Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06292/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/16/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM AS ALEGAÇÕES DE RECURSO
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE SEGURO
PROVA DOCUMENTAL
Sumário:I. É admitida a junção de documentos em momento posterior ao encerramento da discussão em 1ª instância e designadamente com as alegações, (i) quando a mesma se revele subjectiva e/ou objectivamente possível apenas nesse momento ou (ii) no caso de a junção se ter revelado necessária mercê do julgamento proferido em 1º instância.

II. Não é admitida a junção de um documento com as alegações quando o mesmo se destina a demonstrar determinada versão da realidade já introduzida nos autos, que integra a causa de pedir da acção; a sua junção já deveria ter ocorrido em 1ª instância, não tendo a relevância do mesmo resultado da sentença proferida.

III. No contrato de seguro, a forma não é exigida apenas para prova do negócio, mas também para que o mesmo se considere existente ou, pelo menos, válido. Sem apólice não há seguro, constituindo a mesma simultaneamente título constitutivo e documento probatório do contrato de seguro.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

G……….., COMPANHIA ……… S.p.A. interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual julgou improcedente a acção administrativa comum que instaurou contra o MUNICÍPIO ……… com vista a obter a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 18.862,23, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

Formulou as seguintes conclusões:
“1. Por lapso manifesto, porquanto dos autos constam elementos suficientes que impõem decisão diversa, foi dado como assente que a apólice de seguro dos autos teve início em 30 de Setembro de 2006.
2. Tal facto determinou a improcedência da acção.
3. Porém, a autora efectuou o pagamento ao Condomínio Ibérico da quantia peticionada por força do contrato de seguro titulado por essa Apólice n.º ……….., apólice esta que se encontrava em vigor à data dos factos - cfr. Doc. 1 que se junta - sendo que era manifesto dos elementos carreados para o processo e dos demais factos dados como assentes que a data de início de tal apólice era, como é, anterior a 21 de Setembro de 2006.
4. Sendo que, em caso de dúvida quanto à data de início da Apólice n.º ……………, deveria o meritíssimo Juiz a quo ter ordenado a junção aos autos da proposta de seguro relativa à apólice n.º ……………, ao abrigo do disposto no art. 265º, n.º 3 e 535º do CPC, preceitos legais que a sentença recorrida viola.
5. O facto de a data da apólice n.º …………ser anterior aos factos já decorria com clareza cristalina da página 32 do documento junto sob doc. 1 com a PI (Condições Gerais da Apólice), do qual foi junto documento particular (vide anotação na parte superior onde se indica que a condição especial 01 Danos por Água está em vigor desde 2000 para as fracções autónomas, sendo que anteriormente só vigorava para as partes comuns).
6. Assim sendo, deverá ser ordenada a reforma da sentença, nos termos e para os efeitos do art. 669º, n.º 2, al. b) e n.º 3 do CPC.
7. A igual conclusão se chegando por via da al. a) do mesmo preceito, portanto a qualificação do pagamento por parte da recorrente ao seu segurado como um acto fora do âmbito do contrato de seguro dos autos consubstancia, atento o supra exposto, um manifesto erro na qualificação jurídica desse mesmo facto.
8. Devendo ser alterado o facto considerado confessado constante da alínea L), c), ii) e dando-se como assente que a data de início da apólice dos autos foi 24 de Setembro de 1996.
9. Ou, pelo menos, que o início de tal apólice é anterior a 21 de Setembro de 2006.
10. E, bem assim, alterada a decisão proferida em conformidade, condenando-se o réu a pagar à autora a quantia de € 18.862,23 (dezoito mil oitocentos e sessenta e dois euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.”

Por despacho de fls. 173/175 dos autos foi admitido o recurso e indeferido o pedido de reforma da sentença.

O réu apresentou contra-alegações e requereu a ampliação do âmbito do recurso nos termos do artigo 684º-A do CPC, formulando as seguintes conclusões:
“1. A recorrente não o provou oportunamente a vigência nem o âmbito de cobertura do seguro em fase alguma do processo, conforme imposto pelo art. 523º CPC;
2. Não é admitida a modificação da decisão da matéria de facto conforme requerido pela recorrente nem a junção extemporânea de documentos nos termos do art. 524º CPC;
3. Mesmo que assim não se entendesse, sem conceder, o documento que ora pretende juntar não é adequado para a prova do facto em causa;
4. Não tendo sido provado que o desembolso da seguradora tenha sido em cumprimento de uma obrigação contratual, falece a pretensão da recorrente.
Caso assim não se entenda, sem conceder, requer-se subsidiariamente ao abrigo do art. 684º-A CPC, a ampliação do objecto do recurso conforme segue:
5. Meramente à cautela, acrescente-se que do confronto entre a causa de pedir e o normativo aplicável decorre que o dano é imputável apenas ao lesado;
6. O lesado fez uma ligação ilícita entre as condutas de água residuais domésticas e aquelas pluviais, em contravenção ao disposto no art. 5º do Regulamento Municipal do Sistema de Drenagem de Águas Residuais do Concelho ………… cuja revisão foi publicada no DR, II Série n.º 93 de 20 de Abril de 2004 - norma cujo escopo de protecção abrange os danos sub judice.
7. O lesado além disso não instalou a válvula anti-retorno em violação do previsto nos artigos 101º, 102º, alínea a), 306º e 309º do Decreto Regulamentar n.º 23/95 de 23 de Agosto - regra prevista para evitar os danos sub judice.
8. Se tivesse sido cumprida qualquer uma destas duas normas, os danos não poderiam ter-se verificado.
9. Para que se pudesse imputar o dano ao recorrido, não basta invocar-se apenas o art. 486º - sem alegar nem provar dever específico algum que tivesse sido omitido.
10. A violação de um dever é pressuposto imprescindível numa responsabilização por omissão.
11. Nenhum dever foi violado pelo Município que, a ter sido cumprido, teria evitado os danos sub judice.
12. Termos em que subsidiariamente se requer a revisão das conclusões elencadas sob D), E) e F) da douta sentença em recurso.”


O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
(i) Admissibilidade da junção de um documento por parte da recorrente com as alegações de recurso;
(ii) Recurso apresentado pela autora: erro de julgamento da matéria de facto, concretamente no que concerne ao facto vertido na alínea L), c), ii) do probatório;
(ii) Ampliação do âmbito do recurso requerida pelo réu: erro de julgamento de direito no que concerne à “imputabilidade normativa dos danos”.

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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
A) No dia 21/09/2006, pelas 8h da manhã choveu na Av. D. ………….., no 278/280, …….., …… F………….
B) A conduta exterior ao Edifício I……., localizado na Avenida supra referida, transbordou e permitiu a entrada de água no seu interior.
C) O que originou diversas inundações.
D) A entrada de água no interior do Edifício Ibérico deveu-se, única e exclusivamente, ao deficiente escoamento das águas residuais provenientes de canalizações e esgotos pertencentes ao Município de ………….
E) Em consequência, ocorreram diversos prejuízos na zona comercial, designadamente na cave, na sub-cave e na garagem do Edifício em apreço.
F) Na madrugada do dia 24 de Setembro o incidente supra descrito repetiu-se.
G) Ocorreram mais prejuízos no Edifício ……….
H) Os prejuízos referidos em E) e G) deram origem a despesas com:
a. Reparação de quatro elevadores
b. Limpeza de partes comuns
c. Limpeza da cave e sub-cave
d. Reparação do pavimento das partes
e. Substituição do automatismo do portão de garagem
f. Reparações eléctricas
g. Limpeza e substituição de pavimento da loja 11C
h. Limpezas na fracção J
i. Limpeza na loja 7
j. Limpeza e substituição de pavimento da loja 6
k. Limpeza e desinfecção da loja 5
l. Limpeza da loja 4
m. Limpeza e substituição de pavimento da loja 2
n. Limpeza da fracção 1 e material
o. Limpeza e reparações nas instalações da M……. ……….., Comércio ………………, Lda
p. Reparações nas instalações da M…………., M……… e D………….., Lda
q. Reparações decorrentes do sinistro de 25/09/2006.
I) A Administração do Condomínio fez uma reclamação junto dos competentes serviços municipais.
J) O Edifício Ibérico está constituído em regime de propriedade horizontal.
K) A autora pagou ao Condomínio do Edifício Ibérico o total de € 18.862,23 (dezoito mil oitocentos e sessenta e dois euros e vinte e três cêntimos), dando-se por reproduzido o teor do recibo de indemnização n.º …………….., apólice ……………., processo n.º 2006 ……………, data do sinistro 21/09/2006, valor do recibo 18.152,23, dele constando ser “correspondente a indemnização por todos os danos patrimoniais, não patrimoniais e/ou despesas, resultantes do sinistro objecto do processo acima referenciado”.
L) Entre a autora e a administração do condomínio Edifício ……….. na qualidade de tomador do seguro foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil denominado “G………….. condomínio”, dando-se por reproduzido o teor das respectivas condições gerais e das particulares, designadamente:
a. A apólice tem o “n.º …………”, “recibo n.º 1002803356”, “Agente …………, “emissão 30/09/2006”;
b. Tomador do seguro: “Adm Cond Edf …….. Av D José ………. 2……. F………”;
c. E as seguintes “Condições do contrato”:
i. “Prazo … Um ano e seguintes”;
ii. “Início 30/09/2006”;
iii. “Termo 30/09 cada ano”;
iv. “Forma de pagamento. Anual” (…)
d. E os seguintes “Dados de risco”:
i. “Objecto seguro. Edifício”
ii. “Local do risco. Av D José ………………. - …………… …… F……… Vila ………….”

2. Do direito

2.1. Admissibilidade da junção de um documento por parte da recorrente com as alegações de recurso
A recorrente juntou aos autos com as alegações de recurso um documento, o qual consiste na proposta de seguro relativa à apólice n.º ……………., sustentando que a necessidade da sua junção “resulta do erro de julgamento quanto à data de início da apólice dos autos, fruto da, salvo o devido respeito e com toda a consideração, manifesta errada leitura de uma acta de renovação, que foi interpretada como se de uma proposta de seguro se tratasse”.
O recorrido entende que não é admissível a junção do referido documento nesta fase, uma vez que “o ónus de prova oportuna da existência e vigência do contrato de seguro sempre incumbiu à A., ora Recorrente”, “tanto assim que que em diversas ocasiões a ora Recorrente juntou documentos precisamente para a prova desse mesmo facto”, sendo certo que “não basta para que se considere que a junção do documento se haja tornado necessária, nos termos do art. 524º, n.º 2, in fine CPC, o momento em que seja proferida uma sentença desfavorável”.
Vejamos.
A junção de documentos tem lugar, por regra, na 1ª instância, e deve ocorrer até ao encerramento da discussão, nos termos do n.º 2 do artigo 523º do CPC.
Este princípio admite, contudo, algumas excepções.
Assim, dispõe o artigo 693º-B do CPC, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
O n.º 1 do artigo 524º do CPC estabelece que, após o encerramento da discussão, só são admitidos, no caso de recurso, “os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”; e o n.º 2 do mesmo preceito determina que os “documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo”.
Concluímos, assim, ser admitida a junção de documentos em momento posterior ao encerramento da discussão em 1ª instância e designadamente com as alegações, (i) quando a mesma se revele subjectiva e/ou objectivamente possível apenas nesse momento ou (ii) no caso de a junção se ter revelado necessária mercê do julgamento proferido em 1º instância.
A primeira situação engloba os casos em que a parte não tem conhecimento da existência do documento, em que não lhe foi possível fazer uso dele e ainda quando o documento é posterior ao encerramento da discussão em 1ª instância. Não é esse o caso dos autos, pois o documento tem data muito anterior à da instauração da presente acção e a recorrente não vem alegar só lhe ter sido possível juntá-lo aquando das alegações, ou seja, a sua junção não se revelou subjectiva ou objectivamente possível apenas então.
O que a recorrente vem dizer é que a junção do documento com as alegações revelou-se necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, uma vez que a sentença “assenta num lapso manifesto na interpretação dos documentos juntos pela ora recorrente: o de que o contrato de seguro em discussão nos autos se iniciou apenas em 30 de Setembro de 2006 (…) tendo sido com base neste lapso que assentou todo o raciocínio subjacente à sentença recorrida”. Sustenta a recorrente que em virtude de tal lapso viu-se na necessidade de juntar o documento em causa a fim de provar a data de início do referido contrato.
Mas será que essa situação integra a excepção supra referida em ii) à regra geral que impõe que a junção de documentos seja feita até ao encerramento da discussão em 1ª instância?
Com tal excepção visa-se abranger as situações em que “pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”. Deste modo, a junção de documentos com as alegações “só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam” (cfr. Acórdão STJ de 12/01/1994, BMJ, 433º, 467).
Ora, o documento em causa agora junto pela recorrente não visa efectuar a prova de um facto posterior ao encerramento da discussão em 1ª instância, nem se evidencia como necessário em virtude do julgamento ali realizado, pois que não se reporta a factos com cuja relevância aquela não podia razoavelmente ter em conta.
Ao invés, tal documento destina-se a demonstrar determinada versão da realidade já introduzida nos autos, a qual integra a causa de pedir da acção, qual seja a de que o contrato de seguro em causa e com base no qual a recorrente vem exercer o seu direito, estava em vigor à data dos sinistros que causaram os prejuízos invocados.
E porque assim é, tal documento já deveria (e poderia) ter sido apresentado em 1ª instância, não tendo a relevância da sua junção resultado da sentença proferida.
Não pode a recorrente juntá-lo agora, alegando que a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, uma vez que não é este que determina a necessidade da junção do documento, mas sim a existência de um facto que já antes do julgamento a mesma sabia estar sujeito a prova.
Tendo perdido a acção, não pode agora, extemporaneamente, tentar instruir melhor a prova, com um documento que há muito estava já disponível, para inverter o resultado final.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 106: “Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redacção, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B actual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)”.
Por último, importa referir que não colhe o argumento aduzido pela recorrente no sentido de que “em caso de dúvida quanto à data de início da apólice n.º ……………………, deveria o meritíssimo Juiz a quo ter ordenado a junção aos autos da proposta de seguro”, uma vez que não resulta dos autos que tenha existido qualquer dúvida quanto a esse facto.
Em face do exposto, concluímos não ser admissível a junção do documento com as alegações de recurso apresentadas pela recorrente, devendo o mesmo ser desentranhado dos autos.

2.2. Recurso apresentado pela autora: erro de julgamento da matéria de facto, concretamente no que concerne ao facto vertido na alínea L), c), ii) do probatório
Sustenta a recorrente que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto ao dar como provado o facto constante da alínea L), c), ii) do probatório, a saber, que entre si e a administração do condomínio Edifício …………, na qualidade de tomador do seguro, foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil denominado “G……………… condomínio”, com início em 30/09/2006.
Alega que tal contrato se iniciou em 24/09/1996, conforme resulta do documento que apresenta. Acontece que, a junção desse documento não foi admitida, pelo que pareceria que o vício em causa estaria necessariamente votado ao insucesso.
Contudo, o erro de julgamento em causa não vem sustentado exclusivamente no dito documento, já que a recorrente alega ainda que “era manifesto dos elementos carreados para o processo e dos demais factos dados como assentes que a data de início de tal apólice era, como é, anterior a 21 de Setembro de 2006”, o que resulta “da página 32 do documento junto sob doc. 1 com a PI (Condições Gerais da Apólice), do qual foi junto documento particular (vide anotação na parte superior onde se indica que a condição especial 01 Danos por Água está em vigor desde 2000 para as fracções autónomas, sendo que anteriormente só vigorava para as partes comuns)”.
Ou seja, a recorrente pretende que os dizeres manuscritos na página 32 das condições gerais da apólice de seguro provam que o contrato de seguro foi celebrado em data anterior a 21/09/2006.
Sem razão, porém.
Estão em causa meras anotações manuscritas feitas na apólice de seguro, ignorando-se por quem e a que título e sem que tenha sido feita qualquer ressalva, pelo que as mesmas não provam o facto em causa.
Acresce que, nos termos do artigo 426º do Código Comercial (1), o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constituirá a apólice de seguro.
Constitui entendimento pacífico que, no contrato de seguro, a forma não é exigida apenas para prova do negócio, mas sim para que o mesmo se considere existente ou, pelo menos, válido. Sem apólice não há seguro, constituindo a mesma simultaneamente título constitutivo e documento probatório do contrato de seguro. O facto de o contrato de seguro ser um contrato solene, sendo “ad substantiam” a sua redução a escrito, significa que o negócio jurídico não tem existência legal enquanto não estiver lavrada a apólice ou o documento equivalente (cfr. Acórdão do STJ de 27/01/2004, proc. n.º 03A4107).
Deste modo, a prova da data em que foi celebrado o contrato de seguro em causa nos autos não pode ser feita, como pretende a recorrente, através das anotações manuscritas constantes da apólice, tornando-se necessária a junção do próprio contrato (cfr. artigo 364º CC), o que não foi feito.
Concluímos, em face do exposto, pela improcedência do erro de julgamento que a recorrente imputa à sentença recorrida.

2.3. Ampliação do objecto do recurso requerida pelo réu: erro de julgamento de direito no que concerne à “imputabilidade normativa dos danos”
A análise desta questão resulta prejudicada, na medida em que a ampliação do objecto do recurso requerida pelo recorrido foi feita de forma subsidiária.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em (i) ordenar o desentranhamento dos autos do documento junto pela recorrente com as alegações de recurso e (ii) negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Lisboa, 16 de Abril de 2015

_________________________
(Conceição Silvestre)

_________________________
(Cristina dos Santos)

_________________________
(Paulo Pereira Gouveia)
(1) Note-se que o contrato em causa é anterior ao regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009.