Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01103/06
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/06/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
ARTº.668, Nº.1, AL.C), DO C. P. CIVIL.
DISTINÇÃO ENTRE ERRO MATERIAL E ERRO DE JULGAMENTO.
SUJEITOS PASSIVOS MISTOS NA CÉDULA DE I.V.A.
CRITÉRIOS LEGAIS DE CÁLCULO DO IMPOSTO DEDUTÍVEL DE SUJEITOS PASSIVOS MISTOS.
MÉTODO DA PERCENTAGEM DE DEDUÇÃO (“PRO-RATA”) E MÉTODO DE AFECTAÇÃO REAL.
CONCEITO DE SUBSÍDIOS DE EQUIPAMENTO (CFR.ARTº.23, Nº.4, DO C.I.V.A.).
ARTº.121, Nº.1, DO C.P.TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIO “IN DUBIO CONTRA FISCUM”.
QUESTÕES NOVAS.
PRINCÍPIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO COMUNITÁRIO NA ORDEM JURÍDICA INTERNA PORTUGUESA.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.
2. Importa distinguir o erro material do erro de julgamento. O erro material verifica-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. Encontramo-nos perante o erro material no âmbito do direito processual, equivalente ao erro de cálculo ou de escrita em sede de direito substantivo (cfr.artº.249, do C.Civil). O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Contrariamente ao erro material, ao qual se aplica o regime previsto no artº.667, do C. P. Civil, quanto ao erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso.
3. Sujeitos passivos mistos, para efeitos de I.V.A., podem definir-se como contribuintes que realizam transmissões ou prestações de serviços que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., por serem normalmente tributáveis e, em simultâneo, exercem operações que não conferem aquele direito porque se encontram isentas ao abrigo das alíneas do artº.9, do mesmo diploma, assim sendo titulares do direito à dedução de imposto somente de forma parcial.
4. Não obstante o método da percentagem de dedução (“pro-rata”) ser o regime regra (ou supletivo) com vista ao cálculo da parte dedutível do imposto no que diz respeito aos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos, podia o próprio contribuinte, de harmonia com o artº.23, nº.2, do C.I.V.A., efectuar a dedução segundo o método de afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunicasse tal facto à D.G.I., prevendo a lei, ainda, a faculdade de a A. Fiscal tornar obrigatório o uso deste método alternativo no caso previsto no artº.23, nº.3, do C.I.V.A.
5. Como decorria do artº.23, nº.4, do C.I.V.A., o método “pro-rata” impunha a determinação da percentagem de dedução tendo em conta o peso de cada uma das referidas actividades, através da aplicação duma fracção cujo numerador comportava o montante anual das transmissões de bens e prestações de serviços que conferem direito à dedução (imposto excluído) e, no denominador, o montante anual do volume de negócios, isto é, de todas as operações efectuadas (imposto excluído) pelo sujeito passivo, incluindo as transmissões de bens e prestações de serviços isentas ou fora do campo de incidência do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento, mais não se devendo incluir em tal cálculo as transmissões de bens do activo imobilizado utilizado pelo sujeito passivo e operações imobiliárias ou financeiras de carácter acessório em relação à actividade exercida pelo contribuinte (cfr.artº.23, nº.5, do C.I.V.A.).
6. Acaso o sujeito passivo que opte pela aplicação do método de afectação real tiver várias despesas comuns e afectas a diversas actividades que conferem direito à dedução do imposto e, ao mesmo tempo, a actividades isentas, o imposto suportado relativamente a estas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respectivo destino, ou seja, nestes casos é possível a coexistência da aplicação do método da afectação real com o método do “pro-rata”.
7. Os subsídios de equipamento, os quais se podem definir como auxílios de carácter oficial concedidos a uma pessoa ou entidade e que visam a aquisição ou manutenção de imobilizado corpóreo (elementos patrimoniais tangíveis móveis ou imóveis utilizados pelo sujeito passivo de forma duradora), são excluídos do denominador da fracção de cálculo do “pro-rata” visto que os mesmos não fazem parte do volume de negócios (transmissões de bens e prestações de serviços) do sujeito passivo em causa, tudo nos termos do artº.23, nº.4, do C.I.V.A.
8. O artº.121, nº.1, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.100, nº.1, do C.P.P.Tributário), constituía uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal. Tal princípio leva a que o interesse substancial da justiça domine o actual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado. Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus.
9. A nossa jurisprudência, repetidamente, vem afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição. Apesar disso, o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário).
10. O direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, da C.R.Portuguesa).


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O “A... - ...”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmo. Juiz do T.A.F. de Lisboa, exarada a fls.256 a 260 do processo, através da qual julgou totalmente improcedente impugnação pelo recorrente intentada, visando actos de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, relativos aos anos de 1991 e 1992 e no montante total de € 387.428,74.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.272 a 285 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O Impugnante recebeu, em 1991, um subsídio ao investimento/equipamento no montante de Esc.412.740.778$00 e, em 1992, um subsídio ao investimento/exploração no montante de Esc.29.760.000$00, o qual tem, simultaneamente, a natureza de subsídio ao equipamento - na parte destinada à aquisição de bens de equipamento - e de subsídio à exploração - na parte em que se destina a cobrir o défice de exploração - e um subsídio para formação atribuído pelo FSE no montante de Esc.19.280.700$00;
2-A Administração Fiscal entendendo que o impugnante exerce uma actividade mista, apurou um “pro-rata” de 40% relativamente a 1991, tendo para efeitos do respectivo cálculo excluído o subsídio para investimento/equipamento ao abrigo do disposto no nº.4, do artº.23, do C.I.V.A.;
3-Relativamente ao ano de 1992, o Fisco apurou um “pro-rata” de 47%;
4-Porém, neste caso a atitude do Fisco foi diferente já que contrariamente ao que havia feito relativamente ao ano anterior, fez incluir no denominador da fracção em que consiste o “pro-rata” os subsídios recebidos;
5-Ora, o Fisco não podia ter incluído os subsídios auferidos em 1992 no apuramento do “pro-rata” desse mesmo ano uma vez que os mesmos tinham natureza idêntica à do subsídio atribuído em 1991;
6-De acordo com o nº.4, do artº.23, do C.I.V.A., as subvenções que se considerem subsídios de equipamento não devem ser incluídas na fracção;
7-Esta disposição legal tem que ser devidamente interpretada de acordo com o disposto na al.c), do nº.5, do artº.16, do C.I.V.A., nos termos do qual as subvenções directamente conexas com o preço de cada operação devem ser incluídas no valor tributável das transmissões de bens e prestações de serviços;
8-Não são pois de considerar nessa base, nem as subvenções de capital (vg. Subsídios relacionados com o equipamento), nem os subsídios de exploração destinados a melhorar a situação económica das empresas;
9-O que resulta do sistema nacional (artºs.16 e 23, do C.I.V.A.) é que só devem constar da fracção aqueles subsídios cuja natureza permita identificá-los como fazendo parte do preço do bem, ou os que visem manter, praticar, ou conseguir preços inferiores aos gerados no mercado, o que se prende com a necessidade de evitar que a receita do I.V.A. diminua por efeito de apoios concedidos na última fase produtiva;
10-Esta solução legal não é de fácil aplicação na medida em que é difícil decidir quanto à inclusão ou não no “pro-rata” quando se está perante tipos de subsídio como os de exploração que são pagos para melhorar a posição económica das empresas, mas que não sejam calculados com referência a preços ou quantidades vendidas, como é o caso das subvenções de funcionamento que constituem complementos de receitas determinados “à priori”, independentemente dos resultados de exploração;
11-A decisão de incluir os subsídios a que respeitam os autos no cálculo de percentagem de dedução não podia, pois, ter sido tomada do modo simplista e infundado, como o foi, por banda do Fisco;
12-A impugnante tinha ao tempo dos factos a que respeitam os presentes autos, como actividade normal, tanto a prestação de serviços de investigação, como o desenvolvimento de projectos de novas tecnologias bem determinados, sendo tal investigação, em certos casos, especificamente encomendada e paga pelos seus associados e, noutros, levada a efeito por iniciativa própria de acordo com programas de investigação previamente auto definidos sempre com o propósito último de os colocar ao serviço dos associados;
13-Ora, relativamente à actividade de investigação desenvolvida pela impugnante, cumpre referir que os resultados das investigações empreendidas, bem como os conhecimentos assim originados, são propriedade exclusiva da impugnante e, por essa razão, sempre a mesma entendeu que o subsídio em causa, na parte em que se assume como um subsídio de exploração, é materialmente um subsídio ao investimento;
14-No que tange à formação profissional subsidiada pelo F.S.E., a mesma teve uma característica própria e especial, na medida em que sempre esteve relacionada com a aquisição de equipamento feito por parte da impugnante, ou seja, a formação foi dada com o objectivo e no pressuposto de formar pessoas para o manuseamento e utilização dos equipamentos;
15-Assim, e por isso, a impugnante sempre entendeu e entende que os gastos com tais formandos foram aplicados em algo que é pertença da impugnante - conhecimento técnico e “know how” - já que o mesmo podia e pode dispor de tais conhecimentos em seu proveito e sem contrapartida;
16-É por isso mesmo que os mesmos se devem configurar como um verdadeiro investimento em bens incorpóreos e, bem assim, por inerência, o subsídio que os financiou;
17-Assim, este subsídio de formação profissional tinha que ser excluído do denominador para efeitos do cálculo da percentagem de dedução;
18-Para a decisão recorrida não houve nenhum facto que pudesse ser relevante para a solução jurídica da questão que tenha resultado não provado;
19-Porém, o certo é que a decisão vem depois a assentar precisamente na alegada falta de prova dos factos alegados pela impugnante (cfr.pág.3 da douta sentença recorrida que aqui se dá por reproduzida);
20-A douta sentença é, pois, nula na medida em que os respectivos fundamentos estão em oposição com a decisão;
21-Com efeito, se a decisão assenta na falta de prova dos factos alegados e se considerou que dos factos relevantes para a boa decisão nenhum foi considerado "não provado", há aqui manifesta contradição;
22-Por outro lado, segundo a douta sentença recorrida o impugnante não logrou fazer essa prova ainda que na mesma não conste qualquer avaliação concreta dos meios de prova. Como ali se refere – cfr.pág.3 da sentença – “a prova não foi produzida neste caso, nem nos restantes postos em dúvida pela A.F.”;
23-Decorre do exposto que, nem o Fisco - que se limitou a pôr em dúvida factos - nem o impugnante, na opinião expressa na sentença recorrida, fizeram prova;
24-Ora, a prova dos factos tributários e dos pressupostos da tributação incumbia ao Fisco, pelo que se impunha a anulação do acto tributário nos termos do artº.121, do C.P.T., aplicável ao tempo dos factos;
25-Sem prejuízo, importa deixar nota de que a douta sentença recorrida não levou em conta elementos de grande relevo como sejam os depoimentos testemunhais que nem sequer são mencionados;
26-Ora, se a dada altura, se entendeu insuficiente a matéria podia e devia o Mº. Juiz a quo ter solicitado informações adicionais junto do impugnante ou junto das entidades que atribuíram os subsídios;
27-Mais, podia ter solicitado mais informações das testemunhas nos termos do artº.137, do C.P.T., como se impunha o seu poder/dever inquisitório e o princípio da verdade material;
28-Sem prejuízo do exposto, importa aqui esclarecer que as testemunhas, ambas bem conhecedoras da realidade do impugnante, salvo melhor opinião, foram bem claras nos seus depoimentos que aqui se dão por reproduzidos e que corroboram em toda a linha a argumentação da impugnante pelo que estamos perante elementos que podiam e deviam ter sido considerados na decisão recorrida. No mínimo a sua desconsideração tinha que ter sido motivada;
29-De referir ainda que, ao contrário do que poderia entender-se da douta sentença recorrida, os depoimentos fazem todo o sentido quando se analisam os documentos de fls.120 e seg.;
30-Por fim, e sem prejuízo do exposto, importa ainda atentar no facto de, contrariamente ao que desde o início do procedimento vem sendo afirmado pela Administração Fiscal, o impugnante não dever, salvo melhor opinião, ser qualificado como um sujeito passivo misto;
31-Entendeu o Fisco que pelo facto de ter rendimentos de aplicações financeiras - v.g. aplicações de tesouraria como qualquer sociedade; de dar formação profissional; de receber montantes correspondentes a quotas e jóias dos sócios - como qualquer sociedade ou associação; e de receber alguns subsídios - como recebe qualquer sociedade ou associação que aos mesmos se candidate, a impugnante se trataria de um sujeito passivo misto;
32-Ora, o que releva para aferir se determinado sujeito passivo é ou não um sujeito passivo de imposto é saber o tipo de operações – prestações de serviços ou vendas de bens - que pratica, sendo que no caso em apreço, a impugnante não presta nem prestou qualquer serviço isento de I.V.A., tendo liquidado imposto nas prestações de serviços que efectuou. E se porventura o possa não ter feito – o que ficou por demonstrar por banda do Fisco – fê-lo residualmente e ao arrepio da lei já que tinha que liquidar I.V.A. nas prestações de serviço. O Fisco não foi por aí por ser certamente a via menos “rentável”;
33-Ora, o que no caso em apreço sucedeu foi a imposição da aplicação das regras do “pro-rata” - que apenas podem ser aplicadas a sujeitos passivos mistos - a um sujeito passivo integral, o que ofende claramente a lei nacional - artº.23, do C.I.V.A.;
34-Quando assim não se entenda, deve então ter que se admitir que a lei nacional foi transposta em violação dos artºs.17, nºs.2 e 5 e 19, da Sexta directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados - Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do Imposto sobre o Valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995. (Nesta linha decidiu já o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias - Acórdão do T.J.C.E. (Terceira Secção), de 6 de Outubro de 2005, no processo C-204/03, que aqui se dá por inteiramente reproduzido e no Ac.T.J.C.E. (Terceira Secção), 6 de Outubro de 2005, no processo C-243/03, que aqui se dá igualmente por reproduzido;
35-Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e, em consequência, ser proferida Acórdão que anule as liquidações de IVA de 1991 e 1992, correspondentes juros compensatórios e juros de mora.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.294 dos autos):
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.323-verso e 327-verso do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.256 e 257 dos autos):
1-A ora impugnante é uma associação privada sem fins lucrativos, tendo sido constituída por escritura pública de 28/6/1989, no Cartório Notarial de Algés (cfr.documento junto a fls.35 a 47 dos presentes autos). Nos termos do seu estatuto, a ora impugnante tem por objecto congregar, coordenar e dinamizar a actividade de investigação científica, no domínio dos materiais polímeros, efectuada em diferentes Institutos, Laboratórios e Universidades do País, para o que possui seis unidades operacionais inseridas: - no Centro de Física da Matéria Condensada; - Grupo de Investigação e Desenvolvimento de Materiais Compósitos; - IST (Departamento de Materiais); - LNEC (Departamento de Materiais de Construção); - INETI (Departamento de Tecnologia de Industrias Químicas); - Universidade do Minho (Departamento de Engenharia de Polímeros), tudo conforme cópia dos estatutos junta a fls.62 e seg. dos presentes autos;
2-A ora impugnante iniciou a sua actividade em 1989, ficando enquadrada, em sede de I.V.A., no regime normal trimestral (cfr.documentos juntos a fls.86 a 94 dos presentes autos);
3-Em visita de fiscalização efectuada pelos Serviços de Fiscalização Tributária, na sede da ora impugnante, em 29/4/1993, com vista à informação dos pedidos de reembolsos de I.V.A. apresentados, a entidade fiscalizadora considerou que a impugnante exerce uma actividade mista, que só parcialmente lhe confere o direito à dedução, em vista das operações por si realizadas (cfr.documentos juntos a fls.232 a 238 dos presentes autos);
4-Segundo a entidade fiscalizadora, da prática pela impugnante, cumulativamente, de serviços tributáveis em I.V.A., serviços isentos de I.V.A., percepção de ganhos resultantes de aplicações financeiras, quotas e jóias dos sócios e recebimento de subsídios e subvenções por parte de entidades como o IAPMEI, resulta para o mesmo uma situação de "pro-rata", ou percentagem de dedução, nos termos do artº.23, nºs.1 e 4, do C.I.V.A. (cfr.documentos juntos a fls.232 a 238 dos presentes autos; informação exarada a fls.157 e 158 dos presentes autos);
5-Assim, segundo a entidade fiscalizadora, no ano de 1991, a ora impugnante deduziu de I.V.A. um total de 74.915.971$00, sendo que, de acordo com o cálculo do “pro-rata”, apenas poderia ter sido deduzido 40% do imposto suportado, portanto apenas poderia ter sido deduzido o montante de 29.966.388$00, assim havendo lugar a uma correcção do imposto no montante de 44.949.583$00 (74.915.971$00 - 29.966.388$00), tudo conforme consta da cópia do relatório dos serviços de fiscalização tributária junta a fls.232 a 238 dos presentes autos (cfr.cópia da nota de apuramento mod.382 junta a fls.160 e 161 dos presentes autos);
6-Segundo a entidade fiscalizadora, no ano de 1992, a ora impugnante deduziu de I.V.A. um total de 32.794.158$00, sendo que, de acordo com o cálculo do “pro-rata”, apenas poderia ter sido deduzido 47% do imposto suportado, portanto apenas poderia ter sido deduzido o montante de 15.413.254$00, assim havendo lugar a uma correcção do imposto no valor de 17.380.904$00 (32.794.158$00 - 15.413.254$00), embora tal valor deva ser acrescido da quantia de 1.036.563$00 a favor da impugnante, em face da regularização de bens não imóveis do activo imobilizado, a que se refere o artº.24, do C.I.V.A., pelo que a correcção do imposto por esta deduzido foi reduzida nessa proporção, i.e., para 16.344.341$00, tudo conforme consta da cópia do relatório dos serviços de fiscalização tributária junta a fls.232 a 238 dos presentes autos (cfr.cópia da nota de apuramento mod.382 junta a fls.162 e 163 dos presentes autos);
7-As referidas correcções ao imposto deduzido pela ora impugnante originaram a liquidação adicional de I.V.A. impugnada, juntamente com os respectivos juros compensatórios e correspondentes juros de mora, no valor de 77.672.488$00/€ 387.428,74;
8-Foi realizada inquirição de testemunhas, como se verifica pela respectiva acta a fls. 198 e seg. dos autos;
9-A ora impugnante deduziu a presente impugnação em 16/5/1994 (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" – artº.511, nº.1, do Código de Processo Civil - nenhum…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, mais levando em consideração a impugnação da factualidade provada/não provada efectuada pela impugnante/recorrente, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
10-Nos anos de 1991 e 1992, a associação impugnante, “A... - ...”, com o n.i.p.c. ..., era sujeito passivo de I.V.A., encontrando-se enquadrada no regime normal, de periodicidade trimestral e pertencendo à área do 11º. Serviço de Finanças de Lisboa, tudo devido ao exercício da actividade de Instituto Científico de Investigação, C.A.E. 932000 (cfr.documentos juntos a fls.86 a 94 dos presentes autos; cópia das notas de apuramento mod.382 juntas a fls.160 a 163 dos presentes autos);
11-Com fundamento nas correcções identificadas no nº.5 supra, a A. Fiscal estruturou liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1991, no montante total de 58.291.446$00/€ 290.756,51 e das quais surge como sujeito passivo a impugnante (cfr.documentos juntos a fls.95 e 101 dos presentes autos; informação exarada a fls.157 e 158 dos presentes autos);
12-Com fundamento nas correcções identificadas no nº.6 supra, a A. Fiscal estruturou liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1992, no montante total de 19.381.042$00/€ 96.672,23 e das quais surge como sujeito passivo a impugnante (cfr.documentos juntos a fls.96 a 100 e 102 dos presentes autos; informação exarada a fls.157 e 158 dos presentes autos);
13-No relatório identificado nos nºs.5 e 6 supra consta, nomeadamente, o seguinte (cfr.cópia do relatório dos serviços de fiscalização tributária junta a fls.232 a 238 dos presentes autos):
a)Na análise dos elementos contabilísticos do ano de 1991, verifica-se na área das receitas que as mesmas têm a seguinte discriminação:
-Prestações de serviços sujeitos a I.V.A. (estudos de estrutura; pareceres técnicos; ensaios com amostras);
-Prestações de serviços isentas (acções de formação profissional junto de empresas-cfr.artº.9, nº.11, do C.I.V.A.);
-Proveitos e ganhos financeiros (juros e outras aplicações de tesouraria);
-Proveitos e ganhos extraordinários (amortização do equipamento subsidiado pelo PEDIP);
b)No ano de 1991, o A... recebeu do IAPMEI/PEDIP um subsídio ao investimento/equipamento de Esc.412.740.788$00, excluído para o cálculo do “pro-rata” de acordo com o artº.23, nº.4, do C.I.V.A.;
c) Na análise dos elementos contabilísticos do ano de 1992, verifica-se para além das operações sujeitas a I.V.A., a existência de operações isentas sem direito a dedução ou fora do campo do imposto, nomeadamente acções de formação junto de empresas, subsídios do Fundo Social Europeu para bolseiros do A..., bem como subsídios ao funcionamento/exploração atribuídos através do IAPMEI, no âmbito do PEDIP/GEP;
d)Para cálculo do “pro-rata” do ano de 1992, nos termos do artº.23, do C.I.V.A., devem levar-se em consideração no denominador da fracção, além do mais, os subsídios para formação do F.S.E. no montante de 19.280.700$00, tal como os subsídios para funcionamento/exploração no âmbito do PEDIP e no montante de 29.760.000$00;
14-Os subsídios para funcionamento/exploração no âmbito do PEDIP e no montante de 29.760.000$00, identificados no nº.13, al.d), visavam a concessão de uma comparticipação financeira directa destinada à criação de infraestruturas tecnológicas de apoio à indústria nacional através de serviços prestados pela impugnante/recorrente (cfr.documentos juntos a fls.104 a 119 dos presentes autos; factualidade admitida pela impugnante/recorrente no artº.62 da p.i.; depoimento da testemunha B... passado a escrito na acta de fls.198 e 199 dos presentes autos);
15-Os subsídios para formação do F.S.E. e no montante de 19.280.700$00, identificados no nº.13, al.d), visavam a formação profissional de pessoas com vínculo à impugnante/recorrente para trabalharem com máquinas (cfr.documentos juntos a fls.120 a 127 dos presentes autos; depoimento das testemunhas C...e B... passado a escrito na acta de fls.198 e 199 dos presentes autos);
16-A p.i. reconhecida no número nove da matéria de facto tinha como esteios o pedido de declaração de nulidade ou anulação dos actos tributários de I.V.A. e juros compensatórios dos anos de 1991 e 1992, com fundamento em violação de lei, vício de forma, errónea qualificação/quantificação dos factos tributários, inexistência dos factos tributários e dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário (cfr.documento junto a fls.2 a 33 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório, nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo impugnante/recorrente e na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do mesmo impugnante/recorrente, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente impugnação deduzida por “A... - ...”, em consequência do que manteve as liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativos aos anos de 1991 e 1992 e no montante total de € 387.428,74.
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Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O recorrente discorda do julgado alegando em primeiro lugar, como supra se alude, que para a decisão recorrida não houve nenhum facto que pudesse ser relevante para a solução jurídica da questão que tenha resultado não provado. Porém, o certo é que a decisão vem depois a assentar precisamente na alegada falta de prova dos factos alegados pela impugnante. Pelo que, a douta sentença é, pois, nula na medida em que os respectivos fundamentos estão em oposição com a decisão. Com efeito, se a decisão assenta na falta de prova dos factos alegados e se considerou que dos factos relevantes para a boa decisão nenhum foi considerado “não provado”, há aqui manifesta contradição (cfr.conclusões 18 a 21 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar uma nulidade de que enferma a sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.910 e 911; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11).
No caso “sub judice”, não vislumbramos que a sentença recorrida sofra da nulidade em análise. A recorrente ao invocar tal nulidade aduz que a decisão recorrida assenta na falta de prova dos factos alegados e considerou que dos factos relevantes para a boa decisão nenhum foi considerado “não provado”, pelo que há aqui manifesta contradição. Ora, da materialidade fáctica constante da sentença não decorre, necessariamente, decisão oposta ou, pelo menos, diversa da proferida. Pelo contrário, da fundamentação fáctico-jurídica da sentença (segundo cremos a recorrente discorda, essencialmente, da fundamentação fáctica) a consequência lógica é a decisão nos termos em que foi proferida. Por outras palavras, atenta a materialidade fáctica provada, entendeu-se que se verificavam os pressupostos das liquidações objecto do presente processo, em virtude do que se julgou a impugnação improcedente, sendo, pois, a decisão o corolário lógico da fundamentação.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Mais alega a apelante que as testemunhas arroladas, ambas bem conhecedoras da realidade da impugnante, salvo melhor opinião, foram bem claras nos seus depoimentos que aqui se dão por reproduzidos e que corroboram em toda a linha a argumentação da impugnante pelo que estamos perante elementos que podiam e deviam ter sido considerados na decisão recorrida. No mínimo a sua desconsideração tinha que ter sido motivada. De referir ainda que, ao contrário do que poderia entender-se da douta sentença recorrida, os depoimentos fazem todo o sentido quando se analisam os documentos de fls.120 e seg. dos autos (cfr.conclusões 25, 28 e 29 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, a existência de erro de julgamento da matéria de facto da sentença recorrida.
O que a recorrente pretende é que houve omissão de factos na sentença (erro de julgamento da matéria de facto).
Importa distinguir o erro material do erro de julgamento. O erro material verifica-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. Encontramo-nos perante o erro material no âmbito do direito processual, equivalente ao erro de cálculo ou de escrita em sede de direito substantivo (cfr.artº.249, do C.Civil). O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Contrariamente ao erro material, ao qual se aplica o regime previsto no artº.667, do C. P. Civil, quanto ao erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130).
“In casu”, quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, este Tribunal já se pronunciou, tendo aditado à factualidade provada os nºs.10 a 16 consignados acima, para onde se remete.
Mais alega o recorrente que, contrariamente ao que desde o início do procedimento vem sendo afirmado pela Administração Fiscal, o impugnante não deve ser qualificado como um sujeito passivo misto e que o Fisco não podia ter incluído os subsídios auferidos em 1992 no apuramento do “pro-rata” desse mesmo ano uma vez que os mesmos tinham natureza idêntica à do subsídio atribuído em 1991. De acordo com o nº.4, do artº.23, do C.I.V.A., as subvenções que se considerem subsídios de equipamento não devem ser incluídas na fracção. Esta disposição legal tem que ser devidamente interpretada de acordo com o disposto na al.c), do nº.5, do artº.16, do C.I.V.A., nos termos do qual as subvenções directamente conexas com o preço de cada operação devem ser incluídas no valor tributável das transmissões de bens e prestações de serviços. Não são pois de considerar nessa base, nem as subvenções de capital (v.g.subsídios relacionados com o equipamento), nem os subsídios de exploração destinados a melhorar a situação económica das empresas. O que resulta do sistema nacional (artºs.16 e 23, do C.I.V.A.) é que só devem constar da fracção aqueles subsídios cuja natureza permita identificá-los como fazendo parte do preço do bem, ou os que visem manter, praticar, ou conseguir preços inferiores aos gerados no mercado, o que se prende com a necessidade de evitar que a receita do I.V.A. diminua por efeito de apoios concedidos na última fase produtiva (cfr.conclusões 5 a 17 e 30 a 33 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Nos artºs.21 e 23, do C.I.V.A. (na redacção vigente nos anos de 1991 e 1992) eram estabelecidas limitações ao direito a dedução do I.V.A. debitado nas facturas ou documentos equivalentes, sendo que o primeiro dos preceitos citado se referia aos casos de exclusão total da dedução (caso de aquisições de certos bens e serviços) e o artº.23 às situações em que se verificava a dedução parcial do imposto em função da actividade económica realizada pelo sujeito passivo, caso de operações tributáveis e operações isentas sem direito a dedução, nos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos.
No caso de sujeitos passivos mistos (contribuintes que realizam transmissões ou prestações de serviços que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., por serem normalmente tributáveis e, em simultâneo, exercem operações que não conferem aquele direito porque se encontram isentas ao abrigo das alíneas do artº.9, do mesmo diploma, assim sendo titulares do direito à dedução de imposto somente de forma parcial - cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.167 e seg.) existe a necessidade de determinar o montante, tanto do imposto dedutível, como do que não é dedutível.
Nessas circunstâncias, o C.I.V.A. previa como regime regra de cálculo da parte dedutível do imposto o método da percentagem de dedução também chamado de “pro- rata” (cfr.artº.23, nº.1, do C.I.V.A.).
Não obstante o método da percentagem de dedução (“pro-rata”) ser o regime regra (ou supletivo) com vista ao cálculo da parte dedutível do imposto no que diz respeito aos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos, podia o próprio contribuinte, de harmonia com o artº.23, nº.2, do C.I.V.A., efectuar a dedução segundo o método de afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunicasse tal facto à D.G.I., prevendo a lei, ainda, a faculdade de a A. Fiscal tornar obrigatório o uso deste método alternativo no caso previsto no artº.23, nº.3, do C.I.V.A. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02).
A afectação real obriga a que o sujeito passivo contabilize em separado as operações da actividade que conferem direito à dedução e das que não conferem direito à dedução, portanto as operações isentas. Acaso o sujeito passivo que opte pela aplicação do método de afectação real tiver várias despesas comuns e afectas a diversas actividades que conferem direito à dedução do imposto e, ao mesmo tempo, a actividades isentas, o imposto suportado relativamente a estas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respectivo destino, ou seja, nestes casos é possível a coexistência da aplicação do método da afectação real com o método do “pro-rata” (cfr.Clotilde Celorico Palma, ob.cit., pág.174).
Por seu turno, como decorria do artº.23, nº.4, do C.I.V.A., o método “pro-rata” impunha a determinação da percentagem de dedução tendo em conta o peso de cada uma das referidas actividades, através da aplicação duma fracção cujo numerador comportava o montante anual das transmissões de bens e prestações de serviços que conferem direito à dedução (imposto excluído) e, no denominador, o montante anual do volume de negócios, isto é, de todas as operações efectuadas (imposto excluído) pelo sujeito passivo, incluindo as transmissões de bens e prestações de serviços isentas ou fora do campo de incidência do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento, mais não se devendo incluir em tal cálculo as transmissões de bens do activo imobilizado utilizado pela empresa e operações imobiliárias ou financeiras de carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo (cfr.artº.23, nº.5, do C.I.V.A.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, ob.cit., pág.566; António Borges e Martins Ferrão, ob.cit., pág.124; Clotilde Celorico Palma, ob.cit., pág.172 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/10/2004, rec.116/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02).
“In casu”, da análise da matéria de facto provada (cfr.nºs.3, 4 e 13 da matéria de facto provada) estamos face a sujeito passivo misto e assim obrigado à regularização do I.V.A. derivado das aquisições segundo um dos métodos previstos no artº.23, do mesmo diploma, contrariamente ao que defende a recorrente.
Comprovada a necessidade de aplicação do regime previsto no artº.23, do C.I.V.A., à actividade da impugnante/recorrente e relativamente aos exercícios de 1991 e 1992, haverá que salientar a não utilização pelo contribuinte da dedução segundo o método de afectação real, dado não ter procedido à comunicação prevista no artº.23, nº.2, do mencionado diploma, visto tal factualidade não constar do probatório.
Pelo que, se devia aplicar à impugnante/recorrente o regime regra com vista ao cálculo da parte dedutível do imposto (“pro-rata”), o qual, conforme aludido acima, impõe o cômputo da percentagem de dedução de acordo com a operação prevista no artº.23, nº.4, do C.I.V.A.
Aqui chegados, haverá que analisar se a forma de cálculo da percentagem de dedução utilizada pela A. F. padece de qualquer ilegalidade (cfr.nºs.5, 6 e 13 da matéria de facto provada).
Cremos que não.
Relativamente ao ano de 1991, cujo cálculo da percentagem de direito à dedução de imposto não é, em primeira linha, posto em causa pelo recorrente, considera o Tribunal que foi correcta a exclusão do denominador da fracção, para o cálculo do “pro-rata”, do subsídio ao investimento/equipamento no montante de Esc.412.740.788$00 que o A... recebeu do IAPMEI/PEDIP, dado que tal subvenção reveste a natureza de um subsídio ao equipamento assim sendo excluído do denominador da fracção nos termos do citado artº.23, nº.4, do C.I.V.A., na redacção resultante do artº.1, do dec.lei 195/89, de 12/6 (a aplicável ao caso “sub judice” – cfr.artº.12, do C.Civil).
Os subsídios de equipamento, os quais se podem definir como auxílios de carácter oficial concedidos a uma pessoa ou entidade e que visam a aquisição ou manutenção de imobilizado corpóreo (elementos patrimoniais tangíveis móveis ou imóveis utilizados pelo sujeito passivo de forma duradora), são excluídos do denominador da fracção de cálculo do “pro-rata” visto que os mesmos não fazem parte do volume de negócios (transmissões de bens e prestações de serviços) do sujeito passivo em causa (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.566; José Maria Lozano Irueste, Dicionário Abreviado de Economia, 1994, Campo das Letras, pág.139 e 140).
Examinemos, agora, o ano de 1992.
Defende o recorrente que o Fisco não podia ter incluído os subsídios auferidos em 1992, no apuramento do “pro-rata” desse mesmo ano, uma vez que os mesmos tinham natureza idêntica à do subsídio atribuído em 1991.
Os subsídios em causa estão caracterizados nos nºs.14 e 15 da matéria de facto aditada ao probatório.
Começando pelo subsídio para formação do F.S.E. e no montante de 19.280.700$00, visando o mesmo a formação profissional de pessoas com vínculo à impugnante/recorrente para trabalharem com máquinas não se pode defender que tais subvenções estejam ligadas ao imobilizado corpóreo da recorrente e, por consequência, revistam a natureza de subsídio ao equipamento (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/10/2004, rec.116/04).
Passemos aos subsídios para funcionamento/exploração no âmbito do PEDIP e no montante de 29.760.000$00, os quais visavam a concessão de uma comparticipação financeira directa destinada à criação de infraestruturas tecnológicas de apoio à indústria nacional através de serviços prestados pela impugnante/recorrente (cfr.nº.14 da matéria de facto aditada ao probatório).
Também neste caso, e levando em consideração a noção de subsídio de equipamento supra exposta, se deve concluir que não estamos perante um auxílio com essa natureza dado que a finalidade do mesmo em nada o liga ao imobilizado corpóreo da impugnante/recorrente, antes estando ligado à vertente de prestação de serviços da mesma entidade.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal que a forma de cálculo da percentagem de dedução utilizada pela A. F. padeça de qualquer ilegalidade, assim improcedendo também este fundamento do recurso.
Aduz, igualmente, o apelante que decorre da sentença recorrida que, nem o Fisco - que se limitou a pôr em dúvida factos - nem o impugnante, fizeram prova da factualidade que alegaram. Ora, a prova dos factos tributários e dos pressupostos da tributação incumbia ao Fisco, pelo que se impunha a anulação dos actos tributários objecto do presente processo nos termos do artº.121, do C.P.T., aplicável ao tempo dos factos (cfr. conclusões 22 a 24 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida mais um vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Para obter a anulação do acto chama o impugnante/recorrente à colação o disposto no artº.121, nº.1, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.100, nº.1, do C.P.P.Tributário). O preceito referido constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal. Tal princípio leva a que o interesse substancial da justiça domine o actual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.158; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª. edição, 1996, pág.133 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/11/95, rec.19247, Apêndice ao D.R., 14/11/97, pág.2800 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 13/12/95, B.M.J. 452, pág.315 e seg.).
Esta regra consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artº.74, nº.1, da L.G.T., em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Cânone este também aplicável ao processo judicial tributário.
Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.720; ac.S.T.A-2ª.Secção, 14/1/2004, rec.1480/03).
No caso concreto, de acordo com a matéria de facto provada, o impugnante/recorrente não conseguiu fazer prova que gere dúvida, de qualquer espécie, sobre a existência e quantificação do facto tributário (cfr.nºs.3, 4 e 13 da matéria de facto provada). Como a dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário tem que resultar de prova produzida, ou seja, é uma questão que só se coloca após a produção de prova, não se pode aplicar, no caso “sub judice”, o mencionado princípio “in dubio contra fiscum”.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso.
Por último, alega o recorrente que a imposição da aplicação das regras do “pro-rata” - que apenas podem ser aplicadas a sujeitos passivos mistos - a um sujeito passivo integral, ofende o direito comunitário, devendo admitir-se que a lei nacional foi transposta em violação dos artºs.17, nºs.2 e 5 e 19, da Sexta directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados - Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do Imposto sobre o Valor acrescentado, com a alteração da directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995. Nesta linha decidiu já o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nos acórdãos do T.J.C.E. (Terceira Secção), de 6 de Outubro de 2005, no processo C-204/03, e do T.J.C.E. (Terceira Secção), 6 de Outubro de 2005, no processo C-243/03 (cfr.conclusões 33 e 34 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida mais um vício de erro de julgamento de direito.
Deslindemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.272, do C.P.Civil), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
No caso “sub judice”, conforme se retira do exame da matéria de facto provada (cfr.nº.16 da matéria de facto provada supra exarada), deve concluir-se que o fundamento de recurso ora sob apreciação (a imposição da aplicação das regras do “pro-rata” - que apenas podem ser aplicadas a sujeitos passivos mistos - a um sujeito passivo integral, ofende o direito comunitário), constitui questão que não foi invocada na petição inicial pelo que não pode ser agora apreciada, já que também não é de conhecimento oficioso. Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada.
E não se diga que estamos somente perante matéria de direito, face à qual os Tribunais de recurso são inteiramente livres quanto à sua determinação, interpretação e aplicação. No caso concreto, o exame da eventual violação do direito comunitário implica uma prévia análise da matéria de facto incidente sobre o facto de, nos termos do probatório, o impugnante/recorrente dever, ou não, ser considerado um sujeito passivo misto em sede de I.V.A. e relativamente aos anos de 1991 e 1992.
Concluindo, a recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dela se não conhece.
Examinemos, apesar disso, se o dispositivo dos acórdãos do T.J.C.E. (Terceira Secção), de 6 de Outubro de 2005, no processo C-204/03, e do T.J.C.E. (Terceira Secção), 6 de Outubro de 2005, no processo C-243/03, chamados à colação pelo recorrente, se pode considerar contrário ao regime previsto no artº.23, do C.I.V.A., e em vigor nos citados anos de 1991 e 1992.
O direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr. artº.8, da C.R.Portuguesa; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.398 e seg.; José Carlos Moitinho de Almeida, Direito Comunitário, A Ordem Jurídica Comunitária, As Liberdades Fundamentais na C.E.E., Centro de Publicações do Ministério da Justiça, Lisboa, 1985, pág.61 e seg.).
O mencionado artº.23, do C.I.V.A., conforme referido supra, consagrava o regime aplicável às situações em que se verificava a dedução parcial do imposto em função da actividade económica realizada pelo sujeito passivo, nos casos de existência de operações tributáveis e operações isentas sem direito a dedução, dos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos (exercício do direito à dedução do imposto pelos sujeitos passivos mistos).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os acórdãos do T.J.C.E. (Terceira Secção), de 6 de Outubro de 2005, no processo C-204/03, e do T.J.C.E. (Terceira Secção), 6 de Outubro de 2005, no processo C-243/03, em que são partes a Comissão das Comunidades Europeias, o Reino de Espanha e a República Francesa, consagram, resumidamente, a seguinte doutrina:

“Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e, designadamente, dos artigos 17, n.os 2 e 5, e 19, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, um Estado-Membro que, no caso de actividades subvencionadas, prevê um pro-rata de dedução do imposto sobre o valor acrescentado suportado pelos sujeitos passivos que apenas efectuem operações tributáveis e que institui uma regra especial que limita a dedutibilidade do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre a compra de bens ou serviços financiados por subvenções.”.

A doutrina derivada de tais acórdãos não é aplicável na ordem jurídica interna portuguesa por dois motivos:
1-De natureza processual, dado que a autoridade de caso julgado dos acórdãos em causa, portanto a eficácia interna de tais acórdãos, não se aplica aos órgãos internos do Estado Português, visto que este não é parte nos processos em causa (cfr.João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.459 e seg.);
2-De natureza substantiva, visto que, e salvo melhor opinião, a situação prevista na doutrina dimanada dos acórdãos em causa não é passível de aplicação ao regime jurídico português. Assim é, porquanto, o regime de “pro-rata” previsto no artº.23, do C.I.V.A., vigente nos anos de 1991 e 1992, como decorria do nº.4, do preceito, impunha a determinação da percentagem de dedução através da aplicação duma fracção cujo numerador comportava o montante anual das transmissões de bens e prestações de serviços que conferem direito à dedução (imposto excluído) e, no denominador, o montante anual do volume de negócios, isto é, de todas as operações efectuadas (imposto excluído) pelo sujeito passivo, incluindo as transmissões de bens e prestações de serviços isentas ou fora do campo de incidência do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento, mais não se devendo incluir em tal cálculo as transmissões de bens do activo imobilizado utilizado pela empresa e operações imobiliárias ou financeiras de carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo. Em resumo, este regime não comunga das características previstas na doutrina dimanada pelos citados acórdãos do T.J.C.E. para que, também no caso português, se possa falar em violação do direito comunitário, mais exactamente dos artºs.17 e 19, da Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977).
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas fixando-se a taxa de justiça, em ambas as instâncias, em 3 (três) U.C. (cfr.artº.10, do R.C.P.Tributários).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 6 de Março de 2012



(Joaquim Condesso - Relator)

(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)
Declaração de Voto
Tendo em conta o estatuído no art. 664.º, do CPC, por força do art. 2.º/1 do CPPT, propendo no sentido de que o recorrente não deixou de substanciar, nas conclusões 25º e 28º, irregularidade processual consubstanciada na falta de apreciação critica, total, da prova testemunhal produzida, a qual desconsiderou em absoluto, prova essa que o recorrente considera relevante a decisão final a proferir.
- Tal irregularidade constitui, a nosso ver, uma nulidade secundária, a qual, uma vez decretada, não permitiria o recurso ao art. 712º, do CPC, já que se entende que tal preceito não pode deixar de ser entendido, hoje com o artigo 685ºB, do CPC, sendo que o pleno acatamento deste tem pressupõe a apreciação critica, na decisão recorrida, da prova produzida.