Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2269/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
GERÊNCIA EFECTIVA
PROVA
Sumário:I – A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II – A alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO


R…S…, melhor identificado nos autos, deduziu oposição ao processo de execução fiscal nº 3247200501025775 e apenso, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 2, sobre si revertida, em que é originária executada a devedora principal a sociedade X…, Lda.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 26 de maio de 2017 julgou procedente a oposição, absolvendo o Oponente do pedido executivo sobre si revertido e determinando a extinção da execução enquanto incidindo sobre ele.

Não se conformando com a decisão, o Representante da Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«84. In casu, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do consignado no artigo 23º, 24.º e 74.º da LGT; arts. 153º e 160º do CPPT; arts. 342.º, n.º1 e 350.º,n.º 1 ambos do CCivil; art. 11.º do assim como ao teor do vertido nos contratos de fls. 73 e sgs. do PEF junto aos autos (os quais não foram valorados pelo respeitosos tribunal a quo),

85. assim como ao teor da Certidão do Registo Comercial que faz parte integrante do PEF junto aos autos (a qual não foi devidamente valorada pelo respeitoso tribunal a quo),

86. Tudo devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo princípio da legalidade (art. 103.º da nossa mater legis).

87. Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pelo Recorrido, contrariamente ao que foi considerado na douta decisão recorrida, maxime, para que fosse alvitrada pelo respeitoso Tribunal a quo, a qualificação do Oponente como parte legitima na execução em apreço.

88. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que, perante o acervo probatório documental constante dos autos e da matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os demais elementos constantes do processo sub judice,

89. não tem a devida correspondência com a ilação jurídica que deveria ser colhida daquele acervo documental e com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no que concerne à vexata quaestio sindicada.

90. Decidindo como decidiu, o respeitoso Tribunal a quo não apreciou e/ou valorou, como deveria, o teor do acervo documental existente nos autos, mormente, não considerou como deveria o teor dos contratos (mais de 50) existentes nos autos, de fls. 73 e sgs. do PEF junto aos autos sub judice. 91. E, não o tendo feito correctamente, retirou ilações jurídicas daquela acervo documental que conduziu a uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos, mormente das normas legais supra vazadas ao caso concreto.

92. Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e vertido nos itens 16.º ao 74.º das Alegações que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

POR CONSEGUINTE,

93. Por tudo quanto vai dito, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual, poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de que o recurso não deverá merecer provimento.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«As questão colocada, tal como resulta na petição inicial exposta, sumaria-se na de saber da legalidade, no sentido de correspondência aos requisitos legais, da decisão de reversão no que tange a presença de um exercício da gerência como requisito objetivo do direito de reversão, para daí se saber da questão da legitimidade do Opoente para ser executado. E, sob um tal conspecto, é a seguinte a matéria de facto relevante para a decisão da causa que, em face da prova reunida, resultou provada:

1. Os autos principais, com o nº3247200501025775 e apenso o seu nº3247200201003062, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 2, têm como executada principal, devedora originária, a sociedade X…, L.da, então com sede …., em Abrantes e visam, respetivamente, a cobrança coerciva das seguintes dívidas tributárias e respetivos juros de mora:

a) €64.819,24, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 2003, com termo de prazo de pagamento a 5 de janeiro de 2005, incluindo juros compensatórios e de mora aquela esta data [o citado processo principal foi instaurado a 25 de março de 2005]; e

b) dívida de €4.255,25, proveniente de coima, mas com a anotação a lápis (!) de “subsiste a dívida no nº3247200501025775” [este apenso foi instaurado a 11 de fevereiro de 2002].

2. Na sequência de se ter frustrado a efetivação de algum ato executivo, por nenhuns bens encontrar a Administração Tributária à sociedade, nem nenhuns lhe conhecer, foi iniciado em finais de junho de 2008 o procedimento enxerto de reversão, nesse contexto tendo sido dirigido ao Opoente, R… S…, e a outros gerentes, ofícios dessa data, com projetos de reversão, para se pronunciarem sobre a eventual reversão, sobre si, dos autos.

3. Nada tendo dito o Opoente, em 13 de julho de 2010 o Órgão de Execução Fiscal proferiu despacho de reversão da dívida tributária supra-discriminada, depois de ter declarado prescrita a coima exequenda no outro processo e uma outra sob execução um outro processo ainda, com o nº 3247200501112759.

4. Para a reversão fundamentou-se em que o Opoente constava no Registo, em 2003, como gerente da sociedade executada, até pelo menos 15 de outubro de 2004, data em que renunciou a ela, invocando que não provara não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida, cujo prazo de pagamento terminara no período do seu cargo – arts.23º e 24ºnº1 da Lei Geral Tributária, 153º e 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5. Na sequência daquela decisão o Opoente foi citado para os termos da execução a 29 (?) de julho de 2010 em terceira pessoa, apresentando a petição na origem destes autos no dia 14 de setembro seguinte.

6. O Opoente em finais de 2002 prometeu vender a sua quota na sociedade a J… A… e renunciar então à gerência, transmissão essa que deveria ter sido celebrada até final de fevereiro de 2003.

7. Porém, o promitente adquirente, apesar de ter desde inícios de 2003 assumido a condução da vida da sociedade e de nela tomar as decisões do seu comando, por querer efetivamente vir a adquirir a quota social do Opoente, não quis contudo formalmente assumir logo nem essa titularidade, nem essa gerência, enquanto não estivesse resolvida a questão criada por uma dívida à Segurança Social da sociedade, de que entretanto tivera conhecimento.

8. Desde inícios de 2003, pese embora tenha deixado assinados cheques para providenciar pelo pagamento de dívidas correntes da sociedade executada, o Opoente não mais participou na tomada de quaisquer decisões no seu seio, alheando-se da vida societária.

9. Em 15 de março de 2004 o Opoente renunciou formalmente à gerência da sociedade executada, e o citado J… A… assumiu-a, factos estes levados ao Registo a 2 de março de 2007, altura em que igualmente foi registado que o citado J… A… adquirira as quotas sociais, nomeadamente a do Opoente.

10. No âmbito do processo comum coletivo nuipc56/05.0IDSTR, que correu termos no Tribunal Judicial da comarca de Abrantes, por sentença de 30 de junho de 2010, transitada em julgado em 21 de setembro de 2010, foi o Opoente absolvido do crime de que era ali acusado porque, estando em causa factos também imputados à sociedade e à sua gerência nela, situados sempre no ano de 2003, se provou ali que:

«Entre 1999 e o final de 2002 […] exerceu todos os poderes de facto da gerência da sociedade [aqui executada]»

«Em dezembro de 2002 [...] celebrou com J… A…. um acordo escrito denominado “contrato promessa de cessão de quotas”, mediante o qual prometeu vender ao segundo a quota que detinha na sociedade [executada][...], mais acordoando que o segundo passaria a ser o único gerente [desta]»

«A partir de 1 de janeiro de 2003, […] [o Opoente] deixou de exercer poderes de facto de gerência da sociedade […] [executada], como sejam dar ordens aos funcionários, negociar contratos para a empresa, decidir efetuar pagamentos de dívidas etc. – não obstante, a partir daí, ter assinado cheques para pagamento de dívida da mesma, o que fez por imposição de J… A…. e porque o […] [Opoente] continuava a figurar, na Conservatória do Registo Comercial, como gerente da firma, dado que a escritura definitiva [sic] do mencionado acordo […] ainda não se havia realizado.»

11. Essa matéria de facto foi ali julgada provada com base não apenas nas declarações que o Opoente prestou nesse processo, na qualidade de arguído, mas também nos depoimentos das testemunhas que eram o ex-diretor financeiro da sociedade executada, o seu ex-“informático”, a ex-administrativa da sociedade, e o anterior técnico oficial de contas da sociedade, que foram unânimes em asseverar que a partir de início de 2003 fora J… A… quem assumira os destinos da sociedade executada, não mais o Opoente tendo praticado nela atos nesse âmbito.

12. Ainda nesse mesmo sentido depôs naquele processo uma outra testemunha, do âmbito bancário, que atestou que fora o tal J…A… quem negociara empréstimos bancários à sociedade, nos inícios de 2003.

13. Também nesse mesmo sentido depôs ainda uma outra testemunha, funcionária da Administração Tributária, que atestou que fora o tal J… A… quem durante 2003 fizera pagamentos no Serviço de Finanças de Abrantes em nome da sociedade executada, e que a parir de então era o contacto com a sociedade.

14. O mesmo Órgão de Execução Fiscal já acima referido, por despacho de 17 de novembro de 2010 revogou a reversão sobre o Opoente, a que procedera num processo executivo da mesma sociedade, com o nº3247200001038230 e apensos, do Serviço de Finanças de Lisboa 2, o que comunicou a Ilustre Mandatária do Opoente, tendo fundamentado a revogação no facto de se demonstrar, com base na prova produzida no supra-mencionado processo penal, que o Opoente não exercera, de facto, funções na sociedade executada [no período aqui também em causa?].


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Factos não provados

«Não há outros factos provados e, dentre a matéria relevante para a decisão da causa e dos factos alegados, não resultou provado:

1. Que o Opoente, a partir do final de 2002 em diante, tivesse continuado a conduzir ou a participar na condução dos destinos da sociedade executada, ou ajudado a definir ou participado nos seus projetos, nesse âmbito tomando as decisões necessárias à sua condução, desde as contratações com clientes e com fornecedores, à admissão e gestão do pessoal, à manutenção dos equipamentos à organização e controlo do trabalho, dos contactos e celebração de contratos com entidades privadas ou públicas, incluindo a representação da sociedade, à seleção de pagamentos que deveriam ser feitos com preferência sobre outros, quando v. g. os meios financeiros porventura não chegassem para todos os pagamentos, etc., etc.

2. Que o Opoente, pela prática de atos como os referidos no ponto anterior tivesse causado ou contribuído para causar a falta de património que o Órgão de Execução Fiscal verificou nos autos principais.

3. Em que atos do Opoente como os elencados nos ponto 1. desta secção, ou em que factos, fundou o Órgão de Execução Fiscal a sua decisão de reversão da execução sobre ele, dos quais se extraía, nomeadamente, terem causado ou contribuído para causar a falta de património da sociedade executada, com que se deparou nos autos principais.

Não há outros factos, relevantes para a decisão da causa, que hajam resultado não provados.»


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Motivação da decisão de facto

«A convicção do Tribunal sobre os factos provados formou-se a partir da análise da prova documental reunida, no que à execução oposta e seu apenso respeita, no título daquela primeira execução, e nos termos e decisões nelas tomadas, insertos nos documentos que constam do extrato inserto nos autos, por cópia. Daí se extraiu, outrossim, o que contende com a constituição da sociedade e da participação do Opoente nela, com que se mostra igualmente instruída, por certidão dos factos do pacto social levados ao Registo Comercial, maxime os respeitantes a quem em funções na gerência daquela sociedade, no período aqui relevante. Já o que consignado ficou sobre o citado processo penal assentou-se com base na certidão da sentença nele proferida, constante de fls.82-101 e conexo suporte áudio dos depoimentos ali prestados, integrando a certidão, ainda, o mencionado contrato promessa de cessão de quotas, elementos de prova que na sentença foram consignados, na respetiva motivação de facto. Esta prova encontra-se a fls.21-45 dos autos, a revogação da reversão num outro processo executivo encontra-se a fls.122-123 e toda ela serviu de suporte demonstrativo dos factos que nela se contêm, na medida em que não se mostra em si mesma controvertida, e a fidedignidade da documentação permite conferir-lhe o valor probatório que lhe deferem os arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil e, ainda, o art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Já o que consignado ficou sobre o citado processo penal assentou-se com base na certidão da sentença nele proferida, constante de fls.82-101 e conexo suporte áudio dos depoimentos ali prestados, que na citada sentença foram consignados, na respetiva motivação de facto. Por fim, o único depoimento testemunhal recolhido nos presentes autos serviu de suporte probatório sobre o que consignado ficou sobre o exercício da gerência do Opoente no período em causa e razões explicativas de como aconteceu. Pela naturalidade com que foi prestado – não obstante as más relações da testemunha com o Opoente – esse depoimento, pese embora algo impreciso, em cotejo com a demais prova produzida no processo penal, mereceu a convicção da veicular a verdade sobre o que narrou. Assim, o Tribunal respondeu à matéria de facto ora em causa, da forma plasmada supra, ao abrigo das normas invocadas e, bem assim ao abrigo do disposto no art.396º do Código Civil e na sua conjugação com a presunção legal da inexistência do facto [aqui o da gerência] acolhida sob o art.674-Bº do Código de Processo Civil de pretérito, o aqui aplicável, ex vi do disposto no art.2º corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em sua conjugação com o art.6ºnº4 da Lei 41/2013 de 26 de junho.

Já a matéria de facto não provada resultou da absoluta ausência de prova sobre ela, em conjugação com a simétrica distribuição do ónus probatório sobre ela, que nos termos dos arts.74ºnº1 da Lei Geral Tributária, 342ºnº1 do Código Civil, cabe à Fazenda Pública, para mais sob a aludida presunção legal acabada de citar. Com efeito, a propósito destes factos não está em causa, senão, a questão anterior, hoc sensu, da prova dos requisitos positivos do direito de reversão, em cujo exercício se funda, precisamente, a presente oposição. Ora, segundo o art.153ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na sua conjugação com o disposto no art.24ºnº1 da Lei Geral Tributária, resulta que integram o elenco dos requisitos desse direito da Administração Tributária, à cabeça, e para além dos requisitos objetivos da inexistência ou insuficiência de bens do ente coletivo, o exercício das funções de administração ou gerência, ainda que de facto, dessa entidade. É que, se quanto ao requisito último da culpa do administrador ou gerente na insuficiência ou na inadimplência, a lei proceda a uma repartição diferenciada dos ónus probatórios, segundo a relação temporal de concomitância ou superveniência que interceda entre o facto que origina a dívida exequenda e o período do exercício do cargo que autoriza, objetivamente, a reversão, relativamente ao requisito do exercício do cargo o regime é constante, competindo sempre à Administração Tributária demonstrá-lo no período relevante, como primeiro momento do fundado e lídimo exercício do direito de reversão. Ora, quanto a isso, ficou provado o inverso, e como dito, do despacho de reversão apenas consta o teor do Registo. E não serve, a esse propósito, invocar a nomeação, como se sabe sujeita a Registo – como depois a sua cessação –, art.11º do Código do Registo Comercial, porque o que fica abrigado pela presunção de verdade do Registo, arts.350ºnº1 do Código Civil, 7º do Código do Registo Predial, aqui supletivamente aplicável, é o facto em si da nomeação para o cargo, não o seu exercício subsequente, neste sentido cfr., por todos, o Ac.TCA de 10I2006, in Antologia de Acórdãos STA e TCA Ano IX nº2 (Janeiro-Março), pág.332-337. Pelo que em relação ao exercício inexiste uma qualquer presunção legal de que tenha mesmo ocorrido e, por assim ser, este requisito do direito de reversão deve igualmente ser afirmado, como os outros, com base na sua demonstração, por quem exerce o direito de reversão. Pode – e deve – obtemperar-se que o exercício da administração é passível se ser inferido com segurança de outros factos e elementos, que indiretamente o revelem ou dos quais se extraia tal atividade, art.349º e 351º do Código Civil. Sem dúvida. Foi este o contexto legal e metodológico na base da resposta à matéria de facto não provada.»

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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.


Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar que não foi demonstrada a gerência efectiva do Oponente, ora Recorrido.

A Recorrente entende, em síntese, que, uma vez que se provou ser o Recorrido gerente de direito da devedora originária, e não se ter verificado a sua renúncia ao cargo, está demonstrado o exercício efectivo da gerência.

Afirma que o Tribunal a quo não apreciou e/ou valorou, como deveria, o teor do acervo documental existente nos autos, mormente, não considerou, como deveria, o teor dos contratos constantes do PEF.

A sentença recorrida concluiu, depois de enunciar o regime legal aplicável, não ter a Recorrente logrado fazer prova de que o Recorrido exerceu a gerência efectiva da sociedade devedora originária, no período em causa – 2003.

Adiante-se que a sentença não nos merece qualquer reparo, tendo decidido de acordo com o regime legal e a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Pretende a Recorrente que está provada a gerência efectiva pelas seguintes circunstâncias:

i) O Oponente encontra-se inscrito no registo comercial da sociedade devedora originária como gerente, desde a data da sua constituição 12-03-1998, até 15-10-2004, data em que renunciou;

ii) A única forma de obrigar a sociedade devedora originária era com a assinatura do único gerente: R… S…;

iii) A assinatura do Oponente consta em diversos contratos de trabalho ao longo dos anos de 2001 a 2006 (contratos que não foram valorados pelo Tribunal).

Vejamos, então.

Recorde-se que a reversão operada ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT (como a situação dos autos) pressupõe que o gerente de facto tenha exercido, efectivamente, o cargo ao tempo em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento das dívidas tributárias, sendo que nessa hipótese, caberá ao revertido demonstrar e provar que não lhe é imputável a falta de pagamento.

E que não há dúvidas, como tem sido jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores, que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício efectivo da gerência.

Recuperamos, aqui, o que se expendeu a este propósito no Acórdão do STA de 2 de Março de 2011, proferido no âmbito do processo nº 0944/10:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.”

Inexiste, pois, presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício do cargo, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas circunscrita à culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

A Recorrente refere que a circunstância de o Recorrido constar como gerente na conservatória do Registo Comercial é suficiente para dar como provada a gerência de facto.

Não tem razão, como resulta do entendimento vertido no Acórdão supra referido, já que é à AT que cabe efectuar a prova do exercício efectivo da gerência, não sendo bastante o facto de o Recorrido constar como gerente no Registo Comercial.

Nesta senda, conclui-se que o argumento da Recorrente não tem valia para abalar o decidido, pelo que improcede.

Vejamos, agora, o argumento de que a única forma de obrigar a sociedade devedora originária era com a assinatura do único gerente.

Afirma a Recorrente que a vinculação da sociedade devedora originária passava sempre pela assinatura do Oponente.

Refere que existem contratos de trabalho assinados pelo Recorrido.

Por um lado, da matéria de facto assente não consta a forma de obrigar da sociedade, nem qualquer referência aos contratos alegadamente assinados pelo Recorrido. Por outro lado, a Recorrente não põe em causa a factualidade dada como provada, nem pugna pelo aditamento de quaisquer factos ao probatório.

Acresce que para se concluir pelo efectivo exercício da gerência de facto, pelo Recorrido, necessário seria que a AT tivesse demonstrado e provado a concreta assinatura deste em documentação relativa ao giro comercial, no âmbito do exercício do cargo do gerente.

Não desconsideramos que, na matéria de facto assente – ponto 8) –, se afirma que o Oponente deixou cheques assinados para providenciar pelo pagamento de dívidas correntes da sociedade executada. Porém, também se deu como provado que o Oponente, ora Recorrido, desde inícios de 2003, não mais participou na tomada de quaisquer decisões no seio da sociedade executada, alheando-se da vida societária.

Como já deixámos dito, a Recorrente não impugnou a matéria de facto assente, pelo que a argumentação que avança, relativamente à forma de obrigar a sociedade não tem força para abalar o decidido.

Importa ressalvar como consta do probatório – ponto 14 – que o OEF procedeu à revogação do despacho de reversão contra o ora Recorrido, no âmbito de outro PEF e no mesmo período, por se ter concluído não ter sido exercida a gerência de facto pelo Oponente.

Ora, se o próprio OEF admite e afirma o não exercício da gerência pelo Recorrido, no período em causa, muito se estranha que a Recorrente insista no seu contrário.

Improcede, pois, o argumento apresentado, neste âmbito.

Finalmente, invoca a Recorrente a existência de diversos contratos de trabalho assinados pelo Recorrido, o que evidencia o exercício efectivo da gerência.

Como já vimos, não vem posta em causa a factualidade assente, nem vem requerido o aditamento de quaisquer factos ao probatório.

Acresce que em momento algum antes da prolação da sentença a Recorrente mencionou a existência de tais contratos alegadamente assinados pelo Recorrido, sendo que, para além do mais, não constam dos autos.

Improcede, pois, o argumento apresentado, neste âmbito.

Reitera-se, a prova da gerência efectiva passa pela prova de actos concretos de gerência praticados pelo revertido, sendo que, nos autos, nenhuma prova foi feita nesse sentido, pelo que improcede a alegação recursiva.

Concluímos, assim como a sentença, que a Recorrente não logrou provar o exercício efectivo da gerência pelo Recorrido, sendo de negar provimento ao recurso e de manter a sentença recorrida.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 4 de Abril de 2024

(Isabel Vaz Fernandes)

(Hélia Gameiro Silva)

(Catarina Almeida e Sousa)