Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:389/07.0BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:07/02/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:REVOGAÇÃO;
ATO DE ABERTURA DO CONCURSO;
EXPETATIVAS JURIDICAMENTE TUTELADAS;
DIREITOS SUBJETIVOS;
LIMITES.
Sumário: i) É ponto assente que a prossecução do interesse público é o objetivo constitucional da função administrativa, e constitui, por isso, o seu momento teleológico, de tal forma que a vontade da administração deve expressar o interesse público em cada caso concreto;
ii) Ao estabelecer a regra da irrevogabilidade – n.º 1, alínea b), do art. 140.º CPA1991 -, dos atos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, com fundamento em inconveniência para o interesse público - salvas as exceções do n.° 2 -, o legislador já realizou a ponderação entre o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da proteção da confiança;
iii) No caso em apreço, à data em que foi praticado o ato impugnado, que revogou o ato de abertura do concurso, já tinham sido praticadas todas as operações de seleção, classificação e graduação dos candidatos, na sequência das quais o Recorrente adquiriu o direito de ser nomeado na vaga posta a concurso.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério Público, ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que negou provimento à ação administrativa especial por si deduzida contra o Município de Ourique, ora Recorrido, visando a impugnação de ato administrativo proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Ourique, de 31.10.2006, que revogou o ato de abertura do Concurso Público Externo de Ingresso para admissão de estagiário com vista ao provimento de um lugar de Técnico Superior de 2ª Classe, na área de Relações Públicas e Publicidade.

Nas alegações de recurso que apresentou (fls. 297 e ss. do SITAF), culminou com as seguintes conclusões:

«(…)

1 — Embora se possam suscitar dúvidas sobre a inexistência de questão prévia obstativa do conhecimento de mérito, bem como sobre a correção e suficiência da matéria de facto provada, o recurso restringe-se à impugnação do julgamento de direito e apenas no segmento em que se decidiu não padecer o despacho revogatório impugnado do vício de violação de lei (aceitando-se o julgado quanto à arguida falta de fundamentação do ato).

2 — A única questão a decidir no recurso consiste em determinar se padece ou não de invalidade o ato de revogação de um concurso externo de ingresso para preenchimento de uma vaga de técnico superior, expressa e exclusivamente baseado em razões de oportunidade e conveniência, depois de o procedimento haver sido tramitado durante cerca de dois anos e existir um candidato admitido, classificado, ordenado em 1.° lugar e que realizou estágio probatório durante um ano, com aproveitamento de Bom, cumprindo todas as obrigações que assumira em contrato administrativo de provimento, só não sendo aprovado e nomeado por abstenção exclusivamente imputável ao ente administrativo.

3 — A sentença recorrida considerou válido o ato revogatório, limitando-se a invocar a prevalência do dever de boa administração e de prossecução do interesse público, dada a situação de rutura financeira do município e a natureza não fundamental da tarefa a desempenhar.

4 — Porém, é patente que essa solução ofende a situação jurídica subjetiva do candidato, incorrendo o ato impugnado em intransponível violação de lei (art.° 140.°, n.° 1, alínea b) CPA de 1991).

5 — Por outro lado, a imprevista e legalmente inadmissível revogação do concurso frustrou injustificadamente o investimento de confiança realizado pelo candidato, com base numa antecedente conduta do município que a gerou, pelo que o despacho impugnado vulnera de modo inadmissível os princípios gerais da proporcionalidade (art.° 5.°, n.° 2), da justiça e imparcialidade (art.° 6.°), da boa-fé e proteção da confiança dos administrados (art.° 6.°-A).

6 — O ato administrativo viola igualmente o direito à aprovação e nomeação do candidato que, em estágio probatório, cumpre com sucesso todas as exigências legais e contratuais que sobre ele recaíam, sendo exclusivamente imputável ao ente administrativo a não verificação daquelas formalidades (art.° 5.°, n.° 1, alínea f) do D.L. n.° 265/88, conjugado com os artigos 4.°, n.° 3 do art.° 427/89 e 41.°, n.° 1 do D.L. n.° 204/98).

7 — Ao decidir em contrário, a sentença recorrida violou as normas mencionadas, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que, julgando a ação procedente, anule o ato impugnado.»

O Recorrido, Município de Ourique, contra-alegou (fls. 320 e ss. do SITAF), concluindo como segue:

«(…)

A - A sentença recorrida deve ser mantida, na medida em que bem julgou a matéria em discussão nos autos, fundamentando a decisão com respeito pelos princípios do direito administrativo, apresentando uma ponderação justa e proporcionada do interesse publico face ao interesse do particular.

B - A decisão não viola o art. 140°, n°1, alínea b) do CPA, na medida em que, como bem nela se diz “o direito alegadamente preterido quanto ao candidato D... mais não era do que um putativo direito pois no procedimento ainda não lhe havia sido conferido o direito à nomeação, ao provimento no posto de trabalho colocado a concurso. Ao invés, detinha uma expectativa quanto a tal nomeação somente fundada na classificação obtida em momento prévio que conduziu a uma ordenação em lista jamais homologada.”

C - A abertura de um concurso para admissão de um estagiário só confere direito ao candidato à frequência de um estágio e não de colocação numa vaga de técnico superior.

D - O acto de revogar a abertura desse concurso não violou qualquer direito constituído do candidato, uma vez que o estágio foi ministrado e concluído com a correspondente avaliação.

E - A nomeação para a vaga de técnico superior é uma acto administrativo juridicamente distinto do da celebração de um contrato de provimento para estágio, com requisitos e formalidades autónomas.

F - Mas é a própria lei que define a extensão, os limites e o objecto da expectativa de um estagiário admitido num concurso e até já mesmo graduado, ao dispor o artigo 16°, n°4 do DL 427/89 que o contrato administrativo de provimento dos estagiários aprovados no estágio para os quais existam vagas considera-se automaticamente prorrogado até à data da aceitação da nomeação.

G - Significa isto, inevitavelmente, que a administração não fica obrigada, ope legis ou automaticamente a nomear um candidato, mesmo que aprovado, e na contra face significa isto que o candidato não detém qualquer direito subjectivo a essa nomeação.

H - Numa situação de ruptura financeira em que o Município corre mesmo o risco de não dispor de meios financeiros para pagar as remunerações dos funcionários que já integram o quadro a título definitivo, parece evidente que a opção por não contrair mais custos de carácter definitivo é não só proporcional como adequada a proteger o interesse público.

I - E é mesmo a única que uma gestão responsável pode assumir, sendo a comparação exigível a que compara a impossibilidade de assegurar as remunerações já devidas com a possibilidade que o candidato detinha de regressar ao seu posto de trabalho de origem, uma vez que se encontrava numa situação de licença sem vencimento que poderia fazer cessar a qualquer momento, regressando ao seu posto de trabalho, o que aliás fez.

J - Em 2006 o Município de Ourique apresentava uma situação de falência técnica, com 20 milhões de euros de dívida e impossibilidade de pagamento aos fornecedores e incumprimento generalizado, mesmo de pagamentos acordados judicialmente.

K - Pelo que assunção de quaisquer compromissos futuros, ademais em áreas não essenciais como eram as Relações Publicas, revelar-se-ia uma decisão contrária a qualquer gestão prudente e violadora do interesse público que as Câmaras Municipais devem prosseguir ao serviço dos Munícipes.

L - Sendo que a não nomeação pelo não preenchimento da vaga, tivesse ela a forma de revogação do concurso ou de anulação da vaga era a única decisão conforme ao interesse público, sem que tal decisão violasse qualquer interesse relevante do candidato detentor de uma relação laboral estável com o Estado, que ainda hoje mantém.

M - Termos em que não padece a decisão recorrida de qualquer vício, devendo manter-se na íntegra e consequentemente considerar-se o acto de revogação de abertura do concurso válido.»


Neste Tribunal Central, o DMMP notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não se pronunciou.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 2. Questões a apreciar e decidir:

A única questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduz-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que não padece de qualquer invalidade o ato de revogação de um concurso externo de ingresso para preenchimento de uma vaga de técnico superior, expressa e exclusivamente baseado em razões de oportunidade e conveniência, depois de o procedimento haver sido tramitado durante cerca de dois anos e existir um candidato admitido, classificado, ordenado em 1.° lugar e que realizou estágio probatório durante um ano, com aproveitamento de Bom, nas seguintes vertentes:

i) por frustração inadmissível do investimento de confiança realizado pelo candidato, com base numa antecedente conduta do município que a gerou, pelo que o despacho impugnado viola os princípios gerais da proporcionalidade - art. 5.°, n.° 2 -, da justiça e imparcialidade - art. 6.° -, da boa-fé e proteção da confiança dos administrados - art. 6.°-A – todos do CPA de 1991;

ii) por violação do direito à aprovação e nomeação do candidato que, em estágio probatório, cumpre com sucesso todas as exigências legais e contratuais que sobre ele recaíam, sendo exclusivamente imputável ao ente administrativo a não verificação daquelas formalidades – cfr. art. 5.°, n.° 1, alínea f), do Decreto-Lei, n.° 265/88, de 28.07., conjugado com os art.s 4.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07.12. e art. 41.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 204/98, de 11.07.; e, por fim,

iii) por violação do art. 140.°, n.° 1, alínea b), do CPA de 1991;

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
A) Em 11/08/2004, o Município de Ourique determinou, por despacho, a abertura de Concurso Público Externo de Ingresso para a admissão de estagiário com vista ao provimento de um lugar de Técnico Superior de 2ª Classe, na área das Relações Públicas e Publicidade - cfr. doc. n° 1 junto a pi;
B) Em 10/09/2004, foi publicado no Diário da República sob o n.° 26/2004, do DR n.° 214, III Série, o aviso de abertura do concurso;
C) Em 05/09/2005, o Município de Ourique divulgou lista de classificação final, da qual consta que concorreram ao concurso J... e M..., os quais foram seleccionados, graduados e classificados, respectivamente, com 16,44 e 11,86 valores e de que foram notificados - cfr. doc. n.° 2 junto com a pi;
D) Em 27/09/2005, o Município de Ourique celebrou contrato administrativo de provimento com o primeiro classificado, o referido J..., que consistia na frequência de estágio com vista ao preenchimento de um lugar de Técnico Superior de 2ª Classe do quadro de pessoal da CMO - cfr. doc. n.° 3 junto com a pi;
E) O contrato foi celebrado com efeitos a partir de 30/09/2005 e com a duração de um ano, considerando-se automaticamente prorrogado até à data da posse, por um período não superior a seis meses, desde que o segundo outorgante - J... - fosse aprovado no estágio com a classificação mínima de 14 valores;
F) Em 16/10/2006, J... foi sujeito à classificação provisória do estágio que frequentou durante um ano -cfr. doc. n.° 4 junto com a pi;
G) Em 25/10/2006, foi elaborada a lista de classificação final, findos os trâmites de selecção e admissão do referido estágio - cfr. doc. n.° 5 junto com a pi;
H) Da lista apenas constava como único candidato admitido e aprovado o referido J..., o qual obteve a classificação final de 15,82 valores - cfr. doc. n° 5 junto com a pi;
I) Na mesma data, foi elaborada a Acta n° 2 que continha a referida lista de classificação final - cfr. doc. n° 5 e n° 6 juntos com a pi;
J) Em 31/10/2006, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourique proferiu o Despacho n° 19/2006 no qual determinou a revogação do Acto de Abertura do Concurso Público Externo de Ingresso para admissão de estagiário com vista ao provimento de um lugar de Técnico Superior 2a classe, na área das Relações Públicas e Publicidade, publicado sob o n.° 26/2004, da III Série do Diário da República n° 214, de 10/09/2004, nele referindo que “... efectuada uma nova valoração administrativa à luz do interesse público, constata-se que o Município de Ourique quedou-se para uma situação de ruptura financeira, não apresentado, actualmente, condições para suportar encargos financeiros adicionais com a contratação de pessoal, sobretudo quando destinado, tal como no presente caso, ao preenchimento de vagas em áreas não fundamentais para o funcionamento desta Câmara (relações públicas e publicidade). (...) a presente decisão atende inexoravelmente ao interesse público e não deixa de ter em conta que os interesses do particular por ela afectado estão salvaguardados, na medida em que o Sr. J... mantém, desde 20.01.2005, um contrato de trabalho com a Empresa de Desenvolvimento do Aeroporto de Beja, S.A. (EDAB) , no âmbito do qual lhe foi concedida uma licença sem retribuição de longa duração, pelo período de tempo necessário para a conclusão do estágio nesta Câmara.” - cfr. doc. n° 7 junto com a pi;

K) Em 30/10/2007, deram entrada os presentes autos neste Tribunal Administrativo e Fiscal.

*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação, assim como aqueles que constam do citado Processo Disciplinar que se encontra apenso a este.».

II.2. De direito

Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado que não padece de qualquer invalidade o ato de revogação de um concurso externo de ingresso para preenchimento de uma vaga de técnico superior, expressa e exclusivamente baseado em razões de oportunidade e conveniência, depois de o procedimento haver sido tramitado durante cerca de dois anos e existir um candidato admitido, classificado, ordenado em 1.° lugar e que realizou estágio probatório durante um ano, com aproveitamento de Bom, nas seguintes vertentes:

i) por frustração inadmissível do investimento de confiança realizado pelo candidato, com base numa antecedente conduta do município que a gerou, pelo que o despacho impugnado viola os princípios gerais da proporcionalidade - art. 5.°, n.° 2 -, da justiça e imparcialidade - art. 6.° -, da boa-fé e proteção da confiança dos administrados - art. 6.°-A – todos do CPA de 1991;

ii) por violação do direito à aprovação e nomeação do candidato que, em estágio probatório, cumpre com sucesso todas as exigências legais e contratuais que sobre ele recaíam, sendo exclusivamente imputável ao ente administrativo a não verificação daquelas formalidades – cfr. art. 5.°, n.° 1, alínea f), do Decreto-Lei, n.° 265/88, de 28.07., conjugado com os art.s 4.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07.12. e art. 41.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 204/98, de 11.07.; e, por fim,

iii) por violação do art. 140.°, n.° 1, alínea b), do CPA de 1991.


As questões a conhecer estão umbilicalmente interligadas e, por esse motivo, das mesmas se conhecerá de uma forma global.

Vejamos.

À data dos factos, o bloco de legalidade que importa ter presente para a decisão do recurso em apreço, resulta, muito sumariamente, da leitura conjugada das seguintes disposições legais:

1- Decreto-Lei n.° 265/88, de 28.07., designadamente, o art. 5.°, sob a epígrafe “Regime dos estágios”, ao dispor que:

«(…) 1 - O estágio para ingresso nas carreiras técnica superior e técnica obedece às seguintes regras:

a) A admissão ao estágio faz-se de acordo com as normas estabelecidas para os concursos de ingresso na administração central e local, definidas pelo Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de Fevereiro, e diplomas regulamentadores;

b) O estágio tem carácter probatório e deverá, em princípio, integrar a frequência de cursos de formação directamente relacionados com as funções a exercer;

c) O número de estagiários não pode ultrapassar em mais de 30% o número de lugares vagos existentes na categoria de ingresso da respectiva carreira;

d) A frequência do estágio será feita em regime de contrato além do quadro, no caso de indivíduos não vinculados à função pública, e em regime de requisição, nos restantes casos;

e) O estágio tem duração não inferior a um ano, a fixar no aviso de abertura de concurso, findo o qual os estagiários serão ordenados em função da classificação obtida;

f) Os estagiários aprovados com classificação não inferior a Bom (14 valores) serão providos a título definitivo, de acordo com o ordenamento referido no número anterior, nos lugares vagos de técnico superior de 2.ª classe ou de técnico de 2.ª classe;

g) A não admissão, quer dos estagiários não aprovados, quer dos aprovados que excedam o número de vagas, implica o regresso ao lugar de origem ou a imediata rescisão do contrato, sem direito a qualquer indemnização, consoante se trate de indivíduos vinculados ou não à função pública.

2 - O disposto na alínea g) do número anterior não prejudica a possibilidade de nomeação dos estagiários aprovados, desde que a mesma se efective dentro do prazo de validade do concurso para admissão ao estágio.

3 - A avaliação e classificação final dos estagiários será feita nos termos a fixar no aviso de abertura do concurso, devendo respeitar os seguintes princípios gerais:

a) A avaliação e classificação final competem a um júri de estágio;

b) A avaliação e classificação final terão em atenção o relatório de estágio a apresentar por cada estagiário, a classificação de serviço obtida durante o período de estágio e, sempre que possível, os resultados da formação profissional;

c) A classificação final traduzir-se-á na escala de 0 a 20 valores;

d) Em matéria de constituição, composição, funcionamento e competência do júri, homologação, publicação, reclamação e recursos aplicam-se as regras previstas na lei geral sobre concursos na função pública, com as necessárias adaptações.

4 - A requisição a que se refere a alínea d) do n.º 1 não carece de autorização do membro do Governo ou órgão executivo que superintenda no serviço de origem.

5 - Os estagiários serão remunerados pelas letras G ou J, conforme se trate de estágio para ingresso na carreira técnica superior ou na carreira técnica, sem prejuízo do direito de opção pelo vencimento do lugar de origem, no caso de pessoal já vinculado à função pública.

6 - Os contratos e as requisições dos estagiários aprovados no estágio, para os quais existam vagas, consideram-se automaticamente prorrogados até à data da posse na categoria de ingresso, não podendo, contudo, a prorrogação ultrapassar seis meses.

7 - O disposto no presente artigo não prejudica os estágios de duração superior a um ano, fixados em legislação orgânica dos serviços para as carreiras abrangidas pelo presente diploma.»

2 - Assim como o Decreto-Lei n.º 427/89, de 07.12., cujo art. 4.°, sob a epígrafe “Noção e efeitos”, inserido na secção II, “Nomeação”, regia nos seguintes termos:

«(…)

1 - A nomeação é um acto unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência.

2 - Para efeitos do presente diploma, consideram-se funções próprias do serviço público aquelas cujo exercício corresponda à aplicação de medidas de política e à concepção, execução e acompanhamento das acções tendentes à prossecução das atribuições de cada serviço.

3 - É obrigatória a nomeação dos candidatos aprovados em concurso para os quais existam vagas que tenham sido postas a concurso.

4 - A eficácia da nomeação depende da aceitação do nomeado.»

3 - O Decreto-Lei n.° 204/98, de 11.07., cujo art. 41.°, sob a epígrafe “Provimento”, determinava ainda que:

«(…) 1 - Os candidatos aprovados são nomeados segundo a ordenação das respectivas listas de classificação final.

2 - Não podem ser efectuadas quaisquer nomeações antes de decorrido o prazo de interposição do recurso hierárquico da homologação da lista de classificação final ou, sendo interposto, da sua decisão expressa ou tácita.

3 - Os candidatos são notificados por ofício registado para, no prazo máximo de 10 dias úteis, procederem à entrega dos documentos necessários para o provimento que não tenham sido exigidos na admissão a concurso.

4 - O prazo estabelecido no número anterior pode ser prorrogado até 15 dias úteis, em casos excepcionais, quando a falta de apresentação de documentos dentro do prazo inicial não seja imputável ao interessado.

5 - A documentação pode ser enviada, por correio registado, até ao último dia do prazo, relevando neste caso a data do registo.»

E, por fim, dispunha o CPA1991, cujo art. 140.º, sob a epígrafe, Revogabilidade dos actos válidos, aqui aplicável atendendo à data dos factos, ao dispor que:

«(…) 1. Os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, excepto nos casos seguintes:

a) Quando a sua irrevogabilidade resultar de vinculação legal;

b) Quando forem constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos;

c) Quando deles resulte, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.

2. Os actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos são, contudo, revogáveis:

a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários;

b) Quando todos os interessados dêem a sua concordância à revogação do acto e não se trate de direitos ou interesses indisponíveis

E, bem assim, o art. 141.º do CPA1991, sob a epígrafe, Revogabilidade dos actos inválidos, dispunha ainda o seguinte:

«(…) 1. Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.

2. Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar.»

Destas últimas disposições legais, lidas conjugadamente, decorre que não podem ser revogados com fundamento na sua inconveniência os atos válidos constitutivos de direitos e de interesses legalmente protegidos praticados no âmbito de poderes discricionários da Administração. Estes atos apenas podem ser revogados - para além, naturalmente, das duas exceções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do citado art. 140.º do CPA1991 - com fundamento na sua invalidade e dentro do respetivo prazo de impugnação contenciosa - ou até à apresentação da contestação da entidade demandada, caso o ato tenha sido judicialmente impugnado – cfr. disposições conjugadas dos art.s 140.º e 141.º do CPA1991 (1).

Chegados aqui, e atendendo ao sentido decisório seguido na sentença recorrida, não é demais destacar que, durante muito tempo, no silêncio da lei sobre os efeitos do provimento, a doutrina dividiu-se sobre a questão de saber se o mesmo conferia um direito subjetivo à ocupação do respetivo lugar ou a uma mera expectativa jurídica.

Para tal resenha, socorremo-nos de um Parecer do Conselho Consultivo da PGR, proferido no processo n.º P000382002, em 26.09.2002, Relatora: Fernanda Maçãs, aqui transcrevendo, na parte que releva, o seguinte:

«(…) No Parecer nº 39/86, de 17 de Junho (2), conclui este Conselho que “atingindo um concurso de provimento a fase de aprovação, com a homologação da lista de classificação final e respectiva publicação, sem que tenha sido interposto recurso, fica a Administração vinculada ao dever de fazer a nomeação dentro do processo aberto para o efeito, desde que haja candidatos em condições de serem nomeados”.

E no Parecer nº 53/99, pode ler-se que o “provimento, na referida forma de despacho de nomeação, surge como o efeito do recrutamento que se inicia com a abertura do concurso, pela Administração, para o preenchimento de determinada(s) vaga(s) dos respectivos quadros. Daqui decorre, logicamente, a obrigação de nomear por parte da Administração, que tem como contraponto o correlativo direito de ser nomeado por parte do candidato aprovado no concurso, relativamente às vagas existentes a cujo preenchimento o concurso se destinava. Isto é, ao candidato assiste um direito subjectivo de nomeação para a vaga que, surgida no período de validade do concurso, corresponda à sua ordem de graduação, e não uma mera expectativa de provimento”.

Também no Supremo Tribunal Administrativo tal vinculação passou a constituir jurisprudência reiterada, a partir do Acórdão de 12 de Abril de1984 (3).

Significa que “uma vez consolidada na ordem jurídica a lista de classificação final, os candidatos classificados nos lugares que dão acesso às vagas postas a concurso têm o direito de serem nomeados (4).

A orientação mencionada obteve acolhimento legal no artigo 4º do Decreto-Lei nº 427/89, que prescreve no seu nº 3: “É obrigatória a nomeação dos candidatos aprovados em concurso para os quais existam vagas que tenham sido postas a concurso (5).

2.2. Se com a aprovação o candidato passa a ter o direito de exigir a nomeação, tal significa que a partir daí a Administração fica vinculada a estabelecer uma relação de emprego público com o mesmo.

Resulta desta forma do exposto que, embora a nomeação seja o acto final constitutivo através do qual, como melhor será analisado de seguida, se estabelece a relação de emprego público e define a situação jurídica estatutária do trabalhador, a verdade é que o direito a essa situação jurídica estatutária constitui-se na sua esfera jurídica em momento anterior do procedimento, mais propriamente com a aprovação (6)

Importa ter presente que um ato constitutivo de direitos será aquele que investe alguém «(…) numa posição estatutária favorável» ou que «(…) remove obstáculos à titularidade ou ao exercício de direitos dos administrados». Por seu turno, o ato constitutivo de interesses legalmente protegidos corresponderá àquele ato que investe o seu titular numa posição jurídica estável e consistente, ou seja, que já se aproxima de um verdadeiro direito, por constituir uma posição de vantagem concretamente subjetivada na esfera jurídica de alguém. (7)

Em face do que, imperioso se torna concluir que, embora, em geral, não poder afirmar-se que um ato que decide a abertura de um concurso seja um ato constitutivo de direitos ou de interesses lealmente protegidos, para efeitos do disposto no citado art. 140.º, n.º 1, do CPA1991, porém, conforme decorre de todo o exposto e da doutrina que dimana, a título de exemplo, mas porque particularmente indicado no caso em apreço, também do ac. STA de 08.05.1997, P. 039809, no qual se sumariou, «(…) após a homologação da lista que aprovou e graduou os candidatos, pela entidade competente, [é que] eles têm o direito subjetivo de serem nomeados não podendo a autoridade administrativa recusar a promoção invocando razões económicas ou de oportunidade, para o fazer

Idêntica orientação jurisprudencial se retira, a contrario, do ac. STA de 22.06.2006, P. 01164/04, do Pleno da Secção, de onde se destacam, pela sua pertinência para o caso vertente, as seguintes conclusões:

«(…) O despacho que revoga todos os atos do procedimento de um concurso de provimento, determinando a sua anulação, quando tinham sido já realizadas todas as operações de seleção, classificação e graduação dos candidatos, tendo a respectiva lista de classificação final sido organizada e notificada aos concorrentes (entre os quais figuravam os recorrentes, graduados em 1º e 2º lugar, respectivamente), reveste a natureza de ato administrativo que produz efeitos externos atingindo a esfera jurídica dos recorrentes, lesando-os na medida em que os priva da posição de vantagem que adquiriram no decurso do procedimento do concurso.

Na verdade, o princípio da boa-fé, consagrado no artigo 6°-A do CPA, impõe, que a Administração atue ponderada e coerentemente, na medida em que quando decide abrir um concurso suscita nos candidatos que a ele se apresentam a confiança de que visa prossegui-lo até à decisão final, sendo que tal confiança se vai consolidando à medida que vão sendo praticados sucessivos atos, provocando, do lado dos candidatos, sucessivas manifestações de vontade e a aquisição de posições de vantagem merecedoras de tutela jurídica

Retomando o caso em apreço.

O ato impugnado, que revogou o ato de abertura do concurso externo de ingresso para admissão vista ao provimento de um lugar de técnico superior de 2.ª classe na área de relações públicas e publicidade – cfr. alíneas A) e J) da matéria de facto -, baseado em razões de oportunidade e conveniência – a saber: “…efectuada uma nova valoração administrativa à luz do interesse público, constata-se que o Município de Ourique quedou-se para uma situação de ruptura financeira, não apresentado, actualmente, condições para suportar encargos financeiros adicionais com a contratação de pessoal, sobretudo quando destinado, tal como no presente caso, ao preenchimento de vagas em áreas não fundamentais para o funcionamento desta Câmara (relações públicas e publicidade) . (…) a presente decisão atende inexoravelmente ao interesse público e não deixa de ter em conta que os interesses do particular por ela afectado estão salvaguardados, na medida em que o Sr. J... mantém, desde 20.01.2005, um contrato de trabalho com a E…, no âmbito do qual lhe foi concedida uma licença sem retribuição de longa duração, pelo período de tempo necessário para a conclusão do estágio nesta Câmara .”- cfr. alínea J) da matéria de facto -, depois de o procedimento haver sido tramitado durante cerca de dois anos e existir um candidato admitido, ora Recorrente, classificado, ordenado em 1.° lugar e que realizou estágio probatório durante um ano, com aproveitamento de Bom, reveste a natureza de ato administrativo que produz efeitos externos atingindo a esfera jurídica do Recorrente, lesando-o na medida em que o priva da posição de vantagem que adquiriu no decurso do procedimento concursal – nos termos das disposições conjugadas dos art.s 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07.12 e art. 5.º, n.º 1, alíneas c) e f), e n.º 6, do Decreto-Lei n.º 265/88, de 28.07., supra citados e transcritos - , de onde decorre que, ao abrigo do disposto no art. 140.º, n.º 1, alínea b), do CPA1991, o ato de abertura deste concreto procedimento deixou de ser, face a todo o exposto, livremente revogável nos termos deste preceito legal, pois não se verifica no caso em apreço nenhum das exceções previstas no n.º 2 da mesma disposição legal.

Na verdade, se é certo que a decisão de abertura do concurso criou apenas expectativas jurídicas na esfera jurídica do candidato, ora Recorrente, tais expectativas assimilaram-se a direitos ou interesses legalmente protegidos quando atingiram um certo grau de substanciação, o que sucedeu no caso em apreço.

Na verdade, à data em que foi praticado o ato impugnado, que revogou o ato de abertura do concurso, já tinham sido praticadas todas as operações de seleção, classificação e graduação dos candidatos, já existia uma decisão final sobre o resultado do concurso – cfr. alíneas D), E), F), G), H), e I) da matéria de facto - , que se projetou externamente, na esfera jurídica do Recorrente, colocando-o numa posição de vantagem que corresponda à aprovação que obteve no estágio e à consequência legal que da mesma decorre nos termos do art. 5.º, n.º 1, alíneas c) e f), e n.º 6, do Decreto-Lei n.º 265/88, de 28.07., supra citados e transcritos, o que lhe conferiu o direito a ser nomeado na vaga posta a concurso, de técnico superior de 2.ª classe.

É ponto assente que a prossecução do interesse público é o objetivo constitucional da administração pública, e constitui, por isso, momento teleologicamente necessário de qualquer atividade administrativa, de tal forma que a vontade da administração deve expressar o interesse público em cada caso concreto, mas esse objetivo deve ser sempre prosseguido no quadro da definição da lei, que é o núcleo central relevante do dizer normativo do interesse público. (8)

A conciliação entre estes dois parâmetros legais do proceder administrativo, exige, no caso de concurso público para recrutamento e seleção de pessoal, que a ponderação do interesse público tenha o seu momento privilegiado aquando da apreciação da necessidade e oportunidade de abrir o concurso, e da determinação das vagas a preencher dentro do prazo de validade do mesmo.

Ao estabelecer a regra – n.º 1, alínea b), do art. 140.º. CPA1991 -, da irrevogabilidade dos atos constituídos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, com fundamento em inconveniência para o interesse público - salvas as exceções do n.° 2 - o legislador já realizou a ponderação entre o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da proteção da confiança. (9)

Nestes termos e por todos os fundamentos expostos, conclui-se, assim, que o Recorrido não podia revogar o ato de abertura do concurso sem fundamento (i.e., por puro arbítrio), assim como poderia ser obrigado a indemnizar pelos danos eventualmente causados caso pudesse revogar tal ato licitamente, mas, como se viu, no caso em apreço, não se verificando nenhuma das exceções previstas no n.º 2 do art. 140.º do CPA1991, nunca o poderia fazer, em virtude de, pelo decurso do tempo e dos termos do concurso em apreço, se ter consolidado na esfera jurídica do Recorrente o direito à nomeação como técnico superior de 2.ª classe, categoria para qual concorreu e foi aprovado – cfr. alíneas A), C), e H), da matéria de facto - por violação do n.º 1 do artigo 140.º do CPA1991, não se acompanhando, pois, o discurso fundamentador da sentença, que, nestes termos, se revoga.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, conhecendo em substituição, anular o ato impugnado na ação.

Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias.

Lisboa, 02.07.2020.

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

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(1) Neste sentido, v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO DE AMORIM in Código de Procedimento Administrativo – Comentário, 2.ª Edição, Almedina, pgs. 677 ss.
(2) Publicado no BMJ, nº 362, pgs. 290 ss. Esta doutrina encontra-se reproduzida no Parecer nº 53/99, de 11 de novembro de 1999
(3) Cfr. Recurso nº 16819/16963, Apêndice ao Diário da República de 22 de dezembro de 1986, pgs. 2025 ss. Ficou consignado neste acórdão que “a Administração está vinculada ao dever de fazer a nomeação dentro do processo administrativo iniciado para o efeito desde que haja candidatos em condições legais de serem nomeados”.
(4) Para os candidatos classificados nos lugares que dão acesso às vagas postas a concurso, a decisão homologatória é constitutiva, pois eles passam a ter o direito a serem nomeados, cfr. PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública, 2ª ed., Coimbra, Editora, Coimbra, 2001, 1º Volume, pgs. 185 ss. Também para SANDULLI, Manuale di Diritto Amministrativo, XV Edizione, Jovene Editore, Nápoles, 1989, vol.1, pg. 293, quando haja vagas, a Administração encontra-se vinculada à nomeação e aos candidatos assiste o direito subjetivo à nomeação.
(5) A mesma conclusão se retira do n.º 1 do artigo 41º do Decreto-Lei 204/98, de 11 de julho, quando estabelece que “Os candidatos aprovados são nomeados segundo a ordenação das respectivas listas de classificação final”, bem como do artigo 42º, ao explicitar em que condições os candidatos são retirados da lista de classificação final, diz-se expressamente que se encontram nessas condições aqueles que “recusem ser providos no lugar a que têm direito de acordo com a sua ordenação” [cfr. alínea a)].
(6) v. igualmente o art. 5º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de junho, diploma que estabelecia os princípios gerais em matéria de emprego público.
(7) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO DE AMORIM in, Código de Procedimento Administrativo – Comentário, 2ª edição, Almedina, 1997, pgs. 678 e ss.
(8) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3ª edição, pg. 946, em anotação ao artigo 266.º, n.º 1 e n.º 2 da CRP.
(9) António Lorena de Sèves, in Os concursos na função pública, Seminário permanente de direito constitucional e administrativo / Associação Jurídica de Braga, Departamento Autónomo de Direito da Universidade do Minho ; coord. António Cândido de Oliveira.- Braga: Associação Jurídica Braga, 1999, pg. 63.