taxa ou tarifa de ligação à rede e conservação de esgotos ou de saneamento, a SCT tem entendido que se está perante uma taxa, tendo natureza tributária” logo, inversamente ao propugnado pelo Recorrente, aplica-se a LGT.

De todo o modo, e não obstante o exposto, sempre se dirá que o Tribunal a quo, não se limitou a invocar o artigo 77.º da LGT, fundando, outrossim, o seu juízo de entendimento na CRP e no CPA.

É certo, outrossim, que sufraga nas suas alegações de recurso a propósito da falta de convocação do respetivo quadro legal que o Regulamento de Drenagem de Águas Residuais identifica as leis que definem a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão, tendo sido submetida a apreciação nos termos 118.º do CPA, e que face ao consignado no artigo 64.º, nº1, alínea j), da Lei nº 169/99, de 18 de setembro as tarifas são fixadas por deliberação da Câmara Municipal à qual foi dada publicidade, não carecendo, por isso, que o seu valor e as regras de cálculo estejam incluídas no Regulamento, mas a verdade é que tais alegações em nada contendem com o decidido pelo Tribunal a quo, porquanto atentando no teor das faturas/liquidações em análise em nenhum momento se fica a saber em que preceito, disciplina jurídica, princípio geral ou quadro normativo se apoia a Câmara Municipal para a sua liquidação nem, tão-pouco, o modo de apuramento, dever que, expressamente, lhe incumbia.

Clarificando, com o devido pormenor.

De facto, in casu, encontramo-nos perante Tarifas de Ligação de Esgotos respeitantes aos anos de 2006, as quais, constituindo receita dos municípios, foram criadas por deliberação da Assembleia Municipal de Oeiras, datada de 22 de abril de 1997 e consagrada no Regulamento de Drenagem de Águas Residuais dos SMAS de Oeiras e Amadora, com entrada em vigor no dia seguinte à sua publicação no Diário da Republica, através do Aviso n.º 891/97 (II série), apêndice n.º 56, II série, n.°156 de 9 de julho de 1997.

Resultando do aludido Regulamento, mormente, da interpretação conjugada dos normativos 64.º a 69.º que a conceção desta tarifa se prende com encargos de instalação das redes de saneamento, sendo liquidada e cobrada uma só vez, aquando da ligação do prédio ao sistema de drenagem residual, e da responsabilidade de quem procede à inscrição do prédio na matriz.

Mais se retirando, no concernente à fórmula de cálculo da percentagem da tarifa de ligação, que compete ao Município, a fixação das tarifas e os preços da prestação de serviços ao público pelos serviços municipais ou municipalizados, conforme regulamentado na Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, concretamente no artigo 64.º, n.º 1 al. j), e já se encontrava anteriormente consagrado na Lei n.º 100/84, de 29 de março.

Sendo que essa mesma percentagem resulta da Lei e estava plasmada no artigo 12.º, nº2 do Decreto-Lei n.º 158/70 de 13 de abril, o qual referenciava que “a taxa de ligação não poderá exceder 10% do rendimento coletável do prédio", tendo a Câmara Municipal de Oeiras, em reunião ordinária de 19 de dezembro de 1990, aprovado a percentagem referente a esta tarifa em 0,7 % do valor patrimonial do imóvel.

Ora, face ao supra expendido e se, como visto, as alegações expendidas pela Recorrente concatenadas com a base legal não padecem de erro na sua enunciação, a verdade é que em nada permitem afastar a necessidade de indicação de base legal, nem que seja uma genérica evidência ao Regulamento, ainda que sem específica densificação do artigo em que se consubstancia a tarifa. Note-se, ademais, que nem, tão-pouco, é feita qualquer fundamentação por remissão.

Como doutrina o STA, no Acórdão proferido no processo nº 01674/13, datado de 12 de março de 2014:

“[a]inda que se pudesse supor ou conjecturar que essa taxa agravada resultava da aplicação de norma aprovada pelo município no exercício do seu poder regulamentar próprio, designadamente da sua Tabela de Taxas e Licenças, sempre se imporia a referência ao concreto diploma legal aplicado, (…) pelo que sempre seria essencial, para a devida fundamentação do acto, a referência expressa e explícita ao concreto diploma que suporta a liquidação.” (destaques e sublinhados nossos).

Pelo que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, mormente, no ponto xiii) das suas conclusões, não é pelo facto do Regulamento de Drenagem de Águas Residuais definir os elementos essenciais de que depende a liquidação da tarifa de ligação de esgotos, e de as faturas contemplarem, tão-só, a identificação do imóvel através do seu número da matriz, bem como o valor final apurado por referência a cada prédio, que se pode concluir que foi cumprido o dever de fundamentação.

É certo que, relativamente à fundamentação de direito, o STA “tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível[7].”

Contudo, só pode admitir-se que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram[8].

Noutra formulação, tal possibilidade apenas se deve admitir em situações excecionais, das quais, se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objetivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo ato e bem assim que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra[9].

Ora, no caso vertente, os elementos constantes dos autos não permitem, de todo, concluir que estas condições se encontram reunidas.

Perante os atos impugnados um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos mesmos, já devidamente densificado anteriormente, não fica em condições de saber as razões de ordem legal pelas quais se decidiu daquela forma.

Ademais, in casu, nas faturas em apreço não é feita menção ao concreto apuramento da tarifa, não se evidenciando, tão-pouco, qual o valor patrimonial do imóvel, nem qual a taxa que foi aplicada, elementos, estes, absolutamente vitais para a defesa cabal do sujeito passivo.

Ora, não tendo a Câmara Municipal explicado, ainda que minimamente, qual foi o itinerário cognoscitivo e valorativo que determinou a liquidação das tarifas a que procedeu, não cumpriu o objetivo que subjaz ao dever de fundamentação, primacialmente consignado nos nºs 3 e 4 do artigo 268.º da CRP, consubstanciado, desde logo, na tutela efetiva e na transparência.

Com efeito, e como de forma impressiva se sintetiza no acórdão proferido pelo STA no âmbito do processo nº 871/08, datado de 07 de janeiro de 2009:

 “o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, constitucionalmente reconhecido, não fica satisfeito com a mera possibilidade de os interessados os poderem impugnar judicialmente, antes se exigindo que seja proporcionada àqueles a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram, isto é, trata-se de um direito à impugnação contenciosa com a máxima eficácia.(…) Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”.

De relevar, in fine, que não logra provimento a argumentação da Recorrente concatenada com o artigo 37.º do CPPT, e isto porque, como bem evidenciou a decisão sindicada, a falta de fundamentação do ato, não é passível de qualquer confusão conceptual com a falta de fundamentação da notificação da liquidação.

O artigo 37.º do CPPT cuja epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, reporta-se apenas à notificação dos atos, visando regulamentar as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos atos notificados, porquanto com base nesse normativo apenas se podem suprir as deficiências da notificação mas não do ato notificado[10].

Com efeito, a sanação de deficiências prevista no preceito legal 37.º do CPPT, aplica-se aos casos em que o próprio ato contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respetiva notificação, não podendo, por isso, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, extrair-se do não uso da faculdade prevista no n.° 1 do artigo 37.° do CPPT quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do ato notificado[11].

No caso vertente, as liquidações das tarifas notificadas não contêm, como visto, a fundamentação, pelo que se está perante uma falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito, do próprio ato, e não apenas perante uma deficiência de notificação de fundamentação que constasse do ato, e só esta podia ser suprida pela faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT.

Conclui-se, assim, que os atos impugnados enfermam, efetivamente, de vício de forma, por falta de fundamentação, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, ser confirmada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 08 de outubro de 2020


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

________________________
[1] Não tendo os Recorridos legitimidade para interpor recurso já que o resultado final lhes foi integralmente favorável, podem ao abrigo do artigo 636.º do CPC, proceder à ampliação do âmbito do recurso.
[2] cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
[3] neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[4] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[5] Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
[6] CPPT anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 18 ao artigo 16.º, pp. 235, 236.
[7] Entre tantos outros, os Vide, designadamente, Acórdãos proferidos pelo STA nos processos n.º 36.197, 32.694 e 48071, datados de 27.02.1997, 17.05.1998, e 28.02.2002, respetivamente
[8] Cfr. Aresto do STA, proferido em Plenário, no processo n.º 27387, datado de 25.03.1993.
[9] Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 1835/02, de 27.05.2003.
[10] Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos, do STA, processo nº 0155/07, de 06.06.2007, TCAN, processo nº 00447/09, de 23.01.2020, TCAS, processo nº 08954/15, de 29.06.2016.
[11] Vide Aresto do STA, proferido no processo nº 0736/12, de 21.11.2012.