Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2948/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:LUISA SOARES
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA;
ART. 24º, Nº 1, ALÍNEA A) DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I- No regime de responsabilidade subsidiária do art.º 24.º da Lei Geral Tributária, compete à Fazenda Pública o ónus da prova do efectivo exercício da gerência do revertido, contra ela devendo ser valorada a ausência dessa prova.
II- Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto social, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.
III- No caso concreto, a reversão contra a Recorrida foi efectuada com base na alínea a) do nº1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária pelo que, para a efectivação da responsabilidade subsidiária da Recorrida não pode deixar de resultar provada não só a sua actuação efectiva como gerente, mas também, a sua culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, sendo que o ónus da prova cabe à Fazenda Pública.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por A...................., com referência ao processo de execução fiscal nº ...................., instaurado à devedora originária “A……………., Lda.”, referentes a dívidas de IRC de 2007 e respectivos juros no montante total de € 43.771,15, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.
B. Na presente oposição, considerou o douto Tribunal que a Oponente não exerceu a gerência de facto da devedora originária.
C. Todavia, face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a oponente foi efetivamente gerente da devedora originária, no período a que respeitam os impostos em dívida.
D. Inacreditavelmente, não foi tido em consideração na douta sentença os documentos assinados pela ora recorrida, juntos ao relatório final do procedimento inspetivo de que a devedora originária foi alvo e que demonstram o exercício da gerência de facto da Opoente na devedora originária.
E. Perante tal quadro factual não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que a oponente foi nomeada gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto.
F. No caso em apreço, resultou provado que a oponente era gerente da sociedade e que, nessa qualidade, assinava documentos respeitantes àquela, o que representa exercício típico de gerência.
G. Para a oponente assinar documentos da devedora originária é porque tem os respetivos poderes de representação e de vinculação jurídica e cambiária de tal sociedade – o que resulta quer da factualidade dos autos, quer do próprio regime legal bancário e financeiro.
H. Exercício de poderes representativos da sociedade que não poderá ser desacreditado ou diminuído, tal como o foi na sentença em mérito, sob pena de se cair no paradoxo de se conceder na prática de atos de gestão, vinculativos da sociedade, por quem não era gerente de facto.
I. Em suma, não há gerentes parciais, ou gerentes apenas para a prática de determinados atos; ou se é efetivamente gerente e se praticam os atos próprios de quem reveste tal qualidade, tal como o fez a oponente, ou não se é gerente.
J. Por outro lado, e é do senso comum, que qualquer pessoa normal, minimamente informada, não desconhecerá a consequência dos atos por si praticados, no que toca ao preenchimento e assinatura de documentos e os efeitos de tais atos no que concerne ao impacto de tal atuação na esfera societária e ao reconhecimento da gerência de facto.
K. Admitir-se raciocínio contrário é conceder na criação de sociedades em que se nomeia um gerente para a prática de atos de representação da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tais como a prática de assinar documentos, movimentar contas bancárias e assumir compromissos financeiros da sociedade, deixando incólume o responsável subscritor, com fundamento no não exercício das funções de gerência.
L. Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária, devendo ser considerada legitima a reversão contra a recorrida.
M. Deste modo, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convicção da gerência de facto da oponente/recorrida, formada a partir do exame crítico das provas.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”.

A Recorrida contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:

“A) A douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz julgou totalmente procedente a ação intentada e em consequência determinou a extinção do processo de execução fiscal em relação à Oponente;
B) A douta sentença centrou-se em dois pontos o não exercício de gerência de facto por parte da Oponente na sociedade devedora originária e a falta de fundamentação legalmente devida do despacho de reversão.
C) Incumbe à Administração Tributária comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do artigo 24º da LGT)
D) Incumbe à Administração Tributária comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do artigo 24º da LGT)
E) Tendo a reversão sido concretizada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT à Administração Tributária cabe fazer a prova do exercício do facto de gerência da oponente e de que foi culpa sua que o património societário se torna insuficiente para satisfazer as dívidas.
F) Resulta desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto, real e efetiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo ou o que se designa por gerência nominal ou de direito;
G) É sobre a Administração Tributária, enquanto titular do direito de reversão que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega. (Artigos 342º nº 1 do Código Civil e 74º nº1 da LGT)
H) Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito, o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova que recai sobre a Administração Tributária, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz. (artigo 350º do Código Civil)
I) Temos também assente que é à Administração Fiscal enquanto exequente, como titular do direito de executar o património do responsável subsidiário que compete demonstrar os pressupostos da reversão, designadamente o efetivo exercício de facto da gerência.
J) A Administração Fiscal não logrou provar factos de vida real da empresa que permitam concluir que aquela pessoa controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente.
K) Não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício o dessa função ou que faça inverter o ónus da prova que recai sobre a Administração Tributária.
L) Acontece que contrário ao alegado pela Recorrente dos factos provados não resultou que a Recorrida exerce as funções de gerente de facto, muito pelo contrário, e mais em momento algum o órgão de execução fiscal não enunciou nenhum facto, ocorrência da vida real demonstrativo de que a Recorrida tivesse uma ação decisiva no desenvolvimento da atividade da sociedade devedora originária.
M) Certo é que tendo sempre presente a dúvida a respeito da efetividade da gerência a Opoente não aproveita à Fazenda Pública, que é a parte onerada com a prova desse facto, outra solução não resta ao presente Tribunal se não declarar que a Opoente não exerceu a gerência de facto da devedora originária, dando-se consequentemente como não verificado um dos pressupostos obrigatórios para a que a Opoente fosse revertida para a execução fiscal.
N) Concluiu o douto Tribunal Recorrido e bem que não se mostrando provado o pressuposto da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT verificou-se a ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ela revertida nos termos do artigo 204 nº 1 al. b) do CPPT.
O) Nessa medida, reconheceu ainda o douto Tribunal recorrido que seria desnecessário conhecer dos restantes pressupostos da reversão e das demais alegações formuladas pela Opoente fase à ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ela revertida.
P) No entanto, sempre se dirá que mesmo que o douto Tribunal recorrido não tivesse reconhecido e bem a ilegitimidade da Opoente sempre se diria que teria de ter em conta a falta de fundamentação do despacho de reversão por não se verificarem reunidos os pressupostos que se reportam o artigo 24º nº 1 da Lei Geral Tributária, já que também não foram ali referidos os factos em que se imputa a atuação culposa.
Q) Desde logo, não se encontra preenchida a culpa do responsável subsidiário no despacho de reversão.
R) Nem ficou demonstrada em audiência de julgamento a culpa do responsável subsidiário.
S) Ora, atento o despacho de reversão verifica-se que a reversão foi efetuada ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 24º da LGT, como já havia sido referido.
T) Ora nos termos desta disposição legal, para que o gerente possa ser responsável subsidiariamente pela dívida exequenda, torna-se necessário que, em qualquer dos casos aí previstos, tenha sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento e a prova da culpa da insuficiência do património da sociedade recai sobre a administração tributária.
U) A Administração Tributária não fez qualquer prova sobre a culpa da ora oponente na insuficiência do património da sociedade devedora originária, pelo que se deverá concluir que o despacho de reversão carece de fundamentação.
V) Pelo que deverá se concluir que não se mostram preenchidos todos os requisitos para a reversão da execução, daí que tem de concluir-se que o aqui oponente também seria parte ilegítima na execução fiscal por inobservância de factos que demonstrem a culpa do oponente pela insuficiência do património.
W) As dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa também aqui recai sobre a Fazenda Pública.
X) Uma vez cessada a devedora originária por dissolução, se a administração tributária não demonstra que o revertido exercia as funções de gerência na data em que terminou o prazo de pagamento ou entrega de algumas dessas dívidas e que foi por culpa sua a insuficiência do património da devedora originária, tendo a dissolução da sociedade executada sido decretada antes dessa data, será aplicável o regime probatório previsto na alínea a) do nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária.
Y) De salientar que a liquidação adicional de IVA do período de 2007, objeto dos presentes autos que tem por base relatório de inspeção que anula faturas de aquisição de bens e serviços por parte da empresa que já se encontrava cessada, mais precisamente dissolvida na data em que é notificada da liquidação adicional de IVA os seus gerentes de direito.
Z) Na previsão da al. a), do artº.24, nº.1, da Lei Geral Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.
TERMOS EM QUE, deve o recurso improceder, por não provado, mantendo-se a douta decisão judicial.”.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.
Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e violação das normas legais ao considerar a Oponente como parte ilegítima da execução fiscal, por se ter entendido que a administração tributária não logrou provar, como lhe competia, que a Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções no período de tempo que releva nos autos.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em 24.10.2006, foi registada na Conservatória do Registo Comercial, a sociedade “A…………………., Lda.”, tendo por objeto social a recolha, triagem, valorização e comercialização de resíduos metálicos e não metálicos. Prestação de serviços inerentes. Recolha, triagem, valorização e comercialização de resíduos industriais banais. Prestação de serviços inerentes. Transporte rodoviário de mercadorias, recolha e logística de todo o tipo de resíduos. Prestação de serviços inerentes ao transporte. Representação, comercialização e aluguer de máquinas e equipamentos – cfr. certidão permanente a fls. 29 a 31 do PEF apenso aos autos;

2. Resulta do registo de conservatória do Registo Comercial da sociedade identificada em 1), para além de outros averbamentos, os seguintes, com interesse para a decisão da causa: “Sócios e Quotas: Quota: 30.000,00 Euros Titular: A.................... (…). Quota: 20.000,00 Euros Titular: A.................... (…). Forma de obrigação/Órgãos sociais: Forma de obrigar: é necessária a intervenção de qualquer um dos sócios gerentes.
Órgão(s) Designados: A.................... … A....................
Data da deliberação: 20061019 (…)” - cfr. certidão permanente a fls. 29 a 31 do PEF apenso aos autos;

3. Em 30.12.2011, no Serviço de Finanças de Lourinhã, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...................., contra a sociedade referida em 1), com base na certidão de dívida n.º .................., para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2007 e respetivos juros no montante total de € 43.771,15 – cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso aos autos;

4. Em 13.08.2012, foi lavrado Auto de Diligências, pelo órgão de execução fiscal, constando do mesmo, designadamente, o seguinte: “Por diligências efetuadas com recurso aos Sistemas Informáticos da AT onde constam os bens ou rendimentos penhoráveis dos devedores (cadastro predial, declaração anual, declaração mod. 10, declarações modelo 13, 14, 15, 32, 33, 34 e 36), verifiquei que nos sistemas informáticos consultados não constam quaisquer bens averbados em nome da executada abaixo identificada. De acordo com o “print” da Certidão Permanente de fls. 26 a 28, a firma A………… Lda., em 2010/07/23, foi dissolvida com encerramento da liquidação e a matrícula cancelada pelo sócio gerente A...................., com o NIF ................ Foram sócios gerentes da firma acima indicada, A...................., com o NIF ..............., e A...................., com o NIF ................ Assim, afigura-se estarem reunidos os pressupostos para que seja efetuada a reversão contra os responsáveis subsidiários acima identificados.” – cfr. fls. 36 do PEF apenso aos autos;

5. Em 13.08.2012 foi lavrada Informação para a reversão, com o seguinte teor: “…Os presentes autos dizem respeito a dívidas em nome da executada de IRC do ano de 2007 – liquidações adicionais, no montante de € 43.771,15, resultante de uma ação de inspeção externa no ano de 2010, aos exercícios de 2007 e 2008, após terem sido detetadas divergências entre os valores declarados pela executada e o fornecedor… divergências identificadas no relatório de inspeção para os exercícios de 2007 e 2008 – Ordem de Serviço n.º OI200907182/83. De acordo com o relatório de inspeção para os exercícios de 2007 e 2008 – Ordem de Serviço nº OI200907182/83, foram notificados o sócio e representante da cessação da firma A..............., Lda., o Sr. A.................... e a sócia A...................., nos seus domicílios fiscais, por cartas registadas e não exerceram o direito de audição, pelo que se procederam às correções em sede de IRC e IVA dos exercícios de 2007 e 2008, tendo sido elaborados os respectivos documentos de correção – DC, constantes do relatório de inspeção de inspeção acima identificado. A firma foi notificada da liquidação adicional de IRC de 2007, em 2011/10/20 (…) Importa pois identificar, de forma clara os responsáveis subsidiários (…) A declaração de início de atividade da executada foi entregue no serviço de finanças de Alenquer em 2006/11/10, constando como sócios A.................... (…) e A...................., (…) assumindo ambos a gerência da sociedade; Os sócios A.................... e A.................... exerceram as funções de gerente de facto e de direito de acordo com os documentos constantes do Anexo I do relatório da inspeção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), nomeadamente o contrato de Constituição de Sociedade, as Notas de Lançamento da C............... de Torres Vedras e os Talões de Entrega de depósitos no C...............; De acordo com o relatório da inspeção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), o sócio A...................., declarou que nos anos de 2007 e 2008, efetivamente “Foi o sócio gerente da sociedade A..............., Lda., sendo também sócia gerente a Sra. A....................”… A sociedade em causa não tem bens penhoráveis, tendo sido registada a sua dissolução e encerramento da liquidação, de acordo com o Auto de Diligências que antecede, pelo que, se verifica uma situação de fundada insuficiência do património da devedora originária para satisfazer a dívida dos presentes autos… Assim, em face do exposto, sou de parecer que deve a execução ser revertida para os responsáveis subsidiários supra indicados nos termos da al a) do nº 1 do artº 24 da LGT, pelo que, devem ser notificados nos termos do artº 60º da LGT, para exercerem o direito de audição…” – cfr. fls. 37 a 41 do PEF apenso aos autos;

6. Em 13.08.2012, foi proferido despacho, determinando a notificação da Oponente para exercer o direito de audição prévia, constando no campo “Projeto de Reversão” o seguinte: “ Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa coletiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24/nº1/a) LGT]. Informação de fls. 34 a 38 (…)” – cfr. fls. 44 do PEF apenso;

7. Do ofício enviado à Oponente, para efeitos de exercício do direito de audição prévia, constava, designadamente, o seguinte “(…) Projeto de reversão - Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (artigo 23.º, n.º2 da LGT). Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa coletiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24/nº1/a) LGT. Anexo por cópia conclusão/informação para reversão, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (…)” -cfr. fls. 46 do PEF apenso;

8. A Oponente exerceu o seu direito de audição prévia – cfr. fls. 57 e 58 do PEF apenso aos autos;

9. Em 19.09.2012 foi proferido despacho de reversão, contra a ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiária, relativamente às dívidas em execução referidas no processo mencionado em 3), constando do mesmo, designadamente, o seguinte:
“ Em face da informação que antecede, e estando concretizada a audição dos responsáveis subsidiários, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A...................., com o NIF C............... e A...................., com o NIF ..............., nos termos da alínea a) do n.1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), e proceda-se à citação dos referidos responsáveis subsidiários por reversão, nos termos do artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).- cfr. fls. 67 do PEF apenso aos autos;

10. Em 19.09.2012, foi emitido o ofício “Citação (Reversão)”, dirigido à Oponente, comunicando a reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiária, do processo de execução fiscal, mencionado em 3), constando do mesmo o seguinte:
“ OBJETO E FUNÇÃO DO MANDADO DE CITAÇÂO Pelo presente fica citado(a) de que é executado por reversão nos termos do Art.º 160.º do C.P.P.T. na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 43,771,15 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do n.º5 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido, não lhe serão exigidos juros de mora nem custas. (…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÂO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (artº 23º/nº 2 da LGT). Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº1/a LGT). Anexo por cópia conclusão/informação para reversão de fls. 34 a 38 e conclusão/informação do despacho de fls. 64 e 65, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais…” – cfr. fls. 69 do PEF apenso aos autos;

11. A citação referida no ponto que antecede foi remetida à Oponente via postal, com aviso de receção, tendo o respetivo aviso sido assinado em 24.09.2012 – cfr. fls. 73 do PEF apenso aos autos;

12. Do relatório inspetivo, elaborado na sequência do procedimento inspetivo à sociedade devedora originária, referida em 1), foram considerados, para comprovar a gerência de direito e de facto dessa sociedade a certidão permanente da sociedade devedora originária, o seu respetivo contrato de sociedade, uma ordem de transferência bancária, um comprovativo de depósito bancário, um comprovativo de transferência bancária e dois outros comprovativos de movimento de conta – cfr. fls. 6, 12 e Anexo 1 do Relatório de Inspeção Tributária, junto aos autos;

13. Em 25.10.2012, a petição de oposição, que deu origem aos presentes autos, foi apresentada no Serviço de Finanças de Lourinhã - cfr. fls. 6 dos autos.

14. Correu termos no Departamento de Investigação e Ação Penal o inquérito nº 1474/10.7IDLSB, instaurado na sequência do Relatório de Inspeção, com vista a averiguar da existência de fraude fiscal e, onde foi proferido despacho de arquivamento, nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 277º do Código de Processo Penal (CPP) – cfr. fls. 16 e 17 dos autos;

15. Era o Sr. ............... quem tomava decisões, dava ordens e fazia pagamentos na sociedade devedora originária, referida em 1) – prova testemunhal;

16. A ora Oponente só assinava cheques, depois de autorizada pelo pai – prova testemunhal;

17. A ora Oponente era tratada, pelo pai, como uma empregada da sociedade devedora originária, executando, na mesma, tarefas administrativas – prova testemunhal.
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
*
A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e das informações oficiais constantes do processo de execução fiscal apenso, conforme indicado em cada um dos pontos supra.
Quanto aos pontos 15), 16) e 17) os mesmos foram considerados provados com base nos testemunhos de A.................... e ................
A...................., gerente da sociedade devedora originária e pai da ora Oponente, esclareceu o tribunal quanto ao funcionamento da sociedade devedora originária, referindo que era ele quem dava ordens aos trabalhadores, tomava decisões e contratava e despedia o “pessoal”. A sua filha C............, ora Oponente, era empregada da firma e assinava cheques quando era necessário, com a sua autorização. O seu depoimento foi objetivo e claro.
Por sua vez, ..............., motorista, afirmou ter prestado serviços para a sociedade devedora e conhecer o Sr. M……….. e a filha. Referiu que quem tomava as decisões era o Sr. M……… e que a filha obedecia às ordens, tal como qualquer outro empregado da sociedade e que era também o Sr. M…… quem efetuava os pagamentos. Aduziu ainda que apenas falava com a Oponente para tratar de papéis, como empregada de escritório.
Depôs de forma espontânea e com objetividade, logrando convencer o tribunal.”.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pela Oponente, ora Recorrida, foi deduzida oposição ao processo de execução fiscal nº ...................., instaurado à devedora originária “A….. C............ – ............, Lda.”, referente a dívidas de IRC de 2007 e respectivos juros no montante total de € 43.771,15, tendo invocado para o efeito a sua ilegitimidade nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição à execução por considerar provada a ilegitimidade da Oponente dado ter entendido que a administração tributária não logrou provar, como lhe competia, que a Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente as funções de gerente no período temporal que releva nos autos.
Contra o assim decidido veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso, invocando, no essencial, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida; que face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a oponente foi efetivamente gerente da devedora originária, no período a que respeitam os impostos em divida; e que não foi tido em consideração os documentos assinados pela ora recorrida, juntos ao relatório final do procedimento inspetivo de que a devedora originária foi alvo e que demonstram o exercício da gerência de facto da Opoente na devedora originária (cfr. Conclusões A a D).

Vejamos então.

Estando em causa dívidas tributárias de IRC do ano de 2007, o regime aplicável de responsabilidade subsidiária dos gerentes é o decorrente do art.° 24.° da Lei Geral Tributária.

Na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, estabelece o n.° l do art.°24.° da LGT:

Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Assim, do regime constante do art. 24.º, n.º 1 da LGT resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito.
A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”
É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime previsto no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função de gerente, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência.
Como também se referiu no já citado Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10 : “Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
(…)
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/02/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.”.
Desde logo se salienta que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e acima mencionada, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida.

Destaca-se ainda que o transcrito artigo 24.º da LGT distingue duas situações:

- a primeira correspondente à alínea a), e refere-se à “responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do fato tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torna-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores” – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 24/11/16, processo nº 9780/16;

- a segunda, tal como consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à divida tributária. No artigo 24.º, n.º1, al. b), da LGT já se presume que a falta de pagamento da obrigação é imputável ao gestor.

Ora, no caso em apreço a reversão da execução contra a ora Recorrida efectuou-se com base na alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT.

Nesta conformidade, para a efectivação da responsabilidade subsidiária da revertida não pode deixar de resultar provada não só a sua actuação efectiva como gerente mas também, a sua culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, sendo que o ónus da prova cabe à Fazenda Pública.

Vejamos agora a apreciação feita pelo Tribunal a quo face à prova produzida nos autos.

A decisão recorrida assenta na seguinte argumentação:

“No processo de execução fiscal, em causa nos presentes autos, está a ser exigido, à Oponente, o pagamento de dívidas de IRC do exercício de 2007.

Como se alcança do probatório, a reversão operada pela Administração Tributária, alicerçou-se no regime dos artigos 23.º e 24.º, alínea a) da LGT (cfr., supra, ponto 10).

Tendo em conta estas considerações, importa aferir se, no caso em concreto, logrou a AT provar o exercício efetivo das funções de gerência da sociedade devedora originária, pela Oponente, no período a que respeitam as dívidas em causa.

Resulta do probatório que a ora Oponente foi designada gerente da sociedade devedora originária em 24.10.2006, não tendo renunciado ao exercício da gerência.

Todavia, dos factos provados nos presentes autos, designadamente nos pontos 5, 6, 7, 9 e 10, conclui-se que, em momento algum, o órgão de execução fiscal alegou, substanciou ou enunciou um único facto (ocorrência da vida societária) que consubstanciasse o exercício de facto de funções de gerência, da sociedade devedora originária, pela Oponente, sustentando, antes, a afirmação da existência de uma presunção legal de gerência de facto, uma vez conhecida a gerência de direito, que, como já vimos, não tem enquadramento legal.

De facto, são manifestamente insuficientes e conclusivos, os indícios recolhidos, designadamente, em sede de ação inspetiva, traduzindo-se, apenas, no que se refere à Oponente, na prática de dois atos materiais, depósitos e transferências bancárias, que consubstanciam, antes, operações administrativas (cfr. supra, ponto 17).

Não permite, de igual modo, e ao contrário do que é invocado pela AT, concluir que a Oponente exercia de facto a gerência da sociedade, o facto de a mesma, segundo o pai, ter sido designada gerente, para um dia dar continuidade à sua atividade.

Na verdade, resulta do probatório que, quem tomava decisões e dirigia os destinos da sociedade era o pai da Oponente, (…), limitando-se a Oponente a cumprir as suas ordens e a executar trabalhos administrativos na sociedade devedora originária (cfr. supra, pontos 15,16 e 17).

Pelo exposto e resultando provado nos autos não ter a Oponente exercido, de facto, funções de gerência na sociedade devedora originária, cumpre concluir que, a mesma é parte ilegítima na execução fiscal, o que determina a procedência da oposição com este fundamento, sentido em se julgará a final.”.

Na verdade não se vislumbra qualquer erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo interpretado correctamente os pressupostos da reversão face à realidade fáctica dos autos e efectuado um exame crítico da prova que permitiu concluir pela falta de prova da gerência de facto por parte da Oponente.

No caso concreto, resulta incontroverso que, como o Tribunal a quo evidenciou, a administração tributária não demonstrou o que lhe competia, isto é, que a revertida era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, e ainda que a revertida teve culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência e da culpa da Oponente.

Na verdade, e tal como já referimos anteriormente, desde logo em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas indicadas no artigo 24º, nº1 da LGT a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, reitera-se que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente a jurisprudência vem afirmando, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

Ora, como a sentença evidenciou, da factualidade apurada resulta incontroversa a gerência de direito da devedora originária, mas da mera titularidade da qualidade de gerente não se presume a gerência de facto, para efeitos de responsabilidade subsidiária.

Da factualidade assente resulta o seguinte:

“12. Do relatório inspetivo, elaborado na sequência do procedimento inspetivo à sociedade devedora originária, referida em 1), foram considerados, para comprovar a gerência de direito e de facto dessa sociedade a certidão permanente da sociedade devedora originária, o seu respetivo contrato de sociedade, uma ordem de transferência bancária, um comprovativo de depósito bancário, um comprovativo de transferência bancária e dois outros comprovativos de movimento de conta – cfr. fls. 6, 12 e Anexo 1 do Relatório de Inspeção Tributária, junto aos autos;”.

Sobre este acervo documental, em concreto sobre a sua relevância para efeitos de aferir do exercício efectivo da gerência por parte da Oponente, pronunciou-se o Tribunal a quo evidenciando que “os mesmos se quedam por documentos, em número reduzidíssimo, certificativos de transferências e depósitos bancários, sendo que o nome da Opoente só surge em 2 desses documentos. Factualidade que só por si, atenta a residual expressão que apresenta segundo aquilo que nos termos da experiência comum seria a normal actividade da devedora originária e de os actos em si considerados consubstanciarem apenas um acto material (o acto de depositar o dinheiro no banco) não demonstram a prática de actos definidores da actividade da sociedade devedora originária, a partir dos quais se possa concluir pelo exercício da gerência de facto da devedora originária pela Opoente, mostram-se de todo imprestáveis tais documentos a sustentar a conclusão de que a Opoente exerceu a gerência de facto da devedora originária”.

É contra esta apreciação crítica da prova que a Recorrente se insurge, nos termos já expostos, defendendo que os documentos juntos ao RIT “demonstram o exercício da gerência de facto da Oponente na devedora originária”.

Apreciando cada um dos documentos em causa, juntos como anexo I ao relatório de inspecção, cumpre-nos afirmar o seguinte:

- o primeiro documento corresponde à cópia da certidão de teor de matrícula e todas as inscrições em vigor, da Conservatória do Registo Comercial de Lourinhã, relativa à devedora originária;

- o segundo documento corresponde à cópia do contrato de constituição de sociedade A….. & C............ – ............, Lda.

Destes elementos apenas se pode retirar, com respeito à ora Recorrida, a condição de sócia e de gerente nominal da devedora originária, o que, nos presentes autos, não é controverso.

Prosseguindo:

- o documento correspondente à nota de lançamento da C..............., datada de 18/06/2007 respeita a uma transferência efectuada por ordem de A...................., daí não constando qualquer menção à Oponente, ora Recorrida;

- na mesma situação se encontra o documento emitido pelo C........... – Caixa de Torres Vedras, datado de 17/09/2007, referente ao pagamento da taxa social única, já que de tal nota de lançamento não consta qualquer menção à Oponente, ora Recorrida;

- o mesmo vale para o documento, nota de lançamento emitida pela C........... de Torres Vedras, datado de 31/10/2008, respeitante a juros pela utilização de conta corrente caucionada, do qual não consta qualquer menção à ora Recorrida;

Ora, como é evidente, destes elementos não se pode retirar qualquer facto referente ao efectivo exercício da gerência da sociedade devedora originária por parte da Recorrida;

Por último, importa considerar os seguintes dois documentos:

- o talão de depósito em numerário, de 25/06/2007, do banco C..............., o qual se mostra assinado por A..........., a ora Recorrida; em idênticas circunstâncias, o documento correspondente a um talão de entrega datado de 10/10/2008, do banco M.........., o qual se mostra assinado pela mesma A...........;

Ora, apesar de, em dois documentos, constar a assinatura da Oponente, a verdade é que tal circunstancialismo, por si só, nada revela sobre o real e efectivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente, pois que, se trata de actuações que podem ser efectuadas por qualquer funcionário ou terceiro encarregado pela sociedade para tal.

Desta forma, atendendo à natureza dos dois referidos actos em que se revelou a intervenção da Recorrida, deve concluir-se, tal como o Tribunal a quo menciona na sentença recorrida, que o apontado circunstancialismo é notoriamente insuficiente para permitir a conclusão de que a Oponente exerceu a gerência de facto da devedora originária no período de tempo que aqui importa considerar, atento o artigo 24º, nº1, alínea a) da LGT.

Acresce ainda salientar que da prova testemunhal resultou que A...................., gerente da sociedade devedora originária e pai da ora Recorrida, esclareceu o tribunal quanto ao funcionamento da sociedade devedora originária, referindo que era ele quem dava ordens aos trabalhadores, tomava decisões e contratava e despedia o “pessoal”. A sua filha, ora Oponente, era empregada da firma e assinava cheques quando era necessário, com a sua autorização. Factos corroborados pelo depoimento da 2ª testemunha que referiu que quem tomava as decisões era o Sr. M.......... e que a filha obedecia às ordens, tal como qualquer outro empregado da sociedade e que era também o Sr. M.......... quem efetuava os pagamentos.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, R.......... - F.........., Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

Tendo presente o circunstancialismo fáctico que subjaz à oposição/recurso em análise, constata-se que ficou por demonstrar que a ora Recorrida praticou actos de gerência, sendo que, tal como foi afirmado supra, era sobre a Fazenda Pública que recaía o ónus de provar o exercício dessa gerência.

Ora, em face do referido, e conforme resulta expresso da factualidade assente, é manifesto que a Fazenda Pública não alegou, nem provou factos, que indiciem, de forma segura e inequívoca, o exercício da gerência de facto.

Acresce que da documentação carreada para os autos, concretamente, dos elementos constantes no processo de execução fiscal apenso, não resulta qualquer documento que permita extrair a conclusão de que a Oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade à data da prática dos factos tributários e do seu vencimento, e da prova testemunhal também não resultou provado qualquer facto que permita considerar que a Recorrida praticava actos de gerência.

Não se provando o exercício efectivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende concretizar através da reversão, é evidente que a sentença recorrida que, nos termos vistos, julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT, mostra-se correcta.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerações, para concluir que não se vislumbra qualquer erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e corretamente os pressupostos da reversão à realidade fáctica dos autos e efetuado um correto exame crítico da prova produzida, permitindo-nos concluir pela falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte da Oponente no período a que se reportam as dívidas exequendas revertidas enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra o responsável subsidiário.

*
V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 7 de Maio de 2020

Luisa Soares

Mário Rebelo


Patrícia Manuel Pires