Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 788/18.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/06/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO; NULIDADE DECISÓRIA; EXTRADIÇÃO; APRECIAÇÃO PELOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; SUSPENSÃO DE EFICÁCIA; INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
Sumário:I - Antes da prolação da sentença deve ser permitida às partes a discussão da causa, em todos os seus contornos relevantes, de Direito e de facto, proibindo-se as decisões-surpresa, ou a apreciação oficiosa de questões que não sejam do prévio conhecimento das partes e que não tenham sido por estas debatidas;
II – Ocorrendo nos autos a excepção de incompetência absoluta, ainda que tenha havido uma violação do princípio do contraditório, porque a decisão a proferir, a final, nunca poderá ser outra e a pronúncia do A., ainda que tivesse ocorrido, seria sempre indiferente ou neutral para a decisão a proferir, irrelevando frente à mesma, aquela violação não conduz a uma nulidade decisória – cf. art.º 195.º, n.º 1, do CPC;
III - Já na fase de recurso, porque através do mesmo o A. e Recorrente pronunciou-se sobre a excepção arguida, ocorrerá uma situação de manifesta desnecessidade da observação do contraditório, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do CPC;
IV- Os tribunais administrativos são absolutamente incompetentes para apreciar “a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo” – cf. art.º 46.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31-08;
V – Pretendendo-se através de uma acção cautelar, a pretexto da apreciação prévia que foi feita pela Ministra da Justiça, alcançar a paralisação da decisão jurisdicional tomada pelo Tribunal da Relação e confirmada pelo STJ, relativamente à qual também foi interposto um recurso para o TC, que não foi admitido, verifica-se, no caso, a excepção de incompetência absoluta do TAC de Lisboa – cf. art.º 4.º, n.º 3, al. b), do ETAF
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

R... S... F... J... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou absolutamente incompetente o referido TAF para conhecer do pedido formulado nesta acção, de suspensão de eficácia do despacho da Ministra da Justiça, de 26-04-2016, que considerou admissível o pedido de extradição efectuado pela República Federativa do Brasil.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 14/05/2018, a fls 551, que decidiu julgar “este tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do presente processo”, com custas a cargo da ora Recorrente.
B) O Tribunal “a quo” proferiu a sentença recorrida sem antes ter convidado o Recorrente a pronunciar-se sobre as excepções dilatórias invocadas, e sem que antes se tivesse completado o prazo legal de 5 dias para que pudesse responder à matéria de defesa por excepção invocada na Oposição apresentada pela entidade Requerida em juízo no dia 07/05/2018, a fls. 489, que se considera notificada no 3º dia útil posterior (art. 248º CPC), cujo prazo terminava apenas em 15/05/2018.
C) O que configura a omissão de uma formalidade essencial que a lei prevê, na tramitação típica do processo, em clara violação do princípio do contraditório, nos termos do artigo 3º, nº3 do CPC, susceptível de influir no exame e decisão do incidente, configurando uma nulidade secundária, aqui arguida para todos os efeitos legais - artigos 195º, nº1 e 199º, nº1 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
D) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida também está ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº1, al.ª d), uma vez que se limitou a declarar-se incompetente em razão da matéria, mas sem que antes tivesse conhecido do incidente típico suscitado pelo Requerente no dia de 08 de Maio de 2018 (a fls 516 ss), em face do conhecimento superveniente de factos novos, prova- dos por documentos supervenientes a fls. 432, 458, 436-456 e 461-477, tendo formulado o pedido de decretamento provisório (art. 131º, nº2) e subsidiariamente, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida (art 128º, nº3 e 4 CPTA).
E) O incidente suscitado insere-se na tramitação típica dos autos (art. 131º, nº2 e art. 128º, nº3 e 4 do CPTA) e correspondente dever de decisão judicial, sobretudo face à convicção criada no Requerente pelo pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente que foi cobrada pelo Tribunal três dias antes da sentença recorrida.
F)Sem conceder, ainda que por hipótese a sentença recorrida tivesse justificado porque não decidiu do mérito do incidente suscitado, esta abstenção sempre corresponderia a um erro de julgamento (cf. Ac. STA de 22/05/2014-Proc. n.º 2421/12).
G) Em face da prova documental apresentada (fls. 432, 458, 436-456 e 461-477), está plenamente provado o preenchimento dos requisitos normativos para o deferimento do incidente suscitado no requerimento de 08 de Maio de 2018 (a fls. 516 ss).
H) Em face da alegada e comprovada necessidade de tutela pré-cautelar urgentíssima, requer-se, preliminarmente, que tal incidente (a fls. 516 ss) seja conhecido e julgado em substituição, pelo Sr. Juiz Desembargador Relator do Tribunal “ad quem”, nos termos e ao abrigo do artigo 149º, nº1 do CPTA conjugado com o artigo 652º, nº1, al.ª f) do CPC, logo após lhe terem sido distribuídos os presentes autos.
I)A sentença recorrida, apesar de na sua parte decisória simplesmente ter declarado o TAC incompetente em razão da matéria, a verdade é que a mesma se pronuncia sobre duas excepções dilatórias que servem de fundamento para não conhecer do mérito: (i) a inimpugnabilidade do acto suspendendo, por ter considerado, em sín- tese, que o mesmo não encerra uma decisão com eficácia externa e lesiva; e (ii) a incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, para conhecer do presente processo, nos termos do art. 4º, nº3, al.ª b) do ETAF.
J) A competência judiciária em razão da matéria é questão de ordem pública que precede ao conhecimento de todas as demais questões e/ou excepções.
K) Salvo o devido respeito, a sentença sofre de erro de julgamento, ao julgar proce- dente a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, por errada interpretação e aplicação do artigo 4º, nº3, al.ª b) do ETAF.
L) A competência em razão da matéria afere-se pelo objecto imediato da acção, em função do pedido tal como foi deduzido e fundamentado (cf. Ac. do Trib. dos Conflitos de 25-5-2006, rel. Costa Reis, n.º 026/05 e jurisprudência e doutrina aí indicadas).
M)O objecto do presente processo cautelar de suspensão da eficácia de acto administrativo vem claramente identificado não só no intróito do requerimento inicial, mas também nos artigos 1º a 4º e no petitório daquela peça processual, com vista à nulidade do despacho da Sra. Ministra da Justiça, de 26/04/2016 que, nos termos do artigo 48º, nº2 da Lei nº144/99 de 31 de Agosto, “considerou admissível” o pedido de extradição efectuado pela República Federativa do Brasil relativamente ao Requerente, pelos factos praticados até 14 de dezembro de 2011, bem como dos seus ulteriores despachos de 22/12/2017 e de 23/01/2018.
N) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida comete um erro grosseiro de julga- mento, pois que o próprio relatório da sentença o revela e a Sra. Juíza “a quo” não podia ignorar que o objecto da causa – tal como foi configurada pelo Requerente – não é a “decisão judicial de extradição do requerente, transitada em julgado”, mas sim o(s) despacho(s) suspendendo(s) da autoria da Sra. Ministra da Justiça, com que culminou a fase administrativa do processo de extradição.
O) A decisão da Sra. Ministra da Justiça com que culmina a fase administrativa do processo de extradição reveste efetivamente natureza jurídica administrativa, tanto que pode basear-se apenas em critérios discricionários e/ou até políticos, sendo que em caso de indeferimento do pedido na fase administrativa, todo o processo é arquivado (art. 48º, nº3) e não admite recurso (art. 24º, nº2 da Lei nº144/99).
P) Conforme, aliás, é pacífico na doutrina e na jurisprudência – cf. parecer que se junta (art. 651º, nº2 do CPC) e Ac. TC n.º 360/2012, de 05/07/2012, ponto II.7
Q) Uma vez que o acto suspendendo é sindicado de nulidade por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental (mormente o art. 33º, nº3 da CRP, diretamente aplicável por força do artigo 18º, nº1), nos termos do artigo 161º, nº1, al.ª d) do Código do Procedimento Administrativo, em razão da superveniência da nacionalidade originária, a presente causa insere-se claramente na competência material dos tribunais administrativos, nos termos do artigo 212º, nº3 da Constituição, do arti go 144º, nº1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013) e dos artigos 1º e 4º, nº1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
R)Por outro lado, embora não tenha especificado separadamente a decisão sobre a excepção dilatória a inimpugnabilidade do acto suspendendo (art. 607º, nº2 CPC), a sentença recorrida também sofre de erro de julgamento por ter considerado, em síntese, que “o despacho de prosseguimento do processo para a fase judicial não encerra uma decisão com eficácia externa, susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos do requerente pois não há, ainda, uma decisão de extradição”, por errada interpretação e aplicação do artigo 268.º, n.º4 da Constituição da República e do artigo 51º, nº1 do CPTA.
S) Dado que qualquer acto administrativo é susceptível de impugnação contenciosa em resultado da verificação do pressuposto processual da lesão de direitos dos particulares, não há qualquer problema em admitir que uma medida administrativa produza ao mesmo tempo efeitos externos e lesivos e efeitos internos de preparação de outras de- cisões, em cujo procedimento esteja inserida.
T) No caso vertente, a impugnabilidade deriva, quer da produção de efeitos externos, quer da lesividade do acto suspendendo, que “considerou admissível” a extradição.
U) É nulo todo e qualquer processo de extradição cuja decisão final de efectivar a extradição não seja precedido de um acto do Ministro da Justiça que defira o pedido, e cujos pressupostos, de facto e direito, se mantenham válidos à data da execução.
V)A doutrina há muito que considera admissível, em certas situações (maxime, de alteração superveniente de circunstâncias), a ocorrência de uma segunda intervenção administrativa, posterior à decisão judicial – cf. PEDRO CAEIRO, «O procedimento de entrega previsto no Estatuto de Roma e a sua incorporação no Direito Português», 2004, p. 124 s.; MÁRIO MENDES SERRANO, «Extradição. Regime e praxis», 2000, p. 75 s.; CARLOS FERNANDES, «A extradição e o respectivo sistema português», 1996, p. 54 s., citados por MIGUEL JOÃO COSTA, «Dedere aut Judicare? A decisão de extraditar ou julgar à luz do direito português, europeu e inter nacional», IJFDUC, 2014, págs 19-20, e nota 3, disponível em https://www.ij.fd.uc.pt/publicacoes/teses_serieM/pub_1/tese-mestrado_1.pdf, bem como, no mesmo sentido o douto Ac. TC n.º 360/2012, de 05/07/2012, ponto II.7.
W) No caso dos autos, temos a peculiaridade (decisiva) de que a atribuição da nacionalidade (originária) só foi averbada no assento de nascimento do Requerente no dia 09/01/2018 por coincidência, a mesma data do trânsito em julgado da decisão de extradição tomada na fase judicial (cf. arts. 5º a 12º, 65º a 72º do R.I.), pelo que tal questão nova e essencial nunca foi conhecida na fase judicial, transitada em julgado.
X) O que significa que, neste momento, não existe nenhuma decisão judicial com o alcance de caso julgado sobre a questão nova e essencial, que é facto impeditivo da extradição integrante da causa de pedir – (cf. artigo 621º do CPC).
Y) A decisão tomada na fase administrativa, quando defira o pedido de extradição (como sucede com o acto suspendendo), produz efeitos lesivos (consequentes e necessários) porque vinculativos por força da própria lei, desde logo, a remessa ao Ministério Público e consequente emissão de mandado de detenção, com a aplicação obrigatória de medidas detentivas ou pelo menos de vigilância do extraditando pelas autoridades competentes – (arts. 50º, 51º e 52º da Lei nº 144/99).
Z) Sem conceder, ainda que porventura assim não se entendesse, importa não esquecer que hoje em dia a própria eficácia externa, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser actual, podendo ser uma eficácia externa potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos, como resulta da conjugação do artigo 51º, nº1 com o artigo 54º nº1 alínea b) do CPTA.
AA) Sem conceder, a prática de qualquer acto de execução da decisão de extradição, por parte da Requerida, para os fins dos artigos 27º e 60º da Lei nº144/99, de 31 de Agos- to (objecto da intimação requerida), sempre depende da apreciação e fundamentação, por parte da mesma, se continuam (ou não) a verificar-se os pressupostos da decisão exequenda, nos termos dos artigos 176º, 177º, nº2, 178º e 182º do Código do Procedimento Administrativo, e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias.
BB) O regime dos direitos, liberdades e garantias caracteriza-se pela sua aplicabilidade di- recta e eficácia irradiante, visto que estes direitos vinculam entidades públicas e privadas e não carecem de mediação, desenvolvimento ou concretização legal para se- rem aplicáveis (nº 1 do artigo 18º da Constituição).
CC) É inconcebível num Estado de Direito poder admitir-se sequer a possibilidade de a Requerida iniciar ou prosseguir a execução de um acto nulo – sem que antes tenha havido qualquer pronúncia judicial sobre a atribuição da nacionalidade (originária) ao Requerente – facto novo e essencial, claramente impeditivo da extradição.
DD) E mesmo que por absurdo ainda se entendesse o acto suspendendo não tem eficácia externa, temos, ainda, o disposto no artigo 54º, nº2, al.ª a) do CPTA, que dispõe sobre a impugnabilidade do acto, quando: a) Tenha sido desencadeada a sua execução. Como sucede no caso em apreço, em que o Requerente já foi detido para fim de extradição, não só durante o processo, mas também em sua execução após decisão final.
EE) Uma vez que nada obsta ao conhecimento do mérito, requer-se o julgamento em substituição, por parte do Tribunal “ad quem”, nos termos do artigo 149º, nºs 1 e 3 do CPTA, porquanto resulta dos autos o preenchimento dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora previstos no artigo 120º, nº1 do CPTA, assim como o requisito negativo da ponderação de interesses do nº2 deste artigo.
FF) Conforme alegado e provado no requerimento inicial, é absolutamente provável, à luz de um juízo sumário e meramente perfunctório, que o(s) despacho(s) suspendendo(s) venha(m) a ser declarado(s) nulo(s) no processo principal com fundamento nos vícios próprios que lhe são imputados pelo Requerente.
GG) Deve ser revogada a decisão quanto a custas, e as mesmas ficarem a cargo dos re- corridos, por se considerar que às mesmas deram causa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 527.º e 539.º do Código de Processo Civil.
HH) Ao não ter jugado de acordo com as antecedentes conclusões, a douta sentença re- corrida violou as sobrecitadas disposições legais.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A.O recurso interposto deve ser liminarmente rejeitado por incompetência absoluta da jurisdição administrativa para dele conhecer.
B.Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, nunca os pedidos formulados pelo Recorrente poderiam proceder.
C.As alegações de recurso do Recorrido estão eivadas de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois nem o despacho suspendendo foi praticado no âmbito de poderes jurídico-administrativos, nem a jurisdição administrativa é competente para dirimir qualquer litígio a esse respeito.
D. Não existe qualquer nulidade por violação do princípio do contraditório, em primeiro lugar porque no caso dos autos o exercício do contraditório não se afigurava necessário, considerando que o TAC de Lisboa sempre teria que se considerar materialmente incompetente para conhecer, e julgar, o pedido.
E. Em segundo lugar, ao contrário do que quer fazer crer, o Recorrente pronunciou- se sobre as questões suscitadas pelo Recorrido, designadamente, no requerimento que apresentou no dia 08/05/2018;
F. Também não se verifica qualquer omissão de pronúncia.
G.O Recorrido apresentou Resolução Fundamentada e o Tribunal não julgou improcedentes os fundamentos que a alicerçaram pelo que não existem atos de execução indevida.
H. Ademais, com a declaração de incompetência material da jurisdição administrativa o Tribunal ficou desobrigado de conhecer o pedido.
I. Assim sendo, não existem erros de julgamento.
J. O despacho suspendendo não emana de poderes jurídico-administrativos, e como tal não pode ser qualificado como um ato administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 148.º do CPA;
K. A autorização para extradição do Recorrente emana do Tribunal da Relação de Lisboa e não do despacho suspendendo.
L. Andou bem a decisão recorrida quando declarou o TAC de Lisboa incompetente para conhecer o litígio.
M. Conclui-se, assim, pela total improcedência da argumentação expendida pelo Recorrente, e pela inexistência de qualquer nulidade e/ou erro de julgamento que inquine a bem elaborada decisão recorrida..”

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da nulidade decisória, por violação do princípio do contraditório e dos art.ºs 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, por não ter sido dado ao A. e Recorrente o direito a responder à excepção de incompetência absoluta, suscitada na contestação;
- aferir da nulidade decisória, por omissão de pronúncia, por não ter sido previamente conhecido o pedido de decretamento provisório da providência e o pedido subsidiário de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, formulados pelo A. e Recorrente e da obrigação deste tribunal superior conhecer em substituição do tribunal recorrido acerca dos indicados requerimentos;
- aferir do erro de julgamento e da violação do art.º 4.º, n.º 3, al. b), do ETAF, por a sentença recorrida ter julgado erradamente a incompetência material do TAF do Lisboa e que o acto suspendendo era inimpugnável, quando o acto suspendendo é um acto administrativo lesivo, que produziu efeitos externos, ou que os irá produzir, que encerra vícios próprios enquanto um acto de execução da decisão de extradição, pois viola direitos, liberdades e garantias do A. e porque aquele mesmo acto não atendeu a um facto novo, decorrente da atribuição da nacionalidade originária ao A. e Recorrente;
- aferir da obrigação deste tribunal conhecer em substituição do tribunal recorrido e em julgar procedente a presente acção cautelar;

Vem o Recorrente invocar uma nulidade decisória, por violação do princípio do contraditório e dos art.ºs 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, por não ter sido dado ao A. e Recorrente o direito a responder à excepção de incompetência absoluta suscitada na contestação.
Determina o art.º 3.º, n.º, 3, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
No caso em apreço, na contestação apresentada o Ministério da Justiça (MJ) veio invocar as excepções de incompetência absoluta e de impropriedade do meio processual utilizado.
Essa contestação não foi notificada ao A. e Recorrente.
Não obstante, na decisão recorrida conheceu-se da indicada excepção de incompetência absoluta e julgou-se a mesma procedente.
Ou seja, a decisão recorrida foi uma verdadeira decisão-surpresa.
Tal como decorre dos autos, após a apresentação da PI o processo teve diversas intervenções e despachos do juiz, forçados por requerimentos sucessivos do A. Porém, nem no despacho liminar, nem nos despachos subsequentes, foi oficiosamente suscitada a excepção de incompetência absoluta.
Entretanto, apresentada a contestação pelo MJ, a indicada excepção foi ali suscitada. No entanto, até à presente data, a contestação não terá sido notificada ao A.
Assim, quando através da decisão recorrida se dá por verificada a excepção de incompetência absoluta, prolatou-se uma decisão-surpresa, que ofendeu o invocado princípio do contraditório.
O contraditório é entendido enquanto garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio, exigindo que lhes seja concedida a possibilidade de influírem na causa e no seu desfecho, em igualdade de armas. Antes da prolação da sentença deve, pois, ser permitido às partes a discussão da causa, em todos os seus contornos relevantes, de Direito e de facto, proibindo-se as decisões-surpresa, ou a apreciação oficiosa de questões que não sejam do prévio conhecimento das partes e que não tenham sido por estas debatidas.
Consequentemente, a decisão recorrida ao ter apreciado da excepção de incompetência absoluta, suscitada na contestação, sem dar prévio conhecimento ao A. do teor desse articulado e sem garantir o seu direito de resposta, violou o princípio do contraditório.
Por seu turno, nos termos dos art.ºs. 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, esta violação poderia ser invocada em recurso.
Porém, determina também o art.º 195.º, n.º 1, do CPC, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Ora, como a seguir indicaremos, a incompetência absoluta ocorre nos presentes autos, pelo que a decisão a proferir, a final, nunca poderá ser outra.
O conhecimento da excepção da incompetência absoluta é uma questão de ordem pública, de conhecimento oficioso, que precede o conhecimento de quaisquer outras matérias - cf. art.ºs 13.º do CPTA e 97.º, do CPC.
Assim, porque no caso ocorre, na verdade, a excepção de incompetência absoluta, ainda que a contestação tivesse sido notificada ao A. e ainda que a este tivesse sido dada a oportunidade de responder às excepções ali deduzidas, a decisão judicial final teria de ser sempre no sentido de julgar verificada a referida excepção.
Ou seja, a pronúncia do A. e Recorrente, ainda que tivesse ocorrido, seria sempre indiferente ou neutral para a decisão a proferir, irrelevando frente à mesma.
Acresce, que por via deste recurso o A. e Recorrente também acabou por poder exercer a sua pronúncia relativamente à excepção de incompetência absoluta.
Consequentemente, não obstante a decisão recorrida ser uma decisão-surpresa, que ofendeu o princípio do contraditório, daí não resulta a nulidade decisória, pois a preterição do acto ou formalidade de notificar o A. da contestação, dando-lhe oportunidade para responder às excepções deduzidas na mesma, foi uma irregularidade sem aptidão para influir no exame ou na decisão da causa.
Já nesta fase de recurso, porque através do mesmo o A. e Recorrente pronunciou-se sobre a excepção arguida, ocorrerá uma situação de manifesta desnecessidade da observação do contraditório, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do CPC.
Por conseguinte, também nesta fase de recurso, um eventual julgamento pela inobservância do contraditório, seria um acto totalmente inútil, logo proibido.
Em conclusão, ainda que proceda a alegação de recurso relativa à violação do princípio do contraditório, não pode proceder a alegação relativa à verificação de uma nulidade decisória.
Claudica, assim, a alegação do Recorrente quando invoca a nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório.

Vem o Recorrente invocar, ainda, a nulidade decisória por existir uma omissão de pronúncia, por não ter sido previamente conhecido o pedido de decretamento provisório da providência e o pedido subsidiário de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.º 608.º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Também nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, para ocorrer a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de se verificar uma situação grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre a excepção de incompetência absoluta, que era uma questão de conhecimento oficioso, que precedia o conhecimento das demais matérias. Logo, o julgamento da excepção da incompetência prejudicava todos os demais.
Assim, não haverá nenhuma omissão de pronúncia, porque o conhecimento da excepção de incompetência absoluta prejudicava todos os conhecimentos restantes.
No seu recurso o Recorrente pede, ainda, para que este tribunal conheça dos mencionados requerimentos, em substituição do tribunal recorrido.
A seguir decidiremos pela verificação da incompetência absoluta e pela confirmação do decidido nesta parte. Consequentemente, com tal conhecimento e confirmação fica necessariamente prejudicado o conhecimento dos demais pedidos.

Vem o Recorrente invocar um erro de julgamento e a violação do art.º 4.º, n.º 3, al. b), do ETAF, por a sentença recorrida ter julgado erradamente a incompetência material do TAF do Lisboa.
Esta invocação não procede.
Através da presente acção cautelar o A. e Recorrente pede a suspensão de eficácia do despacho da Ministra da Justiça, de 26-04-2016 que, nos termos do artigo 48.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99, de 31-08, “considerou admissível” o pedido de extradição efectuado pela República Federativa do Brasil relativamente ao A., bem como dos seus ulteriores despachos de 22-12-2017 e de 23-01-2018 e a intimação do MJ a abster-se de praticar quaisquer actos ou operações previstos nos artigos 27.º e 60.º da Lei nº144/99, de 31-08, ou quaisquer outros actos equivalentes ou preparatórios da execução da entrega do Requerente às autoridades judiciais brasileiras.
Determina o art.º 46.º, da Lei 144/99, de 31-08, sob a epígrafe “Natureza do processo de extradição”, o seguinte:
“1 - O processo de extradição tem carácter urgente e compreende a fase administrativa e a fase judicial.
2- A fase administrativa é destinada à apreciação do pedido de extradição pelo Ministro da Justiça para o efeito de decidir, tendo, nomeadamente, em conta as garantias a que haja lugar, se ele pode ter seguimento ou se deve ser liminarmente indeferido por razões de ordem política ou de oportunidade ou conveniência.
3- A fase judicial é da exclusiva competência do Tribunal da Relação e destina-se a decidir, com audiência do interessado, sobre a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo, não sendo admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando.”
Conforme decorre do citado preceito, o processo de extradição, sendo um único processo, compreende duas fases: a administrativa e a judicial. Após a apreciação do pedido de extradição pela Ministra da Justiça, o processo é judicialmente apreciado pelo Tribunal da Relação, que emite uma pronúncia judicial, que decide sobre a concessão da extradição, ou não.
Como decorre da factualidade apurada nos autos, após a apreciação do presente processo de extradição pela Ministra da Justiça, o mesmo passou para a fase judicial, tendo sido decidido pelo Tribunal da Relação extraditar o A., ora Recorrente, decisão esta que foi alvo de um recurso para o STJ, não admitido.
Por conseguinte, o que o A. e Recorrente pretende através desta acção cautelar será, a pretexto da apreciação prévia que foi feita pela Ministra da Justiça, alcançar a paralisação da decisão jurisdicional tomada pelo Tribunal da Relação e confirmada pelo STJ, já transitada em julgado.
Neste sentido, atente-se no alegado nos art.ºs 8.º a 12.º e 57.º a 77.º da PI, nos quais o A. invoca a falta de conhecimento pelos tribunais judiciais da realidade alegadamente superveniente e relativa à atribuição de nacionalidade originária, por não ter sido aceite pelo STJ o recurso extraordinário de revisão que interpôs e por não ter sido admitido o recurso para o TC, daquela mesma decisão, assim como, a invocação feita pelo A. de que tais decisões do Tribunal da Relação, do STJ e do TC, já não são passiveis de mais recursos.
Claramente, o que o A. pretende através da presente acção – e da acção impugnatória principal que irá interpor – é que se afira “sobre a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo”, conforme preceituado no art.º 46.º, n.º2, da Lei 144/99, de 31-08.
Ou seja, atendendo à causa de pedir e aos pedidos tal como vêm configurados na PI, resulta notório que através da presente acção não se pretende sindicar a apreciação que foi feita pela Ministra da Justiça na fase administrativa do processo de extradição e suspender essa decisão, mas pretende-se, sim, reagir contra a decisão tomada já na fase judicial pelo Tribunal da Relação e confirmada pelo STJ, que não considerou a circunstância de, entretanto, ter sido atribuída ao A. a nacionalidade originária. De forma arrevesada, pretende o A. obstar à eficácia da decisão judicial e contrariar os seus termos ou paralisar os seus efeitos.
Com a presente acção pretender-se-á paralisar a decisão do Tribunal da Relação, já transitada em julgado e com a acção principal pretender-se-á uma nova apreciação pelos tribunais administrativos a “sobre a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo”, conforme preceituado no art.º 46.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31-08.
Ora, nos termos do art.º 4.º, n.º 3, al. b), do ETAF, está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de “Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal”.
Logo, a jurisdição administrativa é absolutamente incompetente para apreciar a presente acção.
Em sentido semelhante, já decidiu o STA no Ac. n.º 023092, de 04-121-1986.
Em suma, há que confirmar a decisão recorrida, nos seus precisos termos, quando julgou verificada a excepção de incompetência absoluta do TAC de Lisboa para conhecer desta acção.
Este conhecimento prejudica todos os demais, pelo que claudicam as restantes alegações e pedidos formulados neste recurso.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão recorrida quando julgou pela verificação da excepção de incompetência absoluta do TAC de Lisboa para conhecer desta acção;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 6 de Agosto de 2018.

(Sofia David)

(Catarina Jarmela)

(Vital Lopes)