Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:64/07.6BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:05/28/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:COMPETÊNCIA;
RETENÇÃO DO IMPOSTO (IRS);
MATÉRIA TRIBUTÁRIA;
SANEADOR;
CASO JULGADO.
Sumário:I – Nos termos do disposto no artigo 44.º, nº 1, do ETAF, [c]ompete aos tribunais administrativos de círculo conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, não esteja reservada aos tribunais superiores.
II - Os Tribunais Tributários são os materialmente competentes para conhecer se o subsídio de instalação previsto no artigo 96.º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro (diploma que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária), está, ou não, sujeito a tributação em sede de IRS.
III - Limitando-se o tribunal a quo a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A..., A..., D..., M..., L..., A..., N…, D…, A… e J…, instauraram no TAF do Funchal uma acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, formulando o seguinte pedido:

“(…) a condenação do Réu a ordenar o processamento do subsídio de instalação a cada um dos Autores, por inteiro, ou seja, pagando-lhe a parte que lhe foi ilegalmente retida (…). Deverá ainda a condenação do Réu abranger o juro vencido desde a data em que foi ilegalmente retida a importância referida, a título de IRS, até à presente data, acrescido dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento”.

Por sentença de 26.05.2014, o TAF do Funchal julgou a acção procedente e condenou a Entidade Demandada a processar os subsídios de instalação dos Autores, na parte que lhes foi retida a título de IRS, acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data em que ocorreu tal retenção até efetivo e integral pagamento.

Na sequência de reclamação para a conferência ao abrigo do disposto no então art. 27.º do CPTA, o tribunal recorrido proferiu acórdão em 4.07.2014, que manteve integralmente o decidido.

O Ministério da Justiça recorre agora para este TCAS, tendo as suas alegações de recurso culminado com as seguintes conclusões:

A. O Tribunal a quo errou ao ter decidido condenar o Recorrente “(…) a processar os subsídios de instalação dos Autores, na parte que lhes foi retida a título de IRS, acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data em que ocorreu tal retenção até efetivo e integral pagamento.”, por entender que este subsídio tem um cariz compensatório.

B. Porém, ao contrário do que é defendido pelo Tribunal a quo, o subsídio de instalação tem natureza remuneratória.

C. Como, aliás, decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do CIRS.

D. E tal como tem vindo a ser veiculado, desde 2006, pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

E. “(…) constitui retribuição as prestações que, independentemente da sua denominação, têm efetivamente natureza remuneratória, caracterizando-se pela sua regularidade e periodicidade, podendo tratar-se de complementos de retribuição correspetivo da prestação de trabalho. São abrangidas retribuições acessórias, importâncias pagas para atender às circunstâncias especiais da função de determinado funcionário, ou a despesas extraordinárias que o exercício da função lhe acarrete, incluindo subsídios e abonos destinados a indemniza-lo de riscos e despesas especiais a que ficou sujeito.”.

F. Concluindo “(…) pela natureza remuneratória do subsídio de instalação, consequentemente pela sua inclusão nos rendimentos da Categoria A sujeitos a IRS, atendendo a que o subsídio de instalação previsto na al. b) do n.º 3 do art. 96.º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (LOPJ), consubstancia um complemento de retribuição pago para atender às circunstâncias especiais dos funcionários deslocados do continente para a região autónoma (…)”, evidenciado nosso.

G. A tributação do subsídio de instalação é a única forma de assegurar o cumprimento das exigências fiscais vincadas pela lei e pela Autoridade Tributária.

H. O Tribunal a quo ao decidir de forma diversa está a contrariar o estatuído no artigo 2.º do CIRS e a posição sufragada pela Autoridade Tributária, entidade com competência para “Promover a correcta aplicação da legislação e das decisões administrativas relacionadas com as suas atribuições.”.

I. Repete-se, o subsídio de instalação é devido em função da relação laboral existente entre os trabalhadores da PJ e aquela Polícia.

J. A prestação correspondente ao subsídio é devida pela entidade patronal, consubstancia-se numa relação de trabalho e é paga a um trabalhador que, por exigência da sua função, tem direito a uma retribuição, ainda que ocasional.

K. O que se verifica no caso dos presentes autos.

L. Logo, a interpretação que o Recorrente faz da alínea b) do n.º 2 do artigo 96.º é a única que é possível conciliar com o estatuído no artigo 2.º do CIRS e com a posição da AT.

M. De que outra forma cumpriria o Recorrente as obrigações estatuídas no n.º 1 do artigo 99.º do CIRS?

N. Conclui-se, pelo exposto, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo está ferida de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, destacando que:

“(…) parece-nos que o subsídio em causa está efectivamente sujeito a IRS, como defende o Ministério da Justiça, baseado num parecer da Auditora Jurídica que se acompanha.

Quanto ao facto de na alínea b) do nº 3 do art. 96º da LOPJ se referir um subsídio de instalação de montante "líquido" correspondente a 20 dias de ajudas de custo, importa referir que tal redacção vem precisamente indicar o carácter tributável do referido subsídio. É que, a não ser assim, não haveria razão para a lei não equipar o montante do subsídio a 80 dias de ajudas de custo, sem referir se o mesmo seria líquido ou ilíquido, já que tal montante, não estando sujeito a deduções para a CGA, ADSE, etc, se não estivesse sujeito a IRS, não tinha que ser referenciado como líquido ou ilíquido.

Assim, parece-nos que o acórdão recorrido fez errada interpretação do nº 2 do art. 2º do CIRS, ao considerar que o subsídio não está sujeito a retenção na fonte para efeitos de IRS, nos termos do nº do art. 99º do CIRS e, como tal, deveria a entidade recorrida devolver o montante retido com os respectivos juros aos recorridos”.



Por despacho de 12.05.2020 foi oficiosamente suscitada a excepção de incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer do peticionado, por esta caber aos tribunais tributários. Do que foram as partes notificadas.

Os Recorridos vieram pronunciar-se no sentido da improcedência da excepção, mais alegando que o conhecimento dessa excepção estava preterido face ao saneador proferido e que fez caso julgado formal, isto nos termos do art. 88.º, nº 1, al. a), do CPTA.

Juntaram 1 documento, consistente em cópia de uma decisão judicial - acórdão do TCAN de 12.10.2012, no proc. nº 367/07.0BEVIS - em sentido que alegam ser-lhes favorável, o qual se admite.

O Recorrente veio sufragar o entendimento exposto no despacho que suscitou a excepção de incompetência material e requerer a remessa dos autos ao tribunal competente.


Com dispensa de vistos do actual colectivo, vem o processo à conferência para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

Cumpre conhecer da excepção de incompetência material oficiosamente suscitada: incompetência material dos tribunais administrativos para se pronunciarem sobre o peticionado em sede da acção administrativa especial instaurada, por a mesma ser da competência dos tribunais tributários.


II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º, nº 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

A única questão que cumpre conhecer é a da apreciação da suscitada incompetência em razão da matéria.

Vejamos então.

Nos termos do artigo 13.º do CPTA “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.

O artigo 1.º do ETAF define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais à luz do disposto no nº 3 do artigo 212.º da CRP que determina que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. À luz destes normativos o critério de determinação da jurisdição competente é o critério material da relação jurídica subjacente ao litígio.

Para além dos demais tribunais superiores, são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal os Tribunais Administrativos de Círculo e os Tribunais Tributários, os quais podem funcionar agregados, adoptando, nesse caso, a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal, conforme resulta do disposto no artigo 9º do ETAF.

Conforme dispõe o nº 1 do artigo 44º do ETAF é da competência dos Tribunais Administrativos de Circulo conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa (com excepção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores).

E em conformidade com o disposto no artigo 49º do ETAF (na redacção à data aplicável) é da competência dos Tribunais Tributários conhecer, entre o demais:

a) Das ações de impugnação:

i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos;

ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos atos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma;

iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;

iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;

b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;

c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;

d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;

e) Dos seguintes pedidos:

i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas emitidas em matéria fiscal;

ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;

iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;

iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e as normas referidas na subalínea i) desta alínea;

v) De execução das suas decisões;

vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;

f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.

Por outro lado, mesmo independentemente de o Tribunal funcionar de forma agregada, a distribuição dos processos faz-se de acordo com as espécies fixadas pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em concretização do disposto no art. 26.º, n.º 1, alínea a), do CPTA (deliberações n.º 1313/2004, in DR-II de 10.11.2004, n.º 825/2005, in DR-II de 16.06.2005, e n.º 121/2006, in DR-II de 30.01.2006, tendo presente o limite temporal determinado pela data da interposição da presente acção).

Ora, pese embora o alegado na pronúncia dos Recorridos, temos para nós que resulta à evidência que subjacente ao presente pedido se encontra em discussão a violação de legislação tributária, desde logo normas constantes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

Tanto assim é que a pronúncia do Ministério Público não escapa a essa evidência, acabando por concluir que: “o acórdão recorrido fez errada interpretação do nº 2 do art. 2º do CIRS, ao considerar que o subsídio não está sujeito a retenção na fonte para efeitos de IRS, nos termos do nº do art. 99º do CIRS e, como tal, deveria a entidade recorrida devolver o montante retido com os respectivos juros aos recorridos”.

No que concerne ao pedido formulado, é inequívoco que os Autores fundam o mesmo na alegada natureza compensatória, e não remuneratória, do subsídio de instalação em causa, não devendo incidir IRS sobre o mesmo. Daí o pedido de condenação da Demandada e processar o dito subsídio de instalação por inteiro; ou seja, pagando a cada um dos AA. a parte que foi ilegalmente retida de IRS - a quantia referente ao diferencial entre as taxas de retenção na fonte efetuadas e as que deveriam ter sido aplicadas - montante esse acrescido de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Donde, considerando a causa de pedir e os pedidos formulados, terá que concluir-se que no caso está em causa a aplicação de normas jurídico-tributárias (exclusivamente). A questão que se coloca - liquidação de imposto (IRS) sobre o subsídio de instalação - tem por fundamento uma relação jurídica tributária, a qual exige a convocação e aplicação de normas tributárias.

Escreveu-se no acórdão do STA de 17.02.2016, proferido no proc. n.º 1386/15, o seguinte: “constitui questão fiscal aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da actividade tributária da administração”. O critério atributivo de competência material não reside na concreta função exercida pela entidade administrativa em causa, mas sim na configuração da relação jurídica de onde emerge o conflito (idem, os acórdãos do STA de 29.01.2014, proc. n.º 1771/13, e de 17.02.2016, proc. n.º 1386/15).

Veja-se que não está em causa o pagamento do subsídio de instalação (já que este foi pago); em apreciação está uma determinada retenção na fonte. Ora, a liquidação dessa retenção do imposto configura uma questão de natureza fiscal e não administrativa.

Foi isso já decidido neste TCAS, em casos similares, nos acórdãos de 19.04.2018, proc. nº 1306/13.4BESNT, de 10.05.2018, proc. nº 114/13.7BEALM, e, mais recentemente, de 12.03.2020, proc. nº 117/13.1BEPDL. Neste último escreveu-se:

“(…) em situação análoga à presente, o também já decidido neste TCAS no acórdão de 10.05.2018, no proc. nº 114/13.7BEALM (subscrito pelo ora relator na qualidade de 2.º adjunto), o qual seguiu o anterior ac. de 19.04.2018, proc. nº 1306/13.4BESNT. Naquele aresto afirmou-se o seguinte:

(…)

Nos termos do Decreto-Lei n.° 325/2003, de 29 de Dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respectivo Estatuto, o Tribunal Administrativo de Círculo e o Tribunal Tributário de Sintra funcionam de forma agregada com a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, mantendo-se a separação da competência para a apreciação dos litígios em função da matéria em causa de cada um daqueles tribunais.

A tal respeito, deve entender-se por “questão fiscal”, aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos.

Sendo assim “questão fiscal” aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respetivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in, “Direito Fiscal”, 2.a edição, pág. 366).

Ou, por outras palavras, está-se perante “questão fiscal” “quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas” (vide, Acórdão do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. 02750/10.4BEPRT, in www.dgsi.pt/itcan).

O litígio é relativo a uma “questão fiscal”, na tese ampliativa perfilhada pela jurisprudência, segundo a qual questões fiscais são “as que exigem a interpretação e aplicação de quaisquer normas de Direito Fiscal substantivo ou adjetivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública” (cfr. Ac. do Pleno do ST A de 12.11.2009, proc. n.° 0366/09). Ora, a acção envolve directamente a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situam no campo da actividade tributária.

Marcello Caetano, ensinava que “o preço pago pelas prestações fornecidas pelos serviços públicos geridos diretamente por pessoas colectivas de direito público tem a natureza jurídica de taxa e nessa qualidade está sujeito ao regime de cobrança das receitas fiscais” (cfr. Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 1061 - sobre a distinção entre taxa e preço, cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito fiscal, 1974, pág. 53 e ss.; Sousa Franco, Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, Lisboa, 1974, pág. 760, Teixeira Ribeiro, Finanças Públicas, pág. 262).

Ora, a discussão da questão em presença, até pelos fundamentos aduzidos em sede de pretensão e articulado de oposição, passa pela aferição da legalidade e bondade de interpretação e aplicação de normas de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração.[sublinhado nosso]

Sendo pacífico tudo o que vem de ser exposto, também o é que no despacho-saneador o Tribunal a quo considerou o tribunal administrativo materialmente competente para conhecer e decidir a causa.

Não pode todavia manter-se tal decisão, pelos fundamentos já esgrimidos pois tem que concluir-se, por se tratar de questão fiscal, é um litígio a dirimir pelos tribunais tributários”.

Em suma, o que os Autores e ora Recorridos pretendem discutir na presente acção é se relativamente ao montante que auferiram a título de subsídio de instalação é ou não devido IRS. Dito de outro modo, é saber se o subsídio de instalação está sujeito ou não a tributação em sede de IRS. Porém, para conhecer dessa questão não são os Tribunais Administrativos competentes, mas sim os Tribunais Tributários.

Em conclusão, os Tribunais Tributários são os materialmente competentes para conhecer se o subsídio de instalação previsto no artigo 96.º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro (diploma que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária), está, ou não, sujeito a tributação em sede de IRS.

E a circunstância de se estar perante o funcionamento agregado do tribunal, não altera esta conclusão. Como se refere no ac. do TCAN de 28.04.2017, proc. nº 2389/15.8BEPNF: a “denominação resultante do funcionamento em agregação, que decorre da organização e funcionamento dos tribunais administrativos e dos tribunais fiscais — cfr. artigo 3º do Decreto-Lei nº 325/2003, de 29 de Dezembro —, mas que não tem a virtualidade de subverter o disposto no artigo 8º do ETAF, na individualização dos órgãos da jurisdição administrativa e fiscal, sendo eles, o Supremo Tribunal Administrativo, os tribunais centrais administrativos, os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários, com as respectivas competências naquele ETAF vertidas, designadamente, e para o que ora importa, quanto aos tribunais administrativos de círculo, com as competências conferidas pelo artigo 44º e quanto aos tribunais tributários, com as competências conferidas pelo artigo 49º do mesmo ETAF.

Afirmam ainda os Recorridos que a questão da competência está decidida, com força de caso julgado. Mas não é assim.

Como logo se deixou dito no despacho que suscitou a excepção, a incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser suscitada em qualquer fase do processo, desde que não haja decisão que da mesma haja conhecido. E no caso apenas foi proferida, quanto a esta excepção, decisão tabelar.

Ora, como é jurisprudência pacífica, o despacho saneador que se limita a declarar de forma tabelar a competência do tribunal, não apreciando circunstanciadamente a mesma, não forma sobre esta caso julgado. Neste sentido, em caso similar, estando em questão também a mesma excepção, decidiu-se no ac. deste TCAS de 21.03.2019, proc. nº 938/17.6BEALM :

“(…) a discussão da questão em presença, até pelos fundamentos aduzidos em sede de pretensão e articulado de oposição, passa pela aferição da legalidade e bondade de interpretação e aplicação de normas de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração.

Sendo pacífico tudo o que vem de ser exposto, também o é que no despacho-saneador o Tribunal a quo considerou o tribunal administrativo materialmente competente para conhecer e decidir a causa.

Não pode todavia manter-se tal decisão, pelos fundamentos já esgrimidos pois tem que concluir-se, por se tratar de questão fiscal, é um litígio a dirimir pelos tribunais tributários.

Assim, por o litígio respeitar a questão fiscal, emergindo de relação jurídica tributária, deveria o Tribunal a quo ter considerado o tribunal administrativo materialmente incompetente para a apreciar e decidir, declarando competentes para o efeito os tribunais tributários. Não pode, pois, manter-se o decidido.

Importando, porque em tempo, referir que a circunstância de o réu, aqui recorrente, não ter suscitado a questão da incompetência em razão da matéria na sua contestação, não obstava à apreciação de tal questão em sede de despacho-saneador, em face da natureza de ordem pública da questão da competência dos tribunais, que impõe o seu conhecimento oficioso enquanto não houver sentença transitada em julgado sobre o fundo da causa, nos termos do disposto nos artigos 13º do CPTA e 97º nº 1 do CPC novo.

Isto para concluir:

VI- Limitando-se o Mmº Juiz “a quo” a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões.

VII- No âmbito da acção administrativa especial em que nos encontramos, o nº 2 do artº 87º (correspondente ao actual 88º) do CPTA impõe a concentração na fase do despacho saneador da apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do processo, não só proibindo que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou excepções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impedindo que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos elementos. Não obstante, a segunda parte do nº 2 consagra a solução que constava do artigo 510.°, n°3, do CPC (nesse sentido, aponta agora o nº 2 do artº 97º do CPC a contrario), que confere ao despacho saneador a força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.

Também o acórdão deste TCAS de 7.03.2019, proc. nº 193/06.3BEFUN (por nós subscrito na qualidade de 1.º adjunto), alinhou pela ordem de raciocínio.

E, por todos, o acórdão do STA de 17.01.2019, proc. nº 01282/17.4BELRA, onde se esclareceu que: “o facto de ser decisão tabular, e, como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina [entre outros, AC de 23.09.2010, Rº0456/10; ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume III, páginas 199 e 200; ANTUNES VARELA, RLJ, Ano 102, página 287; CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, volume III, página 164] não determinar a formação de caso julgado, apenas significa que se trata de uma «questão» que pode ser reapreciada pelo tribunal superior”.

Donde, na procedência da excepção de incompetência material, a cujo conhecimento nada obsta, caberá, neste caso, a remessa oficiosa do processo para o tribunal competente, que será o tribunal tributário que com o tribunal administrativo recorrido funciona de modo agregado (artigo 14.º, n.º 1 do CPTA: “[q]uando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, o processo é oficiosamente remetido ao tribunal administrativo ou tributário competente”).

Neste particular, ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª Ed. p. 149):

As espécies de incompetência que podem originar a remessa oficiosa do processo, nos termos do n.º 1 deste artigo 14.º, são a incompetência em razão do território (cfr. artigos 16.º e segs.), a incompetência em razão da hierarquia (ver artigos 24.º, 37.º e 44.º do ETAF) e a incompetência em razão da matéria, quando a ação devesse ter sido proposta num tribunal tributário, e não num tribunal administrativo.

Esta última solução resulta hoje da nova redação do n.º 2 deste artigo 14.º que foi introduzida pela revisão de 2015, que implica que só existe absolvição da instância, sem remessa oficiosa do processo para o tribunal competente, quando este não pertença à jurisdição administrativa e fiscal, ou seja, quando nem seja um tribunal administrativo, nem um tribunal tributário”.

Pois que, continuam os mesmos Autores (ob. cit. pp. 150-151):

“(…) após a revisão de 2015, há também lugar à remessa oficiosa do processo, nos termos do n.º 1, quando o objeto da ação verse sobre questão fiscal e a respetiva competência pertença aos tribunais tributários.

Isto, por efeito da nova redação dada ao n.º 2, que passou a estabelecer que só haja lugar a absolvição da instância quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente se o tribunal competente não pertencer à jul'isdição administrativa c fiscal (e não apenas à jurisdição administrativa, como constava da versão originária). O n.º 2 deste artigo estendeu, assim, o regime de envio do proc~sso por inciativa oficiosa do tribunal aos casos de incompetência material que não sejam de incompetência em razão da jurisdição, porque o objeto do litígio respeita a questão fiscal”.

Assim sendo, caberá remeter o processo ao Tribunal Tributário competente, que é o Tribunal Tributário do Funchal, o qual embora tenha sido constituído autonomamente, foi objeto de agregação, nos termos previstos no artigo 9.º, n.º 2, do ETAF, correspondendo-lhe a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal.



III. Conclusões

Sumariando:

I – Nos termos do disposto no artigo 44.º, nº 1, do ETAF, [c]ompete aos tribunais administrativos de círculo conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, não esteja reservada aos tribunais superiores.

II - Os Tribunais Tributários são os materialmente competentes para conhecer se o subsídio de instalação previsto no artigo 96.º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro (diploma que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária), está, ou não, sujeito a tributação em sede de IRS.

III - Limitando-se o tribunal a quo a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em declarar a incompetência material dos Tribunais Administrativos, declarando para o efeito competente o Tribunal Tributário do Funchal, o qual funciona de modo agregado com o Tribunal Administrativo de Círculo do Funchal.

Custas incidentais pelos Recorridos, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal.

Após trânsito, remeta ao TAF do Funchal, a fim de aí ser distribuído em matéria tributária.

Lisboa, 28 de Maio de 2020



Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa