Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05778/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
- AJUDAS DE CUSTO
- FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:i) A fundamentação do acto tributário ou de acto praticado em matéria tributária que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve, nos seus motivos e nos respectivos pressupostos, ser expressa, clara, suficiente e congruente.
ii) O dever de fundamentação constitui não só um importante sustentáculo da legalidade administrativa e tributária, mas também um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de elemento fundamental de interpretação do acto administrativo/tributário.
Verifica-se falta de fundamentação quando não vem individualizada em relação ao impugnante os motivos concretos justificativos das correcções efectuadas aos rendimentos declarados em sede de IRS, com base na consideração de que as verbas formalmente percebidas a título de ajudas de custo, não o eram efectivamente mas antes integravam a sua remuneração (e como tal enquadráveis na categoria A)
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A Fazenda Pública (Recorrente) não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por ...(Recorrido), contra o acto tributário de liquidação adicional de IRS e dos correspondentes juros, relativo ao ano de 1998, no montante global de EUR 983,08,(1) interpôs o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por ..., nif 180709518, efectuada contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1998.
II. A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que tendo sido o impugnante notificado da liquidação de IRS, relativa ao ano de 1998 a qual foi efectuada na sequência da alteração de valores declarados, por concordância com os fundamentos constantes do relatório da Inspecção Tributária, a Administração Fiscal não fundamentou devidamente o acto.
III. Que em consequência não são devidos os juros compensatórios apurados nos termos do artigo 35.º da LGT e 91.º do CIRS.
IV. A Douta Sentença ora recorrida, vem apoiada no facto de a Administração Fiscal, não ter individualizado o montante das verbas pagas ao Impugnante, aquelas que não reflectiam os valores reais e que não reuniam as características essenciais das ajudas de custo, logo aqui reconhecendo o facto de que não se tratava de verdadeiras ajudas de custo.
V. Destarte, salvo o devido respeito, somos de opinião em que a Douta sentença, procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente no artigo 2° do CIRS.
VI. De acordo com a especificidade do domínio da questão, na situação sub judice, os Serviços de Inspeção tributária, não deixaram de clarificar a natureza das retribuições auferidas pelo Impugnante e ora colocadas em crise, individualizando-as devidamente.
VII. No regime tributário das ajudas de custo, estas de per si, não são consideradas rendimento do trabalho dependente,
VIII. Na verdade, o artigo 2° alínea d) do CIRS, conjugado com o n.º 14º do mesmo artigo, enumera, os pressupostos para pagamento das ajudas de custo e para a sua não tributação, ou seja:

- Os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efetiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal e;

- O pagamento do quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados, para os servidores do Estado.

IX. Os Serviços de Inspecção Tributária no seu relatório verificaram que " no âmbito da análise feita às condições de pagamento de Ajudas de custo, verificou-se que os encargos envolvidos se referem a pagamentos de natureza salarial acessória..." e"( ...) Face, ao exposto, é notório que se está em presença de Despesas de carácter Pessoal quer económica, quer financeiramente, fora do enquadramento dos encargos empresarias fisco dedutíveis .....em virtude de não terem sido realizadas para único e exclusivo interesse da EMPRESA; isto é estas despesas não são indispensáveis à obtenção ou manutenção dos proveitos da empresa...)".
X. Ao contrário do que é aludido da Douta Sentença, e salvo o devido respeito, não estamos em presença de juízos conclusivos para alterar os rendimentos declarados pelo impugnante, sem qualquer referência em concreto", porquanto, a Administração Tributária de forma clara e objectiva, reflectiu no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, que as Importâncias percebidas pelo Impugnante "se referem a pagamentos de natureza salarial acessória", que não estavam tituladas de forma clara na contabilidade da empresa, e que "as despesas subjacentes aos referidos pagamentos não foram realizadas no exclusivo interesse da empresa, ou seja não eram indispensáveis à obtenção ou manutenção dos proveitos da empresa , mas sim e pelo contrário, são jurídica e fiscalmente figurativas como uma retribuição ...).
XI. Os Serviços de Inspecção Tributária recolheram elementos fundados de que tais verbas recebidas pelo impugnante e pagos pela entidade patronal não eram subsumíveis no conceito legal de ajudas de custo, não podendo por isso considerar as mesmas como tais, tendo em conta a prossecução do interesse publico prosseguido pela Administração Tributária, como imperativo Constitucional.
XII. Neste sentido a Jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 03635/09, de 01/06/2010.
XIII. Isto porque, o conteúdo do dever de fundamentação da Administração Fiscal conduz à obrigação da notificação do acto de liquidação do imposto a partir do qual é possível a apreensão do itinerário cognoscitivo e valorativo do órgão "decidente", bem como o conhecimento de todas as razões que motivaram que se decidisse de um modo e não de outro. Cfr. Acórdão do STA proferido no recurso n° 5583 de 24/11/1990.
XIV. Sendo recorrente que, a alegação de que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto administrativo e da circunstancia em que o mesmo foi praticado é hoje praticamente unânime, que a exigência da motivação daquele acto tem que significar que esta não poderá deixar de ser expressa, clara e suficiente.
XV. Analisando o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, dúvidas não restam que ficou demonstrado de forma clara e suficiente, que as importâncias percebidas pelo impugnante, consubstanciam remunerações acessórias, sendo por isso enquadráveis em sede de Categoria A, de harmonia com o artigo 2º n.º 2 do CIRS, isto porque, as referidas importâncias não estavam correctamente tituladas como ajudas de custo, em virtude de não terem sido realizadas para único e exclusivo interesse da Empresa, e por não serem indispensáveis à obtenção ou manutenção dos proveitos da empresa.
XVI. Neste pendor, a Douta Sentença, procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente o artigo 2º n.º 2 do CIRS.
XVII. A manter-se na ordem jurídica, a Douta Sentença ora recorrida revela uma inadequada

Interpretação e aplicação do n.º 2 do art 2º do artigo 2º do CIRS.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência considerar válida a liquidação adicional de IRS do ano de 1998.

Não foram apresentadas contra-alegações.


Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que o recurso deveria improceder.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:


As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quando concluiu pela procedência do vício de falta de fundamentação e, em consequência, anulou a liquidação adicional impugnada.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e que aqui se reproduz ipsis verbis:

1- O impugnante desempenhou funções na empresa "... Cooperativa Profissionais de Imagem CRL.", no ano de 1998 - cfr art 17º da P.I e relatório elaborado pela Inspecção Tributária de fls 68 a 161, do P.A apenso aos autos

2- Na sequência de uma acção de inspecção efectuada à firma indicada em 1, os serviços da Adm Fiscal corrigiram os rendimentos da categoria A declarados pelo impugnante na respectiva Declaração de Rendimentos, no montante de Esc. 686.096$, com base no Relatório elaborado por aqueles serviços, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, do qual consta, designadamente que "… as ajudas de custo… são complementos de remuneração sujeitos a IRS, nomeadamente pelos seguintes factos:

- Mensalmente a sociedade distribuía aos seus trabalhadores ajudas de custo com carácter de regularidade, quase todos os dias incluindo os fins de semana e em valor próximo do vencimento e de valor constante.

- Os beneficiários são sempre as mesmas entidades

- … Os documentos de suporte de diversas despesas contabilizadas… constatamos que foram consideradas ajudas de custo nos mesmos dias de processamento de subsídio de almoço e que a empresa contabiliza em rubrica própria deslocações e estadas que são gastos de alojamento e alimentação fora do local de trabalho, com os empregados. - cfr Relatório efectuado ao impte, de fls 35 a 38 e ponto 4.3.6.1 do Relatório efectuado à sociedade "...", a fls 68 e segs, do P.A. apenso

3- Em 24.05.2001, foi elaborado a nota de liquidação n.º 5320080641, que procedeu à liquidação adicional de imposto ao impugnante com base na alteração do rendimento colectável referido em 2.- cfr D.C. de fls 38 dos autos e "print informático"de fls 32 e Despacho, de 28.12.2000, de fls 34 Nota de Alteração dos elementos declarados, de fls 39, do P.A apenso aos autos.

Quanto à factualidade não provada, consignou-se o seguinte:

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

Foi a seguinte a motivação da decisão da matéria de facto:

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.



Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do CPC (na redacção aplicável), dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, a qual também resulta provada documentalmente e consta do processo administrativo apenso:

4. A Informação dos serviços da Administração Fiscal, por referência ao sujeito passivo ..., ora Recorrido, constante de fls. 37 do proc. adm. apenso, é do seguinte teor:

Em sequência de diligências inspectivas efectuadas nas empresas: ... CRL e ... SA [manuscrito], com o NIPC: (…), e no âmbito da análise feita às condições de pagamento de ajudas de custo, verificou-se que os encargos envolvidos se referem a pagamentos de natureza salarial acessória, titulados de forma ambígua, com o óbvio intuito de criar um favorecimento fiscal e tributário.

Face ao exposto, é notório que se está em presença de despesas de carácter pessoal, quer económica, quer financeiramente, fora do enquadramento dos encargos empresariais fisco-dedutíveis, que se lhes pretende imputar pelos interessados, em virtude de não terem sido realizados para único e exclusivo interesse da Empresa; isto é: estas despesas não são indispensáveis à obtenção ou manutenção dos proveitos da empresa, mas sim e pelo contrário, são jurídica e fiscalmente figurativas como uma retribuição (monetária ou em espécie), p/ prestação dum serviço/tarefa, ou p/exercício duma função; corolariamente, conclui-se que tais rendimentos se enquadram na categoria A/IRS, por força do disposto no art. 2.º, do respectivo código.


II.2. De direito


A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida, com fundamento no vício de falta de fundamentação. Para tanto, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

Quanto à falta de fundamentação do acto tributário, importa considerar que consistindo a mesma na sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que sustentam o acto - cfr n.º 1, do art 77º da LGT, dir -se -à que dos relatórios da I.T a que se refere o ponto 2 do probatório, será de entender, como o fez o Ac. do TCA- Sul, de 06.02.07, proferido no Proc. n.º 01582, em semelhante situação ao destes autos, que não estão devidamente concretizados e quantificadas todas as situações relativas ao impugnante que justificassem as correcções, daí resultando a não explicitação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, não permitindo ao contribuinte apreender os factos com base nos quais se decidiu, nem sendo a mesma suficiente e congruente , não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que não suportam a decisão.

Quanto muito, os factos apurados revelariam a existência de indícios fundados de que valores declarados como forma de compensação pelas despesas incorridas não reflectiam devidamente os respectivos valores reais. Em tal caso impunha-se a verificação concreta e individualizada de tais montantes, não sendo legítima a desconsideração do total desses valores.

Ou seja, o Tribunal a quo considerou que o acto de liquidação padecia do vício de falta de fundamentação, assentando essa conclusão no facto de não terem sido devidamente concretizados e quantificadas as situações relativas ao impugnante, ora Recorrido, que justificassem as correcções efectuadas, daí resultando a não explicitação dos fundamentos de facto e de direito da decisão. Mais considerou o Mmo. Juiz a quo que a motivação do acto não permitiu ao contribuinte apreender os factos com base nos quais se decidiu, que a fundamentação não era suficiente e congruente e que assentava em meros juízos conclusivos ou em factos que não suportam a decisão.

Quanto a isto contrapõe a Recorrente que os Serviços de Inspecção tributária, não deixaram de clarificar a natureza das retribuições em questão e que foram auferidas pelo Impugnante, ora Recorrido, individualizando-as devidamente.

Porém, o que decorre do probatório fixado em 1.ª instância – o qual não é sujeito a impugnação –, bem como da factualidade por nós aditada, é que as razões aduzidas pela Administração Fiscal são de tal forma vagas e indeterminadas que não determinam um acto que se possa considerar como suficientemente fundamentado. Com efeito, os factos tidos em conta na inspecção à entidade patronal do impugnante, ora Recorrido, e nos quais, de certo modo, a Recorrente pretende contrariar o vício apontado ao acto de liquidação (vide conclusões X. e XI. Do recurso), não são de molde a escusar a entidade decidente a fundamentar a sua decisão de apreciar toda a concreta situação do contribuinte, sendo que a fundamentação do acto constitui formalidade exigível e a sua preterição é fundamento de impugnação (em situação semelhante, como citado na sentença recorrida, o ac. deste TCAS de 6.02.2007, proc. n.º 1582/07).

É sabido que, no que concerne à fundamentação, a Constituição no seu artigo 268.º, n.º 3, garante aos administrados o direito à fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos e o artigo 77.º da LGT estende o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários. Esta exigência compreende-se em face das pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, as quais vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 3.ª ed., 2003, p. 382).

Como ensina aquele Autor (idem, pp. 384-385): “Da conjugação dos n.ºs 3 e 4 do art . 268.º da C.R.P., conclui-se que o direito de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos é reconhecido em condições de plena eficácia, o que exige que seja proporcionada aos seus destinatários a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram.

Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (art. 125.º, n.º 2, do CPA).

Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu.

Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros.

A fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão”.

Por outro lado, em anotação ao Código do Procedimento Administrativo, referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e João Pacheco de Amorim, o seguinte:

Num sentido estrito – tirado por confronto entre a alínea d) do n.º 2 do art. 123.º, por um lado, e a sua alínea c) bem como o n.º 1 do mesmo artigo, por outro lado – a fundamentação do acto administrativo abrangeria apenas a indicação dos motivos do conteúdo ou sentido da decisão e não já a determinação das razões respeitantes à determinação dos pressupostos do acto.

Começa por assinalar-se que a distinção é inócua em sede de conteúdo (extensão) e de validade do acto administrativo, por a lei (art. 123.º, n.º 1) exigir que se mencionem obrigatoriamente, nos actos administrativos, não apenas os seus motivos, mas também os respectivos pressupostos, e o n.º 2 do mesmo preceito assacar à falta destes (ou à sua obscuridade, imprecisão ou incompletude) sanção igual à cominada no art. 125.º para a falta ou vícios da motivação do acto. [sublinhado nosso].

Assente isso, podemos então dizer, com Rogério Soares e Vieira de Andrade, que sob o conceito de fundamentação, se encobrem duas exigências de natureza diferente: por um lado, está em causa a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real (ou de facto) ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência; por outro lado, nas decisões discricionárias está em causa a motivação, ou seja, a exposição do processo de escolha da medida adoptada, que permita compreender quais foram os interesses e os factores que o agente considerou nessa opção (cfr. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed. revista e aumentada, 1997, p. 591).

Em síntese, o dever formal de fundamentação cumpre-se “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo (cfr. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, p. 239). “O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão” (cfr. o Ac. do STA de 11.12.2002, proc. n.º 1486/02).

Seguro é igualmente que o dever de fundamentação constitui não só um importante sustentáculo da legalidade administrativa e tributária, mas também um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de elemento fundamental da sua interpretação.

Ora, de regresso ao caso que nos ocupa, tendo presente que as ajudas de custo têm uma natureza compensatória e visam reembolsar o trabalhador das despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, independentemente do carácter de permanência ou regularidade dos reembolsos das despesas, o que importa verificar (demonstrar) é se as verbas percebidas formalmente como ajudas de custo tinham, ou não, natureza compensatória porque se destinavam a reembolsar os trabalhadores – rectius, o trabalhador em concreto – de despesas efectivamente efectuadas. Como se viu, na sentença recorrida afirmou-se, e acertadamente, que a Administração Fiscal não havia concretizado e quantificado todas as situações relativas ao impugnante justificativas das correcções oficiosas efectuadas.

Na verdade, impunha-se à Administração Fiscal a identificação não só do contrato em questão, mas principalmente de elementos que permitissem sustentar que as ajudas de custas percebidas pelo trabalhador não o eram efectivamente e porquê. Aliás, quanto ao ora Recorrido, a Administração Fiscal mais não faz do que expressar a motivação do acto através de texto minutado, de carácter genérico e conclusivo, como resulta manifesto do facto 4. por nós aditado. Desse modo, ganha inteira pertinência a interrogação feita pelo impugnante, ora Recorrido, quando afirma que “ignora o Impugnante qual as razões que terão levado o autor da liquidação (…) a considerar as ajudas de custo como remuneração do trabalho dependente” (cfr. art. 129 da p.i.).

Efectivamente, aquela demonstração, como assinalou a sentença recorrida, ficou por fazer e portanto, não se encontra legitimada a correcção dos rendimentos declarados pelo impugnante e ora Recorrido em sede de IRS, relativamente ao ano de 1998. E necessário é ter presente que de acordo com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que, de resto, reflecte a regra geral do direito civil do artigo 342.º do Código Civil, aquele que invoca um direito, compete-lhe a prova dos respectivos pressupostos; ou seja, competia à Administração Tributária provar que os montantes auferidos a título de ajudas de custo não tinham carácter compensatório.(2)

Não basta afirmar-se que se está “em presença de despesas de carácter pessoal, quer económica, quer financeiramente, fora do enquadramento dos encargos empresariais fisco-dedutíveis”, necessário é que se demonstre, ainda que minimamente, que assim é e relativamente ao trabalhador em causa. O que poderia ser efectuado, e devidamente explicitado, pela análise do clausulado do contrato existente, verbas concretamente auferidas pelo trabalhador e sua justificação. O que, como decorre manifesto do probatório, não sucedeu.

Assim, como vimos de demonstrar, a fundamentação do acto impugnado é manifestamente insuficiente, pelo que viola o disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 125.º do Código do Procedimento Administrativo e 77.º da LGT, devendo este ser anulado, como foi decidido pelo Tribunal a quo.

Razões pelas quais, improcedendo o recurso integralmente, tem que manter-se a sentença recorrida que considerou verificar-se o vício de falta de fundamentação e, consequentemente, anulou a liquidação impugnada.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A fundamentação do acto tributário ou de acto praticado em matéria tributária que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve, nos seus motivos e nos respectivos pressupostos, ser expressa, clara, suficiente e congruente.
ii) O dever de fundamentação constitui não só um importante sustentáculo da legalidade administrativa e tributária, mas também um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de elemento fundamental de interpretação do acto administrativo/tributário.
iii) Verifica-se falta de fundamentação quando não vem individualizada em relação ao impugnante os motivos concretos justificativos das correcções efectuadas aos rendimentos declarados em sede de IRS, com base na consideração de que as verbas formalmente percebidas a título de ajudas de custo, não o eram efectivamente mas antes integravam a sua remuneração (e como tal enquadráveis na categoria A).



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 26 de Junho de 2014






1- Considerando o disposto no art. 280.º, n.º 4, do CPPT, deixa-se anotado que a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em EUR 5.000,00, pelo n.º 1 do art. 24.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, na LOFTJ de 2008 (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), só se aplicando a processos iniciados após a sua entrada em vigor, isto é, em 1.01.2008 (art.s. 11.º e 12.º do Decreto-Lei referido). Ou seja, para os processos iniciados até 31.12.2007, como é o caso do presente, vigora a alçada de EUR 3.740,98, fixada pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, pelo que a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de EUR 935,25 (sendo de EUR 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1.01.2008).

2- E só afastada a presunção de veracidade da declaração fiscal do contribuinte – artigo 75.º da Lei Geral Tributária – é que passará a competir ao contribuinte a prova de que esses montantes lhe foram abonados para o compensar de despesas por ele suportadas ao serviço da entidade patronal e de que, por isso, não constituíam um elemento integrante da respectiva remuneração.