Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:336/20.4BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:06/17/2021
Relator:LINA COSTA
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
LAPSO MATERIAL
CORRECÇÃO OFICIOSA
Sumário:I. Como resulta do teor nº 4 do artigo 72º do CCP, o legislador não distingue se o elemento que padece do erro material pode ou tem de repercutir-se no preço ou noutro aspecto submetido à concorrência, nem faz depender da grandeza da repercussão do erro nesses elementos ou na apreciação da proposta a que respeita – determinando apenas que o júri procede à rectificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.

II. Se o artigo, relativo ao troço 9º da Empreitada, para o qual não foi indicado na proposta da Recorrida CI o preço unitário, contém uma descrição que é idêntica às que constam dos artigos para os troços 5, 6, 7, 8, 10 e 11 e para cada um e todos estes o preço é um só, o de €475,97, então é também este o preço unitário omitido a corrigir oficiosamente pelo Júri do concurso.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A....., S.A., devidamente identificada como Autora nos autos de acção de contencioso pré-contratual, instaurados contra a Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor e S..... S.A. e O....., S.A., T....., S.A. e B..... Lda., na qualidade de contra-interessadas, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 21.1.2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que decidiu absolver da presente instância as contra-interessadas O....., S.A.; T....., S.A., e B..... Lda., por serem partes ilegítimas e julgar improcedente a presente acção, mantendo o acto de adjudicação de 30.7.2020.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
“1. A recorrente e a contrainteressada S....., S.A. – em diante contrainteressada – aprestaram propostas no concurso público lançado pela recorrida Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor, relativo à empreitada de obras públicas designada “Reabilitação do Distribuidor Vale de Lama”.
2. No artigo 9.º do Programa de Concurso constam como documentos que acompanham a proposta, além do mais, a declaração do concorrente com a indicação dos preços parciais dos trabalhos que se propõe executar, os documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe contratar, nomeadamente, o preço total e a lista de preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução.
3. A contrainteressada apresentou um preço de €1.120.134,58 ao passo que a recorrente apresentou um preço de €1.181.997,95
4. Porém, a contrainteressada não apresentou qualquer preço unitário para o trabalho relativo ao capítulo 017 - troço 9.
5. O Júri do procedimento procedeu à retificação oficiosa de tal omissão, tendo considerado como preço unitário de tal trabalho o valor de €475,97.
6. O que determinou uma alteração do preço da proposta daquele concorrente, para o valor de €1.120.610,55.
7. Elaborado o relatório final, o Júri ordenou a proposta da contrainteressada em primeiro lugar, com a pontuação de 4,843 e a da recorrente em segundo lugar, com a pontuação de 4,350.
8. Por decisão proferida em 30 de julho de 2020 pela Direção da Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor, a recorrida procedeu à adjudicação da empreitada à contrainteressada pelo preço global de € 1 120 610,55.
9. Inconformada, a recorrente impugnou aquele ato de adjudicação, invocando, para tanto, e além do mais, que o Júri do procedimento, ao proceder à correção oficiosa de um dos preços unitários em falta na proposta da contrainteressada, excedeu o âmbito de aplicação da faculdade concedida pelo artigo 72.º, n.º 4 do CCP, em violação intolerável dos princípios da concorrência e da intangibilidade das propostas, princípios estes estruturantes da contratação pública.
10. Mais sustentou a recorrente que tal omissão deveria ter conduzido à proposta de exclusão da proposta da contrainteressada, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 146.º, n.º 2, aliena d) e 57.º, n.º 2, alínea a), ambos do CCP, pedindo, a final, fosse anulada a decisão de adjudicação da empreitada, bem como o contrato objeto de adjudicação, caso o mesmo já tivesse sido outorgado.
11. Considerou o Tribunal a quo que a omissão da indicação dos preços unitários para os referidos trabalhos restou de um lapso de inserção e que se afigurava evidente para um destinatário normal que a correção do preço unitário não poderia ser outra que não a efetuada pelo júri, atendendo à identidade da descrição do artigo e do preço unitário para os troços 5, 6, 7, 8, 10 e 11.
12. E que a correção promovida pelo júri alterou o preço final da proposta da contrainteressada em valor diminuto, pelo que, mesmo sem a existência do lapso, isto é, com a inclusão do preço unitário omitido, a proposta da A. não teria a virtualidade de vir ser a selecionada.
13. Com o devido e merecido respeito, não é segundo este prisma que o problema deve ser observado, não estando em causa a grandeza da repercussão que o erro omitido teve no preço final, antes a (in)admissibilidade de o cocontratante público proceder a esta retificação oficiosa.
14. Se assim não fosse, cumpriria questionar se o Júri poderia ter atuado da mesma forma se a retificação do erro tivesse uma repercussão de 2%. Ou de 5%. Ou de 10%. Onde está a fronteira?
15. O que nos reconduz a questionar, em abstrato: Poderá o cocontratante público retificar ex officio um dos elementos a partir do qual é determinado o preço da proposta? Ainda que o lapso seja evidente?
16. Com todo o devido e merecido respeito, a resposta será negativa.
17. Note-se que o Júri nem sequer estaria em condições de lançar mão das faculdades previstas no artigo 72.º, n.ºs 1 e 3, do CCP, ou seja, encontrava-se vedado ao Júri promover a notificação da contrainteressada para vir esclarecer a omissão ou convidá-la a suprir a omissão em causa, pois, como é sabido, a norma do n.º 2 do artigo 72.º do CCP veda a possibilidade ao convite de suprimento de omissões que conduzissem à exclusão das propostas nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, ou seja, de elementos que constituam atributos, termos ou condições relativos a aspetos da proposta submetidos à concorrência pelo caderno de encargos de acordo com ao quais o concorrente se dispõe a contratar, cfr. artigo 57.º, n.º 1, alínea a), do CCP.
18. Aqui chegados, cumpre questionar: Quem não pode o menos, poderá o mais?
19. É neste preciso ponto que a recorrente não se conforma com o entendimento vertido na D. sentença recorrida, pois, se é certo – ninguém coloca em causa – que a omissão ora em apreço resultou de um lapso de escrita, a verdade é que este ocorreu num elemento determinante ao apuramento do preço, ou seja, no chamado núcleo duro dos aspetos submetidos à concorrência.
20. E ainda que fosse permitido ao cocontratante público proceder a uma retificação do preço da proposta – o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio e bem assim por mera cautela e dever de raciocínio – não bastaria para tanto a invocação que o preço unitário considerado motu próprio pelo Júri do procedimento equivale ao considerado noutras frentes de obra.
21. A admitir-se esta possibilidade, onde se situaria a fronteira para esta ingerência?
22. Não ignora a recorrente que as alterações introduzidas no Código dos Contratos Públicos pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, neste domínio, trazem atrás uma ideia segundo a qual as irregularidades formais não se devem intrometer da possibilidade de os entes públicos adjudicarem as propostas substantivamente mais vantajosas, conferindo-lhes um assinalável jogo de cintura para promover a sanação de tais irregularidades, seja através de pedidos de esclarecimentos, seja através de convites ao aperfeiçoamento, seja – no limite – através de retificação oficiosa.
23. Porém, esta possibilidade tem evidentemente limites, os bastantes para salvaguardar a integridade dos princípios básicos e orientadores do nosso modelo de contratação pública – repete-se – o da intangibilidade das propostas e da concorrência, aliás inseparáveis.
24. Os princípios da intangibilidade das propostas e da concorrência encontram-se claramente na génese da norma do artigo 72.º, n.º 2, do CCP, ao dispor que, uma vez ultrapassado o prazo para apresentação/entrega das propostas, o concorrente fica vinculado a elas, não as podendo retirar nem alterar.
25. Com respeito à possibilidade de o cocontratante público proceder à retificação dos elementos da proposta ao abrigo da norma do artigo 72.º, n.º 4, do CCP – e sem prejuízo do entendimento já acima vertido, no sentido de esta possibilidade não ser admissível para efeitos de correção de elementos que venham a ter repercussões no preço ou noutro aspeto submetido à concorrência – a doutrina e jurisprudência mais avisadas que o lapso só é retificável mediante a demonstração do cumprimento de dois requisitos, a saber, que existência de lapso resulte como evidente e que a forma de suprir o lapso se demonstre evidente.
26. Não discutindo a circunstância de a omissão do preço unitário ter resultado de lapso, e com o devido e merecido respeito, não se verifica in casu a evidência da forma como suprir o lapso.
27. Com efeito – e insiste-se – no caso ora em apreço, a evidência da forma de retificar a omissão de um preço unitário com repercussões ao nível do preço final não poderá dar-se por adquirida por reporte a trabalhos equivalentes noutras frentes de obra.
28. Como é sabido, o preço unitário é apurado por um conjunto de fatores, tais como preços de aquisição de materiais, custos de estaleiro, custos de mão-de-obra etc etc…, não sendo permitido ao Júri – com todo o respeito – supor que o preço a indicar pelo concorrente seria o mesmo que indicou noutra frente de obra.
29. Isto, independentemente da repercussão deste preço unitário no preço final em termos de grandeza, pois o que está verdadeiramente em causa é a salvaguarda dos princípios da concorrência e da imutabilidade das propostas, sendo perigosíssimo abrir brechas neste domínio, conduzindo à possibilidade de os cocontratantes públicos assumirem motu proprio a retificação de propostas em atributos submetidos à concorrência.
Por todo o exposto, com todo o respeito, a D. sentença recorrida procedeu a errónea interpretação das normas legais a seguir enunciadas, violando-as:
i. Artigos 247.º e 249.º, do Código Civil
ii. Artigos 57.º, n.º 2, alínea a), 72.º, n.º 4 e 146.º, n.º 2, alínea d) do Código dos Contratos Públicos.».
Requerendo a final:
«E pelas razões expostas, deverá o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a decisão de adjudicação da empreitada de obra pública denominada “Aproveitamento Hidroagrícola do Alvor – Reabilitação do Distribuidor do Vale do Lama” tomada pela Direção da Associação Recorrida, bem como o contrato objeto de adjudicação, caso o mesmo já tenha sido outorgado, e condenar-se a Associação Recorrida à prática do ato devido.
Assim fará esse Tribunal a costumada JUSTIÇA!»

A recorrida Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor (doravante apenas Recorrida) apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«6.1 - A Recorrida, enquanto Entidade Contratante, lançou o concurso público “Procedimento Nº1/ARBA/2020 -Aproveitamento Hidroagrícola do Alvor - Reabilitação do Distribuidor do Vale de Lama”, tendo o seu anúncio sido publicado no Diário da República de 25 de março de 2020, II Série, parte L, sob o nº 3325/2020.
6.2 - O objecto do contrato é a realização de trabalhos, fornecimento e montagens e demais acções necessárias à reabilitação do Distribuidor de Vale de Lama.
6.3 - No âmbito deste, foram apresentadas três propostas, com preços unitários - listagens anexas a estas – que, no que importa, contemplava trabalhos idênticos a serem feitos nos vários troços do canal.
6.4 - Concretamente, nos troços 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, os trabalhos referenciados, respectivamente, sob os artigos 06.04.01, 07.04.01, 08.05.01, 09.03.01, 010.04.01, 011.05.01 e 012.05.01.
6.5 - Em todos, consta a quantidade dos trabalhos a serem desenvolvidos em cada troço.
6.6 - A C.I. apresentou a sua listagem de preços e, em todos os quadros, à excepção de um, referente ao troço 9 – artigo 010.04.01 - refere e repete o valor unitário dos trabalhos a desenvolver: 475,97€.
6.7 - Do artigo supra indica-se que o trabalho a desenvolver é 1 unidade, como ali consta.
6.8 - Entendeu o Júri do concurso, em “Relatório Final”, face à omissão supra, como disposto no artigo 72º nº4 do CCP, proceder à retificação oficiosa do erro - omissão – face aos elementos existentes na proposta da C.I. e das restantes concorrentes, entre elas a recorrente.
6.9 - Pois, por estes, como decorre do preceito supra, era evidente para “(…) qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido”.
6.10 - Aliás, a própria Recorrente reconhece que estamos perante omissão, lapso de escrita, da CI (cfr. 5.6), como se indica na Douta Sentença.
6.11 - Pretende a Recorrente limitar o âmbito da aplicação do dispositivo ou seja, não ser aplicável se o erro se verificar no preço, com a consequente alteração do valor da proposta.
6.12 - Salvo melhor opinião, como também se afere da Douta Sentença, esta sua posição não tem o mínimo de correspondência da letra da lei.
6.13 - Posto isto, sendo evidente a existência do lapso e também evidente como deve ser suprido, estava o Júri obrigado a proceder à sua retificação, como fez, nos termos do art.º 72º nº4 do CCP.
6.14 - Pelo exposto, por Douto Acórdão, deve ser confirmada a Sentença recorrida, nos seus precisos termos, com o que se fará Justiça!».

A recorrida S..... S.A. (doravante apenas Recorrida CI) apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
“1.ª Está em causa no n.º 4 do artigo 72.º do CCP a mera deteção, ex officio, de um erro de cálculo ou de escrita, suscetível de correção por apelo ao teor intrínseco da proposta que revela, a real intenção do declarante, sem que se careça de um elemento posterior adicional (volitivo ou de outra natureza) para a sua interpretação ou aclaração;
2.ª O n.º 4 do artigo 72.º do CCP não opera ao nível de situações em que esteja em causa a modificação da proposta ou uma nova intervenção do concorrente no procedimento;
3.ª O âmbito operativo do n.º 4 do artigo 72.º do CCP circunscreve-se a situações em que o júri dispõe de elementos que lhe confiram certeza (ou uma convicção próxima da certeza) acerca de qual a vontade real do declarante que deve prevalecer;
4.ª Não há na aplicação desta norma qualquer “ingerência” do contraente público na vontade do proponente, nem tão pouco ocorre uma situação de “substituição ao concorrente” na indicação do elemento objeto de correção, uma vez que este já se encontrava patenteado na proposta;
5.ª Sendo corretamente delimitado o âmbito de aplicação do n.º 4 do artigo 72.º do CCP, dele não decorre, em qualquer caso, uma situação de violação dos princípios da intangibilidade das propostas ou da igualdade de tratamento (ou da concorrência), uma vez que a previsão da norma não comporta, em qualquer circunstância, a possibilidade de “ingerência” ou “substituição ao concorrente” na formulação de elementos da proposta;
6.ª O júri não se substituiu ao concorrente, atribuindo motu proprio um preço aos trabalhos em causa, como é alegado pela Recorrente;
7.ª O júri limitou-se a completar a omissão, com base no preço unitário indicado de forma repetitiva consistente e coerente para os mesmos trabalhos a executar nos troços 5, 6, 7, 8, 10 e 11 da empreitada: 475,97€;
8.ª O que se verifica ostensivamente no caso em apreço, atenta a repetição do artigo em causa e do valor nos diversos troços da obra, como foi salientado na sentença recorrida e consta da alínea B) do probatório, é uma mera omissão, por lapso, de um preço unitário;
9.ª No caso em apreço, o lapso é de tal forma evidente que foi indicada a quantidade – 1 unidade – mas, por esquecimento ou lapso na inserção de dados no ficheiro excel, não foi indicado o valor, pelo que, verdadeiramente, a proposta não era totalmente omissa quanto à indicação do preço unitário do artigo em causa;
10.ª Tal preço unitário foi devidamente explicitado nos artigos 06.04.01, 07.04.01, 08.05.01, 09.03.01, 011.05.01, 012.05.01, relativamente aos mesmos trabalhos a executar noutros troços da empreitada de reabilitação do Distribuidor do Vale da Lama, tendo sido indicada a quantidade dos trabalhos a realizar no artigo 010.04.01, pelo que facilmente se poderia, por inferência ou mera extrapolação lógica, completar o valor em causa, como veio a ser feito, oficiosamente e nos termos do n.º 4 do artigo 72.º do CCP, pelo júri;
11.ª Não existe qualquer incompatibilidade, em abstrato, entre o âmbito de aplicação do n.º 4 do artigo 72.º do CCP e os princípios da intangibilidade das propostas ou da igualdade de tratamento dos concorrentes (ou da concorrência procedimental);
12.ª Não existiu, no caso concreto, qualquer violação pelo júri, pela entidade adjudicante ou pela sentença recorrida, dos pressupostos de aplicação dessa norma, tanto no segmento respeitante à deteção/identificação do lapso, que deve ser evidente, como no segmento respeitante à sua correção, que deve resultar objetivamente da proposta do concorrente;
13.ª Como resulta da jurisprudência relativa ao erro de cálculo ou de escrita citada pela sentença recorrida (acórdão do STA, de 07.05.2015, proc. n.º 01355/14; acórdão do STA, de 20.06.2013, proc. n.º 0467/13; acórdão TCA Norte de 15.07.2015, proc. n.º 00301/14.0; acórdão do TCA Norte, de 07.12.2017, proc. n.º 01479/16.4BEPRT; e acórdão do STA, de 11.09.2019, proc. n.º 0984/18.2BEAVR) é irrelevante a natureza do erro, podendo este reportar-se a atributos ou a termos ou condições da proposta, conquanto não existam dúvidas (i) quanto à sua existência e (ii) quanto ao modo da sua correção, sem necessidade de qualquer nova intermediação/intervenção do concorrente;
14.ª Não se estabelece nesta jurisprudência qualquer distinção entre componentes da declaração/proposta relativos a atributos ou a termos ou condições, ou relativas a qualquer outro elemento, de tal sorte que o regime do erro não se encontra limitado, a priori, pelo elemento da proposta a que diz respeito;
15.ª O regime do erro é aplicável sempre que estejam reunidos os respetivos pressupostos, não implicando, no caso do chamado erro de cálculo ou de escrita, como o que está em causa nos presentes autos, qualquer intervenção do júri ou da entidade adjudicante ao nível da formação da vontade do concorrente, a qual já se encontrava expressa na proposta, embora com um lapso evidente e de correção também evidente;
16.ª No caso em apreço, resulta da alínea B) matéria de facto provada e não impugnada pela Recorrente que no Troço 9, sendo o descritivo do artigo 010.04.01 o mesmo que o dos troços 5, 6, 7, 8, 10 e 11 e a quantidade a mesma que a dos troços 10 e 11 (1 unidade) foi indicada a quantidade, mas não foi indicado o preço desse artigo;
17.ª Confrontado com esta situação, o júri, pura e simplesmente entendeu que, face à natureza da obra e ao caráter repetitivo dos trabalhos a que se referia o artigo 010.04.01 da proposta apresentada pela contrainteressada S....., cujo preço unitário já havia sido indicado noutros artigos respeitantes a outros troços da empreitada, estaria em causa um mero lapso – até porque a quantidade do artigo em causa era indicada – tendo inferido o preço unitário do indicado nos outros artigos da proposta, em que estava em causa a realização dos mesmos trabalhos conforme resulta da transcrição da alínea F) do probatório;
18.ª Recorde-se que o júri teve o cuidado de verificar se o mesmo fenómeno ocorria nas propostas dos outros concorrentes, assinalando no relatório final que
«Verificou o Júri do Concurso que todos os concorrentes que apresentaram propostas com preços unitários (“S....., S.A.; B..... Lda e A....., SA”) atribuíram o mesmo valor aos artigos constantes nas alíneas a) a f), e igualmente no que diz respeito ao art.º 010.04.01 (“B..... Lda e A....., S.A.”). Notar que esses valores apenas diferem de proposta para proposta» (vide alínea F) do probatório);
19.ª O júri não extravasou o alcance e âmbito de aplicação da faculdade de retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CCP, tendo, pelo contrário, exercido essa faculdade em termos adequados e proporcionais, com toda a certeza e segurança proporcionada pelo facto, bem expresso no relatório final, de todos os outros concorrentes terem atribuído o mesmo valor aos artigos 06.04.01, 07.04.01, 08.05.01, 09.03.01, 011.05.01, 012.05.01 e igualmente no que diz respeito ao artigo 010.04.01 o que revela sem margem para dúvidas, que estão em causa os mesmos trabalhos;
20.ª Não tendo havido qualquer alteração à proposta apresentada ou uma modificação das declarações de vontade dela constantes, mas uma mera correção/retificação, mediante o preenchimento de um valor em falta, cujo conhecimento resulta da proposta apresentada, não houve qualquer violação do princípio da intangibilidade das propostas, nem do princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes (e não do princípio da concorrência, que não está aqui em causa);
21.ª A sentença recorrida não violou artigo 72.º, n.º 4 do CCP nem os artigos 427.º e 429.º do Código Civil, encontrando-se a respetiva fundamentação em absoluta conformidade com as exigências e com os pressupostos presentes nessas disposições legais;
22.ª A omissão de um preço unitário, numa circunstância em que é indicada a quantidade do artigo em causa, não poderá deixar de se considerar suprida pelo valor indicado a respeito dos mesmos artigos nos demais troços da empreitada, o que implicaria sempre que se considerasse implícito o valor em causa, com os necessários ajustamentos ao valor global da proposta, como acabou por ser feito pela sentença recorrida, por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP;
23.ª O facto de a proposta apresentada pela contrainteressada, ora Recorrida, não apresentar o preço unitário para o artigo 010.04.01 da empreitada, não constitui motivo para a sua exclusão, não tendo a sentença recorrida violado o disposto nos artigos 57.º, n.º 2, alínea a), e 146.º, n.º 2, alínea d) do CCP.».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida errou ao julgar a acção improcedente, considerando que a rectificação oficiosa de um preço unitário, com repercussão no preço final da proposta da Recorrida CI, não violou o disposto nos artigos 247º e 249º do CC e 57º, nº 2, alínea a), 72º, nº 4 e 146º, nº 2, alínea c) do CCP.

A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

«A. Em 25 de Março de 2020, foi publicado no Diário da República, II Série, parte L, o anúncio de procedimento n.º 3325/2020, relativo a empreitada de obras públicas, tendo como entidade adjudicante a Entidade Demandada e identificando o objecto de contrato “a realização de trabalhos, fornecimentos e montagens e demais acções necessários à reabilitação do Distribuidor Vale de Lama”.

B. Por documento assinado a 09 de Maio de 2020, a Contra-interessada enviou à Entidade Demandada o documento «Proposta de preço total e prazo de execução», que se dá aqui por integralmente reproduzida, destacando-se a seguintes passagens (doc. junto pela contra-interessada a fls. 148 e PA a fls. 526, ambos do SITAF):
(…)
1. Pedro Manuel dos Santos Macedo, cartão de cidadão 11738759 com morada profissional na ....., Camarate, na qualidade de procurador da S..... S.A., com o n.º de identificação fiscal ....., e sede .....Camarate, titular do alvará IMPIC n.º ....., depois de ter tomado conhecimento do objeto da empreitada de “Reabilitação do Distribuidor do Vale da Lama” a que se refere o anúncio datado de 25/03/2020 obriga-se a executar todos os trabalhos que constituem essa empreitada, de harmonia com o Caderno de Encargos, no prazo total de 270 (duzentos e setenta) dias calendário, pela quantia de 1.120.134,58€ (um milhão cento e vinte mil cento e trinta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), que não inclui o imposto sobre o valor acrescentado, conforme a lista de preços unitários apensa a esta proposta e que dela faz parte integrante.

(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)

C. No Programa de Concurso, consta o artigo 9.º, e cujo conteúdo relevante abaixo se reproduz (doc. 2 junto com a p.i. a fls. 60 e PA a fls. 272, ambos do SITAF):
Artigo 9.º
Documentos que acompanham a proposta
1 - A proposta deve conter os elementos constantes no artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos, devendo ser acompanhada dos seguintes documentos:
a) Declaração do concorrente com a proposta de preço total e prazo de execução da obra, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo A – Modelo da Proposta, ao presente programa e do qual faz parte integrante;
b) Declaração do concorrente com a indicação dos preços parciais dos trabalhos que se propõe executar correspondentes às habilitações contidas nos alvarás ou nas declarações emitidas pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, IP, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 20.º, para efeitos da verificação da conformidade desses preços com a classe daquelas habilitações;
(…)
e) Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe contratar, nomeadamente:
i. Preço total, não incluindo o IVA;
ii. Lista de preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projecto de execução;
(…)

D. Em 26 de Julho de 2020, o júri do procedimento exarou o documento «Relatório Preliminar», que se dá aqui por integralmente reproduzido, deliberando, a final, o seguinte (doc. 3 junto com a p.i. a fls. 88 e PA a 188, ambos do SITAF):
(…)

Lista ordenada por classificação final
n.º da proposta
Nome do Concorrente
CF
6.ºS..... S.A.4,849
8.ºA....., S.A.4,350

Deste modo, o Júri, nas condições expressas na análise, deliberou por unanimidade ter a intenção de propor a adjudicação da empreitada de “Aproveitamento hidroagrícola do Avlor – Reabilitação do Distribuidor do Vale da Lama”, à empresa S..... S.A., pelo valor de 1.120.134,58€ (um milhão, cento e vinte mil e cento e trinta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos) acrescidos de IVA à taxa em vigor, por constituir a que se apresenta como a mais vantajosa para a ARBA.
Face ao exposto, de acordo com o estipulado nos artigos 174.º e 123.º, n.º 1, ambos do Código dos Contratos Públicos, submete-se este Relatório Preliminar, à Audiência Prévia dos concorrentes, fixando-se para o efeito um prazo de 5 (cinco) dias úteis, para que se pronuciem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia.
Imagem no original

E. Por documento de 09 de Julho de 2020, a A. pronunciou-se em sede de audiência prévia, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se os seguintes excertos (doc. 4 junto com a p.i. a fls. 100 e PA a fls. 304, ambos do SITAF):

A proposta da concorrente S..... foi classificada em primeiro lugar sendo-lhe proposta a adjudicação da empreitada em apreço.

Sucede que a proposta da concorrente S..... deveria ter sido excluída, porquanto não cumpre o programa de procedimento e com os critérios legais ínsitos no CCP, no que tange à apresentação dos respectivos termos, conforme infra se explanará.

(…)
Na proposta da concorrente S..... não foi apresentado preço unitário para os trabalhos referentes ao artigo 010.04.01 da proposta, que correspondem aos trabalhos de «Execução e aplicação de vedação nas testas de jusante dos sifões constituídas por painel galvanizado amovível de rede metálica electrosoldada A500 ER fixa em postaletes de aço galvanizado 50, rede metálica fixa em postaletes de aço galvanizado 50, arame farpado fixo em perfis T 40x40x5, porta de homem em rede metálica fixa em tubo aço galvanizado 50 com fechadura, pilares e fundações em betão armado incluindo movimento de terras e todos os trabalhos e materiais necessários e complementares de acordo com o Projeto e Caderno de Encargos.
(…)
A proposta da S..... viola o disposto no Programa de Procedimento do concurso e o Código dos Contratos Públicos, doravante CCP.

A proposta da S..... incumpriu o estatuído no programa de procedimento do concurso publico em referência, nomeadamente o disposto no Artigo 9.º, 1 alínea e), II.
(…)
Ante o exposto é por demais evidente que a falta de indicação dos preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstas no processo de execução, especificamente a falta de apresentação do preço unitário dos trabalhos deExecução e aplicação de vedação nas testas de jusante dos sifões constituídas por painel galvanizado amovível de rede metálica electrosoldada A500 ER fixa em postaletes de aço galvanizado 50, rede metálica fixa em postaletes de aço galvanizado 50, arame farpado fixo em perfis T 40x40x5, porta de homem em rede metálica fixa em tubo aço galvanizado 50 com fechadura, pilares e fundações em betão armado incluindo movimento de terras e todos os trabalhos e materiais necessários e complementares de acordo com o Projeto e Caderno de Encargos.» demanda a exclusão da proposta da concorrente S..... nos termos do art.º 146.º, 2, d) e do art.º 57.º, 2, a) do CCP, o que expressamente se requer!

A exclusão da concorrente S..... demandará a elaboração de nova uma listagem das propostas/concorrentes admitidos, devendo ser admitida como única proposta válida a proposta da concorrente A..... S.A. classificando-se, consequentemente, em primeiro lugar, e ser-lhe proposta a adjudicação da empreitada.
(…)

F. Em 27 de Julho de 2020, o júri do procedimento exarou o documento «Relatório final», que se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual consta o seguinte conteúdo (doc. 1 junto com a pi., a fls. 34 e PA a fls. 200, ambos do SITAF):
(…)
4 – Análise e Ponderação das Observações dos Concorrentes

Atendendo à pronúncia apresentada pelo concorrente A....., o Júri do Concurso analisou pormenorizadamente a sua reclamação, e concluiu o seguinte:

Alegou o concorrente reclamante, em resumo, que não concordava com a não exclusão da concorrente S..... S.A. no sentido em que a proposta apresentada por esse concorrente, não apresentava preço unitário para os trabalhos referentes ao artigo 010.04.01, que correspondem aos trabalhos de Execução e aplicação de vedação nas testas de jusante dos sifões constituídas por painel galvanizado amovível de rede metálica electrosoldada A500 ER fixa em postaletes de aço galvanizado 50, rede metálica fixa em postaletes de aço galvanizado 50, arame farpado fixo em perfis T 40x40x5, porta de homem em rede metálica fixa em tubo aço galvanizado 50 com fechadura, pilares e fundações em betão armado incluindo movimento de terras e todos os trabalhos e materiais necessários e complementares de acordo com o Projeto e Caderno de Encargos.”, e que por esse motivo incumpriu o Programa de concurso e exigência legal constante no Art.º 57.º n.º 2, a) do CCP, segundo o qual «No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda ser constituída por: a) Uma lista de preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução:»

A obra consiste em trabalhos da mesma natureza a realizar nos troços 1 a 11 do Distribuidor do Vale da Lama, nesse sentido, o projetista que elaborou o Mapa de Quantidades de Trabalhos, procurou repetir os mesmos artigos (com as diversas espécies de trabalhos a executar) em cada troço. Assim, existe uma sequência e tipologia de trabalhos que se repetem no articulado, dependendo do troço em que estão inseridos.

Ora, os seguintes artigos abaixo listados, que estão quantificados à unidade, apresentam um texto ipsis verbis ao acima transcrito para o art.º 010.04.01:

a) Troço 5 – Nº de Artigo 06.04.01;

b) Troço 6 – Nº de Artigo 07.04.01;

c) Troço 7 – Nº de Artigo 08.05.01;

d) Troço 8 – Nº de Artigo 09.03.01;

e) Troço 10 – Nº de Artigo 011.05.01;

f) Troço 11 – Nº de Artigo 012.05.01;

Verificou o Júri do Concurso que todos os concorrentes que apresentaram propostas com preços unitários (S....., S.A.; B..... Lda e A....., S.A.”) atribuíram o mesmo valor aos artigos constantes nas alíneas a) a f), e igualmente no que diz respeito ao art.º 010.04.01 (“B..... Lda e A..... S.A.”). Notar que esses valores apenas diferem de proposta para proposta.

Posto isto, é do entender do Júri de Concurso que está salvaguardada a exigibilidade, não só do disposto no art.º 9, 1 alínea e) ii) do Programa de Concurso, e sobretudo da própria lei (cfr art.º 57º nº 2 do CCP), existindo um preço unitário para todas as espécies de trabalho, pois facilmente se depreende que o artigo 010.04.01 teria um valor de 475,97€ para a unidade em falta, acrescida do IVA à taxa legal em vigor.

Esta assunção foi fundamentada no art.º 72 do CCP no seu ponto «4 - O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido

Visto isto, ao Preço Total da proposta do concorrente S....., S.A., que era de 1.120.134,58€, deverá adicionar-se o valor de 475,97€, passando o Preço total corrigido para 1.120.610,55€.

Nestes termos, analisada a reclamação suscitada pela concorrente A....., S.A. e respetivos fundamentos, entendeu o Júri do Concurso pela não exclusão da proposta apresentada pela concorrente S....., S.A., como era pretensão da primeira, afigurando-se contudo necessário modificar parcialmente o teor e as conclusões do relatório preliminar.


5 – Análise, avaliação e exclusão de Propostas

Analisadas as propostas apresentadas, o Júri do Concurso propõe a admissão todas, à exceção das apresentadas pelo concorrente O....., S.A., pelo concorrente T....., S.A., e pelo concorrente B..... LDA, uma vez que, as mesmas reúnem todos os requisitos e encontram-se instruídas com os documentos exigidos no programa de concurso.

Nessa medida, o Júri do Concurso decidiu, por unanimidade, admitir e excluir os concorrentes como se pode observar nos quadros seguintes:

a) Concorrentes admitidos:

Ordem de SubmissãoNome do Concorrente
Preço
6.ºS..... S.A.
1.120.610,55€ *
8.ºA....., S.A.
1.181.997,95 €
* Preço total corrigido.

(…)
Importa fazer uma nova avaliação do Preço da Proposta (F2), feita através de elemento quantitativo e autónomo, aplicando a seguinte fórmula matemática:

F2 = 23,5 – 22,5 X (VA/PB)
Em que:
F2 – Coeficiente de apreciação (preço)
VA – Valor da Proposta em Análise
PB – Preço Base

n.º da proposta
Nome do Concorrente
Preço
Pontuação
6.ºS..... S.A.
1.120.610,55€
2,405
8.ºA....., S.A.
1.181.997,95 €
1,250

Avaliados todos os fatores pelo Júri, de seguida apresenta-se quadro resumo com as respetivas classificações finais, segundo o critério definido no Artigo 12.º do Programa de Concurso, calculados pela seguinte fórmula matemática ponderada:

CF = 0,40 x F1 + 0,60 x F2

n.º da proposta
Nome do Concorrente
F1.1
F1.2
F2
CF
6.ºS..... S.A.
8
9
2,405
4,843
8.ºA....., S.A.
9
9
1,250
4,350

Seguidamente apresenta-se a classificação ordenada de acordo pela sua avaliação.


Lista ordenada por classificação final

n.º da proposta
Nome do Concorrente
CF
6.ºS..... S.A.
4,843
8.ºA....., S.A.
4,350
(…)

G. Em 30 de Julho de 2020, a Direcção da Entidade Demandada procedeu à deliberação transcrita na acta n.º 838, e cujo conteúdo abaixo se reproduz (PA a fls. 506 do SITAF):

- 2 – Apreciação de Relatório Final e Decisão de Adjudicação – Procedimento de Concurso Público para a execução da Empreitada de Reabilitação do Distribuidor do Vale da Lama. ----------------------

No âmbito do procedimento de Concurso Público para a execução da Empreitada de Reabilitação do Distribuidor do Vale da Lama em curso, o Relatório Final juntamente com os demais documentos que compõem o processo de concurso público, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 124.º do Código dos Contratos Públicos, foram apresentados à Direção. Apreciada e analisada a referida documentação, a Direção deliberou por unanimidade aprovar todas as propostas contidas no Relatório Final e, acompanhando as respetivas conclusões e ordenação das propostas elaboradas pelo Júri do procedimento. Mais deliberou adjudicar a execução da empreitada de Reabilitação do Distribuidor do Vale da Lama – Aproveitamento Hidroagrícola do Alvor à empresa S...... S.A., pelo preço global de 1.120.610,55 € (um milhão, cento e vinte mil, seiscentos e dez euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescido de Iva à taxa legal em vigor, nos termos constantes da proposta apresentada e em conformidade com aquele mesmo relatório. Determinando ainda a promoção da notificação constante do artigo 77.º do Código dos Contratos Públicos.-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

(…)

Não há factos a dar como não provados com interesse para a presente decisão.


*

A matéria de facto dada como provada nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, tendo por base a análise crítica dos documentos juntos aos articulados e dos que constam do processo administrativo apenso aos autos.

Considerada a factualidade assente, que não foi objecto de impugnação e, por isso, transitou, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.

A A./recorrente aceita que a não indicação pela Recorrida CI de qualquer preço unitário para o trabalho relativo ao capítulo 017 – troço 9, consiste num lapso de escrita, defende, no entanto, que o júri do procedimento não podia ter procedido à sua rectificação oficiosa, considerado esse preço omitido como de €475,97, alterando o preço da proposta no mesmo valor, por nem sequer estar em condições de lançar mão das faculdades previstas no artigo 72, nºs 1 e 3 do CCP, e por a omissão ter ocorrido num elemento determinante do apuramento do preço, ou seja, no chamado núcleo duro dos aspectos submetidos à concorrência, não bastando a invocação de que esse preço equivale ao considerado noutras frentes da obra, por não resultar no caso a evidência da forma de como suprir o lapso, em observância do disposto no nº 4 do artigo 72º do mesmo Código.

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
“(…) a possibilidade de rectificação oficiosa encontra-se prevista no artigo 72.º, n.º 4 do CCP, na redacção do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2018.
Reza a norma:

Artigo 72.º
Esclarecimentos e suprimento de propostas e candidaturas
(…)
4 - O júri procede à rectificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.
Do enunciado normativo acima transcrito resulta que o júri tem não só o poder, mas o dever de proceder à rectificação oficiosa nos casos de erros de escrita ou de cálculo (“o júri procede…”).
Para o exercício desse poder-dever é preciso que a omissão na proposta da Contra-interessada corresponda a um “erro de escrita ou de cálculo”, na certeza de que “o simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita” (Acórdão do TCA Norte, de 07.12.2017, proc. n.º 01479/16.4BEPRT).
No caso de resposta positiva, cabe ainda examinar se estão reunidos os dois requisitos cumulativos do artigo 72.º, n.º 4 do CCP: (i) a evidência da existência do lapso, isto é, deve ser evidente que o concorrente não pretendeu dizer aquilo que disse; (ii) e a evidência como deve o lapso ser suprido, ou seja deve ser evidente o que o concorrente efectivamente queria dizer em vez daquilo que disse. Pode suceder verificar-se o primeiro requisito, mas não o segundo (cf. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 3.ª. ed., vol. I, 2018, p. 840).
Para tanto, “…é natural esperar que o júri seja capaz de determinar a existência do lapso e o modo da sua correcção – porque deve fazê-lo com base em textos objectivos e que são inteligíveis para qualquer leitor –; se não for capaz de o fazer, então é porque a correcção do lapso não seria exequível com base na documentação inicial, dependendo ainda do apoio do próprio candidato ou concorrente – num momento em que tal já não é possível porque a candidatura ou proposta já não se encontra na disponibilidade do seu autor – cf. PEDRO FERNÁNDEZ SANCHÉZ, Direito da Contratação Pública, vol. II, 2020, p. 219.
Regressando aos autos, olhemos para os factos: o artigo cujo preço foi omitido na lista de preços unitários refere-se ao capítulo 017, relativo ao troço 9, e contém no campo «Quantidade» a menção de 1 unidade, com a seguinte descrição: “Execução e aplicação de vedação nas testas de jusante dos sifões constituídas por painel galvanizado amovivel de rede metálica electrsoldada A500 ER fixa em postaletes de aço galvanizado Ø50, rede metálica fixa em postaletes de aço galvanizado Ø50, arame farpado fixo em perfis T 40x40x5, porta de homem em rede metálica fixa em tubo aço galvanizado Ø50 com fechadura, pilares e fundações em betão armado incluindo movimento de terras e todos os trabalhos e materiais necessários e complementares de acordo com o Projecto e Caderno de Encargos”.
Esta descrição é idêntica à que consta dos artigos para os troços 5 (capítulo 013, artigo 06.04.01), 6 (capítulo 0.14, artigo 07.04.01), 7 (capítulo 0.15, artigo 08.05.01), 8 (capítulo 0.16, artigo 09.03.01), 10 (capítulo 0.19, artigo 011.05.01) e 11 (capítulo 0.20, artigo 012.05.01) e em relação aos quais o preço unitário é o mesmo: 475,97€ (ponto B dos factos provados).
Ora, do teor e do contexto da proposta da Contra-Interessada afigura-se-nos evidente que apesar de ter sido indicada 1 unidade no artigo 010.4.1, a omissão do preço unitário constituiu um erro mecânico de escrita, neste caso por omissão.
A lista de preços unitária foi elaborada a partir de um ficheiro excel cujos lapsos de inserção – diz-nos as regras de experiência comum – podem efectivamente ocorrer. Certo é que a Contra-Interessada indicou a quantidade do artigo, não sendo expectável nem razoável que o fizesse pro bono, estando em causa uma prestação de serviços onerosa (artigo 343.º, n.º 1 do CCP).
Por outro lado, afigura-se evidente para um destinatário normal que a correcção do preço unitário não poderia ser outra que não a efectuada pelo júri, atendendo à identidade da descrição do artigo e do preço unitário para os troços 5, 6, 7, 8, 10 e 11.
Em suma, perante os elementos vertidos na lista de preços unitários, a similitude da descrição do artigo, do preço unitário e da existência de vários troços, o júri tinha elementos objectivos para concluir pela evidência do lapso e na forma de o corrigir, sem necessitar de qualquer esclarecimento adicional da Contra-Interessada, um pouco à semelhança do que sucede com o artigo 108.º, n.º 2 do CPA (“…devem os órgãos e agentes administrativos procurar suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos, de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos”).
É certo que a correcção promovida pelo júri alterou o preço final da proposta da Contra-Interessada, o qual constituiu um atributo da proposta (artigo 56.º, n.º 2 do CCP). Mas tal alteração não teve qualquer influência na ordenação das propostas, atendendo aos montantes em causa, representando um acréscimo do preço final corrigido de apenas 0,042% em relação ao preço inicialmente proposto. Ou seja, mesmo sem a existência do lapso, isto é, com a inclusão do preço unitário omitido, a proposta da A. não teria a virtualidade de vir ser a seleccionada.
Por isso “a tal não obs[tam] os princípios da intangibilidade das propostas ou da concorrência já que o exercício do poder/dever em causa se destina a restituir a proposta à sua verdade original” – Acórdão TCA Norte de 15.07.2015, proc. n.º 00301/14.0BEPNF e Acórdão do STA, de 20.06.2013, citado supra.
Por outro lado, o acórdão citado pela A. em abono da sua pretensão, designadamente o do TCA Sul, de 24.11.2016, proc. n.º 13432/16, não só foi proferido antes da alteração promovia pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, como está dirigido a uma situação em que o júri solicitou esclarecimentos, (…).
E como referido no Acórdão do STA, de 11.09.2019, proc. n.º 0984/18.2BEAVR:
“O erro de cálculo ou de escrita distingue-se do erro na declaração uma vez que este constitui uma figura que consubstancia divergência entre a vontade real e a vontade declarada, e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo.
E este erro na declaração ou erro obstáculo só existe quando, não intencionalmente – v.g., por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor; existente, mas de sentido diverso.
(…)
Mas, para o preenchimento legítimo daquela premissa importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade – cfr. entre muitos outros, Acórdão do STA, de 26/06/2014, proferido no âmbito do processo nº 0586/14.
Ou seja, os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação – lapsus calami - cfr. artigo 249.º do Código Civil.
O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita. Se as circunstâncias em que a declaração foi efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo…
Não havendo dúvidas de que o lapso constitui um erro de escrita ou de cálculo, nem em relação ao modo como deveria ter sido suprido, improcede o alegado erro nos pressupostos de facto e de direito do acto de adjudicação, pelo que deve a acção soçobrar.».

E o assim bem decidido, e adequadamente suportado pela Doutrina e pela Jurisprudência, nos termos expendidos, é para manter.
Começando pela alegação de que, no caso, nem sequer estariam preenchidas as condições para aplicar o disposto nos nºs 1 a 3 do artigo 72º do CCP, uma vez que o júri do concurso não solicitou esclarecimentos à Recorrida CI antes de corrigir o valor omitido, a questão não se verifica pelo que não há que emitir qualquer apreciação a esse respeito.
Quanto ao cerne do recurso, não havendo dúvidas, nem para a Recorrente, que se está perante um lapso material, de escrita, também se afigura evidente, como defendem as Recorridas e o tribunal a quo, que a forma de suprir, adequadamente, tal erro foi a adoptada pelo Júri.
Reiterando a explicação vertida na sentença recorrida: se o artigo, relativo ao troço 9º, para o qual não foi indicado na proposta da Recorrida CI o preço unitário, contém uma descrição que é idêntica às que constam dos artigos para os troços 5, 6, 7, 8, 10 e 11 e para cada um e todos estes o preço é um só, o de €475,97, então é também este o preço unitário omitido a corrigir.
Mais, o júri do concurso, visando reforçar a demonstração da exigida evidência no modo de corrigir o lapso encontrado, alargou a sua análise à das propostas apresentadas pelos demais concorrentes, tendo concluído que também nelas o mesmo artigo tinha para os vários troços da obra o mesmo valor unitário, ainda que com diferente expressão numerária.
Como decidiu o TCAN, no acórdão de 29.11.2019, no proc. 00873/19.3BELSB in www.dgsi.pt, “(…) Efetivamente, perante a deteção de erros de cálculo, escrita ou outros constantes de proposta concursal, facilmente compreensíveis como tais no contexto da declaração ou das circunstâncias em que foi efetuada, o júri/entidade adjudicante deve proceder oficiosamente à sua correção, abstendo-se de a excluir a candidatura correspondente procedimento concursal. (…)”.
O facto de estar em causa um preço unitário que levou à alteração do preço global da proposta da Recorrida CI não obsta, como pretende a Recorrente, à aplicação ao caso do disposto no nº 4 do mesmo artigo 72º, uma vez que, como resulta do seu teor, o legislador não distingue se o elemento que padece do erro material pode ou tem de repercutir-se no preço ou noutro aspecto submetido à concorrência ou não, nem faz depender da grandeza ou não da repercussão do erro nesses elementos ou na apreciação da proposta a que respeita – determinando apenas que o júri procede à rectificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.
Donde, de acordo com o exposto resulta evidente para todos os intervenientes, incluindo a Recorrente, a existência do lapso de omissão do preço unitário em referência, e é manifesto o modo em que o mesmo devia ser oficiosamente corrigido, como foi.
Dito de outro modo, não fora o lapso material ocorrido, o valor da proposta da Recorrida CI sempre seria o obtido com a correcção efectuada, não se verificando a alegada violação dos princípios da intangibilidade das propostas e da concorrência (cfr. também foi entendido nos Acórdãos TCAN de 15.07.2015, proc. n.º 00301/14.0BEPNF e do STA, de 20.06.2013, indicados na sentença recorrida).
Por outro lado, em momento algum a Recorrente alega que a efectuada correcção oficiosa do preço - elemento do núcleo duro dos aspectos submetidos à concorrência - tenha tido qualquer impacto no resultado do concurso, ou tenha obstado à adjudicação da sua proposta, em detrimento da Recorrida CI, o que também evidencia a legalidade da actuação do Júri em conformidade com os princípios gerais que conformam a contratação pública.

Em face do que não pode proceder o recurso.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 17 de Junho de 2021.

(Lina Costa – relatora que consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Carlos Araújo e Ana Paula Martins).