Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 11498/14 |
Secção: | CA - 2º. JUÍZO |
Data do Acordão: | 11/20/2014 |
Relator: | NUNO COUTINHO |
Descritores: | OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA;CONDENAÇÃO PENAL;ARTIGO 9º AL. B) DA LEI DA NACIONALIDADE. |
Sumário: | 1. Nos termos do artº 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade constitui fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa. 2. Tendo o requerente sido condenado, com trânsito em julgado das sentenças, pela prática de crimes abstractamente puníveis com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a três anos, verifica-se o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no referido artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade, ainda que a medida concreta das penas aplicadas tenha sido fixada em pena de multa ou em pena de prisão inferior a três, suspensa na sua execução. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório O Ministério Público recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 8 de Abril de 2014, que julgou improcedente acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa intentada contra H……. O Recorrente formulou as seguintes conclusões: 1) Em face dos elementos constantes dos autos teremos de concluir não ser desejável a inserção do R. na comunidade nacional. 2) Em primeiro lugar, no pedido de aquisição de nacionalidade declarou que não foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, sabendo que tinha sido condenado pela prática dos crimes de coacção, de ofensa à integridade física e de maus tratos. 3) Da matéria de facto provada resulta que o R. foi condenado pela prática crimes de coacção, de ofensa à integridade física e de maus tratos, afirmando-se nas sentenças condenatórias que o R. não mostrou consideração pela mãe dos seus filhos, que o sustentou, manteve a vida do lar e a satisfação das necessidades básicas, que na sua postura foi patente o não arrependimento, o desprendimento afectivo face a todos os familiares e a convicção de que como homem da casa era dono e senhor da sua mulher e, por isso, podia maltratá-la física e psiquicamente, como fez ao longo de vários anos. 4) O Requerido não se identifica minimamente com os valores da sociedade portuguesa, sendo inaceitável a ideia de que, numa relação familiar, o marido pense que “quem dá o pão também pode tirar”, que quando a mulher não faz comida de que ele gosta ou lhe responde de modo que não lhe agrada lhe bata, o que sucede uma em cada dez respostas que lhe desagradam e que sobre os filhos diga que “apesar de gostar muito dos filhos primeiro está ele e depois eles e que, caso tivesse que optar, não teria dúvidas de que primeiro morreriam os filhos e só depois ele, porque ele está sempre primeiro que todos”, como declarou em juízo, no Processo Comum nº 461/04.GBLLE. 5) Reconhecendo o Tribunal que o R. não respeitou valores fundamentais da nossa sociedade, conceder-lhe a condição de nacional português quando o mesmo demonstra total desrespeito pelos princípios da autonomia e liberdade dos cônjuges, significa atribuir apenas relevância ao requisito formal da existência de um casamento com uma cidadã nacional. 6) As três condenações do R. nas circunstâncias descritas levam-nos a concluir tratar-se de indivíduo que não é merecedor de integrar a comunidade nacional, sendo irrelevante que, por motivos de saúde, esteja impossibilitado de repetir comportamentos socialmente censuráveis. 7) Constituindo fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade a condenação com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa e decorrendo da factualidade provada não ser desejável a inserção do R. na comunidade nacional, impunha-se conceder provimento à oposição deduzida. 8) Tendo decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artº 9 al. b), da Lei nº 37/81, na redacção da Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, artigo 56º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro. 9) Pelo que se deve ser revogada e substituída por outra, que julgue procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a que se reportam os autos.” Contra-alegou o Recorrido nos seguintes moldes: “1 - Salvo melhor e douta opinião em contrário, carece de razão a Digna Procuradora da República nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta alegação de recurso. 2 – E, sendo que o Tribunal recorrido, não só não violou qualquer das diversas normas indicadas nas alegações, como também fez uma criteriosa e justa apreciação e valoração da prova carreada e produzida no processo e em audiência de discussão e julgamento e uma judiciosa aplicação do Direito, está também suficientemente fundamentada a decisão sob recurso. 3 – Nesta conformidade, entendemos que a douta decisão ora recorrida não enferma de qualquer vício que lhe foi apontado, estando, assim, de acordo com os critérios legais. 4 – E, sendo certo que se nos afigura ter sido feita uma salutar interpretação probatória e aplicação do Direito, nomeadamente na ratio da norma e da conjugação da matéria probatória dada como provada no que tange ao futuro societário em vista, pois que a mesma vai para além de uma condenação criminal em abstracto. 5 – Consequentemente, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Dignª Procuradora da República, devendo consequentemente ser confirmada a decisão em apreço.” II - Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: A) - O Requerido H……, nasceu a 30 de Março 1956, é natural S……, Cabo-Verde e é filho de J…… e de M……. C) - Em 12 de Janeiro de 2009, o Requerido declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa, por ser casado com nacional portuguesa há mais de 3 anos, nos termos do “Auto de Declarações para aquisição de nacionalidade”, que aqui se considera integralmente reproduzido, tendo declarado que não foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. D) O R. foi condenado por sentença de 3 de Março de 1997, transitada em julgado, no processo criminal com o NUIPC …/96, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, 1ª Secção, por crime de ofensa à integridade física, praticado em 10 de Junho de 1996 p. e p. à data dos factos no artº 143º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por multa à taxa diária de 200$00, ou seja, na multa de 30.000$00, que aqui se considera integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte: o arguido (...) revela uma personalidade conflituosa, irascivel, não mostrando consideração pela mãe dos seus filhos que o sustenta, mantém a vida do lar e a satisfação das necessidades básicas. (...); E) — O R. foi condenado por sentença de 4 de Maio de 1999, transitada em julgado, no Proc Comum n.° …/98.8 GBLLE, no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, pela prática de um crime de coacção, praticado em 22 de Outubro de 1998, p.e p. pelos arts. 154 nº 1, 13.°, 14.°, n.° 1 e 26.° todos do Cod. Penal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por 18 meses, que aqui se considera integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte: “(...) Considerando que o arguido se encontra social e familiarmente inserido decido suspender pelo período de 18 (dezoito) meses a execução da pena de prisão imposta (...)“. F) — O R. foi condenado por sentença de 9 de Junho de 2006, transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum n.° …/04.GBLLE, no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, pela prática de um crime de maus tratos, em Abril de 2005, p.e.p. no art.° 152° n.° 1 al. a) e 2, do Cod. Penal, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa pelo período de três anos, que aqui se considera integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte: “(...) A factualidade supra referida permite concluir pela existência de maus tratos físicos (agressões físicas) e psíquicos, reiterados ao longo de vários anos (....) As necessidades de prevenção especial são consideráveis atenta a proximidade de relações familiares e existenciais entre arguido e ofendida - marido e mulher que continuam a partilhar a mesma casa, a postura do arguido onde foi patente o seu não arrependimento, desprendimento afectivo face a todos os familiares e a convicção de que como homem da casa é dono e senhor da sua esposa e, por isso, pode tratá-la de tal forma. G) — No âmbito da condenação no processo n.° …/04.9GBLLE, em 14 de Segundo a informação veiculada, H…… não comparticipa para as despesas do agregado familiar, sendo o seu vencimento apenas para os seus próprios gastos. A situação económica é descrita como frágil e de grande contenção. H…… não menciona qualquer problema de saúde. Assume que consome álcool às refeições e fins-de-semana, contudo nunca se considerou dependente nem alcoólico. Tendo por base o descrito, parece-nos que o condenado detém um diminuto sentido crítico com tendência para a vitimização. Não obstante, afigura-se-nos que dispondo de algum suporte familiar e inserção laboral são factores facilitadores de um processo de reinserção, nomeadamente, para o período previsto Assim, na ausência de anomalias, salvo douto entendimento de Vª Exa, após a devida homologação deste documento, serão remetidos aos Autos Relatórios de Acompanhamento com a periodicidade semestral. Este Plano Individual de Readaptação Social foi devidamente analisado com o condenado dando aquele a sua concordância à execução do mesmo. (...)“ H) — No âmbito da condenação no processo n.° …/04.9GBLLE, em 28 de Julho de “(...) Na sequência do nosso relatório de anomalias, datado de 7/07/2008, com a referencia ./ALG2-Loulé/Q8, em que foi informado esse tribunal da situação de saúde do arguido e da impossibilidade do mesmo em cumprir com o plano de reinserção social, conforme relatórios médicos que anexamos, cumpre-nos informar não ter a situação sofrido qualquer alteração significativa. Mantém a sua dependência face a terceiros, com acentuadas dificuldades de locomoção, acrescidas de progressivas limitações visuais. Já não efectua tratamentos de fisioterapia, por segundo a esposa, já não registar quaisquer melhorias. Mantém apenas o acompanhamento psiquiátrico no Centro de Saúde Mental de Faro, trimestralmente. I) - Por decisão de 24/10/2009 proferida no processo n.° …./04.9GBLLE, foi J) - O Requerido em 20 de Novembro de 2007 foi admitido em S.0, no Hospital de Faro e internado por ter sofrido AVC hemorrágico, tendo antecedentes patológicos de etilismo crónico. “(...) Apresentava equilíbrio sentado, estático e dinâmico eficaz e reacções de extensão protectiva. O equilíbrio em pé estático era razoável e o dinâmico deficiente. Locomoção em cadeira de rodas para curtas, médias e longas distâncias. (...) Na data de alta: Apresenta melhoria dos scores funcionais, da força muscular e coordenação motora. Realiza marcha para curtas e médias distâncias com uso de canadiana, e utiliza cadeira de rodas para longas distâncias. Apresentou melhoria importante nas transferências, vestuário, higiene pessoal e banho. Apresenta controlo voluntário dos esfíncteres. Contexto sócio-económico, familiar e habitacional: Trata-se de um utente de 51 anos, de nacionalidade cabo-verdiana, a residir com a mulher e filha em habitação arrendada em Loulé. Artigo 9º Fundamentos Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional; b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; “Artigo 56º Fundamento, legitimidade e prazo 2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção: a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional; b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa; Conforme resulta da matéria de facto assente o requerido foi condenado por sentença datada de 3 de Março de 1997, transitada em julgado, no processo criminal com o NUIPC …/96, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, 1ª Secção, por crime de ofensa à integridade física, praticado em 10 de Junho de 1996 p. e p. à data dos factos no artº 143º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por multa à taxa diária de 200$00, ou seja, na multa de 30.000$00; foi condenado por sentença de 4 de Maio de 1999, transitada em julgado, no Proc Comum n.° …/98.8 GBLLE, no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, pela prática de um crime de coacção, praticado em 22 de Outubro de 1998, p.e p. pelos arts. 154 nº 1, 13.°, 14.°, n.° 1 e 26.° todos do Cod. Penal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por 18 meses, foi condenado por sentença de 9 de Junho de 2006, transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum n.° …/04.GBLLE, no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, pela prática de um crime de maus tratos, em Abril de 2005, p.e.p. no art.° 152° n.° 1 al. a) e 2, do Cod. Penal, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa pelo período de três anos. Os três crimes pela prática dos quais foi o requerido – ora recorrido - condenado têm uma moldura penal máxima igual ou superior a três anos de prisão – o crime de ofensa à integridade física simples era punido, à data dos factos, com pena de prisão até três anos; o crime de coacção era punido, à data dos factos, igualmente com pena de prisão até três anos e o crime de maus tratos era punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. (…) “A questão a decidir é a de saber se está ou não correcto o despacho que não concedeu a nacionalidade portuguesa ao requerente (ora recorrido) por se ter provado que: “Por acórdão proferido em 14.2.1997, nos autos que correram termos sob o n.º …./93.0JDLSB, da 3ª seção, da 10ª vara do Tribunal Criminal de Lisboa, transitado em julgado em 28.2.1997, o Autor foi condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos, pela prática, em 6.3.1993 e em autoria material, do crime de uso de documento falso (carta de condução), previsto e punido pelos arts 256°, nº 1 e nº 3 do Código Penal - ver fls 55 a 58 e 88 do processo administrativo apenso.” Vejamos. O art. 6º, n.º 1, al. d) da Lei da Nacionalidade (lei 2/2006, de 17 de Abril) estabelece como um dos requisitos da aquisição da nacionalidade portuguesa por nacionalização: “d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.” O crime cometido pelo arguido era punido (na ocasião em que foi condenado e actualmente) com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, ou com pena de multa de 60 a 600 dias – cfr. art. 256º, 3, do, Código Penal, na redacção do Dec. Lei 48/95,de 15 de Março e na redacção da lei 59/2007, de 4/9. A nosso ver a questão é muito simples. Tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime punível com pena de prisão cujo máximo é superior a 3 anos, existe um motivo que vinculadamente impede a naturalização. Não se diga que o art. 13º da Lei da Nacionalidade afasta este entendimento (como sustenta o recorrido) ao mandar suspender o procedimento “durante o decurso do prazo de cinco anos a contar da data do trânsito em julgado de sentença que condene o interessado por crime previsto na lei portuguesa e em pena ou penas que, isolada ou cumulativamente, ultrapassem um ano de prisão.”. Na verdade, este preceito em articulação com o art. 6º, 1, al. d) da mesma lei, só pode ter aplicação nos casos em que o crime cometido pelo interessado não seja punível com pena de prisão cujo máximo seja de 3 anos ou superior. É também irrelevante que o interessado já tenha cumprido a pena e esta esteja extinta, uma vez que o requisito legalmente previsto é a condenação pelo crime e não a subsistência da pena. Deste modo, tratando-se de um requisito estritamente vinculado (contrariamente ao decidido no acórdão recorrido) e de cuja verificação não existe qualquer dúvida, pois está provado por certidão emitida pelo Tribunal onde o interessado foi condenado, impunha-se à entidade competente indeferir a requerida nacionalidade portuguesa por nacionalização.
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