Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08464/15
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:MATÉRIA DE DIREITO DO TRABALHO
CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário:I – Por força do preceituado no artigo 4.º n.º 1 alínea h) do Regulamento das Custas Processuais, os trabalhadores (e seus familiares) quando litiguem em matéria de direito do trabalho e se façam representar em juízo pelo Ministério Público ou por advogado do sindicato cujos serviços lhe sejam gratuitamente facultados e não aufiram rendimentos ilíquidos, à data da proposição da acção ou incidente ou, quando aplicável, à data do despedimento, superior a 200 UC, estão isentos de custas.
II – Para efeitos de aplicação do preceito supra referido a expressão (e pressuposto) “matéria de direito de trabalho”, deve ser interpretada, sob pena de violação dos princípios da igualdade e do acesso ao direito e à justiça constitucionalmente consagrados, no sentido de relação material ou substantiva subjacente ao litigio jurídico e não por referência ao Tribunal em que, por razões de natureza processual, de organização e funcionamento dos Tribunais ou de vinculação jurisdicional, o processo corre termos.
III - Tendo a presente reclamação judicial por objecto despacho de indeferimento liminar proferido pelo órgão de execução fiscal relativamente a uma reclamação de créditos fundada num crédito laboral, apresentada por um trabalhador que alega e prova que os seus rendimentos anuais (no ano de interposição da acção) são inferiores ao valor correspondente a 200 UC e que está a ser patrocinado gratuitamente pelos serviços jurídicos do Sindicato a que pertence, não lhe deve ser exigido o pagamento de taxa de justiça para efeitos de prosseguimento da acção, atenta a isenção de custas de que beneficia nos termos do artigo 4.º n.º 1 al. h) do diploma supra citado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I - Relatório

Joaquim………………………., inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que lhe exigiu para prosseguimento do presente processo de reclamação judicial o comprovativo de pagamento de taxa de justiça, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Nas alegações por si oportunamente apresentadas conclui nos seguintes termos:

«1. O Recorrente litiga em matéria de direito laboral, reivindicando o pagamento de créditos laborais reconhecidos judicialmente e não voluntariamente pagos;
2. A sequela do seu direito, emergente de créditos laborais, judicialmente reconhecido no âmbito da jurisdição laboral, trouxe o Recorrente à presente jurisdição, visto que, nos termos do disposto no artigo 276° do CPPT, a competência para apreciação da presente reclamação compete aos Tribunais Tributários, competindo-lhe, portanto, decidir sobre o presente litígio fundado substantivamente no Direito do Trabalho.
3. O Recorrente alegou e comprovou documentalmente que:
a) foi trabalhador e litiga em matéria de direito laboral;
b) Encontra-se representado por Advogado dos serviços jurídicos do seu Sindicato;
c) Tais serviços são para si gratuitos; e que,
d) O seu rendimento ilíquido à data da reclamação de créditos não é superior a 200 UC.
4. O Recorrente encontra-se, por conseguinte, sob previsão do disposto na al. h) do n°1 do artigo 4° do RCP "[o]s trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;";
5. Impõe-se que lhe seja reconhecido o direito à isenção subjectiva de pagamento de custas que dimana das normas desta disposição.,
Nestes termos, requer a V. Exas., o reconhecimento do direito à isenção de custas prevista na al h) do n°1 do artigo 4° do RCP, revogando-se a decisão recorrida.«.

Admitido o recurso e notificada dessa admissão a Fazenda Pública, optou esta por não contra-alegar.

Os autos foram com «Termo de Vista» ao Ministério Público junto deste Tribunal Central, que emitiu parecer pugnando pela revogação da decisão recorrida, por ser evidente que o reclamante está isento do pagamento de custas, nos termos do artigo 4.º n.º 1 al. h) do Regulamento das Custas Processuais.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem os autos à Conferência para decisão.

II – Objecto do processo

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, o objecto do mesmo se esgota numa única questão: saber se, face aos factos que nos autos se mostram apurados, o Tribunal a quo errou ao decidir que os autos não prosseguiriam sem que o Reclamante procedesse ao pagamento da taxa de justiça devida por, litigando em processo judicial tributário, não lhe ser aplicável a isenção prevista no artigo 4.º al. h) do Regulamento das Custas Processuais.

III – Fundamentação de Facto

Com relevo para a apreciação do presente recurso mostram-se comprovados nos autos os factos que a seguir se enunciam:

1. Joaquim…………………………, apresentou reclamação de créditos junto do Serviço de Finanças de Lisboa – 4-3301 nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 84 e 85 destes autos cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos, tendo a mesma sido liminarmente indeferida.

2. O Recorrente apresentou Reclamação Judicial daquela decisão de indeferimento, que constitui fls. 5 a 7 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta, para o que ora releva, no seu ponto I, artigos 1.º a 12.º. o seguinte:


«

A al. h) do n°1 do artigo 4° do RCP dispõe: "[o]s trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;", verifica-se que o âmbito subjectivo da norma se destina aos trabalhadores.
O Reclamante é - ou era até ao seu despedimento - trabalhador subordinado do Executado ………………………. (cfr. doc. n°1, que ora se junta e dá por reproduzido).
O Reclamante é sócio do …………………………………..., (cfr. doc. n°2 que aqui se dá por reproduzido),
nele beneficiando de serviços jurídicos gratuitos (cfr. doc. n° 2).
O seu mandatário judicial, signatário, subscreve a presente reclamação na qualidade de advogado do Serviço de Contencioso do referido Sindicato (cfr. doc. n°2).
Os rendimentos anuais do Reclamante, provenientes de trabalho subordinado, são inferiores à multiplicação do valor de uma unidade de conta por 200, ou seja, 20.400,00€ (cfr. doc. n°3, que se protesta juntar).
O objecto da presente acção é o indeferimento do pedido que o Reclamante dirigiu ao Serviço de Finanças - supra identificado -, fundado em crédito laboral, judicialmente reconhecido, como melhor se especifica infra.
O direito ao pagamento de créditos laborais decorrentes de relação laboral, por essa especificidade, não se confunde com reclamação de créditos fundada em diversa relação jurídica, comercial, v. g.,
como tal, constitui matéria substantiva de Direito do Trabalho. Contudo,
10°
nos termos do disposto no artigo 276° do CPPT, a competência para apreciação da presente reclamação compete aos Tribunais Tributários, competindo-lhe, portanto, decidir sobre o presente litígio fundado substantivamente no Direito do Trabalho.
11°
Pelo que se encontram reunidos todos os requisitos legais para o Reclamante beneficiar da isenção de custas, prevista na al. h) do n°1 do art.4° do Regulamento de Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL n° 34/2008, de 26/2, com última alteração introduzida pela Lei n.°7/2012.».

3. O documento referido no artigo 3.º da petição supra, tem o seguinte teor:

«SINDICATO DOS TRABALHADORES DO COMÉRCIO ESCRITÓRIOS E SERVIÇOS DE PORTUGAL

DECLARAÇÂO
(Isenção de Custas)
Para efeitos de isenção de custas judiciais, prevista na al. h) do n° 1 do art. 4° do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n° 34/2008, de 26 de Fevereiro, declara-se que o sócio deste Sindicato n°………. desde Março de 1999, Sr. Joaquim…………….., em processo de reclamação e graduação de créditos laborais, impugnando a decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira, em que é executada a …………….., S.A., está representado pelos serviços jurídicos do Sindicato, na pessoa do Dr. José …………….., serviços estes que são gratuitos.
Lisboa, 14 de Julho de 2014
A Direcção
CESP - Sindicato Trabalhadores Comércio Escritórios a Serviços de Portugal SEDE NACIONAL» (cfr. documento de fls. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4. Recebida a Reclamação Judicial no Serviço de Finanças, foi aí, a 5 de Novembro de 2015, lavrada a seguinte

«INFORMAÇÃO


Tendo o reclamante sido notificado a 04-07-2014, da rejeição liminar da reclamação de créditos, no âmbito da venda Judicial 3301.2011.261, teria nos termos do art°277° do CPPT, 10 dias para apresentar contestação a tal acto.


A petição é tempestiva por ter sido assegurada a sua entrada em 14.07.2014.


O requerente alega a ilegalidade da decisão:


1. O requerente foi citado para reclamar créditos quanto a venda judicial 3301.2011.261 a 27-12-2011, tendo já apresentado nestes serviços a competente reclamação a 31-05-2010.


2. O requerente foi trabalhador por conta, sob autoridade e direcção da executada …………… SARL.


3. O requerente foi licitamente despedido, conforme decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa, e depois confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26-09-2003.


4. Ao reclamante foi reconhecido um crédito por decisão judicial no valor de €34.971,85, não tendo obtido o cumprimento voluntário, por parte da executada.


5. Com base na decisão judicial os créditos existentes derivam de salários em atraso e indemnizações compensatórias por antiguidade, gozando os mesmos de privilégios creditórios e de preferência, conforme disposição legal a data dos factos (n°1 e n°3 do artigo 4 da Lei n°96/2001).


6. O reclamante alega que o seu direito, de harmonia com o disposto no abrigo 333° do código do trabalho, goza de privilegio mobiliário geral, e privilegio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.


7. O requerente considera que mesmo não tendo beneficiado do privilégio creditório, nunca poderia ser rejeitado liminarmente tal crédito, com o fundamento de que o mesmo não gozaria de garantia real.

Posição da AT:
Na petição vem agora o reclamante, através de mandatário, insurgir-se contra a rejeição liminar da reclamação de créditos apresentada, juntando como prova da existência do crédito verificado pelo tribunal, um recibo de vencimento datado de 31 de Janeiro de 2000.
Ora, nos termos do artigo 246° do CPPT, "na reclamação de créditos observar-se-ão as disposições do Código de Processo Civil, mas só é admissível prova documental", facto de que só agora o requerente pretende prova com o documento apresentado.
O bem objecto da venda acima identificada é um imóvel. No que concerne aos privilégios creditórios, o artigo 333° do Código de Trabalho (e também a sua anterior versão no art.377.°) determina o seguinte:
1 - Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2- A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n°1 do artigo 747°do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748° do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social.
O referido artigo veio atribuir um privilégio imobiliário especial aos créditos laborais dos trabalhadores que exerciam a sua actividade no imóvel da entidade empregadora (aqui executada), privilégio esse que prevalece sobre a hipoteca.
Tratando-se de um facto constitutivo do privilégio creditório imobiliário conferido aos trabalhadores pelo referido preceito legal, o ónus da prova de que prestam "a sua actividade" no imóvel pertencente ao empregador sobre o qual querem invocar o privilégio imobiliário impende sobre os mesmos, nos termos gerais previstos no n°1 do artigo 342° do Código Civil.
Na reclamação de créditos apresentada, apenas é alegado que "...de harmonia com o disposto no artigo 333.° do Código do Trabalho, os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial", não tendo sido produzida qualquer prova de que o trabalhador prestava a sua actividade no imóvel ora vendido, nem tal vem enunciado na sentença proferida no âmbito da respectiva acção declarativa, junta como documento de suporte.
Sendo que o reconhecimento do privilégio estaria sempre dependente da verificação em concreto dos seus pressupostos, os quais inexistem ou sequer são suficientemente indiciadores na reclamação apresentada, pois não basta alegar a existência e montante do seu crédito, sendo exigível a verificação de um nexo entre a prestação da actividade laborai e o imóvel objecto da presente venda, com a necessária prova de tais factos.
Ora a sociedade executada tem sede na Rua ……………………. Lisboa.
O requerente exercia o cargo de "caixeiro 1" e conforme o explanado na sentença proferida pelo tribunal do trabalho de Lisboa 1° Juízo, este teria como sede laboral, em primeiro lugar uma empresa onde a executada teria uma participação com sede em cascais, sendo depois estipulado que o local de trabalho do requerente seria o da sede da executada.
Ora imóvel alienado na venda judicial em causa, não só não era utilizado na actividade comercial da executada como também, nunca o foi pelo reclamante para exercer as funções que o ligavam por vínculo labora à executada.
Em consequência, entende a AT que, em face dos elementos existentes, não se pode considerar que o crédito peticionado pelo reclamante supra identificado goza de privilégio imobiliário especial, não existindo também qualquer outra garantia real que o suporte.
À consideração superior.» (cfr. documento de fls. 165-167, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5. Na mesma data, pela Chefe de Finanças em substituição foi proferido o seguinte
«DESPACHO
Mantêm-se os actos praticados.
Remeta a presente Reclamação e informação, acompanhada do processo executivo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, deixando em seu lugar cópia certificada.».

6. No Tribunal Tributário de Lisboa, após ter sido pela Secretaria recebida a presente Reclamação, foram os autos apresentados com «Termo de Conclusão» ao Juiz titular que proferiu o seguinte despacho:
«Notifique o reclamante para vir aos autos juntar comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sem o qual os autos não prosseguirão, uma vez que não se encontra isento do pagamento da mesma no âmbito do processo judicial tributário, atento o disposto no artº4 do Regulamento das Custas Judiciais.».

7. O reclamante interpôs recurso jurisdicional do despacho referido em 6., tendo, por decisão exarada nos autos a 2 de Fevereiro de 2015, a Meritíssima Juiz mantido o entendimento vertido na decisão recorrida.
8. No ano de 2014, a Administração Tributária apurou, para efeitos de IRS, ao reclamante, relativamente ao ano de 2013, um “Rendimento global de € 13.043,00” (cfr. documento de fls. 81 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

IV – Fundamentação de Direito

Como deixámos explícito no ponto III supra, a única questão a decidir é a de saber se o Tribunal a quo andou bem ao exigir o pagamento e apresentação do comprovativo de pagamento da taxa de justiça para efeitos de prosseguimento dos autos, por entender que a isenção prevista no artigo 4,º n.º 1 al. h) do Regulamento das Custas Judiciais não é aplicável em processo judicial tributário.

O Recorrente, e também o Exmo. Procurador-Adjunto neste Tribunal, discordam, em resumo, por entenderem não existir fundamento algum para que, verificados os pressupostos previstos no mencionado preceito, sejam excluído do seu âmbito as situações ou litígios que corram termos em processo judicial tributário.

Vejamos.

Um dos objectivos da última reforma em sede de custas processuais, e que assumiu corpo no respectivo Regulamento, foi a de, tendo em conta diversos estudos realizados e presentes aspectos disfuncionais do respectivo regime, realizar uma reforma ampla do regime vigente, constituindo a «Reavaliação do sistema de isenção de custas» uma das suas principais linhas de orientação (cfr. preâmbulo do DL n.º 34/2008, de 27 de Fevereiro).

Dentro dessa ampla reavaliação, entendeu o legislador, proceder “a uma drástica redução das isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenções.».

É dentro desta ampla filosofia ou projecto de política legislativa que deve entender-se a total revogação operada pelo artigo 25.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 das isenções até aí previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria, conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas e o novo elenco formulado no artigo 4.º do mesmo diploma enquanto normativo abrangente, quase em exclusivo, do tipo de isenções objectivas e subjectivas admitidas no ordenamento jurídico português.

O preceito em referência, para o que ora releva, dispondo que «Estão isentos de custas: (…) h) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;» traduz, em nosso entender, um significativo alargamento (ainda que não pacifico, como veremos, quer em termos de opção, quer em termos de interpretação) das situações de litígio que são objecto de isenção de custas concedidas à parte – trabalhador (e familiares) que passaram a ser, insiste-se, em nosso entender, todas as que envolverem matérias, isto é, questões relacionadas com direito do trabalho desde que verificadas os demais pressupostos (ao nível dos rendimentos e da assistência jurídica aí previstas).

Efectivamente, o anterior Código das Custas Judiciais (1), na redacção que assumiu após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, apenas isentava de custas os “sinistrados em acidente de trabalho e os portadores de doença profissional nas causas emergentes do acidente ou da doença, quando representados ou patrocinados pelo Ministério Público”, bem como os familiares desses trabalhadores a quem a Lei conferisse direito a pensão, nos casos em que do acidente ou da doença tivesse resultado a morte do trabalhador e se propusessem fazer valer ou manter os direitos emergentes do acidente ou da doença, desde que representados ou patrocinados pelo Ministério Público. Previsão ou isenção que, de resto, se mostrava já contemplada na redacção anterior à alteração promovida pelo referido Decreto-Lei n.º 324/2003, sem, todavia, então se fazer depender essa isenção do exercício do patrocínio pelo Ministério Público (cfr., em especial, artigo 2.º n.º 1 alíneas e) e f) do código em referência).

Com o novo Regulamento das Custas Processuais, o legislador volta a assumir ou consagrar uma presunção de insuficiência económica para todos os trabalhadores: é concedida a isenção a todos os trabalhadores, independentemente da causa concreta que motiva o recurso aos meios jurisdicionais, desde que essa causa se insira dentro da matéria do direito do trabalho, aquele não aufira rendimentos superiores ao limite no preceito estabelecidos, isto é, não aufira rendimentos superiores a 200 Unidades de conta e os serviços prestados por este e no processo em que se pretende opere a isenção o trabalhador esteja representado pelo Ministério Público ou por advogado do Sindicato a que pertença e os serviços por este prestado o sejam a título gratuito.

É todo este enquadramento jurídico e pressupostos de facto de que está dependente a isenção de custas prevista no artigo 4.º n.º 1 al. h) do RCP, que levou já a que se afirmasse que este normativo é uma espécie de compromisso perante as diferentes tendências da evolução legislativa mais recente em matéria do acesso ao direito e de apoio judiciário no que aos trabalhadores e aos processos em matéria laboral diz respeito. E, consequentemente, à defesa de que aquele normativo, e os pressupostos de que está dependente, deve ser compreendido como integrado num quadro mais alargado de acesso ao direito e a sua interpretação e aplicação concreta ter que ser perspectivada conjugadamente com o regime geral de apoio judiciário, ambos, conjugadamente, assegurando um efectivo acesso ao Direito e aos Tribunais àqueles que, pelas condições pessoais e funcionais em que litigam, naturalmente nesse acesso terão maiores dificuldades. (2)

É, pois, neste contexto, e tendo presente que o legislador optou por manter a isenção de custas aos trabalhadores sempre que em causa estejam matérias de direito do trabalho - isto é, questões relativas ao direito do trabalho -, desde que verificadas os demais pressupostos ao nível dos rendimentos e da assistência jurídica aí previstas, que urge que encaremos a questão que nos autos se impõe que decidamos.

Nesse sentido, sendo inequívoco, face à factualidade que demos por assente, que o Reclamante se encontra a ser gratuitamente representado pelos serviços jurídicos do sindicato de que é sócio e auferiu no ano de interposição da acção um rendimento ilíquido global inferior a 200 unidades de conta [200x €102 (valor unidade de conta) = € 20.400,00], a única razão que se descortina como capaz de fundar a decisão do Tribunal a quo de exigir o pagamento da taxa de justiça, por não lhe ser aplicável a isenção prevista no normativo em referência, é a de que não julgou que a matéria dos autos seja matéria de direito do trabalho.

Adiantamos, desde já, que em nosso entender, julgou mal.

Efectivamente, há que distinguir o que constitui matéria substantiva de direito do trabalho e o que seja matéria processual que regula os processos ou acções tramitados nos Tribunais de Trabalho ou determine que aí devam correr termos, sendo que o facto de um determinado processo dever, por imposição legislativa, correr processualmente termos em determinados tribunais ou jurisdição específica (como é o caso do presente, por força, designadamente, do preceituado nos artigos 148.º, 149.º, 150.º, 151.º e 276.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário), não significa que o direito substantivo que aí haja de ser aplicado não emirja de regulamentações especiais de outros ramos do direito (direito do trabalho), ou que, o que agora sobremaneira nos importa, que um determinado processo em que se visa acautelar interesses ou direitos de um trabalhador por força da sua prestação laboral, não deva beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 4.º n.º 1 al. h do RCP, apenas porque corre termos noutro Tribunal que não o do foro especial laboral (Tribunal do Trabalho).

Foi esta distinção, insista-se, que não pode deixar de estar presente, que a Meritíssima Juiz, ainda que implicitamente, revela não ter acolhido.

Diga-se, aliás, que em rigor, a posição perfilhada pelo Tribunal a quo encontra algum suporte na letra da lei, uma vez que, tendo o legislador optado pela consagração de uma expressão neutra - “em matéria de direito do trabalho” – de alguma forma possibilitou que à volta dessa formulação (ou do seu teor literal) se criassem posições interpretativas distintas: uma, acentuando o espírito da norma, que considera incluída na isenção prevista no artigo 4.º n.º 1 al. h) do RCP todo o tipo de acções relacionadas com a “matéria de direito do trabalho”, isto é, considerando abrangida pela isenção todas as acções que independentemente do Tribunal onde corram termos comportem um pedido ou reconhecimento de um direito emergente de uma relação laboral; outra, mais presa ao texto da norma e ao seu carácter excepcional, reduzindo aquele direito de isenção apenas às acções tramitadas naqueles Tribunais de competência especializada (artigo 75.º d) e 78.º a 85.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).

Como deixámos já indiciado, é a primeira das enunciadas teses a por nós perfilhada, por duas ordens de razão: a primeira é a de que essa tese é a única que conjuga a letra com o espírito da norma, permite alcançar de forma mais abrangente a realização dos valores e interesses tidos em vista com a consagração da isenção e reforça o verdadeiro sentido do carácter ou natureza excepcional da norma; a segunda razão é a de que a restrição decorrente da tese mais literal conduz a resultados incompatíveis com o espírito da mesma norma, com o sistema jurídico na sua globalidade e com os princípios de acesso ao direito e de igualdade consagrados nos artigos 13.º e 20.º da nossa Constituição.

E não se diga, em sentido contrário, que a consideração ou enquadramento que inicialmente por nós foi realizado, mormente quanto à necessidade de enquadrar este dispositivo com o regime geral de apoio judiciário, permitiria ultrapassar ou mesmo afastar a imposição do elemento interpretativo sistemático que chamámos à colação, isto é, que aquela interpretação restritiva em nada colidiria com aqueles direitos por o trabalhador poder sempre beneficiar daquele apoio e, assim, ver assegurado o acesso ao direito e aos tribunais.

Na verdade, basta atentarmos nas diferentes condições de atribuição desse regime geral com as da presente isenção para facilmente concluirmos que este último é superiormente benéfico ao trabalhador, para além de que sempre subsistira o injustificado tratamento desigual (constitucionalmente proibido) concedido ao mesmo sujeito (trabalhador), nas mesmas condições económicas (rendimento anual inferior a 200 UC) e com igual tipo de assistência jurídica (patrocínio em juízo através de advogado suportado pelo Sindicato) consoante litigasse para defender os seus direitos laborais em Tribunal de Trabalho ou noutro tipo ou categoria de Tribunais (no caso, Tribunal Tributário).

E, sendo assim, resta-nos apenas aferir da natureza da relação subjacente ao litigio, isto é, apurar qual o fundamento da Reclamação Judicial e o pedido aqui formulado, a fim de concluir se, no caso, está ou não ainda em causa o reconhecimento de uma pretensão laboral.

Ora, como se constata dos autos, em especial da factualidade por nós fixada, o Reclamante apresentou uma reclamação de créditos no apenso de verificação e graduação de créditos apenso à execução fiscal instaurada contra a sua entidade patronal, alegando e provando, em resumo nosso, que por sentença judicial, transitada em julgado, foi reconhecido como “ilícito e abusivo o despedimento» e aquela entidade patronal condenada a «pagar-lhe o valor das retribuições que deixara de auferir desde 30 dias antes da sentença até à data desta e uma indemnização correspondente a dois meses de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença, acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal”.

Essa reclamação de créditos veio a ser liminarmente indeferida por o órgão de execução fiscal ter entendido, para além do mais, que o Reclamante não tinha demonstrado que era no imóvel penhorado e objecto de venda no processo de execução fiscal onde tinha reclamado créditos, que exercia as suas funções laborais, condição que entendeu como imprescindível à verificação e graduação do crédito que aquele se arrogava.

É desta concreta decisão do órgão de execução fiscal que nasce a presente Reclamação Judicial, pedindo o ora Recorrente ao Tribunal Tributário de Lisboa, em conformidade com os normativos já citados quanto à competência para a sua apreciação, a anulação daquela decisão.

E, sendo assim, isto é, fundando-se a reclamação de créditos na existência de um crédito emergente de um despedimento ilícito, cujo valor o trabalhador/reclamante alega e prova não ter sido liquidado e julga dever ser verificado e graduado numa determinada posição que lhe não foi reconhecida e que é com essa decisão que o trabalhador e simultaneamente credor reclamante se não conforma, não vemos como possa concluir-se que não é matéria de direito do trabalho a que ainda está em causa. Ou seja, atendendo à causa de pedir, ao pedido formulado e às questões que ao Tribunal Tributário de Lisboa importará apreciar, julga-se ser ainda “matéria de direito do trabalho”, ou com esta directamente relacionada, a que aqui se apresenta a ser discutida e, consequentemente, deve ser reconhecido ao Reclamante o direito a litigar com isenção de custas, verificados que estão todos os demais pressupostos previstos no artigo 4.º n.º 1 al. h) do Regulamento das Custas Judiciais

Mas, mesmo que se entendesse que a interpretação que julgamos ser de realizar do preceituado no artigo 4,º n.º 1 al. h) do RCP apenas em sentido muito amplo pode ser aceite, por em rigor, a questão in casu já não ser de reconhecimento ou não de um crédito laboral, mas do valor desse crédito já reconhecido ou do título em que se materializa para efeitos da sua verificação e graduação em sede de reclamação de créditos - e, consequentemente, a apreciação dessa questão em nada se distinguir de qualquer outra, isto é, relevar apenas do direito comum e não assumir especificidade alguma face às demais eventualmente colocadas na mesma reclamação, o que, como vimos, atento o fundamento da reclamação e da decisão do órgão de execução fiscal não é o caso -, sempre se teria que chegar a idêntica conclusão ou decisão sob pena de se estar a fazer uma distinção que seguramente o legislador não pretendeu que fosse realizada e a violar-se a igualdade de tratamento constitucionalmente imposta.

Efectivamente, não tendo o trabalhador visto ainda satisfeita a pretensão de ser ressarcido do crédito emergente de relação laboral de que é já indiscutivelmente titular, e julgando que este meio – reclamação de créditos – é ainda o meio de alcançar esse desiderato, estão, ainda, indiscutivelmente, presentes as razões, os princípios e valores que estiveram na génese da consagração da isenção consagrada no artigo 4,º n.º 1 al. h) do RCP a que supra fizemos referência, sendo a interpretação restritiva que a não acolhe violadora desses valores e princípios, e ainda do princípio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais previstos nos artigos 13.º e 20.º da nossa Lei Fundamental.

Em conclusão: tendo a presente reclamação judicial por objecto o despacho de indeferimento liminar proferido pelo órgão de execução fiscal relativamente a uma reclamação de créditos fundada num crédito laboral, apresentada por um trabalhador que alega e prova que os seus rendimentos anuais (no ano de interposição da acção) são inferiores ao valor correspondente a 200 UC e que está a ser patrocinado pelos serviços jurídicos do Sindicato a que pertence, não lhe deve ser exigido o pagamento de taxa de justiça nesta Reclamação atenta a isenção de custas de que beneficia nos termos do artigo 4.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.

O que significa que, o Tribunal Tributário de Lisboa ao ter julgado que a presente situação está excluída do âmbito do artigo 4.º n.º 1 al h) do Regulamento das Custas Judiciais e, consequentemente, não beneficiava o trabalhador em dessa isenção por a mesma não ter aplicabilidade no âmbito do processo judicial tributário, incorreu em erro de julgamento que urge corrigir, o que se faz com a revogação da decisão recorrida.

V – Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa do processo à 1.ª instância onde, sem exigência do pagamento de taxa de justiça, deve prosseguir os termos que forem julgados devidos.

Sem custas.

Registe, notifique e, transitada a presente decisão, remetam-se os autos à 1ª instância.

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Lisboa, 14-4-2015

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]





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[Ana Pinhol]

(1)Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção vigente após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.

(2) Para este entendimento contribuíram, de forma decisiva, as alterações que foram sendo realizadas ao nível do regime do apoio judiciário, sobretudo as decorrentes da revogação Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro e das presunções de insuficiência económica neste contempladas constantes do seu artigo 20.º, n.ºs 1, alínea c), e 2) e o facto de a nova legislação que enquadra o apoio judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), ter deixado de prever presunções de insuficiência económica directamente relacionadas com a parte processual e a respectiva posição no processo.