Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2442/10.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPOSTO DE SELO;
CONTRATO DE SUPRIMENTO;
CONTRATO DE MÚTUO.
Sumário:I.O contrato de suprimento societário encontra-se previsto e regulamentado a propósito das sociedades comerciais por quotas, mas, por via analógica, é possível a sua existência no âmbito das sociedades anónimas.
II.A noção legal de contrato de suprimento mostra-se consagrada no artigo 243.º, n.º1 do Código das Sociedades Comerciais, que o densifica como sendo « o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência».
III.E, segundo o nº 2 e 3 dessa mesma disposição legal, constitui índice do carácter de permanência, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja tal estipulação contemporânea da constituição do crédito ou posterior a esta, e a não utilização da faculdade de exigir o reembolso do crédito à sociedade durante pelo menos um ano a contar da sua constituição.
IV. Assim, provado que seja um destes índices, há que presumir o carácter de permanência e, consequentemente, a ocorrência de um contrato de suprimento, presunção que aproveita a quem precise de provar que foi esse o contrato celebrado (cfr. artigo 350.º do Código Civil).
V. Estes índices ou presunções legais de permanência são ilidíveis e o contrato de suprimento não exige qualquer forma especial e pode ser celebrado, salvo convenção em contrário, sem necessidade de prévia deliberação dos sócios (cfr. artigos 243.º, n.º6 e 244º. n.º3 do Código das Sociedades Comerciais).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
I.........., S.A. recorre para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada contra a liquidação adicional de Imposto do Selo, referente ao exercício de 1999, no montante de 279.950,32€, e respectivos juros compensatórios, no valor de 73.326,33€, o que perfaz a quantia total de 353.276,75€.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«V. DAS CONCLUSÕES

130.°

Face ao supra exposto, entende a ora Recorrente apresentar, de forma breve, as conclusões que se podem retirar dos argumentos/fundamentos expendidos, através dos quais considera ter conseguido demonstrar a propriedade do procedimento adoptado na matéria em apreço e, bem assim, a manifesta ilegalidade de que enferma a liquidação adicional de Imposto do Selo e de juros compensatórios de que foi objecto.

Assim:

• Manifesta ilegalidade do procedimento tributário desenvolvido, porquanto, de acordo com os mais elementares princípios administrativo-tributários (previstos na CRP, no CPA e, mais especificamente, na LGT), a Autoridade Tributária deveria prosseguir o interesse público, sem olvidar os direitos dos contribuintes e, bem assim, o princípio basilar da segurança jurídica;

• Com efeito, a Autoridade Tributária não deve atuar na relação jurídico-tributária como parte, devendo, antes, na prossecução do interesse público desenvolver todos os esforços para que a justiça tributária seja atingida;

• Ora, estando precludido o prazo de caducidade de 4 anos, previsto no artigo 45.° da LGT, do direito a liquidar tributos por parte da Autoridade Tributária no caso sub judice, deveria esta ter reconhecido tal situação, determinando, em consequência a anulação da liquidação adicional em apreço, e não procurar, através de fundamentação/argumentação de cariz algo questionável, prolongar a querela com o contribuinte;

• Acresce ainda salientar que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo uma vez que considerou datas, para efeitos do cálculo da verificação da caducidade, distintas das que o devia ter feito, como foi demonstrado, o que implica necessariamente a preclusão do referido prazo para ambos os factos tributários

• Para além da questão prévia exposta (caducidade), a qual, sem margem para dúvidas deve determinar a anulação de ambas as liquidações adicionais de IS referentes a 1999, entende a ora Recorrente que, caso assim não entenda a Administração Tributária (o que apenas em termos teóricos/académicos se admite), o procedimento por si adoptado não enferma de qualquer ilegalidade;

• Com efeito, a ora Recorrente demonstrou a total inexistência do requisito de uma participação mínima para a concessão de suprimentos por um acionista e, bem assim, a manifesta incoerência dos argumentos aduzidos na Sentença proferida;

• Na verdade, a douta Sentença desconsiderou a integração de ambas as sociedades num grupo de empresas, bem como que a dita participação de 1% apenas deixou de existir com a liquidação da sociedade residente para efeitos fiscais na Irlanda,

• e, sobretudo que, à data dos factos a norma do Código do Imposto do Selo não previa o requisito da detenção de 10% para que fosse possível beneficiar da isenção deste imposto a concessão de financiamentos entre sociedades (requisito que só foi introduzido no dito Código muito tempo depois, sem que o legislador fiscal tivesse dado qualquer carácter interpretativo a esta alteração);

TERMOS EM QUE DEVE O RECURSO APRESENTADO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA E CONSEQUENTEMENTE SEJA DETERMINADA:

a) A anulação da liquidação adicional de IS subsistente ao deferimento parcial da Sentença proferida e correspondentes juros compensatórios;

b) A indemnização por manutenção indevida da garantia bancária n.° ......... (melhor identificada nos autos), prestada em 10 de Maio de 2004, nos termos prescritos na legislação aplicável.»

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A Fazenda Pública regularmente notificada do recurso interposto, não apresentou contra-alegações.
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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os Vistos dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir,

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) , sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:

(i) Caducidade do direito à liquidação;

(ii) Qual a natureza jurídica dos financiamentos, que foram prestados à recorrente, pela sócia «J........, Ltd.», sociedade residente na Irlanda, suprimentos ou mútuos?

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A) Em 27-08-1999, a entidade J........ (2) Ltd. concedeu um financiamento à sociedade Impugnante, I.........., S.A., no montante de 3.925.000.000$00 (três mil, novecentos e vinte e cinco milhões de escudos), com pagamento de juros trimestrais postecipados, em 30 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 30 de dezembro - cf. relatório da acção de inspecção de fls. 181 e seguintes do PAT apenso aos autos em suporte físico e documento de fls. 192 do PAT;

B) Em 01-10-1999, a entidade J........ (2) Ltd. concedeu um financiamento à sociedade Impugnante I..........,S.A., no montante de 7.300.000.000$00 (sete mil e trezentos milhões de escudos), com pagamento de juros trimestrais postecipados, em 30 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 30 de dezembro - cf. citado relatório da acção de inspecção e documento de fls. 193 do PAT;

C) Os financiamentos referidos em A) e B) não foram objecto de contrato escrito - facto não controvertido;
D) A entidade J........ (2) Ltd., referida nas alíneas A) e B), tem sede na Irlanda, e não tem qualquer estabelecimento em Portugal - cf. fls. 178 e 194 do PAT, apenso aos autos, em suporte físico;
E) A entidade J........ (2) Ltd., à data de propositura da presente impugnação judicial, detinha 1% do capital social da Impugnante I.........., S.A. - cf. declaração de fls. 46 do PAT apenso aos autos em suporte físico;
F) Em cumprimento da ordem de serviço n.° 85 768, de 12-06-2003, os serviços de inspecção tributária da AT procederam a uma acção de inspeção à contabilidade da Impugnante, que teve início em 30-09-2003, e incidiu sobre o ano de 1999 e que incidiu, entre outros Impostos, sobre o Imposto do Selo - cf. citado relatório da acção de inspedção.
G) A Impugnante foi notificada do início da acção de inspeção em 20-08-2003 - facto não controvertido;
H) Em 03-11-2003, foi elaborado Relatório da Acção de Inspecção, referida em F), donde consta, com interesse para os autos, o seguinte:
(…)
II - Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
A) Credencial e período em que decorreu a acção
A ordem de serviço suporte à presente inspecção é a n.° 85 768 de 12/06/2003 com despacho de 08/08/2003, tendo a mesma sido iniciada em 30/09/2003 e concluída a 10/10/2003;
B) Motivo, âmbito e incidência temporal
A presente acção pretende averiguar da correcta tributação dos rendimentos constantes na Mod. 130 de 1999 - Juros - pagos pela I........, S.A. à empresa J........ (2) com sede na Irlanda - pagamentos a não residentes.
(...)
- Imposto Selo
Conforme já foi descrito, os rendimentos objecto de análise - juros pagos a não residentes - dizem respeito a um financiamento contraído pela I........, S.A., junto da J........ (2) (...).
O financiamento não foi formalizado mediante contrato escrito, contrariando o disposto no art.° 1443.° do Código Civil que determina que “O contrato de mútuo de valor superior a 20 000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública... ”.
Não obstante a não formalização do contrato de mútuo, verifica-se estar o mesmo sujeito a Imposto de Selo nos termos do art.° 1.° do Regulamento do Imposto de Selo, à taxa de 0,5% (art.° 54.° da Tabela Geral do Imposto Selo), sendo o encargo da conta do beneficiário do crédito.
O montante sujeito a Imposto de Selo é o referente ao empréstimo contraído durante o exercício de 1999 - Anexo 1 fls. 4 e 5, de acordo com o seguinte quadro:

Montante do empréstimo contraído em euros
Data em que foi contraído o empréstimo
Taxa de IS =0,5%
19 577 817,46
27/08/1999
97889,09
36 412 246,49
01/10/1999
182061,23
Total 55 990 063,95
(...) - cf. citado relatório da acção inspectiva.
I) Em 07-11-2003, foi remetido à ora Impugnante o ofício n.° 024017, subscrito pela Diretora de Finanças de Lisboa, sob o assunto “Notificação das conclusões resultantes da acção de Inspecção Tributária (C/Correcções)”, onde consta o seguinte:
“Fica V.ªEx.a, por este meio notificado nos termos do art.° 61.°do RCPIT do teor do(s) despacho(s) que recaiu(iram) sobre a acção Interna/Externa de Inspecção Tributária, ao(s) exercício(s) de 1999.
Os factos, motivos, fundamentos e bem assim os critérios e cálculos, expressamente desenvolvidos no(s) Relatório/Doc.(s) de Correcção, que faz(em) parte integrante da presente notificação, serve(em) de fundamentação para todas as liquidações que vierem a ser efectuadas em resultado da presente acção inspectiva.
A(s) liquidação(ões) associada(s) a esta(s) correcção(ões) será(ão), a breve prazo, notificada(s) pelos serviços competentes com a indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação. (...)”
- cf. fls. 19 e seguintes do PAT apenso aos autos em suporte físico;
J) Em 07-11-2003, a Impugnante recebeu o ofício referido em I) - cf. certidão de notificação, de fls. 18 do PAT apenso aos autos em suporte físico;
K) Em 16-12-2003, na sequência das correcções efetuadas na acção de fiscalização referida em F), a Impugnante foi notificada para pagar, no prazo de 30 dias, Imposto do Selo no valor de € 279.950,32, referente ao ano de 1999 e juros compensatórios no valor de € 73.326,33 -cf. mandado de fls. 13 do PAT, apenso aos autos em suporte físico;
L) Inconformada, em 27-02-2004, a Impugnante apresentou, na Repartição de Finanças - 2.° Bairro de Lisboa, reclamação graciosa contra o acto de liquidação referido em K), alegando que os empréstimos que estão na base da liquidação adicional de Imposto do Selo são suprimentos e não mútuos, e que a referida liquidação adicional foi efectuada depois de decorrido o prazo de caducidade - cf. articulado de fls. 2 e seguintes do PAT apenso aos autos em suporte físico;
M) A reclamação graciosa referida em L) foi indeferida, por despacho do Director de Finanças Adjunto, datado de 23-02-2005 - cf. decisão de fls. 115 do PAT apenso aos autos em suporte físico;
N) Em 06-04-2005, a Impugnante apresentou recurso hierárquico, sindicando o indeferimento da reclamação graciosa referido em M) - cf. articulado de fls. 83 e seguintes do PAT apenso aos autos em suporte físico;
O) O recurso hierárquico referido em N) foi indeferido - cf. decisão de fls. 296 e seguintes do PAT apenso aos autos em suporte físico;
MAIS SE PROVOU QUE:
P) Do pacto social da Impugnante I.........., S.A., consta o seguinte, com interesse para os autos:
(…)
ARTIGO TERCEIRO
A Sociedade tem por objecto social a compra, venda e gestão, incluindo locação, sublocação, exploração ou cessão total ou parcial de imóveis destinados à actividade de supermercados ou hipermercados e outras formas de distribuição.
(...)
ARTIGO OITAVO
A transmissão das acções é livre.
(...)
ARTIGO DÉCIMO
Um - Os accionistas ficam obrigados a entrar para a Sociedade, a título de prestações acessórias, com contribuições em dinheiro até ao montante de cinquenta mil milhões de escudos, nos termos a seguir indicados.
Dois - A exigibilidade das prestações acessórias, que poderá ocorrer por uma ou mais vezes, depende sempre de deliberação do Conselho de Administração que fixe o montante tornado exigível, o acionista obrigado àquela prestação e o prazo de realização da mesma, o qual não poderá ser inferior a 15 (quinze) dias a contar da comunicação aos sócios.
Três - Para o cálculo do montante da obrigação vigente para efectuar prestações acessórias nos termos dos números anteriores não serão computadas as prestações restituídas.
Quatro - As contribuições efectuadas pelos sócios nos termos do presente artigo não vencerão juros e serão restituíveis quando e nos termos que venham a ser deliberados pelo Conselho de Administração da Sociedade, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
Cinco - As prestações efectuadas só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal.
Seis - As prestações efectuadas não podem ser restituídas depois de declarada a falência da Sociedade.
Sete - Decorridos cinco anos sobre a data da realização da prestação sem que o Conselho de Administração tenha deliberado a respectiva restituição, poderá o sócio requerer a sua restituição, devendo, para o efeito, interpelar a Sociedade, a qual, no prazo de sessenta dias contados dessa comunicação, deverá proceder à restituição requerida, caso esta possa ser efectuada com observância do disposto nos números 5. e 6. supra.
Oito - Caso não seja possível a restituição nos termos do número anterior, a Sociedade deverá comunicar o facto ao sócio, devendo proceder a essa restituição logo que a mesma seja possível nos termos deste artigo.
Nove - Os sócios poderão efectuar suprimentos à Sociedade sem necessidade de prévia deliberação da Assembleia Geral (sublinhado nosso).
(-)”
- cf. pacto social a fls. 212 a 220 do PAT apenso aos autos em suporte físico;
Q) A Impugnante procedeu à prestação da garantia bancária n.° ........., no valor de € 461.590,74, prestada em 10-05-2004, e reforçada em 12-062012, em € 156.012,82, por exigência do órgão de execução fiscal - Serviço de Finanças de Lisboa 2 -, perfazendo a garantia o montante global de € 617.603,56 - cf. fls. 292 dos autos em suporte físico.

4.3.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
4.4.
MOTIVAÇÃO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PAT que não foram impugnados (artigos 74° e 76° n° 1 da LGT e artigos 362° e seguintes do Código Civil), sendo que parte dos factos alegados pelas partes se encontram admitidos por acordo, e são corroborados pelos documentos identificados em cada uma das alíneas do probatório.»

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B.DO DIREITO

O presente recurso vem interposto do segmento da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que no âmbito da impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto de Selo (IS), referente ao exercício de 1999, julgou não verificada a caducidade do direito à liquidação quanto ao facto tributário ocorrido em 1 de Outubro de 1999, relativo a financiamentos, que foram prestados à recorrente, pela sócia «J........, Ltd.», sociedade residente na Irlanda, que entendeu assumirem a natureza de contrato de mutuo, e, como, tal, sujeitos a tributação em sede de Imposto de Selo, ao abrigo do disposto no artigo 54.º da TGIS, na redacção da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro.

Comecemos por apreciar a primeira questão atrás enunciada: caducidade do direito à liquidação.

A sentença sob recurso, no que respeita a este fundamento de impugnação, tem, na parte relevante para apreciação da questão ora em apreço, o seguinte teor:« (…) tendo em conta que, no caso vertente a sociedade Impugnante foi regularmente notificada do início da acção de inspeçcão em 20-08-2003 (facto não controvertido) e do relatório final da inspecção em 07-11-2003, o prazo de caducidade esteve suspenso durante 80 dias (12 dias de agosto; 30 dias de setembro; 31 dias de outubro; 7 dias de novembro).

Pelo exposto, o termo do prazo de caducidade, relativamente ao facto tributário ocorrido em 27-08-1999, teve lugar em 15-11-2003; e o termo do prazo de caducidade do facto tributário ocorrido em 01-10-1999 teve lugar em 20-12-2003.

Consequentemente, relativamente ao primeiro facto tributário (ocorrido em 27-08-2003), a emissão da liquidação e a sua notificação foram efectuadas após o termo do prazo de caducidade de 4 anos ocorrido em 15-11-2003, uma vez que a liquidação foi emitida em 16-12-2003 e notificada à Impugnante em 18-12-2003.

Quanto ao facto tributário, ocorrido em 01-10-1999, a liquidação e a respetiva notificação foram realizadas dentro do referido prazo de caducidade, cujo termo se verificou em 20-12-2003.

Pelo exposto, verifica-se a caducidade do direito à liquidação, quanto ao facto tributário ocorrido em 27-08-1999, procedendo, assim, parcialmente, a impugnação, quanto ao fundamento de caducidade do direito de liquidação.

Já quanto ao facto tributário ocorrido em 01-10-1999, improcede igualmente a impugnação, quanto ao fundamento em análise.»

A discórdia da recorrente concentra-se na data do terminus do procedimento de inspecção, isto porque, defende que deveria o Tribunal «a quo» ter atendido à data de 10 de Outubro de 2003, por ter sido esta a data em que o mesmo foi concluído, e não na data de 7 de Novembro de 2003, como foi fixado na sentença recorrida.

Mas sem razão.

Na verdade, como bem aponta o Tribunal «a quo» a suspensão do decurso do prazo de caducidade, que começa na data em que se inicia a inspecção externa, nos termos do artigo 46.º, nº1, da LGT, cessa, nos casos em que essa inspecção externa tem uma duração inferior a seis meses, na data da notificação do respectivo Relatório Final de Inspecção.

O que, na realidade, vai de encontro com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, veja-se o Acórdão do Pleno de 21.09.2016, proferido no processo n.º 01475/15:

«A questão não é nova e foi, de facto, já apreciada pelo STA, designadamente nos acórdãos que proferiu em 16/9/2009, no processo nº 0473/09, em 20/10/2010, no processo nº 112/10, em 30/11/2010, no processo nº 669/10, em 3/4/2012, no processo nº 103/12, em 21/11/2012, no processo nº 594/12, e em 18/5/2016, no processo nº 1948/13. Acórdãos onde se firmou jurisprudência no sentido de que a suspensão do decurso do prazo de caducidade, que se inicia como a inspecção externa, nos termos do artigo 46º, nº 1, da LGT, cessa, nos casos em que essa inspecção tem duração inferior a seis meses, na data da notificação do respectivo relatório final.

Jurisprudência que aqui se reitera e sufraga, com a argumentação jurídica já vertida no mencionado Acórdão de 20/10/2010, do seguinte teor:

«[…] há que atentar, desde logo no art. 45º da LGT, cujo nº 1 estatui que «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» e cujo nº 4 dispõe, ainda, que o prazo de caducidade se conta, «nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data e que o facto tributário ocorreu...».

E no que aqui releva, há, igualmente, que considerar,

- quer o disposto no nº 1 do art. 46º da LGT, que dispunha, na redacção original, o seguinte:

«1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, de início de acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação», sendo que, posteriormente, a Lei nº 32-B/2002, de 30/12, alterou a redacção deste nº 1, no sentido de que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação;

- quer o disposto no nº 1 do art. 61º do RCPIT: «1 - Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento», bem como o estatuído no art. 62º deste mesmo diploma:

«1 - Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.

2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no nº 4 do artigo 60º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.»

Refira-se, finalmente, o disposto no artigo 36º do RCPIT, que, sob a epígrafe «Início e prazo do procedimento de inspecção», dispõe o seguinte:

«1 - O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

(...)».

Ora, conjugando o teor de todos estes normativos, não pode concluir-se pela razão da recorrente.

Com efeito, como bem aponta o MP, embora estas normas, bem como a norma do art. 36º do RCPIT, também invocado pela recorrente, exprimam alguma imprecisão terminológica na utilização das expressões acção de inspecção e procedimento de inspecção, trata-se de expressões que designam conceitos com conteúdos distintos, mas sem que dessa distinção se possa extrair a consequência jurídica pretendida pela recorrente: de que a suspensão do prazo de caducidade da liquidação cessa com a notificação ao inspeccionado da conclusão dos actos de inspecção e não com a elaboração do relatório final de inspecção (art. 61º nº 1 e 62º nº 1 do RCPIT).

É que, procedendo o relatório final à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a AT está impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear (art. 62º nºs. 1/2 al. i) RCPIT).

Veja-se, aliás, a jurisprudência a este respeito firmada no ac. de 16/9/2009, rec. nº 0473/09, desta secção do STA, no sentido de que, no que respeita à caducidade do direito à liquidação do imposto e à forma de contagem do prazo de suspensão daquele prazo de caducidade em consequência de acção inspectiva determinada e notificada ainda no decurso daquele primeiro prazo de caducidade, é bem clara a estatuição constante dos arts. 45º e 46º da LGT e 60º e 61º do RCPIT e que «... nada da letra nem do espírito daqueles normativos permite distinguir, com relevo para a contagem do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar, actos internos de inspecção e actos externos de inspecção e muito menos permite se confira apenas a estes últimos a eficácia suspensiva.

Da interpretação conjugada dos referidos preceitos legais decorre apenas e só (...) que o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário - artigo 45º da LGT -, se suspende com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação.

Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes daqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60º nº 1 e 2 do RCPIT.»

E veja-se, igualmente, a jurisprudência constante dos acs. deste STA, de 7/12/2005 e de 2/2/2006, nos recs. nºs. 993/05 e 769/05, respectivamente, com o entendimento de que a norma constante do nº 1 do art. 46º da LGT deve ser interpretada com o sentido de que a suspensão do prazo de caducidade se mantém apenas até à data da notificação do relatório final da inspecção (correspondente à conclusão do procedimento inspectivo), se esta se verificar antes do termo do prazo de seis meses, contado a partir da notificação ao contribuinte do início de acção de inspecção externa.

É de concluir, portanto, que não colhe nem a argumentação assente no elemento literal que a recorrente pretende retirar do nº 1 do art. 46º e do nº 3 do art. 63° da LGT, bem como dos arts. 36º e 63º do RCPIT, nem a argumentação assente nos elementos teleológico, histórico e sistemático, também invocados.» (disponível em texto integral em www.dgsi)

Em consonância com o exposto é, pois, de concluir que, o acto que assinala o termo da inspeção não é a conclusão dos actos de inspeção, que ocorre na data da notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento como resulta do artigo 61.º, n.º1 do RCPIT, mas sim com a notificação do Relatório de Inspecção Tributária, que no caso ocorreu em 7 de Novembro de 2003 (cfr. I) do probatório).

Por conseguinte, como se julgou na sentença recorrida, não colocando a recorrente em causa foi notificada do acto de liquidação em 18 de Dezembro de 2003, ainda não havia caducado o direito à liquidação de Imposto de Selo (aqui questionada), decorrente do efeito suspensivo do prazo de caducidade, previsto no artigo 46.º, nº 1, da LGT, que se mantém até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final.

Passemos à segunda questão a apreciar: prende-se com a qualificação a dar aos financiamentos, que foram prestados à recorrente, pela sócia «J........, Ltd.», sociedade residente na Irlanda, porquanto a partir do momento em que se decida se o contrato celebrado entre as partes possui a natureza jurídica de um contrato de mútuo ou se se assume como um contrato de suprimento prestação de serviço, tudo o mais será mera consequência dos efeitos jurídicos decorrentes de qualquer um dos contratos referidos.

Vejamos, então.

O Tribunal «a quo» considerou que os financiamentos em apreço configuram verdadeiros contratos de mútuo e, como, tal, sujeitos a tributação em sede de Imposto de Selo, ao abrigo do disposto no artigo 54.º da TGIS, na redação da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro 12, em vigor à data dos factos tributários (1999).

Tal conclusão assenta essencialmente na seguinte ordem de razões: « [d]iminuta participação social da entidade J........ (2) Ltd. na sociedade impugnante I.........., S.A. (1%), e na ausência de quaisquer outros elementos relativos aos direitos e prorrogativas da sociedade mutuante na sociedade mutuária (designadamente, direitos de voto; direitos em matéria de informação sobre a sociedade; vantagens no âmbito da administração da sociedade, etc), conclui-se não ser aplicável aos financiamentos sub iudice, o regime dos suprimentos, por a Impugnante se revelar uma accionista meramente “investidora”.»; «Nem as referidas fichas, nem as notas de débito, emitidas pela sociedade accionista respeitantes ao recebimento de juros são aptas a demonstrar o carácter de permanência dos empréstimos em apreço, por falta de estipulação de um prazo de reembolso, quer contemporânea da constituição do crédito, quer posterior.» e «Percorrida a matéria de facto que se considerou provada, não se encontra a menor referência a que as partes (sociedade Impugnante e entidade J........ (2) Ltd.) tivessem querido, previsto ou admitido acordar na celebração de quaisquer contratos de suprimento.».

A recorrente defendeu e continua a defender que os financiamentos obtidos constituem meros suprimentos e não subsistem razões de ordem legal e mesmo prática para que seja imposto um qualquer limite de participação social mínima como requisito do sujeito activo no contrato de suprimento.

Dito isto, vejamos então se pode ser concedida razão à recorrente.

Como bem ficou dito na sentença considerando « [a] diminuta participação social da entidade J........ Ltd. na sociedade impugnante I.........., S.A. (1%), e na ausência de quaisquer outros elementos relativos aos direitos e prorrogativas da sociedade mutuante na sociedade mutuária (designadamente, direitos de voto; direitos em matéria de informação sobre a sociedade; vantagens no âmbito da administração da sociedade, etc), conclui-se não ser aplicável aos financiamentos sub iudice, o regime dos suprimentos, por a Impugnante se revelar uma accionista meramente “investidora”.»

Na verdade, os suprimentos dos sócios à sociedade constituem uma forma de financiamento desta e as vantagens que daí resultam para os accionistas são as mesmas que militam a favor dos sócios nas sociedades por quotas, não se vislumbrando razões para impedir que nas sociedades anónimas os accionistas não possam conceder suprimentos à respectiva sociedade.

Neste contexto, a doutrina e a jurisprudência tem vindo a entender que se justifica nas sociedades anónima um tratamento nesta matéria semelhante ao dos suprimentos nas sociedades por quotas, mas dentro de certos limites.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-06-2012, em sede do processo 762/09.0T2AVR.C1, onde se pode ler que «[a]tendendo à função desempenhada pelo contrato de suprimento, que é a de financiar a sociedade, apenas se admite a analogia em relação a accionistas que detenham pelo menos 10% do capital social, porque, como argumenta Raul Ventura, é apenas a partir desta proporção que se «…exprime o interesse societário ou empresarial do accionista, para o efeito de contratos de suprimento» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

E explica Raul Ventura « O artigo 392.º do CSC por duas vezes, usa a percentagem de 10 por cento para regras especiais de eleições de administradores e o artigo 418.º, n.º 1, adopta a mesma percentagem para o requerimento de nomeação judicial de membro do conselho fiscal. Trata-se de duas hipóteses em que o interesse societário do acionista é manifesto» (…) «à falta de melhor e para evitar o arbítrio total, a percentagem de 10 por cento exprime o interesse societário ou empresarial do accionista, para o efeito do contrato de suprimento» (“Sociedades por Quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, vol. II, Almedina, 1989).

Ora, no caso, não obstante a diminuta participação social da «J........ Ltd.» na recorrente (1%), sempre se diga que a solução do litígio sempre seria a encontrada pelo Tribunal de Primeira Instância.

Senão vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 1142.º do Código Civil, o contrato de mútuo é aquele «pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».

Como decorre expressamente do artigo 395.º do Código Comercial, «O empréstimo mercantil é sempre retribuído», sendo que o empréstimo é mercantil quando se destina a qualquer acto mercantil (cfr. artigo 394º do mesmo Código). Isto é, o empréstimo mercantil não se presume gratuito.

Por sua vez a noção legal de contrato de suprimento mostra-se consagrada no artigo 243.º, n.º1 do Código das Sociedades Comerciais, que o densifica como sendo « o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência».

E, segundo o nº 2 e 3 dessa mesma disposição legal, constitui índice do carácter de permanência, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja tal estipulação contemporânea da constituição do crédito ou posterior a esta, e a não utilização da faculdade de exigir o reembolso do crédito à sociedade durante pelo menos um ano a contar da sua constituição.

Assim, provado que seja um destes índices, há que presumir o carácter de permanência e, consequentemente, a ocorrência de um contrato de suprimento, presunção que aproveita a quem precise de provar que foi esse o contrato celebrado (cfr. artigo 350.º do Código Civil).

Estes índices ou presunções legais de permanência são ilidíveis e o contrato de suprimento não exige qualquer forma especial e pode ser celebrado, salvo convenção em contrário, sem necessidade de prévia deliberação dos sócios (cfr. artigos 243.º, n.º6 e 244º. n.º3 do Código das Sociedades Comerciais).

Como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.11.2011, proferido no processo n.º 3705/09.7 TBMTS, o critério diferenciador, classicamente apontado, entre os dois contratos « [é] ser feito entre uma pessoa e a sociedade de que esta é sócia; um outro elemento relevante é o da “permanência” do negócio, que se retira do seu prazo de duração superior a um ano, prazo este que pode ser indiciado pela não reclamação dos valores entregues durante mais de um ano. A qualificação das sucessivas operações de financiamento entre o A. e a ré como contratos de suprimento dependerá, pois, da presença desses dois elementos. A sua ausência levará à qualificação das operações como simples contratos de mútuo, previstos no art. 1142º do Código Civil.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Desde modo, a qualificação das operações de financiamento concedidos à recorrente pela sócia «J........, Ltd.», sociedade residente na Irlanda, como contratos de suprimento, tal como é defendido em alegações de recurso dependerá, pois, da presença desses dois elementos.

A respeito do «critério de permanência» escreveu-se na sentença recorrida: « (…) o requisito do carácter de permanência dos empréstimos não se mostra demonstrado nos presentes autos.

Efectivamente, constata-se que, o suporte dos financiamentos em causa se traduz em “fichas” emitidas pela própria Impugnante, onde constam as condições de financiamento, não se vislumbrando as condições de retorno e pagamento dos mesmos.

Nem as referidas fichas, nem as notas de débito, emitidas pela sociedade accionista respeitantes ao recebimento de juros são aptas a demonstrar o carácter de permanência dos empréstimos em apreço, por falta de estipulação de um prazo de reembolso, quer contemporânea da constituição do crédito, quer posterior.

Percorrida a matéria de facto que se considerou provada, não se encontra a menor referência a que as partes (sociedade Impugnante e entidade J........ (2) Ltd.) tivessem querido, previsto ou admitido acordar na celebração de quaisquer contratos de suprimento.».

Ora, mantida a matéria de facto que foi considerada na Primeira Instância (por não impugnada), não sofre dúvida que os financiamentos concedidos à recorrente devem ser qualificados como mútuos, desde logo, pela ausência de prova de qualquer facto de onde possa extrair, por índice presuntivo, a existência do contrato invocado pela recorrente.

Efectivamente, não foram provados índices do carácter de permanência e, sem este, na falta de outra e directa prova, não há contrato de suprimento.

Não há, assim, qualquer fundamento para censurar a sentença recorrida.




IV.CONCLUSÕES
I.O contrato de suprimento societário encontra-se previsto e regulamentado a propósito das sociedades comerciais por quotas, mas, por via analógica, é possível a sua existência no âmbito das sociedades anónimas.
II.A noção legal de contrato de suprimento mostra-se consagrada no artigo 243.º, n.º1 do Código das Sociedades Comerciais, que o densifica como sendo « o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência».
III.E, segundo o nº 2 e 3 dessa mesma disposição legal, constitui índice do carácter de permanência, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja tal estipulação contemporânea da constituição do crédito ou posterior a esta, e a não utilização da faculdade de exigir o reembolso do crédito à sociedade durante pelo menos um ano a contar da sua constituição.
IV. Assim, provado que seja um destes índices, há que presumir o carácter de permanência e, consequentemente, a ocorrência de um contrato de suprimento, presunção que aproveita a quem precise de provar que foi esse o contrato celebrado (cfr. artigo 350.º do Código Civil).
V. Estes índices ou presunções legais de permanência são ilidíveis e o contrato de suprimento não exige qualquer forma especial e pode ser celebrado, salvo convenção em contrário, sem necessidade de prévia deliberação dos sócios (cfr. artigos 243.º, n.º6 e 244º. n.º3 do Código das Sociedades Comerciais).

V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 25 de Março de 2021.

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]
(Ana Pinhol)