Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:940/09.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ISENÇÃO DE IMI.
ACTO DE CLASSIFICAÇÃO DE IMÓVEL DE INTERESSE PÚBLICO.
Sumário:A fachada de um prédio não corresponde ao conceito legal, civil e fiscal, de prédio, dado que não possui autonomia estrutural, nem valor económico próprio. A classificação da fachada como imóvel de interesse público não se projecta sobre o prédio, com vista à aplicação da isenção de IMI.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
V................. e A................., deduziram acção administrativa contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico, praticado pelo Director-Geral dos Impostos, relativo ao benefício fiscal consistente na isenção de IMI relativamente às fracções autónomas designadas pelas letras “AW” do prédio inscrito sob o artigo …. da freguesia do Sacramento e fracções “S”, “T” e “LS” do prédio inscrito sob o artigo .......º da freguesia de Santa Justa de Lisboa.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 244 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 04 de Fevereiro de 2019, julgou parcialmente procedente a acção. A Fazenda Pública não se conformou com o assim decidido, interpondo recurso jurisdicional.
Nas alegações de fls. 492 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Por via do presente recurso pretende a recorrente reagir contra a sentença proferida a 2019-02-04 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que determinou julgar procedente o pedido de isenção de IMI relativamente às frações autónomas S, T e LS do prédio urbano designado por "Teatro Ginásio” e inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Justa sob o artigo nº ……, condenando a recorrente a praticar novo administrativo para o reconhecimento daquela isenção por parte dos Recorridos.
2.) A decisão proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, atento o facto de (i) não ter ponderado devidamente os factos, (ii) não ter apreciado devidamente a prova inclusa nos autos e de (iii) não ter interpretado corretamente a Lei aplicável ao caso vertente.
3) Não é compreensível como pode o tribunal a quo, na tarefa interpretativa, pretender aplicar o Decreto-Lei 309/2009, quando a fachada do prédio urbano aqui em causa foi classificada em 1983, por via do Decreto 8/83, de 24 de janeiro.
4) À data da classificação da fachada aqui em causa (1983) o regime jurídico do património cultural era essencialmente regido pelo Decreto 20.985 de 1932, conforme, aliás, resulta claro do preâmbulo do diploma classificador que é o Decreto 8/83, de 24 de janeiro, no qual se lê categoricamente o seguinte: «Em conformidade com os artigos 2.º, 24.º e 30.º do Decreto nº 20.985, de 7de Março de 1932 (…)»
5) O tribunal a quo jamais podería ter interpretado o legislador do Decreto 8/83 ou aventar sequer um argumento à luz do Decreto-Lei 309/2009, quando bem se sabe que este último visa regulamentar a Lei de Bases do Património Cultural (i.e. a Lei 107/2091, de 8 de setembro), que, por sua vez, veio revogar o Decreto 20.985 de 1932.
6) O argumento invocado pelo tribunal a quo em tomo do Decreto 309/2009 não tem qualquer razão de ser e, como tal, não podia sustentar a conclusão em que se apoiou aquele areópago.
7) A invocação de um argumento em torno do Decreto-Lei 309/2009 revela que o tribunal a quo olvidou uma premissa essencial, qual seja a de que a análise da questão aqui em causa terá necessariamente de ter em conta os conceitos jurídico-patrimoniais vigentes à altura da classificação (i.e.,1983).
8) "A referida legislação do património cultural de 1932 i.e. o Decreto 20.985, de 1932, que regulou a classificação de 1983 aqui em causa, assentava numa filosofia totalmente distinta da atual legislação do património cultural de 2001 e de 2009 (estas últimas caracterizadas pelo alargamento do conceito de património cultural e pelos desafios da sua valorização).
9) O tribunal a quo laborou ainda em confusão ao concluir que a razão de ser do artigo 44//1-n) do EBF é isentar os prédios de IMI, incluindo-se nestes as suas partes componentes, como seja a fachada.
10) O raciocínio expendido pelo tribunal a quo parte de um pressuposto errado, qual seja o de confundir o conceito de “Imóvel” patente no Direito do Património Cultural (seja à luz do Decreto 20.985 de 1932, seja à luz da atual Lei de Bases do Património Cultural de 2001) com o conceito de “Prédio” patente no Direito Civil (artigo 204. °/2 do Código Civil) e no Direito Fiscal (artigo 2º do Código do IMI).
11) “Imóvel e “Prédio" são duas realidades juridicamente diferentes.
12) O conceito de "Imóvel” (utilizado no Direito do Património Cultural) é mais amplo do que o conceito de “Prédio” (utilizado no Direito Civil e no Direito Fiscal), conforme preconiza a Doutrina (v,g., Miguel Nogueira de Brito, João Martins Claro).
13) A noção civil de prédio urbano (artigo 204 /2 do CC) é bastante redutora, na medida em que assenta, essencialmente, no conceito de edifício, conforme igualmente preconiza a Doutrina (v.g. Pires de Lima e Antunes varela).
14) A noção de bem cultural “Imóvel" apela a realidades muito amplas e que estão para além do plano material, uma vez que elas apelam a valores culturais que não têm respaldo no Direito Civil e no Direito Fiscal.
15) O legislador do Decreto 20.985 de 1932 e da atual Lei de Bases do Património Cultural de Património Cultural de 2001 não utiliza o conceito de “Prédio” para se referir aos bens culturais, mas sim o conceito de 'Imóvel".
16) Um menir, um pelourinho ou uma paisagem cultural não é um “Prédio” á luz do Código Civil ou de Código do IMI, mas ninguém alguém coloca em causa que são “Imóveis” culturais.
17) Transpondo para o case concreto, uma fachada constitui um imóvel do ponto de vista do Direito do Património Cultural, seja à luz do Decrete 20.985 de 1932, seja à luz da atual Lei de Bases do Património Cultural de 2001, contudo tal fachada não é um “Prédio” à luz dos vigentes Código Civil e EBF porque lhe faltam os elementos patrimonialidade e rentabilidade fiscal ou valor económico.
18) Outra errada dedução em que enveredou o tribunal a quo foi entender que a isenção se aplicava ao prédio aqui em causa pela simples razão que a fachada é uma sua componente.
19) Tal dedução enferma de um grave erro de lógica, porque o tribunal a quo esqueceu-se que a classificação como imóvel de interesse Público é anterior à existência das próprias frações.
20) Tendo a classificação da fachada ocorrido em 1983, não podem ter-se por classificadas frações construídas entre 1986 e 1993, uma vez que elas não existiam à data do diploma classificador.
21) O ato administrativo de classificação de 1983 nunca poderia abarcar uma realidade que pura e simplesmente não existia naquela data, logo apenas a fachada, isto é, somente a única realidade construtiva ou urbanisticamente existente em 1983, está classificada.
22) Todo e qualquer ato administrativo de classificação de um imóvel dotado de valor cultural projeta-se sobre a realidade existente à data da classificação (1983) e nunca a uma realidade que pura e simplesmente não existia (1988-1993).
23) A classificação das frações autónomas construídas entre 1988-1993 carecia (e carece) de um diploma classificador até à data.
24) Nem mesmo a circunstância de uma fração autónoma confinar com uma fachada classificada (aliás, facto que os Recorridos nunca alegaram e menos ainda provaram) como Imóvel de Interesse Público não tem o condão de transformar essas frações autónomas (integrada num prédio urbano não classificado) num imóvel de Interesse Público.
25) A circunstância de uma fração autónoma confinar com uma fachada classificada não torna essa mesma fração num bem cultural classificado.
26) Mesmo que por absurdo tal circunstância tivesse esse condão, ainda assim os Recorridos não poderiam arrogar-se do direito a usufruir do benefício fiscal aqui em causa, dado que a fachada é uma parte comum do prédio, em virtude de constituir um elemento estrutural do edifício (cfr: artigo I421.°/l-a) do Código Civil) e, como tal, o beneficio fiscal aqui em causa somente poderia ser usufruído por parte do Condomínio do prédio em causa, e não somente pelos Recorridos e demais proprietários de frações confinantes com a fachada classificada.
27) Outra confusão pela qual enveredou o tribunal a quo prende-se com a ideia segundo a qual a razão de ser do artigo 44 °/1-n) do EBF é isentar os prédios de IMI.
28) Conforme ficou demonstrado, nem todas as realidades patrimoniais são prédios: um menir, uma anta, pelourinho ou uma paisagem cultural não são "Prédios', mas sim "Imóveis”.
29) A razão de ser do artigo 44e/1-n) do EBF é isentar "Prédios” que sejam efetivamente prédios fiscais, mas nunca isentar de IMI realidades que não são “Prédios”, pois dessa forma seriam colocados em causa princípios fundamentais como a capacidade contributiva, a Igualdade fecal e a justiça fiscal.
30) “Tratando-se de uma isenção de IMI, naturalmente que o conceito de “Prédio” há-de encontrar-se no artigo 2° Código do IMI, sendo que em lado algum naquele artigo se subsume uma fachada no conceito de "Prédio”.
31) Constituindo a fachada um mero Imóvel, ela não reúne os predicados de "Prédio” para os efeitos do artigo 2º do Código do IMI e, como tal, naturalmente que não pode usufruir da isenção prevista no artigo 44º/1-n) do EBF, uma vez que ambos os artigos fazem depender o seu funcionamento do requisito de “Prédio".
32) A conclusão segundo a qual o próprio IPPC acaba por defender que a classificação abrange todo o prédio urbano, e não apenas a fachada, resulta de uma errada apreciação da prova subministrada, uma vez que na prova carreada para os autos não existe qualquer entendimento quanto à conclusão a que alude o tribunal a quo.
33) Nem tal poderia ser, porque a letra do Decreto 8/83, de 24 de janeiro, é translúcida: «Teatro Ginásio (fachada), na Rua Nova da Trindade, 5 a 5-G em Lisboa».
34) O tribunal a quo alude a um oficio do IPPC no qual existe a conclusão de que o edifício fica sujeito ao regime do artigo 27.º do Decreto 20.986 de 1932, no qual se dispõe o seguinte:
«Os imóveis cuja classificação tenha sido proposta não podem, enquanto durar a instrução do competente processo, ser alienados, expropriados. restaurados ou reparados sem autorização do Ministro da Instrução Publica precedendo parecer favorável do Conselho Superior das Belas Artes».
35) A conclusão retirada pelo tribunal a quo revela uma confusão que o mesmo faz em torno de dois conceitos juridicamente distintos: a Classificação e a Servidão Administrativa.
36) Uma vez classificado, sobre o “Imóvel" recaem ónus ou limitações, as quais, juridicamente se chamam servidões administrativas, as quais não se circunscrevem ao "Imóvel" classificado.
37) Tais servidões administrativas “contagiam" todos os ‘Imóveis" localizados num perímetro de 50 metros (artigo 26º do Decreto 20.985 de 1932; atualmente artigo 43º/1 da Lei de Bases do Património Cultural de 2001) ou num perímetro personalizado de dimensão variável (artigo 43 °/2 da Lei de Bases do Património Cultural de 2001).
38) Todavia, Classificação e Servidão Administrativa não são a mesma coisa: enquanto a
primeira cinge-se ao imóvel classificado, a segunda abrange quer o imóvel classificado quer os imóveis circundantes.
39) A circunstância de a Servidão Administrativa abranger os imóveis circundantes não os torna classificados.
40) “O ofício do IPPC ao referir que o edifício fica sujeito ao regime do artigo 27.º, mais não estava a esclarecer que o local onde estava implantada a fachada, as ruínas e as novas construções que se lhe iam seguir após a demolição das ruínas ficavam sujeitas a uma servidão predial.
41) Em lado algum o IPPC admite que as novas construções erguidas entre 1988 e 1933
estão, também elas, abrangidas peto decreto classificador de 1983.
42) A classificação da fachada está limitada a esse concreto "bem cultural imóvel”, e não ao restante "Prédio”, aqui entendido nos planos civil e fiscal, como, aliás, propende a melhor Doutrina produzida sobre esta matéria (cfr. Nuno SÁ Gomes) e a própria jurisprudência emanada do Tribunal Tributário de Lisboa (cfr. Documento 9 junto à Contestação).
43) Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença ora colocada em crise.
Os recorridos, nas suas contra-alegações de fls. 298 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), concluíram pela manutenção do julgado. Formulam as conclusões seguintes:
A) O prédio descrito na matriz sob o art.º ......., está classificado como imóvel de interesse público, pelo Decreto nº 8/83 de 24/01/1983 e está abrangido por servidão administrativa do património cultural, conforme o mesmo Decreto, sendo zona de protecção da fachada do Teatro Ginásio sendo ainda atravessado por um traço das Cercas de Lisboa classificadas como monumento nacional, referindo ainda que a classificação abrange a fachada do prédio em que se encontra a fracção.
B) Os prédios classificados de interesse nacional, público ou municipal, estão isentos de IMI, nos termos da al. n) do nº 1 do artº 40º do EBF (redacção à data).
C) A interpretação dada pela Recorrente não pode proceder porque aponta como fundamento legal para o indeferimento da isenção do IMI, que apenas o prédio classificado no seu todo é que pode beneficiar da isenção.
D) O facto da fachada do imóvel estar classificada, não afasta a protecção legal em relação a todo o prédio, nem limita os efeitos da classificação atribuída.
E) A classificação da fachada do imóvel significa apenas que é essa componente do edifício que justifica a sua classificação e cuja salvaguarda se pretende assegurar, pela sua relevância de acordo com os critérios definidos da referida Lei do Património Cultural.
F) O que releva é a classificação como imóvel, de interesse público, pelo que a AT não pode pretender que essa classificação não tenha relevância para efeitos fiscais ou que que constitui uma realidade jurídico tributária que negue o que a classificação cultural estabelece.
G) Um prédio para efeitos de IMI, é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou colectiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico).
H) Não se pode, pois, considerar que a fachada de um prédio seja uma parte autónoma deste, visto que faz parte integrante do mesmo, não possuindo autonomia jurídica ou um valor económico autónomo em relação ao prédio na sua globalidade.
I) Reunindo as fracções do prédio que integram a fachada de interesse nacional os pressupostos do benefício fiscal previsto na alínea n) do nº 1 do artigo 40.º do EBF, decorrente da classificação como imóvel de interesse nacional a referida fachada, não poderia a Autoridade Tributária deixar de reconhecer a isenção a que se referem os presentes autos.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, não emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso jurisdicional.
X
II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) Em 21/06/2005 foi outorgado pelos Autores o instrumento junto a fls. 13 a 19 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Compra e Vendas”;
B) Pelo instrumento referido na alínea anterior, os Autores adquiriram a fracção autónoma designada pela letra “AW” situada na Travessa……….., n.º…., …………….. e Largo Rafael Bordalo Pinheiro, …., inscrito no artigo …. da matriz predial urbana de Lisboa;
C) Pelo instrumento referido em A), os Autores adquiriram as fracções autónomas designadas pelas letras “S”, “T” e “LS” do prédio sito na Rua……, … a ..-G e Rua da………., …. a …., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sacramento sob o artigo …. de Lisboa:
D) Em 17/04/2006 a Autora requereu junto do SF de Lisboa 3 o pedido de isenção de IMI referente às fracções autónomas indicadas em B) e C), com o fundamento “prédio classificado – art. 40º EBF” – cfr. fls. 39, 42, 45 e 48 do PA apenso aos Autos;
E) Em 8/11/2006 os Autores apresentaram junto da Direcção Geral dos Impostos o Recurso Hierárquico constante a fls. 2 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos;
F) Em 23/01/2009 a Subdirectora-geral indeferiu o recurso hierárquico indicado na alínea anterior – cfr. fls. 102 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos;
G) Em data não concretamente apurada, mas durante 2005, o Instituto Português do Património Cultural elaborou o instrumento constante a fls. 28 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta que a fachada da fracção designada pela letra “S” do artigo matricial n.º …. está classificada como “IIP” pelo Decreto n.º 8/83 e que está abrangida por servidão administrativa do património cultural;
H) Em data não concretamente apurada, mas durante 2005, o Instituto Português do Património Cultural elaborou o instrumento constante a fls. 14 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta que a fachada da fracção designada pela letra “AW” do artigo matricial n.º ….. está abrangida por servidão administrativa do património cultural;
I) Em data não concretamente apurada, mas durante 2005, o Instituto Português do Património Cultural elaborou o instrumento constante a fls. 17 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta que a fachada da fracção designada pela letra “T” do artigo matricial n.º ….. está classificada como “IIP” pelo Decreto n.º 8/83 e que está abrangida por servidão administrativa do património cultural;
J) Em data não concretamente apurada, mas durante 2005, o Instituto Português do Património Cultural elaborou o instrumento constante a fls. 20 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta que a fachada da fracção designada pela letra “LS” do artigo matricial n.º …. está classificada como “IIP” pelo Decreto n.º 8/83 e que está abrangida por servidão administrativa do património cultural;
K) Em 17/03/1981, o Instituto Português do Património Cultural remeteu para o Director-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, o instrumento junto a fls.
155 dos Autos, sob o n.º81/3(14), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta que o seguinte: « (…) foi determinado a classificação como imóvel de interesse público da fachada do edifício do Teatro Ginásio sobre a Rua Nova da Trindade.
O referido edifício fica sujeito ao regime definido do art. 27º do Decreto- n.º 20985, de 7 de Março de 1932, por força do disposto no art. 30º do mesmo diploma (…)»;
L) As fracções referidas nas alíneas anteriores designadas pelas letras “S”, “T”, e “LS” estão situadas no edifício designado por Teatro Ginásio – cfr. certidão constante a fls. 13 a 19 dos Autos conjugado com fls. 158 dos Autos;
M) O edifício referido na alínea anterior contém, de forma visível no seu interior, um troço da cerca fernandina preexistente na cidade de Lisboa no século XIV – cfr. fls. 159 dos Autos;
N) A fracção designada pela letra “AW” encontra-se num edifício situado nas imediações do café a “B……….” – cfr. fls. 14 e 96 dos Autos;
O) Em 5/05/2009, os Autores apresentaram a petição inicial da presente Acção no SF de Lisboa 3 – fls. 3 dos Autos.
*
Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.
Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos Autos, designadamente aquela constante de fls. 158 e 159 dos Autos, correspondente a um documento elaborado pela Direcção-Geral do Património Cultural e onde consta a descrição do Teatro………….., de onde se extraiu o facto provado, designadamente, o M) cujo valor não foi abalado por qualquer outra prova.
Assim, do conjunto da prova produzida e da posição assumida pelas partes resultou a convicção de que os Autores adquiriram a propriedade de 4 fracções autónomas localizadas em dois prédios distintos: 3 fracções num prédio de grande relevo histórico na cidade de Lisboa – o Teatro do Ginásio, tanto para mais que contém no seu interior parte das muralhas fernandinas de Lisboa, também conhecidas por cerca fernandina, correspondentes à ampliação da cerca velha levada a cabo por D. Fernando no ano de 1373, e outra fracção numa rua próxima do café a Brasileira, em Lisboa.
Para além disso, a particularidades da própria fachada do imóvel do Teatro do Ginásio, justificou o seu tratamento privilegiado da parte do IGESPAR, uma vez que é a fachada que subsiste de um imóvel aí existente no início do séc. XX. // Quer isso dizer, que para o Tribunal a qualificação do imóvel Teatro do Ginásio como sendo de interesse público deriva do facto do mesmo possuir características únicas, como tais: // a) A sua fachada; // b) Conter uma parte da antiga cerca fernandina. // Posto isto, e neste percurso de fundamentação, chegou a altura de dar o passo seguinte, e chegamos a mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do julgador. // A conclusão a que este Tribunal chegou, e que vamos procurar demonstrar de seguida, permitiu-nos tirar uma conclusão definitiva que o prédio referente ao Teatro Ginásio foi qualificado como sendo interesse público por causa da sua fachada, e partir daí, todo o prédio deve ser considerado como sendo um edifício de interesse público. // Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»
X
2.2. De Direito
2.2.1. A sentença sob recurso julgou procedente a acção no que respeita ao pedido relativo às fracções “S”, “T” e “LS” do artigo matricial n.º ......., anulando o acto impugnado nesta parte e improcedente quanto ao demais. Para fundamentar o segmento decisório em crise, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Está provado que os Autores adquiram as fracções autónomas designadas pelas letras “S”, “T” e “LS” do prédio sito na Rua………….., 5 a 5-G e Rua…………., 12 a 20, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sacramento sob o artigo ....... de Lisboa. // Dos factos dados como assentes resulta que o IPPAR classificou o referido imóvel como de interesse público e faz parte integrante a fachada do Teatro Ginásio, o Castelo de S. Jorge e restos das cercas de Lisboa. // E do probatório resulta que o imóvel da Rua da ………tem no seu interior e de forma visível, num troço da cerca fernandina preexistente na cidade de Lisboa. // Ora, conjugando os factos assentes com as disposições normativas suprarreferidas, podemos desde já adiantar que os Autores têm razão neste ponto. // Passemos a explicar. // Se bem atentarmos ao caso dos Autos, às fracções pertenças dos Autores e a que se referem as liquidações em apreciação foi-lhe negada a isenção de IMI, porque apesar de possuir uma fachada que foi classificada de interesse público, a Autoridade Tributária entende que foi somente a fachada o objecto de classificação. // Mas como vimos, não se questiona que as fracções sobre as quais incidiram os pedidos de isenção de IMI, em apreciação, é da propriedade dos Autores e que o edifício contém no seu interior uma parte da muralha fernandina. // Claro, está, bastava este pequeno facto para conceder razão aos Autores, nos termos do art. 112º, n.º 1 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, conjugado com o antigo Decreto de 16/06/1910, o qual já qualificava como monumento nacional o resto das cercas de Lisboa. // Mas o Tribunal vai mais longe. // Os Autores têm também razão, porque a sua situação subsume-se à prevista na alínea n) do n.º 1 do Art. 40º do EBF. // Com efeito, em matéria de benefícios fiscais, quando o legislador veio consagrar que podem beneficiar de isenção de IMI os “prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público”, tinha noção que com isso estava a consagrar a regra para desagravar o IMI numa determinada situação: Somente os prédios, quando classificados como monumentos nacionais ou de interesse publico, podem beneficiar de isenção do imposto. // (…) // Ora, para efeitos de IMI, “prédio” é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou colectiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico). // E da leitura do Regulamento Geral da Edificações Urbanas, constante no DL n.º 38382, de 7/8/1951, um edifício comporta necessariamente a existência de paredes (art. 23º) e uma fachada (art. 59º)».
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre os vícios da sentença seguintes:
(i) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, dado que o tribunal partiu de um pressuposto errado, o qual consiste na identificação entre a fachada objecto de classificação e as fracções autónomas onde a mesma se situa.
(ii) Erro de julgamento quanto à aplicação do disposto no artigo 44.º/n), do EBF, dado que o mesmo não se aplica a realidades que não correspondem a prédios, nos termos de Direito Civil e de Direito Fiscal.
(iii) Erro de julgamento, porquanto acto de classificação de imóvel de interesse público da fachada de um prédio não projecta os seus efeitos classificatórios em relação à parte restante do mesmo, sem prejuízo da existência de servidões administrativas.
2.2.3. A questão suscitada nos presentes autos consiste em saber se as fracções autónomas designadas pelas letras “S”, “T” e “LS” do prédio sito na Rua Nova da Trindade, 5 a 5-G, cuja fachada foi objecto de classificação pelo Decreto n.º 8/83, como imóvel de interesse público, usufruem de isenção de IMI.
Recordem-se os normativos em presença.
Nos termos do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF, «[e]stão isentos de imposto municipal sobre imóveis, [o]s prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável». Determinava o artigo 24.º do Decreto n.º 20985, de 7 de Março de 1932, que «[a] concessão do título de «monumento nacional» aos imóveis cuja conservação e defesa, no todo ou em parte, represente interesse nacional, pelo seu valor artístico, histórico ou arqueológico, ser[ia] feita por decreto expedido pelo Ministério da Instrução Pública, ouvido o Conselho Superior das Belas Artes, o qual terá também para esse efeito a iniciativa de propostas». O artigo 27.º do diploma determinava que os imóveis cuja classificação tivesse sido proposta não poderiam, enquanto durar a instrução do competente processo, ser alienados, expropriados, restaurados ou reparados sem autorização do Ministro da Instrução Pública, após prévio parecer favorável do Conselho Superior de Belas Artes.
Disposições de teor semelhante encontram-se nos artigos 14.º a 18.º da Lei n.º 13/85, de 8 de Julho (Lei sobre o Património Cultural), bem como nos artigos 31.º a 37.º da Lei n.º 107/2001, de 08.09, que a substituiu.
Na tese dos autores, a classificação operada pelo Decreto n.º 8/83, determinou a constituição de um benefício fiscal objectivo, de isenção de IMI, inerente à propriedade das fracções, de que fazem a parte as fachadas classificadas. A sentença acrescenta, no mesmo sentido, a existência no interior das fracções de parte da cerca fernandina. Sem embargo, tal interpretação deve assumir respaldo na lei. Nos termos do artigo 204.º do Código Civil [CC] são coisas imóveis, os prédios rústicos e urbanos, bem como as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos (artigo 204.º/1/a) e e), do CC). Ou seja, o elemento caracterizador do prédio urbano é a sua unidade e autonomia estrutural(1).
Por seu turno, determina o artigo 2.º, n.º 1, do CIMI que «[p]ara efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva, e em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso e não tenha natureza patrimonial». No artigo 4.º do CIMI, o legislador realiza a definição pela negativa do conceito de prédio urbano (são os que não são de classificar como rústicos) e no artigo 6.º do CIMI, enuncia as espécies de prédio urbano. Ou seja, elemento caracterizador do conceito de prédio no CIMI é o seu valor económico autónomo.
Está em causa a norma do artigo 44.º/1/n), do EBF, nos termos da qual, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os «prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos de legislação aplicável».
A interpretação da norma em referência não pode deixar de ter presentes as directivas seguintes(2):
i) As normas sobre benefícios fiscais estão sujeitas à regra da interpretação estrita, sem possibilidade de analogia – artigo 9.º do EBF.
ii) Os benefícios fiscais são normas de desagravamentos fiscais que introduzem exceções à incidência tributária e que prosseguem finalidades não fiscais (extrafiscais).
iii) Os benefícios fiscais estão sujeitos à reserva de lei parlamentar (artigo 103.º/3 e 165.º/1/i), da CRP, sob pena de se defraudar a reserva de lei fiscal. // (…)
v) O regime dos imóveis classificados de interesse público decorria à data do disposto nos artigos 21.º a 26.º da Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, que estabelecia o regime de protecção do património cultural. Nos artigos 51.º a 59.º estabelecem-se as garantias e sanções para o não cumprimento das regras de protecção dos imóveis classificados, como sucede no caso em exame.
vi) Está em causa um benefício fiscal objectivo ou propter rem, ou seja, «o sujeito activo do direito ao benefício é determinado mediatamente pela titularidade de um direito real sobre a coisa beneficiada. Nestes casos, a transmissão do bem implica a transmissão automática do benefício fiscal correspondente.
vii) O especial fundamento da atribuição do benefício fiscal está num especial regime jurídico pré-tributário, restritivo dos direitos dos contribuintes, no caso, a protecção do património cultural, a qual implica restrições no uso e disposição dos bens em causa».
No caso em exame está em causa a relevância fiscal da classificação como imóvel de interesse público da fachada de um prédio, bem como a existência de parte da cerca fernandina no interior das fracções. Ponto assente é o de que a fachada em causa não corresponde ao conceito legal, civil e fiscal, de prédio, dado que não possui autonomia estrutural, nem valor económico próprio. Pelo que a existência de servidões administrativas associadas à classificação da mesma ou à existência de parte da cerca fernandina no interior das mesmas, não se substitui à necessidade de acto administrativo prévio de classificação das fracções ou do seu conjunto como imóvel de interesse público, o que no caso não ocorreu.
Do exposto se infere que a classificação da fachada do prédio como imóvel de interesse público não se transmite ao mesmo, dado que a fachada é uma componente do prédio, não assumindo autonomia jurídica ou económica para efeitos jurídico-civis e-ou fiscais. Pelo que a isenção de IMI das fracções em causa não é devida, como se decidiu nos despachos impugnados(3).
Mais se refere que a especiais servidões de interesse público advenientes da existência de elementos objecto de classificação como imóveis de interesse público, no interior e na fachada do prédio em causa, oponíveis aos proprietários das fracções, não deixam de poder ser compensadas através da correspondente acção de efectivação de responsabilidade civil do Estado. Todavia, o objecto de classificação como imóvel de interesse público não corresponde ao prédio, nem às fracções em causa, mas apenas à fachada ou à cerca fernandina, o que constituem realidades distintas (alíneas G) a L), do probatório). As servidões administrativas e as vinculações legais de interesse público que advém de tais classificações não se projectam sobre o prédio, dado que o acto classificatório não o inclui na sua totalidade e a norma de isenção de IMI, do artigo 44.º/1/n), do EBF, refere-se a prédios e não a fachadas de prédios.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. Na falta de outros fundamentos que justificam a presente intenção impugnatória, deve ser substituída por decisão que julgue improcedente a presente acção administrativa.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a acção administrativa.
Custas pelos recorridos.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(2º. Adjunto)

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(1) Código Civil, anotado, Antunes Varela e Pires de Lima, Vol. I., 1982, p. 195.
(2) Neste sentido, V. Acórdão do TCAS, de 16/09/2019, P. 1402/09.2BELRS.
(3) No mesmo sentido V. Nuno Sá Gomes, Os incentivos fiscais na tributação do património cultural, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. - Coimbra: Coimbra Editora, (2006), p. 589-611, máxime, p. 601).