Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1552/14.3BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:DOENÇA PROFISSIONAL;
DECRETO-LEI N.º 503/99, DE 20.11;
LEI N.º 98/2009, DE 04.02;
PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA;
AGRAVAMENTO DA DOENÇA.
Sumário:I. Embora as doenças que o Recorrente revelou ter, possam ser consequência de uma causa endógena do próprio, o certo é que a mesma veio a manifestar-se no âmbito da sua atividade profissional, enquanto cozinheiro.
II. A prova produzida nos autos permite-nos também afirmar que o esforço físico - causa exógena – a que o mesmo foi sujeito durante os anos de serviço, foi determinante e precipitante se não da doença, pelo menos do seu agravamento.
III. Neste pressuposto, deve ser condenado o R., ora Recorrido, a abrir processo interno para qualificação e estimativa das consequências da doença profissional do A., ora Recorrente, no âmbito do qual seja transmitido ao CNPCRP o respetivo expediente, para seguimento – cfr. art. 26.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11. e art.s 1.º, n.º 2 e 11.º da Lei n.º 98/2009, de 04.02.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

F..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 04.12.2018, que julgou improcedente a ação administrativa especial, por si intentada contra o Ministério da Administração Interna, através da qual pretendia a anulação do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (SEAMAI), de 19.12.2013, aposto no Parecer n.º 994-MM/13, de 26.11.2013, pela Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso, que veio negar provimento ao recurso hierárquico que havia interposto contra o despacho de 30.04.2013, do Tenente-General 2.° Comandante-Geral, por sua vez, aposto na Informação Complementar n.° 791/13 da Direção de Justiça e Disciplina da GNR, no sentido de ser «(...) mantida a decisão proferida pelo despacho, datado de 31 de janeiro de 2013, do Exmo. Tenente-General 2.° Comando- Geral, por delegação, exarado na Informação n.° 118/13, de 22 de janeiro de 2013, da Direção de Justiça e Disciplina, no qual foi declarada a impossibilidade legal de apreciação do requerimento apresentado pelo militar, por Incompetência absoluta, do Exmo. Tenente General Comandante Geral, para decidir sobre o objeto do mesmo, atendendo a que a entidade competente em razão da matéria, por força do n.° 1 do art. 26.° do Decreto-lei n.° 503/99, de 20 NOV, é o Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais do Instituto de Segurança Social, I.P., por extinção do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 376 e ss., ref. SITAF:

«(…)

I. O recorrente, militar da GNR, contraiu grave doença neurológica que lhe tem sido unanimemente diagnosticada, mesmo pelos médicos e juntas médicas castrenses.

II. Pediu em juízo que o comando da GNR transmitisse à CNPCRP que o recorrente padecia da doença em questão, com nota de contraída em serviço.

III. E que na GNR fosse aberto o processo adequado para qualificação e estimativa das consequências desta doença profissional que o recorrente contraiu em serviço e por causa dele.

IV. Com efeito, segundo o artigo científico publicado em revista da especialidade com peer review, na verdade, a doença contraída pelo recorrente decorria de largos anos de serviço em pé e de esforços máximos de despensa e cozinha que levou a cabo como cozinheiro militar, para cerca de 400 comensais diários.

V. Ao mesmo tempo, promoveu a junção aos autos de pareceres médico-legais do IML e da senhora Dra. M..., especialista em medicina do trabalho: convergiram em que os esforços da profissão de cozinheiro, que era a do recorrente, são razão de agravamento da doença.

VI. Mais além, o parecer da ilustre clínica pronunciou-se, sem hesitações, no sentido de o recorrente, perante a doença dada, sofrer de doença profissional.

VII. Não obstante estes dados, no julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo não deu como provada a relação causa/efeito entre o desempenho profissional do recorrente e a doença contraída e em causa.

VIII. Trata-se, na opinião do recorrente, de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto não só estes dois pareceres médico-legais, a que acima se referiu, são base bastante para resposta “provado” ao quesito transcrito na sentença recorrida sob 1) - matéria não provada.

IX. Como os motivos do julgamento negativo que foram à sentença recorrida não poderem ter valor.

X. Com efeito, o Tribunal desvalorizou o parecer da senhora Dra. M... por não ser médica especialista, segundo sugeriu, mas contra a evidência de se tratar de uma médica do trabalho, por conseguinte, ungida na especialidade mais do que própria à pronúncia sobre o assunto de se estar, afinal, na presença de uma doença adquirida no desempenho profissional.

XI. E desvalorizou também o artigo científico junto com a petição inicial, publicado na revista de neurologia de Barcelona, com o pretexto de nada poder saber sobre o mérito da publicação e do seu autor.

XII. Contudo, a dita revista é uma publicação científica de referência, sujeita a peer review e órgão de importantes sociedades de neurologia espanholas.

XIII. Entretanto, sobre o autor a revista publicou-lhe a biografia científica de relevo.

XIV. Todos estes casos envolvem factos notórios, desnecessários às alegações de parte, mas do conhecimento oficioso judicial (art.° 5.°/2/c e 412.°/1 do CPC).

XV. E são bastantes para alterar a resposta “não provado”, quer ao quesito transcrito para 1) do título matéria não provada da sentença recorrida, quer, do mesmo modo, quanto ao que ficou transcrito em 2), no mesmo passo.

XVI. Assim, a sentença recorrida deve ser reformada quanto ao julgamento da matéria de facto, visto o art.° 662.°/1 do CPC.

XVII. E, na sequência, nomeadamente seguindo-se o raciocínio fundamentador da recorrida, deve a sentença do Tribunal a quo ser substituída por provimento do pedido.».

O Recorrido Ministério da Administração Interna, apresentou as suas contra-alegações, defendendo, em suma, o seguinte – cfr. fls. 406 e ss., ref. SITAF:
«(…)
3. Tal como é referido na Douta Sentença “(…) para dar início a um procedimento que tenha em vista a futura declaração de uma doença profissional (competência que cabe em exclusivo ao CNPDP), é indispensável, à luz da lei, o prévio estabelecimento de um nexo de causalidade, de índole puramente factual e naturalística, entre o conteúdo funcional de uma certa profissão e uma determinada doença previamente (…)”cfr. artigos 25.° a 28.° do Decreto- Lei n.° 503/99, de 2001.
4. O que nunca se verificou no caso do Recorrente, antes pelo contrário, a informação prestada pelo Diretor da Direção de Saúde e Assistência na Doença da GNR, tal como melhor consta dos autos, foi no sentido de que:
“(…) nenhuma das patologias descritas é consequência direta e necessária da atividade de cozinheiro’
“(…) não existe no quadro clínico do militar nada que configure um eventual pressuposto de doença profissional
- “(…) a fundamentação para o não envio do militar ao Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais é a de que se trata de um caso inequívoco de doença natural, portanto não abrangida nos pressupostos determinantes para ser considerada uma situação de doença profissional (…)”
5. Diagnóstico este que foi corroborado pelo exame médico-legal a que o Recorrente foi submetido, a seu pedido, no Instituto de Medicina Legal, onde se concluiu que “(…) os esforços da profissão de cozinheiro, não tendo sido a causa original das alterações clinicas presentes, são razão do agravamento da doença (…)”
6. Não obstante o Recorrente ter junto dois documentos de teor médico onde a relação causa-efeito entre as doenças do Recorrente e o exercício de funções profissionais como cozinheiro foi expressamente estabelecida, contrariando os Relatórios já existentes,
7. O Relatório pericial do IML, enquanto laboratório oficial, mereceu por parte do Tribunal um juízo de reputação e credibilidade cientifica acrescidos, tendo o mesmo sido decisivo para a formação da sua convicção.
8. Ora, não existindo um inequívoco nexo de causalidade entre a atividade profissional e a doença do Recorrente, e não tendo o Recorrente lograr demonstrar o contrário, não poderiam os médicos que o avaliaram, sob pena de violação de lei, ter veiculado ao CNPCRP o impresso destinado à abertura de processo nem o Douto Tribunal ter deferido a sua pretensão.
9. Assim, e uma vez que a prova junta pelo Recorrente, tal como foi demonstrado à saciedade na Douta Sentença Recorrida, não foi suficiente para abalar a prova existente nos autos, outra não poderia ter sido a decisão senão a de indeferimento da pretensão do Recorrente. (…)».

Neste tribunal, a DMMP emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto dada como não provada e do consequente erro de julgamento quanto à matéria de direito ao não ter anulado o despacho de 19.01.2013, do SEAMAI, por vício de violação de lei.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
A) Em 1993, o A. ingressou na Guarda Nacional Republicana (cfr. fls. 80 do PA junto aos autos);
B) Em 2004, o A. foi diagnosticado com Síndrome do Túnel Cárpico direito, tendo, nessa sequência, sido submetido a uma operação cirúrgica no Centro Clínico da GNR (cfr. fls. 73 e 175 do PA junto aos autos);
C) Em 16.03.2011, o A. foi diagnosticado por uma Junta Superior de Saúde do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), com “Artroses rádio-cárpica e médio-cárpica. Lesões degenerativas astrágalo-calcaneanas bilaterais'’", em face do que foi considerado “Parcialmente apto, com dispensa de esforços físicos por um período de 180 dias findos os quais volta à JSS com relatório médico actualizado.” (cfr. doc. a fls. 76 do PA junto aos autos);
D) Em 14.06.2011, na sequência de observação por um médico assistente do Hospital de Sant’Ana, o A. foi diagnosticado com “(...) Poliartrite crónica, evolutiva, destrutiva de etiologia não esclarecida, mas eventualmente uma Artrite Reumatóide. Apresenta destruições articulares marcadas ao nível do punho e pés, com marcada incapacidade funcional e fundo doloroso permanente. Está medicado, mas carece de vigilância reumatológica e terapêutica contínuas.” (cfr. “Relatório Reumatológico”, a fls. 70 do PA junto aos autos);
E) Em 14.09.2011, na sequência de observação por uma Junta Superior de Saúde do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), o A. foi diagnosticado com “Poliartrite crónica"", na sequência do que foi determinada a sua “Convalescença no domicílio por 60 dias findos os quais volta à JSS com relatório de fisioterapia” (cfr. doc. a fls. 69 do PA juntos aos autos);
F) Em 14.12.2011, na sequência de observação por uma Junta Superior de Saúde do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), o A. foi diagnosticado com “Poliartrite crónica evolutiva”, e seguimento da proposta de 08.11.2012, determinou-se a sua “Convalescença no domicílio por 60 dias findos os quais volta à JSS com relatório médico atualizado” (cfr. doc. a fls. 63 a 65 do PA junto aos autos);
G) Em 31.01.2012, na sequência de um tratamento de fisioterapia que lhe havia sido prescrito e que realizou no Centro Clínico da GNR (Juncal), o A. sofreu uma queimadura na omoplata direita com necrose central, na sequência da qual teve de ser submetido a uma intervenção cirúrgica na especialidade de cirurgia plástica para enxerto de pele (cfr. doc. a fls. 119 e “Informação Clínica Detalhada” a fls. 176 e 177 do PA junto aos autos);
H) Em 15.02.2012, na sequência da submissão a uma Junta Superior de Saúde do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), o A. foi diagnosticado com “Poliartrite crónica evolutiva. Sequelas de queimadura na [impercetível] com necrose e necessidade de cirurgia plástica”, tendo, consequentemente sido colocado em “Convalescença no domicílio por 90 dias findos os quais volta à JSS com relatório médico atualizado” (cfr. doc. a fls. 63 do PA junto aos autos);
I) Em 11.05.2012, uma médica fisiatra do Serviço de Saúde do Comando Geral da GNR, recomendou à Junta Superior de Saúde do Comando Geral da GNR que o A. permanecesse “(...) 30 dias de convalescença no domicílio (para completar os tratamentos de MFR necessários após a cirurgia plástica), findos os quais retoma ao serviço com dispensa de exercícios e esforços e [impercetível] prolongado por 365 dias. Somos de opinião que o militar deveria ser colocado em serviço administrativo ou afins." (cfr. doc. a fls. 54 do PA junto aos autos);
J) Em data concretamente não apurada, na sequência da recomendação a que se refere a alínea anterior, e ainda no decurso do ano de 2012, o A. foi transferido da cozinha para a lavandaria, onde passou a exercer funções (cfr. fls. 178 do PA junto aos autos);
K) Em 15.12.2012, o A. dirigiu ao Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR) um requerimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no âmbito do qual pediu, a final, que lhe fosse “(...) instaurado PROCESSO POR DOENÇA PROFISSIONAL, para classificação e estimativa do seu grau de invalidez, com o seguimento ulterior” (cfr. doc. 1 junto com a p.i., a fls. 79 a 83 dos autos em suporte físico);
L) Por despacho datado de 31.01.2013, proferido Tenente-General 2.° Comando-Geral, ao abrigo de poderes delegados (cfr. Despacho n.° 398/2012, publicado em Diário da República - 2.a Série - n.° 10, de 13 de janeiro de 2012), exarado na Informação n.° 118/13, de 22 de janeiro de 2013, da Direção de Justiça e Disciplina, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi declarada: “(...) a impossibilidade legal de apreciação do requerimento [do A.] por Incompetência Absoluta para decidir sobre o objeto do mesmo, atendendo que a entidade competente em razão da matéria, por força do n.° do art. 26.° do Dec. Lei 503/99, de 20NOV., é o Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais.” (cfr. doc. 1 junto com a p.i., a fls. 85 e 86 dos autos em suporte físico, negritos do texto original);
M) Em 06.03.2013, o A. tomou conhecimento pessoal do teor do despacho a que se refere a alínea anterior, e bem assim, do conteúdo da Informação n.° 118/13, da Direção de Justiça e Disciplina da GNR, sobre a qual o mesmo foi exarado (cfr. “Certidão de Notificação”, a fls. 84 dos autos em suporte físico);
N) Em 11.03.2013, e em reação contra o teor do despacho a que se referem as duas alíneas anteriores, o A. dirigiu ao Comandante Geral da GNR uma reclamação, que aqui se dá por integralmente reproduzida, no âmbito da qual, formulou, a final, o seguinte pedido:
“Deve V.ª Ex.ª reformar o despacho reclamado no sentido de ser enviado à JSS/GNR o reclamante ou, no mínimo, ser remetido o pedido indeferido ao Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais ” (cfr. doc. 2 junto com a p.i., a fls. 87 a 90 dos autos em suporte físico);
O) Pelo ofício n.° 1853, de 02.04.2013, o Diretor da Direção de Justiça e Disciplina solicitou à Direção de Saúde e Assistência na Doença, que elaborasse um parecer médico referente ao A., no sentido de esclarecer as seguintes questões:
5. a) Algum das patologias descritas é consequência direta e necessária da atividade de cozinheiro, exercida pelo militar e não representam um normal desgaste do organismo?
b) Ante o quadro clínico exposto, justificar-se-ia desencadear o procedimento atinente ao reconhecimento, pelo Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, da situação patológica como doença profissional, nomeadamente o preenchimento, pelo médico, do formulário “participação obrigatória ” e a sua remessa àquele organismo?
c) Em caso negativo, fundamente os motivos para a não adoção de tal procedimento.” (cfr. doc. a fls. 48 e 49 do PA junto aos autos);
P) Em resposta ao pedido de informações a que se refere a alínea anterior, pelo ofício n.° 9147, de 09.04.2013, e no que por ora concretamente releva, o Diretor da Direção de Saúde e Assistência na Doença da GNR, informou o Diretor da Direção de Justiça e Disciplina do seguinte:
“2. Quanto à questão se dos elementos existentes permitem equacionar a existência de uma doença profissional, cabe informar o seguinte:
a) A caracterização de uma “doença profissional” pressupõe que seja consequência necessária e direta da actividade exercida no desempenho da actividade profissional e ao facto esteja sempre associada uma participação, declaração ou atestado médico onde conste o diagnóstico presuntivo, apresentado pelos militares com interesse na referida qualificação.
b) Compulsados os elementos disponíveis no processo do militar, existente nestes serviços, verifica-se que não existe referência a tal facto.
c) A qualificação de doença profissional é da responsabilidade dos serviços médicos do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, assente sempre em prévio diagnóstico médico.
3. Na ausência de quaisquer dos elementos referidos em 2. a) esta Direção não realizou qualquer diligência.” (cfr. fls. 50 e 51 do PA junto aos autos);
Q) Por “Informação” datada de 15.04.2013, também prestada em resposta ao ofício n.° 1853, de 02.04.2013, ao qual se refere a alínea O) supra, o médico Dr. V..., da Direção de Saúde e Assistência na Doença, informou o Diretor da Direção de Justiça e Disciplina do seguinte: “1. No que concerne à alínea a) do ponto 5. da referida nota, a resposta é negativa: nenhuma das patologias descritas é consequência direta e necessária da atividade de cozinheiro;
2. Relativamente à alínea b) do mesmo ponto 5., não existe no quadro clínico do militar nada que configure um eventual pressuposto de doença profissional;
3. Assim sendo, no que respeita à alínea c), a fundamentação para o não envio do militar ao Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais (CNPRP) é a de que se trata de um caso inequívoco de doença natural, portanto não abrangida nos pressupostos determinantes para ser considerada uma situação de doença profissional ” (cfr. doc. a fls. 120 e 121 do PA junto aos autos);
R) Por despacho datado de 30.04.2013, proferido na sequência das informações a que se referem as duas alíneas anteriores, pelo Tenente-General 2.° Comando-Geral, ao abrigo de poderes delegados (cfr. Despacho n.° 398/2012, publicado em Diário da República - 2.a Série - n.° 10, de 13 de janeiro de 2012), exarado na Informação Complementar n.° 791/13, de 17 de abril de 2013, da Direção de Justiça e Disciplina, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi determinada a manutenção da decisão proferida pelo seu anterior despacho de 31.01.2013, exarado na Informação n.° 118/13, de 22 de janeiro de 2013, da Direção de Justiça e Disciplina, ao qual se refere supra a alínea L) (cfr. doc. 2 junto com a p.i., a fls. 92 a 96 dos autos em suporte físico);
S) Através do ofício n.° 3066, datado de 17.05.2013, o A. tomou conhecimento pessoal do teor do despacho a que se refere a alínea anterior, e bem assim, do conteúdo da Informação Complementar n.° 791/13, de 17 de abril de 2013, da Direção de Justiça e Disciplina da GNR, sobre a qual o mesmo foi exarado (cfr. “Certidão de Notificação”, a fls. 84 dos autos em suporte físico);
T) Em 23.05.2013, e em reação contra o teor do despacho a que se referem as duas alíneas anteriores, o A. interpôs um recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no âmbito da qual, formulou, a final, o seguinte pedido:
“V.ª Ex.ª, Senhor Ministro da Administração Interna, com douto suprimento, dará razão do recorrente, evitando o contencioso que se desenha, mas, antes de mais, porque é de lei e de justiça o vencimento deste pedido de reforma para deferimento, do indeferimento recorrido, que o Ex.mo 2.° Comandante- Geral da GNR opôs à reclamação apresentada em devido tempo pelo militar contra o despacho fundado em incompetência absoluta, do Ex.mo Comandante-Geral, e que, por isso, negou a abertura, neste caso, de um processo por doença profissional.” (cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 97 a 103 dos autos em suporte físico);
U) Por despacho datado de 19.12.2013, proferido pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, ao abrigo de poderes delegados (cfr. Despacho n.° 8142-A, de 20 de julho, publicado em Diário da República - 2.a Série - n.° 118, de 13 de junho de 2013), exarado no Parecer n.° 994-MM713, de 26.11.2013, da Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi negado provimento ao recurso apresentado pelo A., tendo por base as seguintes conclusões formuladas no parecer:
“I. No exercício das atribuições e no uso das competências que, de forma exclusiva, lhes são atribuídas por lei, concluíram as entidades médicas estarmos em presença de um “caso inequívoco de doença natural”.
II. Nos termos da lei, apenas são doenças profissionais as que ocorram em consequência necessária e direta da atividade exercida pelo trabalhador e não representem normal desgaste do organismo.
III. Além de não o demonstrar com grau de certeza legalmente requerido, o Recorrente limita-se a alegar a mera possibilidade de existência de nexo de causalidade entre atividade profissional que exerceu e a ocorrência das patologias que lhe foram diagnosticadas.
IV. O impulso determinante do preenchimento do impresso de trânsito para o Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais não cabe ao Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, sendo antes da competência exclusiva dos Serviços de Saúde da GNR, especificamente, do médico que tenha efetuado o disgnóstico presuntivo.”
(cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 104 a 116 dos autos em suporte físico, sublinhados do texto original);
V) Através do ofício n.° 01233, datado de 20.01.2014, o A. tomou conhecimento pessoal do teor do despacho a que se refere a alínea anterior, e bem assim, do conteúdo do Parecer n.° 994-M/13, de 26 de novembro de 2013, da Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso, sobre a qual o mesmo foi exarado (cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 104 dos autos em suporte físico);
W) Em 20.06.2014, a presente ação administrativa especial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (cfr. “Comprovativo de entrega de documento, a fls. 2 dos autos em suporte físico);
X) Em 14.11.2014, o médico neurologista e neurofisiologista Dr. M..., subscreveu um “Relatório Clínico’” referente ao A., que aqui se dá por integralmente reproduzido, e no âmbito do qual o mesmo é diagnosticado com:
“(...) uma Malformação de Arnold-Chiari tipo 1 e duas cavidades siringomiélicas, uma a nível da medula cervical e outra na medula dorsalf...)”, concluindo que o A. sofre “(...) de patologia medular cervical e dorsal, que alteram a sua sensibilidade álgica, térmica e mesmo proprioceptiva a nível sobretudo do membro superior direito, de uma forma permanente, com as consequências expectáveis, num indivíduo dextro e que tem desde sempre exercido funções profissionais nas quais a utilização da força física e destreza são fundamentais” (cfr. doc. 2 junto pelo A. com as alegações escritas, a fls. 277v. e 278 dos autos em suporte físico);
Y) Em 28.01.2015, a médica Dra. M... efetuou ao A. um diagnóstico profissional presumível (pré-diagnóstico) de “Tendinites dos membros superiores; Patologia da coluna vertebral, agravada a vários níveis”, em face do qual emitiu o seguinte parecer clínico:
“Considero que, com o conhecimento das tarefas do posto de trabalho e os riscos profissionais a ela inerentes, a que o doente esteve sujeito durante vários anos, não pode haver dúvida de que foi na sequência da necessária terapêutica a que foi submetido que surgiram as complicações descritas (...) Foi então que foi feito o diagnóstico de mal formação de Arnold-Chiari tipo 1 e das cavidades seringomiélicas que atrás referi. De qualquer modo, a causa primeira é sempre a doença profissional que exigiu tratamento ” (cfr. “Proteção Obrigatória/ Parecer Clínico" junto como doc. 1 pelo A. com as alegações escritas, a fls. 276v. e 277 dos autos em suporte físico);
Z) Em 29.05.2015, o A. foi submetido a perícia médico-legal efetuada pelo Instituto de Medicina Legal, I.P., cujo relatório foi junto aos autos em 16.10.2015, e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 251 a 254 dos autos em suporte físico) – [infra transcrito na motivação da decisão em apreço].
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1.2 Dos factos não provados
Com relevância para a decisão da presente causa, não se deram como provados os seguintes factos:
1) Que os esforços correspondentes à atividade de cozinheiro, aos quais o A. esteve sujeito durante vários anos, constituem a causa original das doenças de que o mesmo padece; e
2) Que as patologias constituídas pela mal-formação de Arnold Chiari - Síndrome de Chiari Tipo I e a siringomielia que foram diagnosticadas ao A. estejam relacionadas entre si, e estas com a compressão da medula por trauma, hérnias discais e esforço.
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1.3 Motivação da decisão de facto
Quanto aos factos provados, a formação da convicção do Tribunal assentou no teor dos documentos juntos aos autos pelo A. e ainda na matéria concretamente relevante que consta do processo administrativo (PA), conforme é mencionado em cada uma das alíneas do probatório.
No que respeita aos factos dados como não provados, o constante do ponto 1) resulta da falta de demonstração cabal, por parte do A., da tese por si defendida nos autos, segundo a qual, a emergência do quadro clínico com que o mesmo foi sendo diagnosticado desde 2011, se deveu à permanente posição de pé, e aos vários esforços físicos a que esteve sujeito, durante os longos anos em que exerceu a profissão de cozinheiro militar.
De facto, pese embora o A. procure sustentar este facto, desde logo, nos vários relatórios clínicos elaborados pelas Juntas Superiores de Saúde do Comando da GNR - às quais se referem supra os factos constantes das alíneas C), E), F) e H) -, em bom rigor, em nenhum desses relatórios clínicos é estabelecida, ou sequer aventada qualquer hipótese, quanto à existência do alegado nexo de causalidade entre as diversas patologias de que o A. sofre e o anterior exercício da sua atividade profissional como cozinheiro. O mesmo sucede com o doc. 2 junto pelo A. com as alegações escritas, de cujo teor não é possível extrair qualquer juízo médico neste sentido.
Aliás, os dois únicos documentos de teor médico constantes dos autos onde esta relação de causa-efeito entre as doenças do A. e o exercício de funções profissionais como cozinheiro é expressamente estabelecida, embora em sentidos totalmente opostos, é o doc. 2 junto pelo A. com as alegações escritas - que confirma essa relação - e o relatório do exame médico-legal a que o A. foi submetido, a seu pedido, no Instituto de Medicina Legal, I.P., que a nega como causa original das alterações clínicas presentes. Atente-se, assim, ao teor do relatório médico-legal, que infra se transcreve:
“PERITAGEM NEUROCIRÚRGICA
F..., de 44 anos de idade, dextro, cozinheiro militar com diagnóstico de poliartrite crónica evolutiva (forma de artrite reumatóide) seguido em consulta de Reumatologia e, desse de Setembro de 2011, em Medicina Física e de Reabilitação. Na sequência de queimadura eléctrica em 7/02/2012, foi-lhe detectada hipostesia táctil superficial e térmica do membro superior direito e do hemitronco direito. Por isso foi observado por Neurologista (Dr. B...) e Neurocirurgião (Prof. L...) e fez IRM-CE e medular; estes exames permitiram o diagnóstico de malformação da charneira occipitovertebral (malformação de Chiari tipo I) e seringomiélia cervical e dorsal. Estas alterações neurológicas têm carácter malformativo e degenerativo associado, não tendo relação causal com o exercício profissional, embora a abstenção de esforços melhores a situação clínica.
A poliartrite crónica evolutiva, uma forma de artrite reumatoide é também uma doença degenerativa sem relação causal conhecida com a profissão.
Como antecedentes pessoais há ainda a registar síndrome do túnel do carpo direito, operado em 2014.
A situação clínica tem-se mantido estável após 2012, desde quando deixou o trabalho de cozinheiro e passou para trabalhos mais leves na lavandaria.
Em 14/11/2014 um relatório clínico do Neurologista e Neurofisiologista Dr. M..., confirma as lesões malformativas descritas cérebro- medulares.
Um relatório da Neurocirurgiã Dra. M..., de 26/02/2015, propõe cirurgia à malformação de Chiari. Um outro relatório do Ortopedista Dr. R... em 7/07/2015 refere que tem “incapacidade total e definitiva para o exercício da sua profissão ”.
Uma última IRM-CE e cervical em 24/07/2015 confirmam as lesões previamente relatadas.
Resposta aos quesitos do Tribunal de Sintra de 14/04/2015:
1 - O auto[r] sofre de poliartrite crónica progressiva destrutiva, segundo os relatórios médicos constantes dos autos.
2 - O autor sofre de seringomiélia (cavidade anómala no interior da medula) cervico-dorsal responsável por hipostesia do membro superior e metade direita do tronco, sobretudo da sensibilidade térmica.
3 - Os esforços da profissão de cozinheiro, não tendo sido a causa original das alterações clínicas presentes, são razão de agravamento da doença.
Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses - Delegação do Sul, 29 de Setembro de 2015
[assinatura]
Prof. Doutor A...
(Neurocirurgião Consultor)”
(cfr. relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 251 a 254 dos autos em suporte físico, negritos do texto original).
Feita a comparação e sopesação entre este relatório médico e aquele que foi junto pelo A. como doc. 1 com as suas alegações escritas, o Tribunal considerou ser de atribuir maior relevo probatório ao relatório do exame médico-legal a que o A. foi sujeito no Instituto de Medicina Legal, em detrimento da “Participação Obrigatória/ Parecer Clínico”, subscrito pela Dra. M... (cfr. fls. 276v. e 277 dos autos em suporte físico).
Com efeito, tendo sido efetuado por um laboratório oficial, o primeiro oferece maiores garantias de idoneidade, isenção e imparcialidade, se comparado com o teor do segundo, junto aos autos pelo A., e elaborado a seu pedido.
Acresce que o exame pericial a que o A. foi sujeito no IML, I.P. foi subscrito por um médico neurocirurgião, enquanto o parecer da Dra. M..., sem pretender colocar de modo algum aqui em causa a sua competência profissional, não indica qual é a sua área de especialidade médica, de modo a permitir aferir qual o grau dos seus conhecimentos sobre as patologias do A.. Tudo considerado, o relatório pericial do IML constante dos autos, mereceu por parte do Tribunal um juízo de reputação e credibilidade científica acrescidos, pelo que o mesmo foi decisivo para a formação da convicção a este respeito.
Sucede que, em conformidade com este relatório [IML], designadamente com a resposta aos quesitos formulados pelo Tribunal, constante da alínea 3), afirma-se, sem qualquer margem para dúvidas, que os esforços da profissão de cozinheiro não constituem a causa original das patologias clínicas sofridas pelo A., constituindo os mesmos tão-somente razão para o seu agravamento.
Por sua vez, o facto dado como não provado no ponto 2) também é resultante de falta de prova bastante nesse sentido por parte do A., pois não basta para sustentar uma teoria de caráter médico-científico, segundo a qual existiriam relações ou interconexões entre as diversas patologias com que o A. foi diagnosticado, a simples junção de um artigo médico publicado numa revista internacional (cfr. doc. 4 junto com a p.i., a fls. 47 a 68 dos autos em suporte físico), relativamente ao qual se desconhece o currículo e a formação científica do seu Autor, ou por exemplo, se o mesmo constitui uma posição científica minoritária ou representa um consenso alargado entre a comunidade científica, se é uma tese inovatória e recente, ou se já se foi sucessivamente testada e comprovada ao longo dos anos.
No fundo, houve diversos aspetos a propósito desta tese sobre os quais o A. foi omisso, e que eram imprescindíveis para que o Tribunal se pudesse convencer do mérito e bondade científicas da relação entre as patologias que é por si alegada. Daí que também este facto tenha sido considerado como não provado.» (negritos e sublinhados nossos).

*

Aditam-se à matéria de facto, nos termos e com os fundamentos que melhor se explicitarão infra, os seguintes factos – cfr. n.º 1 do art. 662.º do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA:
AA. Os esforços físicos correspondentes à atividade de cozinheiro, aos quais o A. esteve sujeito durante vários anos agravaram as doenças identificadas nos pontos 1 e 2 do relatório do IML - cfr. ponto n.º 3 do relatório constante da alínea Z) que antecede.
BB. As patologias constituídas pela mal-formação de Arnold Chiari - Síndrome de Chiari Tipo I e a siringomielia que foram diagnosticadas ao A. estão relacionadas entre si e com a compressão da medula por trauma, hérnias discais e esforço – cfr. relatório constante da alínea Z) que antecede.

II.2. De direito

i) Do erro de julgamento da decisão recorrida sobre a matéria de facto não provada e do consequente erro de julgamento quanto à matéria de direito ao não ter anulado o despacho de 19.01.2013, do SEAMAI, por vício de violação de lei.

Nos presentes autos está em causa a decisão tomada sobre o direito do A., ora Recorrente, a que fosse efetuada uma participação de doença profissional, nos termos do disposto no art. 27.° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20.11.

Vejamos.

Importa atentar no disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11. - diploma que aprovou o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública -, sendo que no caso sub iudice, é aplicável a redação que decorre da Lei n.° 11/2014, de 06.03. e, bem assim, no art. 1.º, n.º 2 – que determina que se aplique às doenças profissionais o regime dos acidentes de trabalho, como seja o art. 11º, quanto às predisposições patológicas anteriores - da Lei nº 98/2009, de 04.02. - que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais:

Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11.

«(…)

CAPÍTULO III

Doenças profissionais

SECÇÃO I

Da qualificação e participação da doença profissional

Artigo 25.°

Doença profissional

São doenças profissionais as constantes da lista de doenças profissionais publicada no Diário da República e as lesões, perturbações funcionais ou doenças não incluídas na referida lista, desde que sejam consequência necessária e direta da atividade exercida pelo trabalhador e não representem normal desgaste do organismo.

Artigo 26.°

Qualificação da doença profissional

1 - O diagnóstico e a caracterização como doença profissional e, se for caso disso, a atribuição da incapacidade temporária ou a proposta do grau de incapacidade permanente são da responsabilidade dos serviços médicos do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, adiante designado por Centro Nacional.

2 - A confirmação e a graduação da incapacidade permanente são da competência da junta médica prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 38.°.

Artigo 27.°

Participação da doença profissional

1 - Os médicos devem participar obrigatoriamente ao Centro Nacional todos os casos clínicos em que seja de presumir a existência de doença profissional, em impresso próprio fornecido por aquele, no prazo de oito dias úteis a contar da data do diagnóstico.

2 - O trabalhador deve entregar ao respetivo superior hierárquico cópia da participação referida no número anterior ou declaração ou atestado médico de que conste o diagnóstico presuntivo, no prazo de dois dias úteis, contado da data da participação ou da emissão do documento médico.

Artigo 28.°

Participação institucional

1 - Sem prejuízo das demais comunicações previstas na lei, o Centro Nacional deve comunicar os casos por ele confirmados de doença profissional às seguintes entidades:

a) Entidade empregadora;

b) Caixa Geral de Aposentações;

c) ADSE;

d) Delegado de saúde concelhio.

2 - Nos casos de existência de indícios inequívocos de especial gravidade da situação laboral, a participação a que se referem as alíneas a) e d) do número anterior deve ser antecipada, relativamente à confirmação da doença, a fim de serem tomadas as necessárias medidas de prevenção.

3 - O Centro Nacional deve também comunicar à respetiva entidade empregadora qualquer caso não confirmado de doença profissional.

4 - Recebida a comunicação prevista na alínea a) do n.° 1, a entidade empregadora deve participar:

a) Nos termos da legislação em vigor, ao competente departamento do ministério responsável pela área do trabalho;

b) Aos respetivos serviços de segurança e saúde no trabalho.

(…)»

Lei nº 98/2009, de 04.02

Artigo 1.º

Objecto da lei

1 - A presente lei regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

2 - Sem prejuízo do disposto no capítulo iii, às doenças profissionais aplicam-se, com as devidas adaptações, as normas relativas aos acidentes de trabalho constantes da presente lei e, subsidiariamente, o regime geral da segurança social.

Artigo 11.º

Predisposição patológica e incapacidade

1 - A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.

2 - Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei. (…)». (negritos e sublinhados nossos).

Entendeu a decisão recorrida que o citado e supra transcrito art. 25.º, exigia que fosse feita uma distinção fundamental entre as doenças típicas e as atípicas, nos seguintes termos: as típicas seriam as que constam da lista das doenças profissionais, publicada em Diário da República - cfr. Decreto Regulamentar n.º 76/2007, de 17.07. - , bastando que, em relação às mesmas, o trabalhador alegasse e provasse que havia sido diagnosticado com a doença profissional descrita na lista e que esteve exposto ao respetivo fator de risco também aí indicado. Feita essa prova, presumir-se-ia que a doença de que o trabalhador padecera seria consequência dessa exposição.

Ao invés, no caso de se tratar de doença profissional atípica, ou seja, todas as demais doenças não descritas na referida lista, ao trabalhador incumbiria o ónus de provar, não apenas que havia sido diagnosticado com a doença, e de que esteve exposto a algum fator de risco relevante, como também o correspondente nexo causal, a saber, de que a doença em causa seria, necessária e diretamente, consequência dessa exposição, ocorrida a propósito do exercício da sua profissão.

Tendo concluído que, no caso sub judice, as doenças que o A., ora Recorrente, pretendia ver reconhecidas como doenças profissionais não constavam da lista do Decreto-Regulamentar n.º 76/2007, de 17.07., pelo que apenas poderia estar em causa doenças atípicas, ao abrigo da segunda parte do disposto no art. 25.° do citado Decreto-Lei n.° 503/99.

Razão pela qual, como o A., ora Recorrente, não havia logrado provar, nos termos do art. 342.°, n.° 1, do CC, pois sobre si recaia esse ónus, que as doenças com quais foi diagnosticado, constituíam consequência direta e necessária da atividade profissional por si exercida ao longo de diversos anos como cozinheiro militar da GNR, e bem assim, que as mesmas não adviriam do desgaste normal do organismo, não sendo resultado do natural processo de envelhecimento humano – cfr. nomeadamente, facto n.º 1 da matéria de facto não provada – julgou a ação improcedente.

Desde já se adianta que não se acompanha a decisão recorrida.

Vejamos porquê.

O pressuposto constante do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11., ínsito na expressão «consequência direta e necessária da atividade profissional», em sede de classificação de determinada doença como doença profissional, constitui um conceito jurídico indeterminado, cujo preenchimento deve ser feito mediante juízos de caráter médico e científico suficientemente fundados, a ponto de se poder firmar uma relação de causa - efeito entre o exercício continuado de uma determinada profissão e o surgimento de uma certa patologia clínica.

Entendeu a sentença recorrida que para os serviços da GNR poderem dar início ao procedimento conducente à uma eventual declaração de doença profissional, «seria indispensável o prévio estabelecimento de um nexo de causalidade, de índole puramente factual e naturalística, entre o conteúdo funcional de uma certa profissão e uma determinada doença previamente diagnosticada ao trabalhador.»

Porém, e sem prejuízo absoluto do entendimento vertido na sentença recorrida, a nosso ver, assiste razão ao Recorrente por força do disposto no já citado e supra transcrito art. 1º, n.º 2 – que determina que se aplique às doenças profissionais o regime dos acidentes de trabalho, como seja o art. 11.º, quanto às predisposições patológicas anteriores - da Lei nº 98/2009, de 04.02. - que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais – e, bem assim, porque sempre competirá ao CNDP - atualmente Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais integrado no Instituto de Segurança Social, I.P. (CNPCRP) - o diagnóstico e a caracterização da doença profissional.

E isto, por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, porque não se vê razão para que o tribunal a quo tenha desvalorizado in totum o relatório médico apresentado pelo A., ora Recorrente, subscrito por médica especializada em medicina do trabalho, que se pronunciou pela existência da doença profissional – cfr. facto constante da alínea Y) da matéria de facto supra.

E, em segundo lugar, porque a resposta de não provado ao facto supra transcrito sob o n° 2 não reflete, salvo melhor entendimento, o conteúdo da conclusão a que chegou o Instituto de Medicina Legal no relatório a que o tribunal a quo atribuiu total relevância, designadamente, no seu ponto 3, onde se afirma que «3 - Os esforços da profissão de cozinheiro, não tendo sido a causa original das alterações clínicas presentes, são razão de agravamento da doença - cfr. alínea Z) da matéria de facto supra.

Na verdade, tendo em conta este assinalado agravamento, não poderia depois afastar liminarmente o facto de a doença do Recorrente poder estar relacionada com uma predisposição patológica do mesmo para a doença que veio a padecer no exercício da sua profissão.

No caso, importa, como vimos, ter em conta o regime geral dos acidentes trabalho, não só no que se encontrava previsto no citado Decreto-Lei n.º 503/99, na versão em vigor à data dos factos, mas também no que decorre da Lei nº 98/2009, de 04.02. - que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais - cujo art. 1º, n.º 2, determina que se aplique às doenças profissionais o regime dos acidentes de trabalho, como seja o art. 11.º, quanto às predisposições patológicas anteriores.

Vejamos em que termos.

Sobre a relevância das predisposições patológicas é ampla a jurisprudência dos nossos tribunais superiores (1), no sentido de que «Se o sinistrado padecer de patologia/doença preexistente ao acidente e do mesmo lhe advier incapacidade permanente parcial para o trabalho e bem assim o agravamento daquela patologia que lhe determina incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, esta deverá ser avaliada como se tivesse resultado do acidente [artigo 11º, nº 2 da Lei nº 98/2009, de 04.09 (NLAT).».

Embora as doenças que o Recorrente revelou ter possam ser consequência de uma causa endógena do próprio, o certo é que a mesma se veio a manifestar no âmbito da sua atividade profissional, enquanto cozinheiro.

E, como se viu, a prova produzida permite-nos afirmar que o esforço físico - causa exógena – a que o mesmo foi sujeito durante os anos de serviço, foi determinante e precipitante se não da doença, pelo menos do seu agravamento – cfr. nova alínea AA) dos factos provados, na presente decisão aditados.

Na verdade, e sem esquecer que não está em causa proceder a um novo julgamento, mas apenas o exame da decisão recorrida e respetivos fundamentos, através da análise da prova documental junta aos autos, imperioso se torna concluir que procede o invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto, devendo alterar-se a matéria de facto dada como não provada, no caso, o facto n.º 2, eliminando-se o mesmo e aditando-se uma alínea BB) aos factos provados nos termos seguintes: «BB. As patologias constituídas pela mal-formação de Arnold Chiari - Síndrome de Chiari Tipo I e a siringomielia que foram diagnosticadas ao A. estão relacionadas entre si e com a compressão da medula por trauma, hérnias discais e esforço – cfr. relatório constante da alínea Z) que antecede. » - já incerto na decisão supra - atendendo à verificada predisposição patológica do Recorrente e ao disposto nos já citados e supra transcritos art.s 1.º, n.º 2 e 11.º, da Lei nº 98/2009, de 04.02. - que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais.

Assim, face a todo o exposto, imperioso se torna anular o despacho proferido pelo SEAMAI de 19.12.2013 – cfr. alínea U) matéria de facto - e condenar o Recorrido a abrir processo interno para qualificação e estimativa das consequências da doença profissional do A., ora Recorrente, no âmbito do qual seja transmitido ao CNPCRP o respetivo expediente, para seguimento, nos termos do art. 26.°, n.° 1 do citado Decreto-Lei n.º 503/99, conforme peticionado na ação.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e em revogar a decisão recorrida, julgando a ação procedente nos termos supra enunciados.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 18.02.2021.

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Dora Lucas Neto

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A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) Por todos, v. ac. STJ, de 12.09.2013, P. 118/10.1TTLMG.P1.S1, disponível em ww.dgsi.pt