Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03635/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
AJUDAS DE CUSTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. Como qualquer outro aplicador do direito, no âmbito da sua competência material, cabe à AT interpretar e aplicar as normas jurídicas fiscais de acordo com os cânones legais e fazer subsumir ou não certa realidade em dada norma de incidência de imposto, no âmbito do princípio da legalidade em que a sua actividade se conforma;
2. O conceito de ajudas de custo encontra-se sujeito a essa interpretação de acordo com a respectiva norma legal e os subsídios que a doutrina e jurisprudência têm aportado para o qualificar, pelo que se a AT entende que certa verba inscrita na contabilidade da entidade patronal a este título, ao mesmo contudo se lhe não subsume, tem o dever de a desconsiderar como tal e de a enquadrar no conceito que considere o legal, o que igualmente se aplica na cédula do imposto relativamente ao trabalhador beneficiário dos montantes a esse título;
3. Tendo a AT apurado elementos certos e precisos para proceder ao acréscimo do rendimento da matéria tributável, indiciadores dos necessários pressupostos para que as verbas atribuídas ao trabalhador não possam integrar o conceito de ajudas de custo, antes constituindo remuneração do trabalho, cujo ónus probatório a seu cargo assim cumpriu, cabe por sua vez ao impugnante demonstrar que as mesmas se integram em tal conceito, por representarem uma correspectividade entre uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o mesmo foi obrigado a efectuar na sequência de deslocações ocasionais que teve de efectuar ao serviço da entidade patronal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1ª Em obediência ao princípio da não retroactividade das leis fiscais e ao alcance do princípio do legalidade fiscal na esfera de delimitação de incidência das normas fiscais, é na redacção da norma do CIRS vigente de 1994 a 1997 que há-de colher-se o critério de solução para o presente caso.
2ª A norma do artigo 2.º, n.º3, alínea e), do CIRS, na redacção aplicável – a vigente entre 10994 e 1997 – delimita negativamente a incidência do IRS relativamente às importâncias pagas a título de ajudas de custo na parte em que não excedem os limites legais fixados para os servidores do Estado.
3ª Por razões de praticabilidade, a lei delimita negativamente a incidência do IRS sobre os valores pagos como tais, presumindo, jure et de jure, um valor-plafond que exclui da tributação do imposto, independentemente do montante efectivamente gasto ou suportado pelo trabalhador ser inferior ao montante pago pela entidade patronal dentro dos limites fixados para os servidores do Estado.
4ª Ou seja, as ajudas de custo são pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas em favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função, sendo que a lei presume inilidivelmente que isso acontece quando as ajudas de custo se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado".
5ª O que vale por dizer que a norma em causa “não tem como objectivo facilitar o estabelecimento de um facto, cuja prova possa configurar-se difícil”: não se trata de uma norma de direito probatório, outrossim, de direito material, ou seja, de uma norma substantiva que é produto de uma valoração jurídico-material, surgindo como “uma declaração normativa de direito substantivo, situada fora do âmbito probatório" (António Sanchez Pino, Presunciones y ficciones en el IRPF, 1995, pp. 107 e ss.).
6ª O que o legislador pretendeu ao delimitar a incidência do IRS nestes termos mais não foi do que o reconhecimento de que a deslocação do trabalhador em serviço e proveito da entidade patronal gera sempre um acréscimo de despesas, riscos e incómodos, cuja compensação não deve ser tributada, sendo que o estabelecimento do conceito de “ajuda de custo” e a sua não tributação, dentro dos limites referidos, permite ultrapassar as dificuldades práticas que existiriam se fosse necessário controlar casuìsticamente, despesa a despesa, todo o montante dispendido pelo trabalhador, bem como a natureza dessa despesa para efeitos da sua elegibilidade como ajuda de custo.
7ª O conceito de ajudas de custo não é, pois, um conceito restrito que se circunscreva aos gastos especificamente relacionados com o pagamento da deslocação ou alimentação do trabalhador, mas que todas as demais despesas suportadas em virtude das deslocações ao serviço da entidade patronal e do acréscimo de incómodo e risco inerente a essas deslocações, compensando igualmente o adiantamento por parte do trabalhador dos montantes dispendidos e favor da entidade patronal, onde a causa jurídica da atribuição está na indemnização da adiantada cobertura de despesas efectuadas pelo trabalhador por facto de serviço, valendo em todos estes casos o raciocínio de que a entrada no património do trabalhador dessas “importâncias não corresponde propriamente a rendimento do trabalho, mas a uma compensação dos serviços prestados ou a prestar por ele à sua entidade patronal, quando essas importâncias não excederem oimite legal anualmente fixado para os servidores do Estado”.
8ª Dessa valoração legislativa resulta que a efectiva realização das despesas suportadas e o seu controlo não é condição para a sua tributação, conquanto os montantes pagos se situem na patamar legalmente reconhecido.
9ª Assim, os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajuda de custo e da sua não tributação, são, na redacção da lei aplicável in casu, de índole puramente quantitativa, ou seja, balizados apenas pelo montante a pagar e não pela verificação dos pressupostos de atribuição aos servidores do Estado, razão pela qual a hipótese da norma apenas faz depender a não tributação dessas ajudas dqa realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal; e de que o pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
10ª Estes pressupostos encontram-se verificados e provados nos autos.
11ª Em oposição, a AT não logrou provar que todas as despesas relativas às deslocações para prestação do trabalho fora das instalações da entidade patronal se encontravam previamente cobertas pela entidade patronal.
12ª O facto da entidade patronal cobrir os gastos com o veículo, com o alojamento e a alimentação do trabalhador não constitui condição suficiente, nem sequer necessária, susceptível de postergar o não pagamento de ajudas de custo dentro do patamar legalmente estabelecido
13ª As ajudas de custo pretendem fazer face a todas as despesas extraordinárias que surjam nas deslocações ao serviço da entidade patronal, não estabelecendo a lei qualquer limitação quanto à sua “espécie”, razão pela qual as ajudas de custo abrangem igualmente despesas contendam exclusivamente com o custo específico da deslocação (veículo, alojamento e alimentação), v.g., a aquisição, reposição ou substituição de materiais indispensáveis ao trabalho (que com probabilidade poderá ocorrer em deslocações mais longas).
14ª Para além das demais razões que justificam a atribuição de um valor de ajudas de custo ao trabalhador que se desloque em proveito da entidade patronal para fazer face a todas as eventuais despesas que tenha de realizar em favor daquelas, existe também o facto desse montante reflectir também uma compensação pelo acréscimo do risco e do incómodo sempre inerentes a deslocações ao serviço da entidade patronal.
15ª Mesmo que assim fosse, o que não se concede, sempre caberia à AT a prova de que o pagamento das despesas incorridas em favor da entidade patronal era anterior à verificação da despesa, caso contrário, o próprio conceito de ajuda de custo reflectiria, entre outros caracteres, como causa jurídica da sua atribuição, a indemnização da adiantada cobertura de despesas efectuadas pelo trabalhador por facto de serviço.
16ª Cabendo à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos de incidência da norma de tributação (balizada pela delimitação negativa efectuada por essa mesma norma de incidência) e não existindo prova do supra alegado e vazado nas conclusões 11ª a 15ª.
17ª Ora, a AT não fez prova constitutiva da verificação da norma de incidência, não cabendo ao trabalhador a alegar e provar que as importâncias recebidas se destinavam a compensá-lo de quaisquer DESPESAS que, em nome e em benefício da empresa, haja suportado.
18ª A AT não detém qualquer margem de apreciação das condições normativamente estabelecidas no artigo 2.º do CIRS, devendo a norma ser interpretada de acordo com os cânones metodológicos exigidos pelo referido princípio no que tange com a sua específica dimensão material.
19ª O que vale por dizer que não cabe à AT definir quais são as despesas elegíveis para efeitos de atribuição de ajudas de custo, não estando as mesmas limitadas por lei àquelas estritamente relacionadas com o pagamento do custo efectivo do transporte e da alimentação do trabalhador.
20ª A decisão recorrida, ao avalizar a actuação administrativa, violou também ela a disposição do artigo 2.º,n.º3, al. e), do CIRS, a disposição do artigo 121.º do CPT, em relação com os critérios de repartição do ónus da prova e do princípio da legalidade fiscal relativamente aos pressupostos de determinação negativa da incidência do citado preceito do CIRS.

Termos em que e nos mais de direito se requer a Vªs Exªs
que na procedência do presente recurso se dignem revogar a douta sentença recorrida e, consequentemente, julgar a impugnação judicial procedente, com todas as legais consequências.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter feito uma correcta análise da matéria de facto bem como procedeu à sua devida subsunção jurídica, dizendo também reiterar o teor do parecer do MP formulado na 1.ª Instância.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se os valores inscritos na contabilidade da entidade patronal, como relativos a ajudas de custo, que sejam de montante inferior ao atribuído aos servidores do Estado, têm de ser aceites como tal pela AT para efeitos de IRS, independentemente da sua substância; E se era à AT que cabia o ónus da prova de que não existiam ainda outras despesas relativas às deslocações do recorrente que não se encontravam cobertas pelas rubricas “deslocações e estadas”, bem como de fornecimento de veículo e do pagamento de todas as despesas a este relativas, que esta assegurava.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A sociedade comercial B..., S.A., da qual o ora impugnante era administrador nos anos de 1994 a 1997, foi alvo de uma acção de inspecção tributária, que incidiu sobre os exercícios daqueles anos e culminou com o relatório de fls. 14 a 21, que se dá por integralmente reproduzido, do qua1 se destaca o seguinte:
«(...)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES
3.1. - CUSTOS COM PESSOAL
Analisados todos os elementos que serviram de suporte aos registos contabilísticos, constatou-se que a empresa não tem vindo a obedecer a todas as normas determinadas pelas leis fiscais, alterando assim o valor da matéria colectável sujeita a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Por outro lado, OS custos com pessoal, cujo suporte justificativo são os recibos, incluindo com regularidade ajudas de custo.
(...)
3.4- CUSTOS COM PESSOAL
A empresa processou ao longo dos anos em análise ajudas de custo nos recibos de salários. Efectuada uma análise a estes custos, concluiu-se que umas são complementos de vencimento e outras contabilizadas sem que as tenham justificado.
3.4.1 - COMPLEMENTOS DE VENCIMENTO
No que se refere a complementos de vencimento, a empresa processou aos sócios gerentes ajudas de custo durante todos os dias úteis na base de:
ANOS 1994 1995 1996 1997
ATRIBUIÇÃO DIÁRIA 8.000$00 8.350$00 8.500$00 8.750$00
Da análise verificou-se que os custos das deslocações efectuadas pelos sócios, em nome da empresa estão contabilizadas na conta "DESLOCAÇÕES E ESTADAS”, cujos montantes anuais são na quase totalidade das suas deslocações e que somam em cada um dos anos:
(...)
Quanto ao pessoal pertencente aos quadros técnicos, chefes de equipa e outro pessoal diferenciado, o valor atribuído por cada dia de trabalho oscila entre os 3.000$00 e os 5.000$00 a título de ajudas de custo. Ao restante pessoal, por cada dia de trabalho atribuem em média 1.300$00.
(...)
Outra situação utilizada pela empresa é a de atribuir aos administradores todos os dias úteis de trabalho de cada ano, ajudas de custo completas, quando cada administrador possui viatura afecta ao Imobilizado da empresa e, as despesas de (alojamento e alimentação) pelas deslocações efectuadas, estão contabilizadas na empresa na conta "DESLOCAÇÕES E ESTADAS”. Pelo que estas ajudas de custo atribuídas aos administradores enquadram-se no numero 2 do artigo do CIRS para efeitos de tributação.
Nesta situação, dado que a empresa efectua serviços que justificam o pagamento de ajudas de custo e existindo dificuldades na quantificação exacta do montante de ajudas de custo pagas ao pessoal, propõe-se a correcção por aplicação de métodos indirectos de 20% desses custos ao lucro tributável de IRC, nos exercícios indicados. A proporção utilizada dos 20% baseia-se no critério utilizado nos termos do artigo 41° do CIRC.
(...».
B) O impugnante desenvolvia actividade na sociedade comercial supra identificada como outro operário.
C) O impugnante passava a maior tempo fora da sede daquela sociedade, a trabalhar nas obras.
D) Para cobrança coerciva das dívidas provenientes de IRS dos anos de 1994, 1995 e 1996, em 23/02/2000, foi instaurada contra o impugnante a execução fiscal n.º 1449200001006185 - fls. 219 e 222.
E) Contra o impugnante foi também instaurada a execução fiscal n.º 1449200001006550, em 24/03/2000, para cobrança do IRS do ano de 1997 - fls. 219 e 222.
F) As execuções fiscais identificadas em D) e F) supra encontram-se suspensas, desde 24/03/2000, em virtude da prestação de garantia no âmbito desta impugnação - fls. 219 e 222.
G) A presente impugnação foi instaurada em 02/03/2000, conforme carimbo aposto a fls. 3, que se dá por integralmente reproduzido.
Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
*
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas, revelando-se estes coerentes e credíveis.


4(1). Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que as obrigações emergentes das liquidações do IRS dos anos de 1994 a 1997 não se encontravam prescritas, que as mesmas se encontram fundamentadas do ponto de vista formal e que também não se encontravam as mesmas eivadas do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de facto.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, segundo se consegue apreender do seu conteúdo, que não cabe à AT qualificar caso a caso, quais as reais quantias percebidas pelo trabalhador da sua entidade patronal, que devam ou não serem qualificadas como de ajudas de custo, por a norma do art.º 2.º, n.º3, alínea e), do CIRS, então vigente, estabelecer uma presunção jure et de jure que exclui da tributação as despesas pagas a este título desde que sejam de montante inferior aos limites fixados para os servidores do Estado, sendo que sempre caberia à AT fazer a prova de que todas as despesas suportadas pelo mesmo em nome e benefício da empresa foram directamente suportadas por esta a outros títulos que não de ajudas de custo.

Vejamos então.
Como bem se fundamenta na sentença recorrida, citando, a propósito, jurisprudência, designadamente do STA que no mesmo sentido tem decidido, como se pode ver dos diversos arestos aí citados, que as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço da sua entidade patronal, em razão da sua deslocação do seu local habitual de trabalho para outro local e com carácter temporário, afastando, assim, qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.

Qualificação que se encontra de acordo com a noção legal então vigente de “ajudas de custo e outros abonos”, contida na norma do art.º 87.º do então RJCIT, aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 49408, de 24.11.1969, e que dispunha:
Não se considera retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.

Donde ressalta, como também aquela jurisprudência citada faz sobressair, que tais prestações percebidas pelo trabalhador (ajudas de custo e outras similares) não são uma contrapartida da prestação do trabalho, são efectuadas ao serviço e no interesse (principal) da entidade patronal e têm um carácter transitório ou não permanente, e que aquele já havia desembolsado em cada um daqueles fins (nas deslocações, nas mudanças de instalações ou em outras situações análogas).

E também que, cabe à AT o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo ao invés, sobre o administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, o que no entanto tem de ser temperado com o princípio da verdade material e, por consequência, com o da oficiosidade da investigação e indagação das provas, quer rege o procedimento tributário.

E desta conjugação resulta que o ónus da prova, nos termos antes referidos, não assume uma natureza formal ou adjectiva, mas antes substantiva ou material de que resulta que, apesar de nenhuma das partes ter uma particular incumbência de provar o que quer que seja, a decisão final não pode, no entanto e pela impossibilidade legal de manutenção de um “non liquet” deixar de desfavorecer a parte que se encontrava onerada com a prova dos necessários e relevantes factos.

No caso, como se pode apreender da matéria da alínea A) do probatório firmado na sentença recorrida, em concordância aliás, com o relatório da inspecção tributária, cuja cópia consta de fls 14 e segs destes autos, tendo a AT recolhido indícios sérios e fundados de que tais verbas percebidas pelo ora recorrente e pagos pela sua entidade patronal de que também era administrador, não eram subsumíveis ao conceito legal de ajudas de custo, não poderia esta deixar de desconsiderar as mesmas como tais, tendo em conta a prossecução do interesse público por esta prosseguido, desde logo por imperativo constitucional (art.º 266.º da CRP), pelo que a interpretação pretendida pelo ora recorrente para a alínea e) do n.º3 do art.º 2.º do CIRS, de que dentro dos montantes pagos aos servidores do Estado, os mesmos se têm por ajudas de custo, constituindo até esse montante uma presunção jure et de jure de assim ser, se afigurar como de todo desrazoável, potenciando a fraude e a evasão fiscais, já que bastava a empresa como tal declarar esses montantes para eles assim terem de ser qualificados, sem se ter em conta princípios caros ao direito fiscal, como seja o da prevalência da substância sobre a forma ou do seu realismo(2) e da obtenção da verdade material, hoje com assento positivo em várias normas, desde logo na LGT, designadamente nos seus art.ºs 11.º, 58.º, 63.º e 97.º, n.º3.

Aliás, hoje face à norma do art.º 73.º da LGT, as normas de incidência do imposto ou da sua não incidência, admitem sempre prova em contrário.

Assim, contrariamente ao defendido pelo ora recorrente, só depois de as quantias pagas pela entidade patronal ao seu trabalhador serem qualificadas como de verdadeiras ajudas de custo, que por isso tenham essa verdadeira natureza, é que se coloca a questão dos limites, ou seja de só serem tributáveis na parte em que excedam os quantitativos fixados para os trabalhadores do Estado, o que implica que, caso a caso, pode sempre a AT qualificar certa verba como tendo essa natureza ou não, para a excluir de uma qualificação efectuada por essa entidade patronal, eventualmente errada, e reconduzi-la à sua verdadeira e real natureza, naturalmente, com sindicabilidade judicial e eventualmente jurisdicional dessa qualificação, no que os direitos e interesse legítimos dos sujeitos passivos do imposto se encontram devidamente salvaguardados. Mas não antes, ou seja, se certa verba não comunga das características das ajudas de custos não se vê como lhe poderia ser aplicado o regime dos limites por confronto daquelas (ajudas de custo) que são pagas aos servidores do Estado, desta forma não podendo deixar de improceder a matéria relativa a esta questão.


Vem o ora recorrente colocar ainda uma outra questão – cfr. sua conclusão 11.ª e segs - qual seja a de que a AT não logrou provar que todas as despesas relativas às suas deslocações para prestação do trabalho fora das instalações da sua entidade patronal foram cobertas por meios ou verbas inscritas como despesas a outros títulos, que não de ajudas de custo.

No caso, recorde-se, a AT fundou tal não aceitação de tais verbas como ajudas de custo à luz de diversos factos-índice, como seja o de tais montantes serem fixados anualmente, variando o seu montante de acordo com a categoria profissional do funcionário, e serem processados por cada dia útil de cada ano, quando cada administrador tinha viatura atribuída pela entidade patronal, a qual suportava todos os seus gastos e quando todas as despesas de alojamento e alimentação foram suportadas pela mesma entidade patronal em outra rubrica, de “Deslocações e estadas”, pelo que não se vislumbrava a que outras despesas, feitas pelo ora recorrente em nome e em benefício da sua entidade patronal, se pudessem reportar as escrituradas a este título de ajudas de custo na sua contabilidade, que assim só o poderiam ser a título de remuneração ou de complemento de remuneração, tendo aliás, em conta o respectivo conceito, então com assento no art.º 82.º do RJCIT, aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 49408, de 24.11.1969, e que dispunha:
A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie – seu n.º2.
Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador – seu n.º3.

Tais factos-índice à luz da experiência comum, levam-nos a concluir que tais montantes não terão a natureza de ajudas de custo, porque seria extremamente invulgar que um trabalhador se deslocasse ao serviço da sua entidade patronal, invariavelmente, todos os dias úteis do ano ou perfizesse o mesmo montante diário de ajuda de custo, durante doze meses num ano, servindo tal materialidade como factos-índice tendentes a demonstrar essa realidade, para mais quando a entidade patronal já suportava todos os custos atinentes a essas deslocações, cujos montantes fazia inscrever na sua contabilidade a outros títulos, como não se encontra em causa, não existindo também quaisquer elementos que permitissem especificar e controlar tais ajudas de custo, pelo que desta forma não deixou a AT de cumprir o ónus probatório que sobre si impendia, para desconsiderar tais verbas como tendo natureza de verdadeiras ajudas de custo, nos termos do disposto na regra geral do então art.º 342.º do Código Civil e hoje do art.º 74.º n.º1 da LGT, e proceder à liquidação de IRS em sede do respectivo beneficiário dessas quantias que o mesmo, oportunamente, não declarara (cfr. art.º 78.º do CIRS).

Assim sendo, cabia agora ao impugnante e ora recorrente, ter vindo provar a materialidade de tais deslocações ao serviço da sua entidade patronal de molde a infirmar aqueles outros factos-índice apurados pela AT e que efectivamente, tais verbas correspondem exactamente aos dias em que se manteve deslocado do seu local normal de trabalho em serviço da sua entidade patronal e nos gastos que por conta desta incorreu, e se o conseguisse, apesar da aparência do contrário, a causa teria de ser decidida a seu favor e contra a AT, nos termos do disposto, hoje do mesmo art.º 74.º n.º1 da LGT, já que o mesmo vem invocar, em contrário da AT, que confere o direito a tais verbas a título de ajudas de custo que não de remuneração, ao contrário pois, do ora também invocado pelo recorrente na matéria das suas conclusões, ao pretender que seja a AT que faça essa prova negativa, ou seja que o mesmo não tenha suportado outras despesas ao serviço da mesma entidade patronal e que esta não tivesse suportado a este título de ajudas de custo.

Ora, como é sabido, o ónus da prova que a lei incumbe a cada uma das partes, não assenta num critério arbitrário ou desprovido de senso, antes assenta no critério da disponibilidade e facilidade probatória(3), pelo que melhor do que ninguém saberia o ora recorrente quais as outras despesas por si incorridas ao serviço da sua entidade patronal e que não foram pela mesma consideradas nas outras rubricas constantes a tal título desses custos, mas sim na de ajudas de custo, pelo que o ónus dessa prova lhe cabia a ele que não à AT, nos termos do disposto no então art.º 342.º, n.º2 do Código Civil e hoje do art.º 74.º da LGT, pelo que o mesmo a não tendo feito, a causa não pode deixar de ser julgada contra si, não tendo de resto, o ora recorrente, na matéria da sua impugnação judicial, vindo articular quaisquer factos concretos e precisos que pudessem ser objecto de prova no sentido de demonstrar quais as outras despesas incorridas pelo ora recorrente ao serviço da sua entidade patronal e que as pagas a este título por esta visaram compensar e que foram desconsideradas como tal pela AT.

Aliás, não se percebe como pode o ora recorrente vir invocar na matéria das suas conclusões 18.ª e 19.ª, que não cabe na competência da AT qualquer margem de apreciação das condições estabelecidas no art.º 2.º do CIRS, aquando de qualquer liquidação efectuada ao seu abrigo, quando a lei, expressamente, desde logo na norma do art.º 266.º, n.º2 da CRP, atribui à Administração Pública, na qual se inclui a Administração Tributária, a sua subordinação à lei, que assim a não pode deixar de cumprir, desta forma sindicando, ela própria, se as situações de facto declaradas pelos contribuintes como dando origem a certo imposto se mostram ou não acertadas, isto é, se as mesmas conduzem legalmente a esse imposto ou a um outro, e mesmo, se aquelas declarações correspondem ou não à realidade, desta forma contribuindo para a realização do direito nas matérias no que à sua competência tange, sendo que quanto ao IRS, expressamente a norma do art.º 122.º do CIRS (numeração de então), dispunha quanto a este imposto, que cabia à AT, através da DGCI, em especial, zelar pelo cumprimento das obrigações imanentes deste Código, o que de resto acontecia com os demais, como no IRC, com semelhante redacção – cfr. art.º 107.º do CIRC.


Improcedem assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em dez UCs.


Lisboa, 01/06/2010

EUGÉNIO SEQUEIRA
ROGÉRIO MARTINS
LUCAS MARTINS


1- No mesmo sentido se decidiu no acórdão deste Tribunal de 23/03/2010, recurso n.º 3.616/09, igualmente de um administrador da mesma entidade patronal, e em que as questões a decidir eram exactamente as mesmas.
2- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 16/01/2008, recurso n.º 416/07.
3- Cfr. neste sentido o acórdão do TCAN de 28/6/2007, recurso n.º 247/01.