Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07125/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/13/2014
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:VALOR DA CAUSA (ARTIGO 97-A/1/A), DO CPPT). IMPUGNAÇÃO PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO.
Sumário:1) Numa impugnação intentada contra o silêncio negativo incidente sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC de 2008, tendo em vista a anulação da referida liquidação, alegando-se vícios relativos ao procedimento de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, o que se pretende é a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do acto de fixação da matéria colectável por métodos indirectos crismado ilegal.
2) A fixação da matéria colectável por parte da AF, nos termos do artigo 92.º/6, da LGT, cifrou-se em €0,00, sendo que a matéria colectável pela qual a impugnante pugna corresponde à que foi por si declarada, ou seja a referente a prejuízos fiscais declarados. Donde decorre que este último quantitativo corresponde ao benefício económico a obter com a procedência da presente acção, pelo que o pedido se centra na anulação parcial da liquidação impugnada na parte em que desconsiderou os prejuízos fiscais declarados, sendo este o valor da acção, nos termos do artigo 97.º-A/1/a), do CPPT.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:I-Relatório
... , Lda, m.i. nos autos, interpõe o presente recurso jurisdicional do despacho proferido a fls. 138/139 dos autos que fixa o valor da causa em €2.234.533,18.
Nas alegações de recurso de fls. 143/152, formula as conclusões seguintes:
a. Por despacho de 13 de Setembro de 2013 (fls. 138 e 139 dos autos de impugnação judicial que, sob o nº116/13.3BELLE, corre termos junto da 2.a Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé), a Mm.a Juíza a quo fixou ao abrigo do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e Processo Tributário o valor dos presentes autos em € 2.234.533,18 (dois milhões, duzentos e trinta e quatro mil, quinhentos e trinta e três euros e dezoito cêntimos).

b. A alínea b) do n.º1 do artigo 97 ºA do Código de Procedimento e Processo Tributário determina que "Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: (b) quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado".

c. Assim, não se compreende a decisão que consta do Despacho recorrido uma vez que a matéria colectável fixada pela Administração Tributária para o exercício de 2008 é de € 0,00 e não de € 2.234.533,18 (dois milhões, duzentos e trinta e quatro mil, quinhentos e trinta e três euros e dezoito cêntimos).

d. Na verdade, sendo fixado o valor da causa com recurso ao disposto na alínea b) do nº1 do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e Processo Tributário, e considerando que a matéria colectável foi fixada em € 0,00, não só a decisão assenta sobre um pressuposto errado (o valor da matéria colectável), como põe em causa as próprias finalidades visadas com a fixação do valor da causa, nomeadamente, a possibilidade de recurso.

e. Ademais, estando expressamente previsto na legislação um critério supletivo, deveria o valor da causa ter sido fixado ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e Processo Tributário, o que foi expressamente requerido pela ora Recorrente em sede de petição inicial de impugnação judicial.

f. Por fim, e sempre com recurso ao critério supletivo a que se faz referência, a ora Recorrente veio indicar ao douto Tribunal a quo que sendo necessário fixar ab initio o valor da acção, então, o mesmo deveria ser fixado em € 304.391,31 (trezentos e quatro mil, trezentos e noventa e um euros e trinta e um cêntimos), valor que corresponde ao valor dos prejuízos fiscais que serão objecto de dedução em caso de procedência da impugnação judicial.


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Não houve contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls.246/349), no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação
2.1. De Facto
Com relevo para a decisão mostram-se provados os factos seguintes:
1) A impugnante apresentou a declarou periódica de rendimentos – mod.22, a título individual, tendo inscrito um prejuízo fiscal de €304.301,31 – fls. 75/79.
2) A impugnante foi sujeita procedimento inspectivo, tendo sido fixada a matéria colectável do exercício de 2008, em IRC, no montante de €2.234.533,18 – fls. 88/97.
3) Na sequência de pedido de revisão da matéria colectável deduzido pela impugnante, ao abrigo do disposto no artigo 91.º/1, da LGT, o Director de Finanças de Faro, por meio de despacho de 13.06.2011, procedeu à fixação da matéria colectável de IRC de 2008, no montante de €0,00, tendo por base o laudo do perito da AT – fls. 109/115.
4) Em 09.06.2011, foi emitido o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2011 2910008751, referente ao exercício de 2008, no valor de €14,91 – fls. 74.
5) Em 17.07.2012, a impugnante dirigiu ao Director-Geral dos Impostos pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IRC, referente ao exercício de 2008 – fls. 39/73.
6) Não tendo sido proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa mencionado, a recorrente intentou, em 18.02.2013, a presente impugnação judicial contra «o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IRC de 2008» - fls. 2.
7) Em 13.09.2013, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
«Na contestação apresentada, veio a Fazenda Pública solicitar a fixação do valor da causa, pois considera que o mesmo deve ser de €2.234.533,18.
Notificada para responder, veio a Impugnante contestar o valor apresentado pela Fazenda Pública, propondo o valor de €304.391,31 por corresponder aos prejuízos fiscais apurados em relação ao exercício de 2008.
Dispõe o art. 97º do CPPT, no que ao valor da causa diz respeito, que:
“1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.
2-Nos casos não previstos nos números anteriores, o valor é fixado pelo juiz, tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1.ª instância dos tribunais judiciais.
3- Quando haja apensação de impugnações ou execuções, o valor é o correspondente à soma dos pedidos.”
Dispõe, por sua vez, o art. 296ºº do CPC que o valor da causa serve para, nomeadamente, determinar a competência do tribunal, cabendo ao juiz, nos termos do art. 306º do mesmo Código, fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes (aplicáveis ambos os preceitos por remissão do art. 2º al. e) do CPPT).
Compulsados os autos, verifica-se que, não obstante a Impugnante vir impugnar o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, termina a sua p.i. a pedir a anulação da liquidação, e fundamenta tal pedido, para além de outros vícios, na falta de pressupostos para a decisão de tributação por métodos indirectos e no erro na quantificação da matéria tributável do exercício de 2008 por aplicação de métodos indirectos, atenta a desconsideração dos prejuízos fiscais efectivamente suportados.
Assim sendo, é de aplicar, na fixação do valor da causa o critério previsto na alínea b) do referido normativo.
Fixo o valor dos presentes autos em €2.234.533,18.
Notifique».

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2.2. De Direito
No presentes autos, vem impugnada a decisão que fixou o o valor dos presentes autos em € 2.234.533,18 (dois milhões, duzentos e trinta e quatro mil, quinhentos e trinta e três euros e dezoito cêntimos).
Nos termos do artigo 296.º/1, do CPC, «[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido».
Dispõe o artigo 297.º/1, do CPC, que «[s]e pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício».
Por seu turno, determina o artigo 32.º, n.º 1, do CPTA, «[q]uando pela acção se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa»; nos termos do n.º 2 do preceito, «[q]uando pela acção se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício».
Estatui, por seu turno, o artigo 97.º-A, do CPPT: «1. Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: // a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; // b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado».
No caso em exame, está em causa impugnação judicial do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC de 2008. O pedido centra-se na anulação da liquidação em causa; o seu fundamento reside nos vícios assacados à determinação da matéria colectável por métodos indirectos, consistentes na preterição do dever de fundamentação expressa, na preterição de audição prévia do contribuinte, da falta de pressupostos legais de aplicação dos métodos indirectos e de erro na quantificação da matéria colectável.
O despacho recorrido fixou o valor da causa em €2.234.533,18, com base no disposto no artigo 97.º-A/1/b), do CPPT.
A censura dirigida pela recorrente centra-se que na errónea aplicação ao caso exame do preceito do artigo 97.º-A/1, a) e b), do CPPT, quer na errónea quantificação do benefício económico a obter com a procedência da acção.
Vejamos.
No que respeita à determinação da utilidade económica do pedido, «[h]á que ter em conta [que este] se funda sempre na causa de pedir que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstractamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa»(1). A causa de pedir consiste no facto constitutivo da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar, cabendo-lhe a função de individualização e de delimitação do pedido.
No caso em exame, está em causa impugnação judicial intentada contra o silêncio negativo incidente sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC de 2008, tendo em vista a anulação da referida liquidação. A intenção impugnatória em liça centra-se no alegado carácter erróneo do acto de fixação da matéria colectável, apontando-lhe a impugnante os vícios que acima se discriminam. Assim sendo, a causa de pedir da intenção impugnatória dos autos centra-se na alegada errónea fixação da matéria colectável, por métodos indirectos.
O que a impugnante questiona é a fixação da matéria colectável por métodos indirectos e a consequente desconsideração do princípio declarativo, ou seja, o que se pretende com a presente impugnação é a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do acto de fixação da matéria colectável por métodos indirectos crismado ilegal. A fixação da matéria colectável por parte da AF, nos termos do artigo 92.º/6, da LGT, cifrou-se em €0,00 (n.º 3º do probatório), sendo que a matéria colectável pela qual a impugnante pugna corresponde à que foi por si declarada, ou seja a correspondente a prejuízos fiscais de €304.301,31 (n.os 1 e 7 do probatório). Donde decorre que este último quantitativo corresponde ao benefício económico a obter com a procedência da presente acção, pelo que o pedido se centra na anulação parcial da liquidação impugnada na parte em que desconsiderou os prejuízos fiscais declarados de €304.301,31, sendo este o valor da acção, nos termos do artigo 97.º-A/1/a), do CPPT.
Ao assim não decidir, o despacho recorrido merece a censura que lhe é desferida, pelo que deve ser revogado.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, concedendo provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e fixar o valor da acção em €304.301,31.
Custas pela recorrida, em 1.ª instância.
Registe.
Notifique.
(JORGE CORTÊS - Relator)

PEREIRA GAMEIRO
(1º. Adjunto)
(Vencido pois o que está impugnado é a liquidação e dai que nos termos do art.97 a) do CPPT o valor ser o da liquidação (€14,91) que é a impugnação cuja a anulação se pretende - veja-se pedido da p.i.)
JOAQUIM CONDESSO
(2º. Adjunto)




1- José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, CPC, anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 543.