Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:429/11.9 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMT
CO-TITULARIDADE
AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE PLENA
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
ARTIGO 12.º-REGRAS SIMULTÂNEAS
Sumário:I-O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, sendo devido pelo adquirente dos bens, incidindo o mesmo, regra geral, sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o VPT dos imóveis, consoante o que for maior, mediante declaração do próprio e ulterior liquidação pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos.
II-A regra 4ª, do preceito 12.º, do CIMT, visa abranger as situações em que existe uma aquisição parcelar do direito de propriedade, em ordem a tutelar a capacidade contributiva que subjaz a tributação em sede de IMT.
III-A ratio do legislador relativamente à subsunção normativa na regra 4ª, do normativo 12.º, coadunou-se com a salvaguarda das situações em que o bem imóvel é detido por mais do que um proprietário e o mesmo não é objeto de alienação na sua totalidade, computando-se, por isso, a realidade proporcional, de harmonia com a capacidade contributiva.
IV-Inexiste justificação e fundamento legal para que a tributação seja mais onerosa caso a propriedade do bem imóvel seja detida por mais do que um titular do direito de propriedade, em contraponto com uma detenção unitária, entenda-se de um só proprietário.
V-O legislador não pretendeu estabelecer essa diferenciação e superior onerosidade, quando a aquisição do visado bem imóvel integre a sua plenitude.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “A..., SA” contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), no valor de € 23.609,57.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I. Conclui o Tribunal a quo, no caso sub judice, da inaplicabilidade do disposto na 1.ª regra do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, por incompatível com o disposto no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, sufragando o entendimento de que estando em causa a aquisição do direito propriedade, ainda que se trate de alienação de direitos de comproprietários, se impunha a aplicação isolada do prescrito no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, com aplicação da taxa legal de IMT ao montante excedente de VPT resultante da avaliação do prédio urbano, e não considerado para efeitos de determinação do IMT devido em sede de primeira liquidação do imposto, entendimento do qual diverge, com o devido respeito, a Fazenda Pública.

II. No referente ao julgamento da matéria de facto entendemos, salvo o devido respeito, que os factos constantes das alíneas D) e E) dos factos assentes da douta sentença não se configuram provados nos termos constantes da mesma, devendo ser reformulados nos seguintes termos:

III. Facto da alínea D): A Impugnante apresentou, em 27/08/2008, a declaração Modelo 1 de IMT, mediante a qual comunicou à Administração Fiscal a compra das quotas partes ideias do direito de propriedade de que eram titulares as sociedades M… S.A. e T… S.A., com indicação da quota ideal do direito de propriedade de que cada uma das sociedades era titular e o preço global do contrato correspondente a € 1.000.00000; e Facto da alínea E): Da escritura de compra e venda do imóvel identificado em alínea A) do probatório, celebrada em 28/08/2008, consta o valor acordado entre as duas sociedades alienantes e a Impugnante, e que ascende ao valor global de €1.000.000,00, sendo omisso em relação ao valor correspondente à alienação da quota parte ideal de cada uma das sociedades.

IV. Devendo ser aditados ao probatório os seguintes factos: i) Na declaração Modelo 1 para liquidação de IMT apresentada pela Impugnante em 27/08/2008 não foi por si indicado o valor do acto ou do contrato no referente à alienação da quota parte ideal do direito de propriedade de cada uma das sociedades titulares do mesmo em regime de compropriedade; ii) Da escritura de compra e venda do imóvel identificado em alínea A) do probatório, celebrada em 28/08/2008, consta o valor acordado entre as duas sociedades alienantes e a Impugnante, e que ascende ao valor global de €1.000.000,00, sendo omisso em relação ao valor correspondente à alienação da quota parte ideal de cada uma das sociedades; e, iii) A liquidação primeira de IMT no valor de € 32.500,00 quanto ao direito alienado pela sociedade T... S.A. e no valor de € 32.500 quanto ao direito alienado pela sociedade M... S.A., datada de 27/08/2018, não foi impugnada – conforme informação constante do despacho de indeferimento da reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IMT objecto da presente impugnação, e apenso aos autos.

V. E ser considerado facto não provado o facto constante da alínea M) do probatório da douta sentença – pagamento do preço nas suas vertentes objectiva e subjectiva -, por não se constituírem os registos contabilísticos, enquanto documentos internos da Impugnante, desacompanhados de adequados documentos de suporte, como prova idónea, no sentido de suficiente.

VI. Ora, na sequência da entrega da declaração Modelo 1 de IMT, pela Impugnante, com vista à celebração de contrato de compra e venda do imóvel em causa nos presentes autos, foi emitida a liquidação de IMT no valor global de € 65.000,00, correspondente a duas parcelas de € 32.500,00 referentes às duas alienações em causa nos autos, tendo por base o valor de € 500.000,00 atribuído a cada uma quota ideal do direito das alienantes, conforme disposto nos n.ºs 1 dos artigos 19.º e 20.º e 21.º do CIMT.

VII. E não constando da Declaração Modelo 1 indicação do preço devido pela duas transmissões das quotas partes ideais do direito de propriedade sobre a coisa comum, foi a matéria colectável atribuída a cada uma das transmissões em partes iguais, cifrando-se em € 500.000,00, atendendo aos valores declarados na Modelo 1 de IMT entregue pela Impugnante e por si assumida, e conforme subsequente primeira liquidação por si paga e não impugnada, e que, por tal motivo se consolidou na ordem jurídica, determinando consequentemente, e em seu complemento, os valores a considerar para efeitos da liquidação adicional decorrente da avaliação do imóvel por valor superior ao constante do contrato.

VIII. Assim, atendendo ao disposto no n.º 1 e na regra 1.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, o imposto incide sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis (VPT), consoante o que for maior, sendo que, estando em causa transmissões de direito em regime de compropriedade deverá o VPT ser determinado tendo por referência o VPT correspondente ao direito alienado por cada comproprietário.

IX. A compropriedade é um específico regime do direito de propriedade autonomizado nos termos do disposto nos artigos 1403.º e seguintes do Código Civil, regime esse de acordo com o qual pode qualquer dos comproprietários alienar o seu direito, em conjunto ou separadamente dos restantes comproprietários, prevendo o legislador fiscal tal específica figura jurídica no n.º 4 do artigo 12.º do CIMT e aí fixando regras especiais para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário do direito alienado por cada um dos comproprietários para efeitos de tributação da transmissão que lhes está subjacente, aplicáveis no caso sub judice, porque em causa a alienação de direito de comproprietários.

X. E a solução afirmada pelo Tribunal a quo de que não é aplicável o disposto na referida regra 1.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, porque alienadas as quotas ideais do direito em simultâneo, determinaria a aplicação ao sujeito passivo de diferentes regimes de determinação do imposto quando em causa direitos alienados por comproprietários, em função do facto, que o legislador fiscal não enuncia, de ser o direito de propriedade transferido por um comproprietário com referência à sua quota parte ideal sobre a coisa comum, ou transmitido pelos dois, ou mais, com referência às suas quotas partes ideais sobre a coisa comum, o que implicaria um tratamento diferenciado de idênticas situações, não justificado, nem consentido pelas normas indicadas.

XI. Ainda, o facto tributário sujeito a incidência de IMT não é o contrato de compra e venda, mas antes as realidades jurídicas que lhe estão subjacentes, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do CIMT, sendo essas realidades que se constituem como factos jurídicos de que deriva a tributação - no caso, a transmissão da quota parte ideal do direito de propriedade do bem imóvel identificado nos autos de que é titular a T... S.A., e a transmissão da quota parte ideal do direito de propriedade do bem imóvel identificado de que é titular a M... S.A. – pelo que, nos posicionamos perante duas alienações autónomas de duas quotas partes ideais do direito de propriedade sobre a coisa comum, ainda que efectuada em conjunto pelas duas alienantes e por meio do mesmo instrumento jurídico.

XII. Atento o exposto, como o valor patrimonial tributário resultante da avaliação ascendeu ao montante de € 1.146.380,00, obedecendo ao disposto na regra 1.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, necessário foi determinar o imposto pela parte do valor patrimonial tributário correspondente à quota ideal do direito alienado, daí resultando a imputação do valor patrimonial tributário de € 863.224,14 (753/1000) ao direito alienado pela sociedade M... S.A. e a imputação do valor patrimonial tributário de € 283.155,86 (247/1000) ao direito alienado pela sociedade T..., S.A., com consequente liquidação adicional de IMT no valor de € 23.609,57 com referência à transmissão do direito alienado pela M... S.A., por superior o VPT resultante da avaliação ao valor considerado na liquidação inicial (€ 500.000,00), conforme disposto nos artigos 12.º e 27.º do CIMT.

XIII. Pelo que, ao julgar procedente a presente impugnação incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de facto, face a errónea apreciação da matéria de facto, nos termos indicados, e em erro de julgamento de direito, por violação do disposto na regra 4.ª do n.º 1 do artigo 14.º e no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, em conjugação com o disposto nos n.ºs 1 dos artigos 19.º e 20.º e no artigo 27.º do mesmo diploma legal.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências;

Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça.”


***

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“i. O Tribunal a quo, concluiu e bem, pela inaplicabilidade, em simultâneo, no caso, do n.º 1 do art.º 12.º do CIMT, onde se prevê que o valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral, do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial do imóvel, e do parágrafo primeiro do n.º 4 do art.º 12.º, onde se prevê a regra especial segundo a qual “quando qualquer dos comproprietários alienar o seu direito, o imposto é liquidado pela parte do valor patrimonial tributário que lhe corresponder ou incide sobre o valor constante do ato ou do contrato, consoante o que for maior”. Pois,

ii. Em 28.08.2008, a Recorrida comprou às sociedades “M... – Empresas de Construções e Turismo, S.A.” e “T... – Construção Civil e Turismo, S.A., o lote de terreno para construção sito na Avenida Óscar Monteiro Torres, em Lisboa, descrito na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e, à data, pendente de inscrição na matriz (atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São João de Deus, sob o art.º U ...)

iii. As sociedades M... e T... eram, até à aquisição pela Recorrida, co-titulares do direito de propriedade sobre o imóvel, sendo a M... titular de uma quota ideal de 753/1000 e a T... de 247/1000, facto que - Cfr. artigos 2º, 3º e 4º da Petição Inicial.

iv. O preço de compra do imóvel, acordado entre a Recorrida e as sociedades vendedoras, foi de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) – cf. doc. 1 junto com a petição inicial.

v. Em momento anterior à celebração do contrato de compra e venda, a Recorrida apresentou a declaração Modelo 1 de IMT, pela qual comunicou à Administração Fiscal a compra do bem imóvel às sociedades M... e T...; a quota ideal do direito de propriedade de que cada uma das sociedades era titular e o preço acordado entre as partes – facto não controvertido.

vi. Em 27.08.2008, na sequência da declaração referida em D) do probatório, a Administração Fiscal liquidou o IMT no montante € 65.000,00, que a Recorrida pagou na mesma data – cf. doc. 3 junto com a petição inicial, correspondente à liquidação de IMT emitida e paga antes da transmissão a que se refere a al. A) do probatório.

vii. Em 15.10.2008 o imóvel identificado em A) do probatório foi objeto de 1.ª avaliação, na qual foi fixado o respetivo VPT em € 1.146.380,00 – cf. fls. 150 a 152 do suporte físico dos autos.

viii. Em 10.02.2009, na sequência da avaliação referida em F) do probatório, foi emitida a liquidação adicional de IMT, que apurou imposto a pagar, até 30.11.2009, no montante de € 23.609,57, resultante dos seguintes elementos objeto de notificação à Recorrida:

ix. Em 30.11.2009, a Recorrida procedeu ao pagamento do imposto adicionalmente liquidado – cf. doc. 5 junto com a petição inicial.

x. Em 25.03.2010, a Recorrida apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada G), pugnando pela respetiva anulação, alegando, em síntese, que sendo o VPT resultante da avaliação de € 573.190,00, inferior ao preço acordado, “de acordo com o acto de liquidação adicional notificado, […] dificilmente chegaremos a uma colecta de Eur 88.609,57 […] o valor correcto da colecta deve ser de Eur 37.257,35”, acrescentando ainda que “[n]ão fosse o artigo 12º, nº 1 do CIMT, os Serviços da DGI teriam que devolver, e não liquidar adicionalmente, o valor de Eur 27.742,65”

xi. Em 17.02.2011, a Recorrida foi notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, da qual resulta que montante de € 65.000,00, determinado pela incidência da taxa de 6,5%, (prevista na alínea d), nº1, do artigo 17º do código respectivo), sobre o Valor Patrimonial de € 1.000.000,00, (€ 500.000,00 cada uma das duas parcelas)” e que, após a reavaliação do imóvel, este passou a ter o VPT de € 1.146.380,00, o qual foi subdivide-se em € 863.224,14, referenciada à parte alienada pela firma “M...”, correspondente a 753/1000 e € 283.155,86 adquirido à empresa “T...”, representando 247/1000, (folhas 27 dos autos),

xii. Sendo que, por um lado, no cálculo do IMT devido, foi utilizada a seguinte metodologia pela Administração Fiscal:

« € 863.224,14 x 0,065 = € 56.109,57

« € 500.000,00 x 0,065 = € 32.500,00

« Total € 88.609,57,

xiii. E, por outro lado, que a matéria Colectável correspondente à parcela alienada pela “T...”, situou-se em € 500.000,00, por ser superior à determinada após reavaliação, que, quedou-se em € 283.155,86;

Uma vez que a Recorrida já havia pago, em data anterior à aquisição o montante de € 65.000,00, a Administração Tributária emitiu-lhe a liquidação adicional no valor de € 23.609,57, o qual foi pago pela Recorrida e, entretanto, objecto de reclamação graciosa, que, por indeferida, foi, subsequentemente, objecto de impugnação judicial junto do Tribunal a quo.

xiv. Como contrapartida pela transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em A), a sociedade T... recebeu o montante de € 247.000,00 e a sociedade M... recebeu o montante de € 753.000,00, correspondentes, respetivamente, a 247/1000 e 753/1000 do preço contratual – cf. docs. de fls. 94,(extrato da conta contabilística 31214101 da Impugnante (compra de mercadorias - imóvel da A…), correspondente ao mês de agosto de 2008); 99 e 114 (extratos da conta contabilística “111” (Caixa), respetivamente, das sociedades T... e M..., referentes a Agosto de 2008 e de fls. 100 e 115 (extratos de uma subconta da conta contabilística “71” (Venda de Mercadorias), respetivamente, das sociedades T... e M..., referentes a agosto de 2008), fls. correspondentes aos docs. 11 a 12 juntos com a p.i.

xv. Ora, a Administração Fiscal desconsiderou que, pelo negócio celebrado, a Recorrida adquiriu a propriedade plena sobre o imóvel e não quaisquer quotas ideais sobre esse direito, não obstante as sociedades vendedoras terem sido co-titulares do direito de propriedade transmitido (titulares de quotas qualitativamente iguais, mas quantitativamente bem diferentes), participando conjuntamente no mesmo negócio de alienação ao mesmo comprador, o objecto deste negócio foi o próprio direito de propriedade.

xvi. A situação material que consubstancia o facto tributário é una e instantânea, sendo inadmissível a sua fragmentação e a aplicação simultânea de diversos parâmetros com vista à sua valoração quantitativa.

xvii. A forma de determinação da matéria tributável da operação adoptada pela Administração Fiscal não encontra acolhimento possível na letra do nº 1 do artº 12º do Código do IMT e viola o princípio capacidade contributiva dos sujeitos passivos para suportar IMT, espelhado unicamente o valor despendido pelo comprador ou com o valor efectivo do bem que passa a integrar o seu património, e já não de elementos relativos ao vendedor, que não é quem suporta o encargo do imposto;

xviii. Donde a mesma em nada se altera pelo facto do comprador adquirir o mesmo bem a um ou a vários vendedores em compropriedade ou o modo como estes dividem, entre si, o preço pago pelo imóvel poderá importar para efeitos fiscais, em sede de determinação de mais valias, mas nunca no que respeita ao IMT.

xix. Pelo que para a determinação da matéria colectável em IMT, a valoração do valor recebido por cada um dos vendedores, em detrimento do valor total pago pelo comprador, representa a denegação do direito deste a ser tributado de acordo com a sua capacidade contributiva.

xx. A Recorrida não ignora a regra especial prevista no parágrafo primeiro do nº 4 do artº 12º do Código do IMT, que prevê que “quando qualquer dos comproprietários alienar o seu direito, o imposto é liquidado pela parte do valor patrimonial tributário que lhe corresponder ou incide sobre o valor constante do acto ou do contrato, consoante o que for maior”

xxi. Contudo, através desta norma, o legislador somente pretendeu estabelecer um critério mais razoável de apuramento da matéria colectável quando é adquirida uma fracção ideal do direito sobre um bem imóvel, e não a totalidade do imóvel,

xxii. Por forma a impedir a tributação incidisse, à luz da regra geral, sobre o valor patrimonial tributário global do imóvel, o resultaria numa intolerável injustiça para o comprador que adquirisse apenas uma quota – parte do imóvel e não a totalidade deste.

xxiii. Ao recorrer àquela regra especial, a Administração Tributária não atendeu a que, nos termos do negócio celebrado, a sociedade T... apenas recebeu a parte do preço contratual correspondente a quota ideal de que era titular no direito de propriedade (€ 247.000,00, ou 247/1000 de €1.000.000,00), e não €500.000,00 como erroneamente presumiu a Administração Tributária;

xxiv. Ainda que se pudesse aceitar o método utilizado para determinar o valor tributável da aquisição (o que não sucede), não é admissível à Administração Fiscal, no caso concreto, integrar na matéria colectável o valor de € 500.000,00 como sendo o valor de aquisição da quota ideal da T... (247/1000), e, considerar, como fez, no apuramento da matéria colectável definitivo, a parte do valor patrimonial tributário actualizado do imóvel correspondente à quota da M..., sem efectuar a correspectiva alteração quanto à quota ideal da T...,

xxv. Pois, caso a Administração Fiscal houvesse tido em atenção os reais valores recebidos pelas sociedades vendedoras como contra-prestação pela alienação do imóvel, a utilização do critério fragmentado para apuramento do valor tributário da operação seria neutra do ponto de vista fiscal, o que não sucedeu;

xxvi. Ora, sendo aqueles valores inferiores (exactamente na mesma proporção) à parte do valor patrimonial tributário correspondente a cada uma das quotas ideais das sociedades vendedoras, o apuramento do valor tributável da operação sempre teria de levar em conta este valor patrimonial tributário, quer no caso da quota ideal da T..., quer no da M....

xxvii. Uma vez que a T... e a M... alienaram a totalidade do direito de propriedade sobre o imóvel, a soma das partes do valor patrimonial tributário correspondentes às suas quotas é, afinal, a totalidade do valor patrimonial tributário do prédio.

xxviii. Assim, com o VPT do prédio fixado em €1.146.380,00, sujeito à taxa de imposto de 6,5%, prevista na alínea d) do nº 1 do artº 17º do Código do IMT), o valor da colecta é de €74.514,70;

xxix. Pelo que assistia unicamente a Administração Tributária a possibilidade de efectuar uma nova liquidação pelo valor correspondente à diferença entre a nova (€74.514,70) e a inicial colecta (€65.000,00), a saber, €9.514,70;

xxx. E não, como fez a Administração Fiscal e defende a Recorrente, manter o valor fixado no acto de liquidação adicional impugnado no valor de € 23.609,57 – o qual foi pago - quando tão só poderia liquidar o adicional de IMT no valor de € 9.514,70,

xxxi. E enfermado de erro sobre os pressupostos de facto e assente num critério inadmissível em face da correta interpretação e aplicação das normas legais em apreço de determinação da matéria colectável, que se afigura, por conseguinte, ilegal, e à luz qual foi adicionalmente liquidada à Recorrida o excesso de adicional de IMT no valor de 14.094,87;

xxxii. E cuja anulação importa também a reconstituição da situação actual hipotética, isto é, a reconstituição da situação que existiria se o acto de liquidação anulado pelo Tribunal a quo não tivesse sido praticado,

xxxiii. O qua pressupõe, e exige, a restituição, pela Administração Tributária, à Recorrida, do montante de € 14.094,87 pago em excesso, a título de IMT, acompanhado de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento – 30.11.2009 até à emissão da respetiva nota de crédito, à taxa legal, nos termos do art.º 43.º, n.º 4 da LGT;

xxxiv. Pelo que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, e deve, por isso, o recurso apresentado ser julgado improcedente.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso, improceder, por infundado e não provado, mantendo-se a decisão recorrida, como é de JUSTIÇA. “


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 28.08.2008, a Impugnante comprou às sociedades “M... – Empresas de Construções e Turismo, S.A.” e “T... – Construção Civil e Turismo, S.A., um bem imóvel constituído pelo lote de terreno para construção sito na Avenida .., em Lisboa, descrito na ..ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e, à data, pendente de inscrição na matriz (atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São João de Deus, sob o art.º U ...) – cf. doc. 1 junto com a petição inicial.

B) As sociedades M... e T..., eram, até à aquisição pela Impugnante referida em A), co-titulares do direito de propriedade sobre o imóvel, sendo a M... titular de uma quota ideal de 753/1000 e a T... de 247/1000 – facto não controvertido (cf. o artigo 22.º da Contestação e também o ponto 2.4 da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, a fls. 73 dos autos) e cf. doc. 3 junto com a petição inicial, correspondente à liquidação de IMT emitida e paga antes da transmissão a que se refere a al. A) do probatório.

C) O preço de compra do imóvel, acordado entre a Impugnante e as sociedades vendedoras, foi de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) – cf. doc. 1 junto com a petição inicial.

D) Em momento anterior à celebração do contrato referido em A), a Impugnante apresentou a declaração Modelo 1 de IMT, pela qual comunicou à Administração Fiscal a compra do bem imóvel às sociedades M... e T...; a quota ideal do direito de propriedade de que cada uma das sociedades era titular e o preço acordado entre as partes – facto não controvertido (cf. o artigo 6.º, pontos 2 e 3 da Contestação) e cf.

E) Em 27.08.2008, na sequência da declaração referida em D), a Administração Fiscal liquidou o IMT no montante € 65.000,00, que a Impugnante pagou na mesma data – cf. doc. 3 junto com a petição inicial, correspondente à liquidação de IMT emitida e paga antes da transmissão a que se refere a al. A) do probatório.

F) Em 15.10.2008 o imóvel identificado em A) foi objeto de 1.ª avaliação, na qual foi fixado o respetivo VPT em € 1.146.380,00 – cf. fls. 150 a 152 do suporte físico dos autos.

G) Ato impugnado: Em 10.02.2009, na sequência da avaliação referida em F), foi emitida a liquidação adicional de IMT, que apurou imposto a pagar, até 30.11.2009, no montante de € 23.609,57, resultante dos seguintes elementos objeto de notificação à ora Impugnante:

- Quota-parte: 1/1;

- “valor patrimonial tributário resultante da avaliação”: € 573.190,00;

- “taxa”: 6,5%;

- “colecta devida”: € 88.609,57 e

- “colecta anterior”: € 65.000,00.

cf. doc. 4 junto com a petição inicial.

H) Em 30.11.2009, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto adicionalmente liquidado – cf. doc. 5 junto com a petição inicial.

I) Em 25.03.2010, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada G), pugnando pela respetiva anulação, com os fundamentos constantes do respetivo requerimento e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, onde alega, em síntese, que sendo o VPT resultante da avaliação de € 573.190,00, inferior ao preço acordado, “de acordo com o acto de liquidação adicional notificado, […] dificilmente chegaremos a uma colecta de Eur 88.609,57 […] o valor correcto da colecta deve ser de Eur 37.257,35”, acrescentando ainda que “[n]ão fosse o artigo 12º, nº 1 do CIMT, os Serviços da DGI teriam que devolver, e não liquidar adicionalmente, o valor de Eur 27.742,65”cf. doc. 6 junto com a petição inicial.

J) Em 17.02.2011, a ora Impugnante foi notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, com base nos fundamentos constantes da informação de 06.01.2012, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e da qual resulta, além do mais, o seguinte:

«[…]

2.2 - Por escritura realizada em 2008.08.28, adquiriu às firmas […] “M... - Empresa de Construções e Turismo, SA” e “T... - Construção Civil e Turismo, SA”, um lote de terreno destinado a construção, tendo pago, a título de IMT, (Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Bens Imóveis), o montante de € 65.000,00, determinado pela incidência da taxa de 6,5%, (prevista na alínea d), nº1, do artigo 17º do código respectivo), sobre o Valor Patrimonial de € 1.000.000,00, (€ 500.000,00 cada uma das duas parcelas).

2.3 - Posteriormente, o prédio foi alvo de reavaliação, realizada nos termos do previsto no nº 2 do artigo 31º do diploma antes mencionado, (CIMT), passando o VPT, (Valor Patrimonial Tributário), a situar-se em € 1.146.380,00, (folhas 27 dos autos).

2.4 - Esse total, subdivide-se em € 863.224,14, referenciada à parte alienada pela firma “M...”, correspondente a 753/1000 e € 283.155,86 adquirido à empresa “T...”, representando 247/1000, (folhas 27 dos autos).

2.5 - No cálculo do IMT devido, foi utilizada a seguinte metodologia:

« € 863.224,14 x 0,065 = € 56.109,57

« € 500.000,00 x 0,065 = € 32.500,00

« Total € 88.609,57

2.6 - A Matéria Colectável correspondente à parcela alienada pela “T...”, situou-se em € 500.000,00, por ser superior à determinada após reavaliação, que, tal como assinalada no parágrafo 2.4, quedou-se em € 283.155,86.

[…]

3.3.1 - Nos § 2.2 a 2.6 desta Informação, está explanada a metodologia que conduziu ao apuramento do montante certo do IMT, que se cifrou em € 88. 609, 57.

3.3.2 - Dado que o ora Impetrante havia pago, em data anterior, o montante de € 65.000,00, ficaram em dívida € 23.609,57, o que motivou a emissão da Liquidação agora contraditada.

3.3.3 - Desta maneira, constata-se que a antedita Liquidação prima pela legalidade e legitimidade, sendo o seu processamento realizado em obediência ao legislado.

[…]» – cf. doc. 7 junto com a petição inicial.

K) A ora Impugnante exerceu o direito de audição prévia por requerimento apresentado em 28.02.2011, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com fundamentos idênticos aos que invoca na presente impugnação judicial – cf. doc. 8 junto com a petição inicial.

L) Ato impugnando: Por despacho de 21.03.2011, notificado à ora Impugnante em 24.03.2011, a reclamação graciosa foi objeto de indeferimento com os fundamentos constantes da informação dos serviços de 17.03.2011, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:

«[…] constata-se a inexistência de factos novos e passíveis de colocar em questão o sentido do proposto.

4.5 - A "litis" da discórdia agora apresentada, reside no facto de haver sido reconhecida como Matéria Coletável, (sobre a qual incidiu a taxa de imposto), na parte relativa à parcela alienada pela firma “T... - Construção Civil e Turismo, SA”, o montante de € 500.000,00 e não € 283.155,86.

4.6 - No Documento de Pagamento nº 160208024899703, de 2008.08 27, (folhas 23 dos autos), não objectado pelo ora Impetrante, a Matéria Colectável considerada para o lote em causa, (aceite pelo sujeito Passivo, visto que não a questionou), situou-se exactamente em €500.000,00.

4.7 - O valor desse documento, € 65.000,00, compõe-se de duas parcelas de € 32.500,00, uma referenciada à parte aqui colocada em crise e outra tangente ao lote alienado pela empresa “M... - Empresa de Construção e Turismo, SA”, (€ 500.000,00 x 0,065 = € 32.500,00 e € 500.000,00 x 0,065 = € 32.500,00).

4.8 - Após reavaliação, (folhas 27 dos autos), os Valores Patrimoniais, (VP), das duas parcelas, foram fixados em € 283.155,86 e € 863.224,14, enquanto que a Matéria Colectável ascendeu, (no terreno agora em contenda), a € 500.000,00, mantendo-se no restante, (firma “M..., SA”), igual ao VP.

4.9 - Ora, se aquando do pagamento do IMT inicial, no valor de € 65.000,00, o Obrigado Tributário não contraditou os valores da Matéria Colectável, é porque as achou correctas.

4.10 - Era esse o “tempo” certo para expor as suas objecções, no atinente ao valor da Matéria Colectável atribuído ao lote adquirido à “T... SA”, o qual, (prazo), findou em 2008.08.28 + 120 dias = 2008.12.26.

4.11 - Não tendo sido refutado o montante em apreço, ao ser emitida a Liquidação controvertida, considerou-se como Matéria Colectável, o valor mais 500.000,00, em detrimento do inferior, € 283.155,86, ou seja, do VP obtido pós reavaliação.

4.12 - E assim sendo, apenas é lícito aceitar que, a Liquidação nº 2199953, processada em 2009.02.10, primou pela correcção e legalidade.

[…]» – cf. doc. 9 junto com a petição inicial.

M) Como contrapartida pela transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em A), a sociedade T... recebeu o montante de € 247.000,00 e a sociedade M... recebeu o montante de € 753.000,00, correspondentes, respetivamente, a 247/1000 e 753/1000 do preço contratual – cf. docs. de fls. 94, (extrato da conta contabilística 31214101 da Impugnante (compra de mercadorias - imóvel da Av. Óscar Monteiro Torres), correspondente ao mês de agosto de 2008); 99 e 114 (extratos da conta contabilística “111” (Caixa), respetivamente, das sociedades T... e M..., referentes a Agosto de 2008 e de fls. 100 e 115 (extratos de uma subconta da conta contabilística “71” (Venda de Mercadorias), respetivamente, das sociedades T... e M..., referentes a agosto de 2008), fls. correspondentes aos docs. 11 a 12 juntos com a p.i..

N) A petição inicial que deu origem à presente impugnação foi apresentada neste TAF, via SITAF, em 08.04.2011 – cf. fls. 170/171 do suporte físico dos autos.


***

A decisão recorrida consignou ainda que:

“Não existem outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe dar como provados ou não provados.”


***

Em termos de motivação da matéria de facto consta que:

“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, e bem assim com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados. Relativamente à prova testemunhal produzida, nada acrescentou em relação aos mencionados documentos, limitando-se a confirmar os factos que decorrem de parte dos mesmos.”


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica:

D) A 27 de agosto de 2008, a sociedade “A….s, SA”, apresentou junto do Serviço de Finanças de Cascais 1, Declaração para Liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, denominado Modelo 1, da qual se extrata, designadamente, o seguinte:


«texto no original»

(…)

Anexo I

«texto no original»

(…)

Anexo III

«texto no original»

(cfr. doc. juntos à p.i. e doc. de fls. 139 a 141 do PA apenso);


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IMT no montante de no valor de € 23.609,57.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu:

¾ Em erro de julgamento de facto, competindo aferir da pertinência e legalidade dos requeridos aditamentos por complementação e por substituição, à luz do regime normativo contemplado no artigo 640.º do CPC.

¾ Em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, por ter decidido que:

o O facto tributável foi a aquisição integral do direito de propriedade, e não de quaisquer quotas ideais sobre esse direito;

o A situação de facto subsume-se, normativamente, no artigo 12.º, nº1, do CIMT;

o Existindo divergências entre o VPT e o valor declarado, a liquidação adicional apenas poderá cont... esse diferencial, não sendo de convocar, cumulativamente, a regra constante no nº4 do citado normativo.

Apreciando.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos (2).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.”(3)

Salientando, ainda, neste particular, que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (4)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”(5).

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente requer alterações ao probatório, as quais se consubstanciam em aditamentos por complementação e por substituição, por reporte ao meio probatório que descreve, importando, assim, aferir da sua pertinência para a decisão da causa.

Atentemos, então e per se, nas visadas alterações ao probatório.

A Recorrente começa por peticionar a alteração das alíneas D) e E) dos factos assentes, na medida em que não se configuram provados nos termos constantes da mesma, devendo ser reformulados nos seguintes moldes:

Alínea D): A Impugnante apresentou, em 27/08/2008, a declaração Modelo 1 de IMT, mediante a qual comunicou à Administração Fiscal a compra das quotas partes ideias do direito de propriedade de que eram titulares as sociedades M... S.A. e T... S.A., com indicação da quota ideal do direito de propriedade de que cada uma das sociedades era titular e o preço global do contrato correspondente a € 1.000.00000;

Alínea E): Da escritura de compra e venda do imóvel identificado em alínea A) do probatório, celebrada em 28/08/2008, consta o valor acordado entre as duas sociedades alienantes e a Impugnante, e que ascende ao valor global de €1.000.000,00, sendo omisso em relação ao valor correspondente à alienação da quota parte ideal de cada uma das sociedades.

No concernente à alteração atinente ao facto elencado na alínea D), a mesma não logra provimento, na medida em que, por um lado, a factualidade que releva para efeitos dos autos já se encontra vertida na aludida alínea do probatório, a qual, como visto, foi reformulada por este Tribunal ao abrigo dos seus poderes de cognição, e por outro lado, a densificação atinente ao objeto do contrato, concatenada com a compra das quotas ideais, comporta natureza conclusiva e integrante do thema decidendum, porquanto agrega o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão.

No atinente à materialização do preço do contrato o Tribunal a quo autonomizou-o na alínea C), não carecendo, assim, de qualquer densificação ou reformulação nos moldes peticionados.

No mesmo sentido se conclui quanto à visada alteração da alínea E), a qual não apresenta a roupagem de um facto sendo eminentemente conclusiva, e comportando, outrossim, natureza valorativa. Com efeito, o que importa que conste no probatório são os elementos essenciais atinentes à compra e venda, os declarados na Modelo 1 de IMT, e subsequente liquidação de imposto, sendo que esses encontram-se plasmados nas alíneas A) a E), competindo, nessa medida, ao Tribunal valorá-los de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

E por assim ser, indefere-se, igualmente, a aludida alteração ao probatório.

Prosseguindo.

A Recorrente requer, ainda, o aditamento dos factos que infra se enumeram:

i) Na declaração Modelo 1 para liquidação de IMT apresentada pela Impugnante em 27/08/2008 não foi por si indicado o valor do acto ou do contrato no referente à alienação da quota parte ideal do direito de propriedade de cada uma das sociedades titulares do mesmo em regime de compropriedade;

ii) Da escritura de compra e venda do imóvel identificado em alínea A) do probatório, celebrada em 28/08/2008, consta o valor acordado entre as duas sociedades alienantes e a Impugnante, e que ascende ao valor global de €1.000.000,00, sendo omisso em relação ao valor correspondente à alienação da quota parte ideal de cada uma das sociedades;

iii) A liquidação primeira de IMT no valor de €32.500,00 quanto ao direito alienado pela sociedade T... S.A. e no valor de € 32.500 quanto ao direito alienado pela sociedade M... S.A., datada de 27/08/2018, não foi impugnada – conforme informação constante do despacho de indeferimento da reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IMT objecto da presente impugnação, e apenso aos autos.

Ora, face aos considerandos expendidos anteriormente, os mesmos são transponíveis quanto aos dois primeiros factos identificados supra como i) e ii), sublinhando-se, adicionalmente, que não carece de constar no probatório uma asserção negativa sobre o que não está ou não foi declarado na Modelo 1 de IMT, e bem assim na visada escritura pública. Como já devidamente evidenciado anteriormente, o que importa que fique contemplado no probatório são os elementos essenciais atinentes ao negócio e que relevam para a qualificação do facto tributário e inerente subsunção normativa, e esses, como visto, já se encontram vertidos no acervo fático dos autos.

Relativamente ao ponto iii) supra, o mesmo, é igualmente, de indeferir, desde logo, porque apresenta um teor valorativo e conclusivo, e por outro lado porque o ato de liquidação impugnado no valor de €65.000,oo já se encontra contemplado na alínea G) do probatório. Ademais, importa sublinhar que, a visada subdivisão já contende com o thema decidendum e com a requalificação visada no presente recurso, sendo certo que a questão atinente à conformação com o ato de liquidação dimanante da outorga referida em A), não é controvertida sendo irrelevante para a discussão da causa.

Face ao supra evidenciado, improcedem os visados aditamentos ao probatório.

Subsiste, ora, por analisar a alteração ao probatório da alínea M), propugnando a Recorrente que fique a constar como facto não provado o que se encontra consignado na alínea M) do probatório, na medida em que os registos contabilísticos são meros documentos internos, donde insuficientes para a aludida asserção.

Contudo, não assiste, igualmente, razão à Recorrente, desde logo, porque a factualidade vertida na aludida alínea do probatório não está fundada apenas, como erroneamente aduz a Recorrente, em meros documentos internos, na medida em que a realidade asseverada na alínea M) está suportada, igualmente, em registos das sociedades alienantes, concretamente nos balancetes da sociedade T..., e respetivos extratos e nos balancetes da sociedade M..., e correspondentes extratos de conta.

Ademais, atentando nos articulados das partes e bem assim nas informações instrutoras e integrantes do PA, tais realidades fáticas nunca foram contestadas, donde controvertidas.

E por assim ser, improcede a visada alteração da factualidade vertida na alínea M) do probatório.


***

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente advoga, desde logo, que na sequência da entrega da declaração Modelo 1 de IMT, visando a outorga de contrato de compra e venda do imóvel em causa nos presentes autos, foi emitida a liquidação de IMT no valor global de €65.000,00, correspondente a duas parcelas de €32.500,00 referentes às duas alienações em causa nos autos, tendo por base o valor de € 500.000,00 atribuído a cada uma quota ideal do direito das alienantes, conforme disposto nos n.ºs 1 dos artigos 19.º e 20.º e 21.º do CIMT.

Sublinhando, para o efeito, que como não constava da Declaração Modelo 1 indicação do preço devido pelas duas transmissões das quotas partes ideais do direito de propriedade sobre a coisa comum, foi a matéria coletável atribuída a cada uma das transmissões em partes iguais, cifrando-se em €500.000,00, atendendo aos valores declarados na Modelo 1 de IMT entregue pela Impugnante e por si assumida.

Advogando, adicionalmente, que da conjugação do disposto no n.º 1 e na regra 1.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, o imposto incide sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o VPT consoante o que for maior, sendo que, estando em causa transmissões de direito em regime de compropriedade deverá o VPT ser determinado tendo por referência o VPT correspondente ao direito alienado por cada comproprietário.

Mais sufragando que, o facto tributário sujeito a incidência de IMT não é o contrato de compra e venda, mas antes as realidades jurídicas que lhe estão subjacentes, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do CIMT, no caso, a transmissão da quota parte ideal do direito de propriedade do bem imóvel identificado nos autos de que são titulares as sociedades “T... S.A.”, e a “M... S.A.”.

Concluindo, assim, que ascendendo o VPT resultante da avaliação ao montante de €1.146.380,00, e tendo presente a regra 1.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, necessário foi determinar o imposto pela parte do VPT correspondente à quota ideal do direito alienado, com consequente liquidação adicional de IMT no valor de € 23.609,57.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida na medida em que a mesma estabeleceu uma correta análise do respetivo regime jurídico com a devida transposição à realidade fática dos autos.

Sustenta, para o efeito, que o Tribunal a quo ajuizou, e bem, pela inaplicabilidade, em simultâneo, no caso, do n.º 1 do art.º 12.º do CIMT, e do parágrafo primeiro do n.º 4 do artigo 12.º, sendo que a forma de determinação da matéria tributável da operação adotada pela AT não encontra acolhimento possível na letra do nº 1 do artigo 12.º do Código do IMT e viola o princípio capacidade contributiva dos sujeitos passivos, o qual se coaduna, unicamente, com o valor despendido pelo comprador ou com o valor efetivo do bem que passa a integrar o seu património, e já não de elementos relativos ao vendedor, que não é quem suporta o encargo do imposto.

Adensa, para o efeito, que a AT desconsiderou, erroneamente, o negócio celebrado, na medida em que a Recorrida adquiriu a propriedade plena sobre o imóvel e não quaisquer quotas ideais sobre esse direito, não obstante as sociedades vendedoras terem sido co-titulares do direito de propriedade transmitido.

Logo, a situação material que consubstancia o facto tributário é una e instantânea, sendo inadmissível a sua fragmentação e a aplicação simultânea de diversos parâmetros com vista à sua valoração quantitativa.

Conclui, in fine, que tendo existido alteração do VPT e ascendendo o mesmo a €1.146.380,00, assistia unicamente à AT a possibilidade de efetuar uma nova liquidação pelo valor correspondente à diferença entre a nova (€74.514,70) e a inicial coleta (€65.000,00), a saber, €9.514,70, pelo que não o tendo feito a liquidação impugnada padece, efetivamente, de vício de violação de lei, conforme decidido pelo Tribunal a quo.

Apreciando.

Comecemos por convocar a fundamentação jurídica que esteou a procedência da impugnação judicial.

O Tribunal a quo começa por sustentar que “[o] valor tributável sujeito a IMT segue a regra geral, do maior dos valores: o declarado no ato ou contrato ou o valor patrimonial tributário do imóvel, tal como se prevê no art.º 12.º, n.º 1, do CIMT. Logo, tendo resultado da 1.ª avaliação um VPT superior ao valor declarado no contrato (e que tinha servido de base à liquidação de IMT antes da concretização da compra e venda), impunha-se a liquidação adicional do imposto em apreço, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 31.º do CIMT.”

Densificando, para o efeito, que o procedimento aplicável é inadmissível em face da correta interpretação e aplicação das normas legais em apreço, enfatizando, neste particular que, “[n]a situação em apreço, como alega a Impugnante, o facto tributável foi a aquisição integral da propriedade plena sobre o imóvel, e não de quaisquer quotas ideais sobre esse direito (não obstante as sociedades vendedoras terem sido co-titulares do direito de propriedade transmitido), donde resulta que a situação material que consubstancia o facto tributário é una e instantânea e, como tal, subsumível no n.º 1 do art.º 12.º do CIMT.”

Concluindo, nessa medida, que “[o] único raciocínio que à administração tributária se impunha, após a 1.ª avaliação do imóvel objeto de transmissão, era comparar o valor constante do contrato (€ 1.000.000,00) com o VPT resultante da avaliação (€ 1.146.380,00), liquidando o IMT em falta pela diferença, considerando que a matéria tributável haveria de ter por base não o valor constante do contrato mas antes o resultante da avaliação, por ser o maior dos dois.”

E a verdade é que não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no arguido erro de julgamento, porquanto interpretou adequadamente o regime normativo com a devida transposição para o caso vertente.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.

Ab initio, importa ter presente que segundo o disposto no n.º 1, do artigo 2.º, do CIMT: “O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional”.

A propósito da incidência subjetiva preceitua o artigo 4.º, nº1, que “o IMT é devido pelas pessoas, singulares ou coletivas, para quem se transmitam os bens imóveis.”

Consignando, por seu turno, o artigo 5.º que “a obrigação tributária constitui-se no momento em que ocorrer a transmissão.”

De convocar, outrossim, o artigo 12.º, nº1, e 4 do mesmo diploma legal cuja epígrafe “valor tributável”, que:

1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

2 - No caso de imóveis omissos na matriz ou nela inscritos sem valor patrimonial tributário, bem como de bens ou direitos não sujeitos a inscrição matricial, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI. (…)

4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

1.ª Quando qualquer dos comproprietários ou quinhoeiros alienar o seu direito, o imposto é liquidado pela parte do valor patrimonial tributário que lhe corresponder ou incide sobre o valor constante do ato ou do contrato, consoante o que for maior.”

No atinente à liquidação de IMT, preceitua o artigo 19.º, nº1, que a mesma é “[d]e iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar uma declaração de modelo oficial, devidamente preenchida.”

Importa, igualmente, ter presente que a aludida declaração deve conter, conforme plasmado no artigo 20.º, nº1, os seguintes elementos:

“a) A identificação dos imóveis ou a indicação de estarem omissos nas matrizes, bem como o valor constante do ato ou do contrato;

b) O valor atribuído aos bens, com especificação do que corresponder às partes integrantes cujo valor não esteja compreendido no valor patrimonial tributário dos respetivos prédios;

c) Informação sobre se a aquisição vai ou não ser feita no âmbito de um dos atos ou contratos previstos no nº 3 do artigo 2º, juntando cópia do respetivo documento nos casos previstos nas suas alíneas a) e b);

d) Os demais esclarecimentos indispensáveis à exata liquidação do imposto.

2 - Nos contratos de permuta de bens presentes por bens futuros em que estes já se encontrem determinados com base em projeto de construção aprovada pela câmara municipal, deve o interessado juntar à declaração referida no artigo anterior cópia da planta de arquitetura devidamente autenticada.

3 - Quando se tratar de alienação de heranças ou de quinhões hereditários, devem declarar-se todos os bens imóveis e indicar-se a quota-parte que o alienante tem na herança.

4 - Em caso de transmissão parcial de prédios inscritos em matrizes cadastrais, devem declarar-se as parcelas compreendidas na respetiva fração do prédio.”

Sendo, outrossim, de ponderar que em termos de competência para a liquidação estatui o artigo 21.º que: “[o] IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, considerando-se, para todos os efeitos legais, o ato tributário praticado no serviço de finanças da área da situação dos bens.”

Da conjugação dos aludidos normativos resulta, assim, que o IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, sendo devido pelo adquirente dos bens, incidindo o mesmo, regra geral, sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o VPT dos imóveis, consoante o que for maior, mediante declaração do próprio e ulterior liquidação pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos.

Visto o direito que releva para a presente lide, atentemos, então, no recorte probatório dos autos.

Dimana da factualidade assente o seguinte:

A 27 de agosto de 2008, a Recorrida apresentou declaração Modelo 1 de IMT, mediante a qual comunicou a compra do lote de terreno para construção sito na Avenida Ó…s, em Lisboa, descrito na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …. e, à data pendente de inscrição na matriz, com a concreta identificação do bem imóvel, da propriedade do mesmo, com a devida materialização e extensão do correspondente quinhão na esfera jurídica de ambas sociedades proprietárias, concretamente, a sociedade “M...” titular de uma quota ideal de 753/1000 e a sociedade “T...” titular de uma quota ideal de 247/1000, e bem assim o respetivo preço do negócio.

Após entrega da aludida declaração, foi emitido pela AT liquidação de IMT no montante €65.000,00, com o inerente pagamento por parte da Recorrida, e no dia subsequente, outorgada a escritura pública de compra e venda do referido lote de terreno para construção, pelo valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

Sendo que, como contrapartida pela transmissão do direito de propriedade sobre o visado imóvel, a sociedade “T...” recebeu o montante de €247.000,00 e a sociedade “M...” recebeu o montante de € 753.000,00, correspondentes, respetivamente, a 247/1000 e 753/1000 do preço contratual.

Ulteriormente, a 15 de outubro de 2008, o bem imóvel objeto do contrato de compra e venda supra evidenciado, foi objeto de primeira avaliação, tendo o respetivo VPT sido fixado em € 1.146.380,00.

Por seu turno, e em resultado da avaliação supra evidenciada, a 10 de fevereiro de 2009, foi emitida a liquidação adicional de IMT, no montante de €23.609,57, cujo cômputo foi calculado da seguinte forma.

Primeiramente ponderado o VPT de € 1.146.380,00, o qual, face ao quinhão de cada uma das partes, cifrar-se-ia nos seguintes montantes: €863.224,14, concernente à parte proporcional da sociedade “M...”, correspondente a 753/1000 e €283.155,86 respeitante à parte proporcional da sociedade “T...”, patenteada em 247/1000.

Corporizado, depois, no seguinte apuramento do IMT adicional: € 863.224,14 x 0,065 = € 56.109,57, e subsequente ponderação de €500.000,00 x 0,065 = € 32.500,00 [por essa quantia (presumida) ser superior à determinada após 1ª avaliação, €283.155,86], determinando um total de € 88.609,57 [€56.109,57+32.500,00], donde a emissão de um ato de liquidação adicional no valor diferencial de €23.609,57 [€88.609,57-€65.000,00].

Ora, face ao supra expendido ter-se-á de concluir que o decidido pelo Tribunal a quo não padece do erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, na medida em que, contrariamente ao por si advogado, o facto tributário objeto de tributação consiste, efetivamente, na aquisição da propriedade plena do imóvel, não sendo, nessa medida, subsumível na aludida regra 4ª, do citado artigo 12.º do CIMT, mas, tão-só, no nº1 do citado normativo.

Como doutrinado por José Maria Fernandes Pires (6), “a sujeição a imposto da aquisição do direito de propriedade de bens imóveis prevista na primeira parte do nº1 do artigo 2.º do CIMT consubstancia o mais importante facto tributário do IMT.

Trata-se do facto tributário paradigmático e nuclear do IMT e aquele cuja verificação é a mais frequente. Esta norma sujeita a imposto, tanto a aquisição da propriedade do imóvel como de uma parte indivisa. O valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral, do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial, tal como se prevê no nº 1 do artigo 12.º do CIMT.”

De relevar, neste particular, que se secunda o propugnado pelo Tribunal a quo no sentido de que, a regra 4ª do preceito 12.º visa abranger as situações em que existe uma aquisição parcelar do direito de propriedade, em ordem a tutelar a capacidade contributiva que subjaz a tributação em sede de IMT.

Com efeito, a ratio do legislador relativamente à subsunção normativa na citada regra 4ª do normativo 12.º, coadunou-se, apenas, em salvaguardar as situações em que sendo o bem imóvel detido por mais do que um proprietário e não sendo o mesmo objeto de alienação na sua totalidade, se tivesse em consideração essa realidade no seu cômputo e cotejo proporcional, por forma a tributar a realidade, efetivamente, adquirida e em harmonia com o aludido princípio da capacidade contributiva.

E não, conforme pretende a AT, tributar desfasada e de forma, marcadamente, mais onerosa e sem uniformidade com a realidade adquirida. Note-se que, como infra analisaremos, no atinente à sociedade “T...” há, efetivamente, um apuramento mediante uma quota presumida e desconforme com a realidade.

De relevar, neste conspecto, que a admitir-se uma interpretação no sentido propugnado pela AT, estar-se-iam não só a subverter as regras e ratio subjacente à cobrança do imposto, como, em bom rigor, a “inverterem-se” os sujeitos passivos do mesmo.

Ademais, e em sentido contrário ao aduzido pela Recorrente, a manutenção de posição inversa à ajuizada pelo Tribunal a quo, redundaria, a final, numa clara violação do princípio da igualdade, na medida em que a tributação seria claramente mais onerosa caso a propriedade do bem imóvel fosse detida por mais do que um titular do respetivo direito de propriedade, em contraponto com uma detenção unitária, entenda-se de um só proprietário. Claramente o legislador não pretendeu estabelecer essa diferenciação e superior onerosidade, quando a aquisição do visado bem imóvel integre a sua plenitude.

Não relevando, naturalmente, as considerações expendidas quanto ao âmbito e abrangência do regime de compropriedade, particularmente, as aduzidas em IX, porquanto as mesmas nunca foram sindicadas, nem, tão-pouco, refutada a existência de co-titularidade de quotas ideias na esfera jurídica de duas entidades societárias distintas, tendo, apenas sido refutado, como visto e bem, a subsunção na aludida regra 4ª e o cálculo, em concreto, do imposto sub judice.

Note-se, adicionalmente, que não logra mérito o aduzido em XII, quanto ao concreto cômputo e determinação do ato de liquidação adicional, na medida em que não espelha o modus faciendi que foi adotado pela AT, conforme dimana de uma leitura aturada da reclamação graciosa e melhor vertida na alínea L) do probatório.

Com efeito, no caso vertente, a AT procedeu da seguinte forma:

1. Apuramento do VPT de € 1.146.380,00

2. Divisão do aludido Valor na proporção das quotas ideais, perfazendo:

a. € 863.224,14 [753/1000 “M...”]

b. € 283.155,86 [247/1000 “T...”]

3. Comparação dos valores supra evidenciados com o preço de venda €1.000.000,00.

4. Ulterior assunção de que cada sociedade vendedora alienou a sua quota ideal pelo € 500.000,00, e corporizando, assim, os seguintes apuramentos:

a. “T...”

-Valor apurado de €283.155,86<Preço presumidamente acordado (€ 500.000,00)

-Tributação sobre € 500.000,00 (valor presumido)

-Coleta de €32.500,00, (€500.000,00* 6,5%)

b. “M...”

-Valor apurado de €863.224,14>Preço presumidamente acordado (€ 500.000,00)

-Tributação sobre € 863.224,14

-Coleta de €56.109,57, (€863.224,14* 6,5%)

5. Apuramento da coleta de €88.609,57 (€56.109,57+€32.500,00)

6. Liquidação adicional de €23.609,57 (€88.609,57 -€65.000,00)

Logo, a liquidação de IMT padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que tendo existido uma avaliação do bem imóvel cujo valor do VPT ascendeu a um valor superior ao declarado, como visto, VPT apurado de €1.146.380,00, por contraponto com o valor declarado na escritura pública que, como visto, perfez, €1.000.000,00, a liquidação adicional apenas poderia cifrar-se no valor diferencial, no caso, €9.514,70 (€146.380,00 *6,5%).

Destarte, assiste, efetivamente, razão à Recorrida quando sufraga que a AT fez uso de uma construção segmentada sem suporte legal e equivocada quanto aos termos em que o negócio foi celebrado, tendo, errada e desfasadamente, utilizado os dois critérios alternativos de determinação do valor tributável, previstos no artigo 12.º do Código do IMT, com um apuramento de imposto superior ao devido.

In casu, a AT desconsidera, desde logo, a premissa base e que subjaz à tributação, ou seja, a circunstância de o facto tributário se coadunar e circunscrever ao contrato de compra e venda outorgado a 28 de agosto de 2008, no qual se adquire a propriedade plena sobre o imóvel, e não quaisquer quotas ideais sobre esse direito.

Sendo que, se reitera que é, perfeitamente, irrelevante para o caso sub judice, o facto de as sociedades vendedoras serem co-titulares do direito de propriedade, como visto, titulares de quotas qualitativamente iguais, mas quantitativamente bem diferentes, na medida em que os elementos reveladores da capacidade contributiva ter-se-ão de concatenar e circunscrever apenas com o valor despendido pelo comprador, irrelevando, neste e para este efeito, elementos que não concatenados com o sujeito passivo que suporta, efetivamente, o encargo do imposto.

De relevar, neste particular, e sem embargo de todo o exposto, que contrariamente ao advogado pela AT a liquidação não contemplava, de todo o modo, a expressão real da regra 4ª do artigo 12.º, na medida, em que, como visto, não valorou, particularmente, no caso da sociedade “T...” o valor que a mesma, efetivamente, auferiu pela venda.

Noutra formulação, sempre se dirá que, não apresenta respaldo e fundamento legal a integração na matéria coletável do valor (presumido) de € 500.000,00 como sendo o valor de aquisição da quota ideal da T... (247/1000). Logo, não seria, de todo, possível computar no apuramento da matéria coletável definitivo, a parte do VPT atualizado do imóvel correspondente à quota da M..., sem efetuar a correspetiva alteração quanto à quota ideal da T....

Destarte, face a todo o exposto, ter-se-á de concluir que o ato impugnado padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, conforme ajuizado pelo Tribunal a quo.

E por assim ser, mantém-se a decisão recorrida, e consequente anulação dos atos impugnados, com as consequências legais determinadas e não sindicadas.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de novembro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)



(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.

(3) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.

(4) HENRIQUE ARAÚJO: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt

(5) AC. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1

(6) In Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, Reimpressão, 2011, página 157