Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1844/09.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DUPLA TRIBUTAÇÃO ECONÓMICA
DIVIDENDOS
RETENÇÃO NA FONTE
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:
I. É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos em 2006 a uma entidade residente na Holanda, efetuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por violação do princípio da livre circulação de capitais, princípio esse basilar do direito originário da União Europeia, face à isenção de tributação no país de residência.

II. No caso de ilegalidade de retenções na fonte, por força de violação do direito da União Europeia, tendo sido apresentada reclamação graciosa, são devidos juros indemnizatórios a partir da data da sua decisão, pois o erro passou a ser imputável à AT a partir daquele momento (momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 28.02.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A....., BV (doravante Recorrida ou Impugnante – antes designada E..... BV e que incorporou, por meio de fusão, a A....., N.V., ambas primitivas impugnantes), que teve por objeto o indeferimento liminar da reclamação graciosa que versou sobre as retenções na fonte de dividendos distribuídos a 14.11.2006.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor e Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da constante na sentença recorrida e, portanto, conduzir a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Assim sendo, somos levados a concluir pela existência de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris. Ademais, com o devido respeito, verifica-se um deficit instrutório.

II – As impugnantes, sociedades devidamente constituídas vieram apresentar IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, relativamente à retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo Banco Comercial Português SA., (BCP), em 2006, relativamente às acções com o código ....., no montante de 0,0037 por acção – ponto E do probatório.

Esse rendimento bruto foi objeto de retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10%, ao abrigo da Convenção Para Evitar a Dupla Tributação Celebrada entre Portugal e os Países Baixos – pontos G e I do probatório.

III - As questões controvertidas prendem-se com a legalidade das retenções na fonte efetuadas à impugnante respeitantes ao pagamento dos dividendos distribuídos, atento o direito Europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais.

IV – Estando em causa a tributação de dividendos distribuídos a sociedades não residentes, a informação necessária para que se proceda ou não à retenção na fonte, depende de saber qual a situação fiscal ou tributária do sujeito passivo e, portanto não se encontra na disponibilidade da AT.

V – Quanto à legalidade das retenções na fonte efetuadas à impugnante aquando do pagamento de dividendos distribuídos, atentos ao direito europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais, importa concluir sobre a boa aplicação e cumprimento do Internacional e Comunitário, por duas ordens de razões.

VI – A primeira directamente por via da aplicação da Convenção bilateral assinada por Portugal e Holanda, Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000 que aprovou, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 a que ambos os Estados se vincularam e que vigora na ordem jurídica, nos termos do art.º 8.º da CRP.

VII - A segunda por via da observância da directiva sobre o regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes (n.º 90/435/CEE) na redacção à data dos factos: 2006.

VIII - As sociedades impugnantes não se conformam com a retenção na fonte (operada a título definitivo a uma taxa de 10%), porque, não considerando o valor da participação por si detida de pelo menos de 20% do capital da sociedade distribuidora por mais de dois anos, entende que nenhuma retenção deveria ter ocorrido.

Consideram ainda essa retenção assente numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais, em contrariedade com o previsto no artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (“TCE”) e, consequentemente, consubstanciando uma violação do primado do direito comunitário sobre o direito interno, tal como consagrado no n.º 4, do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

IX – Contudo, tal discriminação não se verifica porque nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, a isenção apenas ocorre sempre que se coloque à disposição de entidade residente noutro Estado Membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20 % e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos. (Redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro) - negrito nosso. Ora, a impugnante não fez prova desses requisitos.

X - Assim, para que fosse materialmente e imediatamente aplicável o disposto no número 3 do art.º 14.º do CIRC, a isenção, deveria ser feita prova perante a entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos ao respectivo titular, de que a mesma se encontraria nas condições de que depende a isenção aí prevista, sendo esta a relativa às condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, a efectuar através de declaração confirmada e autenticada pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado membro da União Europeia da residência da entidade beneficiária dos rendimentos (ainda de observar seriam as exigências previstas no artigo 119.º do CIRS).

Tal prova não foi feita e a matéria de facto provada relativamente às sociedades impugnantes também não permite concluir que as mesmas detinham uma participação superior a 20% do capital da entidade que procedeu à distribuição dos dividendos, embora o valor de aquisição das mesmas possa ser superior a € 20.000.000,00 (sem que se saiba qual o capital da entidade distribuidora e sem qualquer verificação do código relativo às acções em causa, conforme supra melhor exposto).

XI – De facto, face à possibilidade de ocorrência de dupla tributação internacional, por estarmos perante um ato que ocorre por previsão das normas tributárias de dois Estados, a situação deve ser ainda enquadrada com o auxílio das convenções internacionais. Nesse âmbito tal situação, encontra-se prevista e regulada pelas Convenções Internacionais, livremente ratificadas pelos Estados, in casu: a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, em 27 de Abril de 2000.

Desse modo e com efeito, a reciprocidade de tratamento entre Administrações Fiscais é evidente sendo disso também expressão o que se colhe de https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other_subjects/refund_or_exemption_dividend_tax/dividend_tax_refund ou de https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other_subjects/refund_or_exemption_dividend_tax/forms

XII – Como tal, para qualquer interpretação sobre a matéria decidenda há que atentar ao que refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0968/12, Acórdão datado de 23-01-2013, disponível em www-dgsi-pt, ou seja, o direito comunitário não pode deixar de ser observado pelo que, em caso de dúvidas face à aplicação do direito comunitário e em consumação do art.º 8.º n.º 4 da CRP, existe o reenvio prejudicial para o TJCE, cujas decisões são vinculativas para os tribunais portugueses, conforme é exemplo o acórdão datado de 2003/07/27, proferido no processo n.º 0874/03, disponível também em www-dgsi-pt. Ora desde já se invoca que em caso de dúvida se deve colocar a questão em apreço ao TJCE.

XIII - Questão semelhante (tributação de juros) foi apreciada no acórdão TJUE proferido em 22 dezembro 2008 (processo nº C-282/07), tendo sido emitida pronúncia nos seguintes termos:

“Os artigos 52º do Tratado CE (que passou, após alteração a artigo 43º CE), 580 do Tratado CE (actual artigo 48º CE), 73º-B e 73º-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56º CE e 58º CE), devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.

Este considerando deve ser conjugado com o considerando 32 do acórdão TJUE proferido em 8 novembro 2007 (processo C-379/05), que apreciou questão semelhante de diferença de tratamento fiscal resultante das diferentes residências de sociedades beneficiárias de dividendos distribuídos. (...) há que distinguir tratamentos desiguais, permitidos nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea a), CE, das discriminações proibidas pelo nº deste mesmo artigo.

(…) para que uma regulamentação fiscal nacional (...) possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais , é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkoojjen,C-35/98 (…); de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02 (..); e de 8 de Setembro de 2005,Blanckaert,C-512/03(...)

XIV – E, como se refere a propósito na obra “A Tributação das Sociedades na União Europeia” consideram-se impostos equiparáveis os impostos vigentes em vários Estados que, embora podendo ter denominações distintas, tenham uma natureza semelhante.

XV - A Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, veio em consonância regular a retenção na fonte dos lucros distribuídos entre uma sociedade afiliada e a sociedade-mãe, com domicílio fiscal em um dos diversos países membros da União Europeia, tendo em vista criar condições análogas às de um mercado interno e facilitar os agrupamentos de sociedades à escala comunitária.

Tal directiva veio impor aos Estados-Membros que a distribuição de lucros não se encontrasse sujeita à retenção na fonte, salvo se necessário para prevenir fraudes e abusos, autorizando ainda a derrogação desta não retenção a três países, entre os quais a Portugal, em que permitiu tal retenção por razões orçamentais.

XVI - A discriminação entre a tributação ou não dos dividendos depende da legislação fiscal do País onde esse ente tiver o respectivo domicílio fiscal, já que será nesse país, no apuramento do seu lucro tributável que os seus rendimentos serão tributados na sua globalidade, quer os aí produzidos, quer os produzidos fora, altura em que a dupla tributação será eliminada por via do crédito de imposto. E não se diga que tal não deva acontecer na Holanda, pois tal como ensina Paula Rosado Pereira “A Tributação das Sociedades na União Europeia” consideram-se impostos equiparáveis os impostos vigentes em vários Estados que, embora podendo ter denominações distintas, tenham uma natureza semelhante. A eliminação da dupla tributação encontra-se prevista no âmbito da EU no art.º 239.º do Tratado CE, nos termos do qual “Os Estados Membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus Nacionais … a eliminação da dupla tributação na Comunidade”, não importando qual a denominação do imposto.

E em boa verdade se diga que já no que se refere ao pelas impugnantes mencionado quanto ao artigo 46.º do CIRC, tal normativo enquadra situações diferentes, os casos de sociedades residentes e, não de entidades que disponham de relações com não residentes, ou seja, visa eliminar a dupla tributação económica de lucros distribuídos e, já não a dupla tributação internacional, não se podendo obter qualquer conclusão da comparação entre as duas normas.

XVII - Por outro lado, face ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 3 de Junho de 2010” Incumprimento de Estado - Livre Circulação de capitais – Artigos 56.º CE e 40.º do Acordo EEE – Diferença de Tratamento – Dividendos distribuídos a sociedades residentes e a sociedades não residentes” processo C – 487/08, que tem por objecto uma acção de incumprimento nos termos do art.º 266.º CE, verificamos que na acepção do artigo 5.º n.º 1 da Directiva 90/435 existe para Portugal uma inicial derrogação consagrada pelo n.º 4 do mesmo artigo que permite à República Portuguesa “ cobrar uma retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas sociedades afiliadas às sociedades mães.

XVIII – Ou seja, a eliminação da dupla tributação encontra-se prevista no âmbito da EU no art.º 239.º do Tratado CE, nos termos do qual “Os Estados Membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus Nacionais … a eliminação da dupla tributação na Comunidade”.

Nessa medida vigora a CDT celebrada entre Portugal e a Holanda, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 vai ao encontro das regras do direito comunitário.

XIX - A retenção foi em conformidade, efectuada à taxa 10% nos termos do art.º 10.º da CDT.

Concluindo-se definitivamente que as impugnantes foram até tributadas, comparativamente, com base numa taxa mais favorável do que a aplicada a residentes que se encontrem nas mesmas condições e que são tributados a uma taxa de geral de IRC de 25%.

A análise comparativa dos referidos regimes feita pelas impugnantes que conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes baseia-se num silogismo falso.

XX - Portanto os dividendos em causa, enquanto lucros gerados em Portugal - país fonte dos rendimentos, estão sujeitos a tributação a título definitivo mediante retenção na fonte quando distribuídos a não residentes, sendo que em regra as retenções na fonte para residentes têm um carácter de pagamento por conta do imposto devido a final. Ou seja, por via do crédito de imposto as impugnantes beneficiarão no seu país da eliminação da dupla tributação, país esse onde se verifica a reciprocidade de tratamento à semelhança do que acontece em Portugal.

XXI - Resulta daqui que não são devidos juros indemnizatórios a favor do contribuinte, por o facto não ser imputável à AF ou, por ter em vista o ressarcimento do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária, à qual a AT foi alheia.

Ou seja, como entende o Conselheiro Jorge Lino “erro imputável aos serviços” não se pode identificar com “qualquer ilegalidade”, sob pena de não se encontrar qualquer racionalidade da norma. Deste modo, a falta de fundamentação ou a errada interpretação da norma aplicada, são ilegalidades que não se enquadram no conceito de “erro”, como ignorância ou imperfeito conhecimento das regras do Direito, ou das circunstâncias de facto, revelada pela declaração, e não na vontade de quem emitiu o acto.

XXII - Pelo que, com o muito devido respeito, o douto Tribunal “ad quo”, face a tudo o supra exposto, não esteou a sua fundamentação de facto e de direito de acordo com a solução adotada pelo legislador e, nessa medida a decisão recorrida deve ser afastada da ordem jurídica, na medida em que violou as normas legalmente aplicáveis”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A) O objeto do recurso é a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 28.02.2018, que julgou procedente impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida, e que determinou (i) a anulação da retenção na fonte efetuada sobre os dividendos que lhe foram distribuídos em 14.11.2006; (ii) a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente retido; e (iii) a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.

B) A sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou ilegal a retenção na fonte, por considerar que a discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa viola o princípio da liberdade de circulação de capitais na União Europeia, consagrado nos artigos 56.° e 58.° do TCE a que atualmente correspondem os artigos 63.° e 65.°, do TFUE.

C) É convicção da Recorrida que a decisão proferida pelo Tribunal a quo revela uma correta valoração da matéria de facto dada como provada e a correspondente subsunção às normas aplicáveis, não violando qualquer disposição legal, pelo que deverá ser a mesma mantida na íntegra.

D) Contudo, discorda a Fazenda Pública - se bem entendemos as conclusões do recurso apresentado - da Sentença proferida, pois considera que (i) os factos dados como provados deveriam levar a uma solução diversa da constante na sentença (ii) a tributação dos dividendos auferidos pela Recorrida é conforme ao Direito da União Europeia e que, consequentemente, (iii) não são devidos juros indemnizatórios por não se verificar qualquer das situações previstas no artigo 43° da LGT.

E) O recurso interposto pela Fazenda Pública não pode merecer provimento, por diversas ordens de razões.

F) Quanto à questão da ilegalidade do ato de retenção na fonte, bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido no sentido de considerar - conforme, aliás, parece hoje ser jurisprudência unânime da jurisprudência nacional  - que a discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa viola o princípio da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais na União Europeia, consagrado nos artigos 56.° e 58.° do TCE, que atualmente correspondem os artigos 63.° e 65.°, do TFUE,

G) Inexiste, por isso, qualquer erro de julgamento que possa ser imputado à sentença proferida.

H) Considera, ainda, a Fazenda Pública, de acordo com o que se retira das conclusões desta, que “(…) a sentença proferida (...) caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar (...) a solução diversa da constante na sentença recorrida (...)”e que,

I) “(…) a matéria de facto provada relativamente às sociedades impugnantes também não permite concluir que as mesmas detinham uma participação superior a 20% do capital da entidade que procedeu à distribuição dos dividendos (...)”.

J) Apesar da não se revelar muito claro, se bem entendemos as conclusões de recurso apresentadas pela Fazenda Pública, é possível afirmar que esta considera que o Tribunal a quo decidiu pela desconformidade do direito Português com o da União Europeia sem que tenha ficado demonstrada a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais, além de não ter apurado se o imposto retido em Portugal era recuperado no país de residência e, ainda, se a Recorrida se encontra sujeita a um nível de tributação idêntico ao das sociedades residentes em Portugal.

K) Contudo, as alegações da Recorrida não cumprem o ónus da impugnação da matéria de facto prevista artigo 640.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, porquanto a impugnação da matéria de facto não se satisfaz com a contradição ou, neste caso, com a demonstração (mais ou menos conseguida) de um ponto de vista contrário ao do juiz a quo, o que determina a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto.

L) Por último, declarada a ilegalidade do ato tributário de retenção na fonte, por desconformidade do direito Português com o direito da União Europeia, resulta que existe um erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios à Recorrida, nos termos do disposto no artigo 43.° da LGT, pelo que a sentença não merece qualquer censura”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pela Recorrida:
a) O recurso deve ser rejeitado, por não terem sido cumpridos os requisitos exigidos pelo art.º 640.º do CPC?

Questão suscitada pela Recorrente:
b) Verifica-se erro de julgamento, de facto e de direito, porquanto as retenções na fonte efetuadas não padecem de qualquer ilegalidade?
c) Verifica-se erro de julgamento, no tocante à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, dado que o facto não é imputável à administração tributária (AT) ou por ter em vista o ressarcimento do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária à qual a AT foi alheia?
d) Deve ser feito reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) E..... BV é uma sociedade de direito holandês, que de acordo com a legislação fiscal dos Países Baixos é considerada residente fiscal na Holanda;

B) A A..... NV é uma sociedade de direito holandês, que de acordo com a legislação fiscal dos Países Baixos é considerada residente fiscal na Holanda;

C) A E..... BV adquiriu participações sociais no capital social do BCP, SA (ou BCP) e em Março de 2003 detinha (doc nºs 5 e 7, da pi);

D) A A..... NV adquiriu participações sociais no capital social do BCP e em Março de 2003 detinha (doc nº 6, da pi):

E) Em 14-11-2006 o BCP procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas relativos às acções com o código ....., no montante bruto de EUR 0,0037, por acção;

F) No âmbito da distribuição de dividendos a E..... BV, titular de 124.235.405 acções auferiu o rendimento bruto de €4.596.709,99, inicialmente objecto de retenção na fonte de 20%, no montante de €919.342,00 (doc nº 1 e 2, da pi);

G) A E..... BV apresentou à entidade pagadora o formulário Mod 8 RFI, certificado pelas autoridades fiscais holandesas em data anterior à da colocação à disposição dos dividendos referido em F) e a taxa de retenção na fonte foi corrigida para 10% ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos (CDT), sendo o montante final retido na fonte de €459.671,00 (doc nº 2, da pi);

H) A A..... NV, titular de 88.857.339 acções auferiu o rendimento bruto de €3.287.721,54 inicialmente objecto de retenção na fonte de 20%, no montante de €657.544,31 (doc nº 3, da pi);

I) A A..... NV apresentou à entidade pagadora o formulário Mod 8 RFI, certificado pelas autoridades fiscais holandesas em data anterior à da colocação à disposição dos dividendos referido em H) e a taxa de retenção na fonte foi corrigida para 10% ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos (CDT), sendo o montante final retido na fonte de €328.772,85 (doc nº 4 da pi);

J) Desde 09-02-2009 que as impugnantes têm representante fiscal em Portugal (do nº 10 e 11, da pi);

K) As impugnantes deduziram reclamação graciosa interposta da retenção na fonte sobre dividendos, distribuídos em 14 de Novembro de 2006, pretendendo o reembolso das quantias sujeitas a retenção na fonte, com os fundamentos de fls 3 a 25, da RG a que foi atribuída o nº .....2005 04004760, apensa;

L) A reclamação graciosa veio a ser indeferida liminarmente com os fundamentos constantes da informação prestada no âmbito da reclamação graciosa com o seguinte conteúdo na parte relevante (fls 73 e 74, da RG apensa):

(…).

2 – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

2.1 (…).

2.2 No que diz respeito à legitimidade, verificamos que estabelece o nº 4 do artº 19º da LGT que “os sujeitos passivos residentes no estrangeiro (…) devem para efeitos tributários, designar um representante legal com residência em território nacional”.

2.3. Indica ainda o nº 5 do citado normativo que, depende da designação de representante, nos termos do número anterior, o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação, contudo da consulta ao cadastro da administração tributária constata-se que a ora impugnante não nomeou qualquer representante lega, nos termos da lei tributária (…).

2.4. A falta de representante legal relativa a um não residente terá como consequência a restrição no exercício dos seus direitos, quer em sede de contencioso administrativo, quer em sede de contencioso judicial.

2.5. Não se podendo confundir a existência de procuração forense, que confere poderes de representação judicial, com a figura de representante legal exigido nos termos do nº 5 do artº 19º da LGT.

2.6 (…).

3 – CONCLUSÃO E PROPOSTA DE DECISÃO

(…) conclui-se pelo indeferimento liminar, face à ilegitimidade da reclamante para accionar o meio contencioso de reclamação graciosa, em conformidade com o disposto no nº 4 do artº 19º da LGT.

M) Em 01-10-2009 é deduzida a presente impugnação judicial”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados”.

II.C. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

M) A reclamação graciosa mencionada em L) foi indeferida liminarmente por despacho de 10.09.2009 (cfr. fls. 73 a 75, do processo administrativo – reclamação graciosa).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da rejeição do recurso

Considera, antes de mais, a Recorrida que o recurso deve ser rejeitado, por não ter sido dado cumprimento aos requisitos impostos pelo art.º 640.º do CPC.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos e atenta a leitura das alegações de recurso apresentadas, resulta que nestas a Recorrente não se insurgiu contra a matéria de facto fixada, não a tendo impugnado. É certo que invoca, de forma pouco consubstanciada, deficit instrutório, mas, no entanto, a conclusão que extrai é a de que a matéria de facto provada, contra a qual não se insurge, não poderia ter conduzido ao julgamento efetuado pelo Tribunal a quo.

Logo, e uma vez que os ónus mencionados supra são de atentar apenas quando haja impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, carece de materialidade o alegado pela Recorrida a este propósito.

Passando à apreciação das questões suscitadas pela Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, em virtude da legalidade das retenções na fonte efetuadas

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, dado que, na sua perspetiva, quer as normas de direito internacional quer as de direito da União Europeia (UE) foram adequadamente aplicadas, na medida em que foi acionada a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital (doravante CDT Portugal/Holanda) e na medida em que não foi provada a reunião dos requisitos previstos no art.º 2.º da Diretiva 90/435/CEE. Acrescenta que, por via do crédito de imposto, a Recorrida beneficia no seu país da eliminação da dupla tributação.

Vejamos então.

A dupla tributação económica surge quando determinado lucro de uma sociedade, que já tinha sido tributado em imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) na sua esfera, sofre nova tributação pela distribuição aos sócios e já no âmbito pessoal destes.

A dupla tributação económica, de âmbito internacional, caracteriza-se pela regra das três identidades:

¾ A incidência de impostos equiparáveis de dois (ou mais) Estados;

¾ Relativamente a um mesmo período;

¾ Com o mesmo facto gerador.

Nos termos das disposições então em vigor, as entidades residentes em território português, sujeitos passivos de IRC, não se encontravam sujeitas a retenção na fonte quanto ao imposto que poderia ser devido pela tributação dos dividendos nos termos do art.º 90.º, n.º 1, al. c), do Código do IRC (CIRC), sendo certo que estes ainda seriam deduzidos na sua base tributável em sede de apuramento do lucro tributável.

Para que tal ocorresse, exigia o art.º 46.º do CIRC, no seu n.º 1, que:

“1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direção efetiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direção efetiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º;

c) A entidade beneficiária detenha diretamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a (euro) 20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período”.

Por seu turno, se os dividendos da sociedade residente em território nacional fossem distribuídos a um não residente sem estabelecimento estável, mas que fosse residente num dos Estados-Membros (EM) da UE, duas situações poderiam ocorrer:

¾ Se preenchesse os requisitos previstos na então Diretiva 90/435/CE, do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às empresas-mães e às suas filiais em EM diferentes (entretanto revogada pela Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011), e transpostos no nosso ordenamento, no art.º 14.º do CIRC, os dividendos estariam isentos de imposto. Nos termos do art.º 14.º, n.º 3, do CIRC, era necessário que se preenchessem as condições estabelecidas no art.º 2.º da Diretiva 90/435/CEE, de 23 de julho, e era necessário um mínimo de detenção direta de uma participação no capital (não inferior a 20% à época, que, com a redação dada pelo art.º 52º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, passou a 15%) e que esta tenha permanecido ininterruptamente, durante dois anos, na sua titularidade;

¾ Se não preenchesse tais requisitos, ocorreria retenção na fonte a título definitivo [art.º 88.º, n.º 1, al. c), e n.º 3, al. b), do CIRC], sendo que poderiam ocorrer duas situações:
a) Se entretanto, no que respeita ao requisito temporal da titularidade da participação, esta viesse a estar ininterruptamente durante dois anos na titularidade do beneficiário do rendimento, este poderia requerer a devolução do imposto retido (art.º 89.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC);

b) Se tal requisito não se viesse a preencher, ou seja, se a entidade transmitisse a referida participação antes de completados os dois anos de detenção ininterrupta, não haveria lugar a tal devolução.

Ou seja, numa situação em que o valor de aquisição tenha sido não inferior a 20.000.000,00 Eur. e num caso de não aplicação da Diretiva 90/435/CEE, o tratamento feito a residentes e a não residentes no nosso ordenamento era distinto, quanto aos mecanismos internos para evitar a dupla tributação económica.

Feito este introito, cumpre, antes de mais, sublinhar que carece de pertinência o alegado pela Recorrente quanto à circunstância de ter sido aplicada a taxa de retenção prevista na CDT Portugal/Holanda e, bem assim, de não estarem reunidos os pressupostos de aplicação da Diretiva 90/435/CE.

Com efeito, e quanto à CDT, não é posto em causa que a mesma foi acionada e que, por esse motivo, a taxa de retenção aplicada foi não de 20 mas de 10%. O que cumpre aferir é se, ainda assim, o regime aplicado se configura como atentatório dos princípios enformadores do direito da União Europeia, designadamente o da liberdade de circulação.

No tocante à falta de reunião dos pressupostos de aplicação da Diretiva 90/435/CE, tal questão nunca esteve em causa. Com efeito, a Recorrida nunca pôs em causa que as participações sociais não representavam mais de 20% do capital social do BCP (cfr. art.º 11.º da petição inicial) – sendo, por isso, perfeitamente irrelevante aferir qual a representatividade das mencionadas participações no referido capital social para esse efeito, ao contrário do que considera a Recorrente. Portanto, não se coloca a questão da aplicação da Diretiva 90/435/CEE. Do que se trata, repetimos, é de aferir se o regime vigente no nosso ordenamento era atentatório do princípio da liberdade de circulação, princípio esse basilar do direito da UE e cujo respeito extravasa a questão da aplicabilidade da mencionada Diretiva.

Cumpre, pois, apreciar se o regime a que fizemos referência supra está em conformidade com o direito da UE originário.

Antes de mais, refira-se que no art.º 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, está consagrado o princípio do primado do direito comunitário, sobre o direito interno (sobre este princípio, cfr. o acórdão do TJUE, de 15 de julho de 1964, Costa/E.N.E.L., C-6/64, ECLI:EU:C:1964:66).

Especificamente no domínio da tributação direta, como refere Paula Rosado Pereira[3], “os Estados-membros [da União Europeia] mantêm os seus poderes em matéria de tributação directa, mas devem, contudo, exercê-los em conformidade com o Direito da UE. Os Estados-membros não podem, portando – quer na sua legislação fiscal doméstica, quer nas CDT que celebram – adoptar medidas fiscais que sejam contrárias ao Direito da UE, designadamente por envolverem uma discriminação dos sujeitos passivos em razão da nacionalidade ou por colocarem entraves às liberdades de circulação consagradas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia…”.

Aliás, como é jurisprudência assente do TJUE, muito embora a fiscalidade direta seja da competência dos EM, estes, no exercício de tal competência, devem fazê-lo com observância do direito da UE (cfr., entre outros, os acórdãos do TJUE, de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, ECLI:EU:C:2000:294; de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. ,C-397/98 e C-410/98, ECLI:EU:C:2001:134; de 23 de fevereiro de 2006, Keller Holding, C-471/04, ECLI:EU:C:2006:143; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, ECLI:EU:C:2006:773).

O Tratado CE, à época em vigor, no seu art.º 12.º, previa que “… é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. O Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.º, pode adotar normas destinadas a proibir essa discriminação”.

Esta disposição, no caso da fiscalidade direta, não tem aplicação autónoma, mas sim aplicação associada, designadamente, no caso do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, com as liberdades fundamentais previstas nos então art.ºs 43.º (liberdade de estabelecimento) e 56.º (livre circulação de capitais).

Quanto à liberdade de estabelecimento, esta implica assegurar o benefício do tratamento nacional no EM de acolhimento e impedir igualmente que o EM de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro EM de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (dupla vertente da liberdade de estabelecimento – cfr., v.g., os acórdãos do TJUE, de 16 de julho de 1998, ICI, C-264/96, ECLI:EU:C:1998:370, e de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes  e Cadbury Schweppes Overseas, C-196/04, ECLI:EU:C:2006:544).

No que respeita à livre circulação de capitais (cuja violação o Tribunal a quo entendeu verificar-se in casu), de acordo com o então art.º 56.º do Tratado CE, são proibidas todas as restrições a movimentos de capitais e pagamentos entre EM.

O art.º 58.º do Tratado CE previa, no entanto, que algumas restrições não violassem o disposto no art.º 56.º, a saber:

¾ Não se tratar de situações comparáveis;

¾ Existirem razões de ordem pública ou de segurança pública que as justifiquem. Ao nível da tributação direta, estes motivos não são diretamente aplicáveis, sendo que o TJUE tem aceitado o argumento da existência de razões imperiosas de interesse geral que justifiquem a restrição (não se incluindo neste conceito a redução das receitas – cfr. os acórdãos do TJUE, de 7 de setembro de 2004, Manninen, C-319/02, ECLI:EU:C:2004:484, de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, ECLI:EU:C:2005:763), e desde que “a sua aplicação seja adequada a garantir a realização do objetivo assim prosseguido e que não ultrapasse o que é necessário para o atingir (acórdãos de 15 de maio de 1997, Futura Participations e Singer, C-250/95, Colect., p. I-2471, n.° 26; de 11 de março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C-9/02, Colect., p. I-2409, n.° 49, e Marks & Spencer, já referido, n.° 35)” (cfr. Acórdão do TJUE, de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C-196/04, ECLI:EU:C:2006:544, n.º 47). A este respeito são consideradas algumas restrições que se prendam com medidas destinadas a evitar a evasão e fraude fiscais e o abuso ou risco de abuso[4].

Como referimos, do que se trata aqui é, pois, de analisar da compatibilidade do regime de tributação dos dividendos, no CIRC, com as liberdades fundamentais previstas no Tratado CE, já que estamos no âmbito da estrita competência do Estado, in casu, de Portugal, sendo certo que, nos termos já referidos, a soberania fiscal de um EM da UE não implica que a sua legislação colida com tais liberdades fundamentais.

Como referido no Acórdão do TJUE, de 8 de novembro de 2007, Amurta, C-379/05, ECLI:EU:C:2007:655: “para as participações não abrangidas pela Diretiva 90/435, compete com efeito aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e adotar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. No entanto, esta situação não significa que lhes seja permitido aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado CE (v. acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 54)” [sublinhados nossos; cfr. igualmente o Acórdão do TJUE, de 3 de junho de 2010 – Comissão vs. Espanha (C-487/08), ECLI:EU:C:2010:310, n.º 40].

Quanto à existência de tratamento discriminatório, é inequívoco que o regime em causa trata de forma distinta residentes e não residentes, perante a perceção de um mesmo rendimento, o que pode configurar uma restrição à livre circulação de capitais.

Como referido no Acórdão do TJUE, de 8 de novembro de 2007, Amurta, C-379/05, ECLI:EU:C:2007:655, já citado:

“Esse tratamento desfavorável dos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado-Membro, relativamente ao tratamento reservado aos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas nos Países Baixos, é suscetível de dissuadir as sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro de procederem a investimentos nos Países Baixos e constitui, consequentemente, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE”.

Também no Acórdão do TJUE, de 11 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel BetriebsgmbH, processos apensos C-436/08 e C-437/08, ECLI:EU:C:2011:61, n.º 50, se refere:

“Resulta de jurisprudência assente que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados-Membros (acórdãos de 25 de Janeiro de 2007, Festersen, C-370/05, Colect., p. I-1129, n.° 24, e A, já referido, n.° 40)”.

Sendo aplicáveis estes conceitos ao caso dos autos, o regime nacional em causa é discriminatório, face ao disposto no então art.º 56.º do Tratado CE, nos termos referidos: trata de forma distinta situações idênticas, podendo constituir uma forma de dissuadir o investimento em Portugal. Com efeito, atendendo ao critério do valor de aquisição, previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 46.º do CIRC, que não tinha paralelo no art.º 14.º do mesmo código (só o veio a ter com a redação que foi dada ao então n.º 3 do art.º 14.º do CIRC, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), verifica-se que a mesma situação de facto merece tratamentos distintos, consoante o beneficiário do rendimento resida em Portugal ou noutro EM da UE.

Por outro lado, mesmo atendendo ao disposto no então art.º 58.º do Tratado CE, esse tratamento discriminatório não é, in casu, justificado, como explanaremos de seguida.

Sobre a comparabilidade das situações, é perfeitamente aplicável o constante do Acórdão do TJUE, de 8 de novembro de 2007, Amurta, C-379/05, ECLI:EU:C:2007:655, n.ºs 38 a 41:

“… a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 68, e Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 35).

(…) Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se de que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes (v. acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 70).

(…) Ora, há que referir que a dupla tributação económica, de que são objecto os dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias não estabelecidas nos Países Baixos, resulta do mero exercício da sua competência fiscal por esse Estado-Membro, que submete esses dividendos ao imposto sobre os dividendos, ao passo que optou por evitar essa dupla tributação económica em relação às sociedades beneficiárias que tenham nos Países Baixos a sua sede ou um estabelecimento estável a que pertençam as acções da sociedade que procede à distribuição.

(…) Ainda que se admita (…) que o artigo 4.° da Wet DB visa simplificar a implementação da isenção das participações do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas, prevista no artigo 13.° da Wet Vpb, que não é aplicável às sociedades beneficiárias não estabelecidas nos Países Baixos que não estão sujeitas a esse imposto, este facto não é pertinente. Como foi referido nos n.os 38 e 39 do presente acórdão, é o exercício, por parte do Reino dos Países Baixos, da sua competência fiscal relativamente aos dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado-Membro que torna a situação dessas sociedades beneficiárias comparável à das sociedades beneficiárias estabelecidas nos Países Baixos, relativamente à prevenção da dupla tributação económica dos dividendos distribuídos pelas sociedades residentes desse Estado-Membro” (sublinhados nossos).

Ainda a este respeito, veja-se também o Acórdão do TJUE, de 3 de junho de 2010, Comissão vs. Espanha, C-487/08, ECLI:EU:C:2010:310, n.ºs 46, 47, 50 a 52:

“… [A] própria derrogação prevista no artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE é limitada pelo artigo 58.°, n.° 3, CE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.° 1 desse artigo ‘não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.°’.

(…) As diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE devem assim ser distinguidas das discriminações proibidas pelo n.° 3 do mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal nacional como aquela que é objeto do presente litígio possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, n.° 43; de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02, Colect., p. I-7477, n.° 29; Amurta, já referido, n.° 32; e Comissão/Itália, já referido, n.° 49).

(…) O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os acionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos acionistas beneficiários residentes noutro Estado-Membro (acórdãos de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170/05, Colect., p. I-11949, n.° 34; Amurta, já referido, n.° 37; e Comissão/Itália, já referido, n.° 51).

(…) Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os acionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 68; Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 35; Amurta, n.° 38; e Comissão/Itália, n.° 52).

(…) Com efeito, é o mero exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Nesse caso, para que os beneficiários não residentes não sejam confrontados com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve certificar-se de que, em relação ao mecanismo previsto na sua legislação nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, os não residentes sejam submetidos a um tratamento equivalente àquele de que beneficiam os residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 70; Amurta, n.° 39; e Comissão/Itália, n.° 53)” (sublinhados nossos).

Aliás, como se refere no Acórdão do TJUE, de 14 de dezembro de 2006, Denkavit, C-170/05, ECLI:EU:C:2006:783, n.º 28, “[o]s dividendos pagos às sociedades-mãe não residentes, diversamente dos pagos às sociedades-mãe residentes, são, portanto, objeto de uma tributação em cadeia nos termos da legislação fiscal francesa, na medida em que (…)  estes dividendos são tributados, uma primeira vez, a título de imposto sobre as sociedades a cargo da filial residente que procede à sua distribuição e, uma segunda vez, a título da retenção na fonte a que está sujeita a sociedade-mãe não residente beneficiária dos referidos dividendos”.

Ou seja, como decorre desta jurisprudência, o facto de o rendimento ser proveniente, no nosso caso, de uma sociedade portuguesa, determinando o nosso ordenamento o seu tratamento fiscal, torna as situações comparáveis, maxime por se refletir nos riscos de dupla tributação económica inerentes. Trata-se do tal conceito de tributação em cadeia, referido na jurisprudência europeia, que torna comparáveis as situações.

Seria admissível, eventualmente, uma medida sob condição, ou seja, a isenção a não residentes, mediante a prova de que o imposto retido não seria considerado no estado de residência. No entanto, nos termos em que o disposto no nosso ordenamento estava, à época, em abstrato, construído, este é atentatório da liberdade de circulação, quando se está perante situações idênticas, nos termos já referidos.

Quanto a razões imperiosas de interesse geral, nada resulta dos autos a este respeito.

Cumpre, então, verificar se há outros mecanismos que permitam neutralizar, in casu, a situação de dupla tributação verificada.

Como referido no Acórdão do TJUE, de 3 de junho de 2010, Comissão vs. Espanha, C-487/08, ECLI:EU:C:2010:310, n.ºs 64 e 66:

“ (…) [A] opção de tributar, no outro Estado-Membro, os rendimentos provenientes de Espanha ou o nível a que são tributados não depende do Reino de Espanha, mas das modalidades de tributação definidas pelo outro Estado-Membro. Por conseguinte, o Reino de Espanha não pode alegar que a dedução do imposto retido em Espanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das estipulações das Convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos compensar a diferença de tratamento decorrente da aplicação da legislação nacional (v. acórdão Comissão/Itália, já referido, n.° 39).

(…) Ora, por um lado, um Estado-Membro não pode invocar a existência de um benefício concedido unilateralmente por outro Estado-Membro, a fim de se eximir às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (…). Por outro lado, no caso vertente, uma isenção como a concedida pela República de Chipre não pode, em todo o caso, neutralizar a dupla tributação decorrente do exercício, pelo Reino de Espanha, do seu poder tributário” (sublinhados nossos).

Seguindo esta jurisprudência, cumpre, pois, aferir se a aplicação dos instrumentos de direito internacional permitem a neutralização da dupla tributação.

Ora, in casu, há que considerar que a legislação holandesa, em 2006, consagrava a chamada “participation exemption”, que o Tribunal a quo considerou in casu aplicável, por se reunirem os respetivos pressupostos, o que não foi posto em causa pela Recorrente[5] – cfr. art.ºs 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001.

A este propósito, veja-se o Acórdão do TJUE, de 14 de dezembro de 2006, Denkavit, C-170/05, ECLI:EU:C:2006:783, n.ºs 46 a 56:

“… No que respeita ao tratamento fiscal resultante da convenção franco-neerlandesa, há que recordar que uma sociedade não residente, como a Denkavit Internationaal, está em princípio autorizada, ao abrigo desta convenção, a imputar no imposto por si devido nos Países Baixos a retenção na fonte de 5% cobrada sobre os dividendos de origem francesa. Esta imputação não pode, todavia, exceder o montante do imposto neerlandês normalmente devido sobre estes dividendos. Ora, é pacífico que as sociedades-mãe neerlandesas estão isentas pelo Reino dos Países Baixos do imposto sobre os dividendos de origem estrangeira, e portanto de origem francesa, pelo que não é concedida qualquer redução pela retenção na fonte francesa.

(…) Assim, há que concluir que a aplicação conjugada da convenção franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente não permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento referida no quadro da resposta à primeira questão.

(…) Com efeito, em aplicação da convenção franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente, uma sociedade-mãe estabelecida nos Países Baixos, que recebe dividendos de uma filial estabelecida em França, está sujeita a tributação através de retenção na fonte, limitada, é certo, pela referida convenção, a 5% do montante dos dividendos em questão, ao passo que uma sociedade-mãe estabelecida em França, como foi referido no n.° 4 do presente acórdão, está quase totalmente isenta dessa tributação.

(…) Seja qual for a sua amplitude, a diferença de tratamento fiscal que resulta da aplicação desta convenção e desta legislação constitui uma discriminação em detrimento das sociedades-mãe, em razão da localização da respectiva sede, incompatível com a liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado.

(…) Com efeito, mesmo uma restrição à liberdade de estabelecimento, com pequeno impacto ou de menor importância, é proibida pelo artigo 43.° CE (v., neste sentido, acórdãos Comissão/França, já referido, n.° 21; de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C-34/98, Colect., p. I-995, n.° 49; e de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C-9/02, Colect., p. I-2409, n.° 43).

(…) A este respeito, o Governo francês alega que, segundo os princípios consagrados pelo direito fiscal internacional e como também decorre da convenção franco-neerlandesa, é ao Estado de residência do contribuinte, e não ao da fonte dos rendimentos tributados, que incumbe corrigir os efeitos de uma dupla tributação.

(…) Esta argumentação não pode ser acolhida, dado que não é pertinente no presente contexto.

(…) Com efeito, a República Francesa não pode invocar a convenção franco-neerlandesa, a fim de escapar às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v., neste sentido, acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, já referido, n.° 26).

(…) Ora, a aplicação conjugada da convenção franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente não permite evitar a tributação em cadeia a que está sujeita, diversamente de uma sociedade-mãe residente, uma sociedade-mãe não residente, nem, portanto, neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento salientada no quadro da resposta à primeira questão submetida, como se concluiu nos n.os 46 a 48 do presente acórdão.

(…) Com efeito, enquanto as sociedades-mãe residentes beneficiam de um regime fiscal que lhes permite evitar uma tributação em cadeia, como foi recordado no n.° 37 do presente acórdão, as sociedades-mãe não residentes estão, pelo contrário, sujeitas a este tipo de tributação dos dividendos distribuídos pelas suas filiais estabelecidas em França.

(…) Há, portanto, que responder às segunda e terceira questões que os artigos 43.° CE e 48.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê, unicamente para as sociedades-mãe não residentes, uma tributação através de retenção na fonte dos dividendos distribuídos por filiais residentes, mesmo no caso de uma convenção fiscal celebrada entre o Estado-Membro em causa e outro Estado-Membro, que autoriza essa retenção na fonte, prever a possibilidade de imputar no imposto devido neste outro Estado o encargo suportado em aplicação da referida legislação nacional, quando uma sociedade-mãe está impossibilitada, neste outro Estado-Membro, de proceder à imputação prevista na referida convenção”.

Assim, observando os instrumentos de direito internacional (que, como já referimos, foram acionados), ou seja, a CDT Portugal/Holanda, dos art.ºs 10.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, da mesma resulta a possibilidade de tributação dos dividendos no estado fonte, tal como sucedeu in casu, tendo-se optado pelo método da dedução de imposto, sendo tal dedução equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital. Sendo certo, pois, que a CDT em causa prevê um mecanismo de eliminação da dupla tributação, a verdade é que o método adotado foi o da dedução do imposto pago. Ora, tendo em consideração que, como já referido, os rendimentos em causa não são objeto de tributação na Holanda, não é possível à Recorrida deduzir o imposto retido em Portugal. Como tal, não se verifica que haja qualquer mecanismo que permita efetivamente garantir a neutralidade dos efeitos atentatórios da liberdade de circulação de capitais do ordenamento nacional.

Veja-se, a este propósito, o Acórdão do TJUE, de 14 de dezembro de 2006 – Denkavit (C-170/05), já citado supra e no qual está precisamente em causa situação idêntica à dos presentes autos. No âmbito do nosso ordenamento, veja-se ainda o despacho do TJUE (Quinta Secção), de 18 de junho de 2012, Amorim Energia, C-38/11, ECLI:EU:C:2012:358.

A este propósito, referiu-se no despacho do TJUE (quinta secção), de 22 de novembro de 2010, Secilpar, C199/10, ECLI:EU:C:2010:706:

“Os artigos 56.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois EstadosMembros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num EstadoMembro a uma sociedade beneficiária com sede noutro EstadoMembro, quando a regulamentação nacional do primeiro EstadoMembro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo EstadoMembro até ao montante da diferença de tratamento” (sublinhado nosso).

São ainda de chamar à colação os acórdãos proferidos pelos nossos tribunais superiores, alguns dos quais no âmbito de processos onde existe identidade entre as partes neles envolvidas e as envolvidas nos presentes autos, designadamente:

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.02.2017 (Processo: 0678/16);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2015 (Processo: 0768/13), relativo às mesmas partes;

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.01.2015 (Processo: 0890/13);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.01.2015 (Processo: 01160/13);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.11.2014 (Processo: 0461/14), relativo às mesmas partes;

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.10.2014 (Processo: 01502/12);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.05.2014 (Processo: 01192/13);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.05.2014 (Processo: 01319/13);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.04.2014 (Processo: 01318/13);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.12.2013 (Processo: 0568/13);

¾ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2013 (Processo: 0322/13);

¾ Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.05.2020 (Processo: 19/10.3BELRS), relativo às mesmas partes;

¾ Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.01.2019 (Processo: 1058/10.0BELRS), respeitante às mesmas partes;

¾ Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17.10.2013 (Processo: 05148/13);

¾ Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.02.2013 (Processo: 06193/12);

¾ Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.10.2012 (Processo: 05352/12);

¾ Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09.10.2012 (Processo: 05650/12).

Na sequência da litigância em torno desta questão foi, aliás, chamado a pronunciar-se o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que, em Acórdão de 09.07.2014 (Processo: 01435/12), referiu:

“[A] mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes (…) no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt”.

Chama-se ainda à colação o já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2015 (Processo: 0768/13), no qual, como mencionámos, há identidade das partes e onde se refere:

“No caso sub judice, (…) a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à impugnante, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco B……, SA, só pode ser neutralizada, nos termos da legislação nacional e da CDT, se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).

Sucede que, como atrás se referiu, um dos fundamentos para a procedência da impugnação foi precisamente o facto de na sentença recorrida se ter tido em consideração que a legislação holandesa consagra a “participation exemption”, que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas besloten vennootschap como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).

Sendo que este é um argumento preponderante para a procedência da impugnação já que a recuperação do imposto cobrado em Portugal por via de crédito de imposto, nos termos da CEDT Portugal/Países Baixos (artº 24º, nº 2), se encontra limitada ao imposto devido no Estado da residência (Holanda) sobre a mesma parcela de rendimento, ou seja, no caso, nenhum.

Ora a Fazenda Pública não põe em causa (…) que assim seja, isto é, que a recorrida beneficie de um regime de isenção no tocante a estes rendimentos e que tal regime de isenção resulte dos preceitos legais invocados na sentença recorrida.

Assim no caso subjudice, estando, como está, suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação de tais dividendos nos Países Baixos (isenção), forçoso é concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE (63º do actual TFUE)”.

Face ao exposto, decorre que não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios

No tocante aos juros indemnizatórios, considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro, na medida em que, em seu entender, os mesmos não são devidos, por o facto não ser imputável à AT ou por ter em vista o ressarcimento do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária, à qual a AT foi alheia.

In casu, o Tribunal a quo considerou serem devidos juros indemnizatórios contados desde a data dos pagamentos retidos.

Desde já se adiante que assiste, em parte, razão à Recorrente.

Vejamos então.

Quanto aos juros indemnizatórios, há que atender, desde logo, ao disposto no art.º 43.º da LGT, segundo o qual:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário que, considerando o disposto no art.º 43.º da LGT, se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a falta do próprio serviço, globalmente considerado.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.09.2011 (Processo: 0433/11):

“… [O] direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro (de facto ou de direito) imputável aos serviços, que tenha levado a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte e do qual tenha resultado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido à luz das normas fiscais substantivas”.

Por seu turno, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.11.2009 (Processo: 681/2009) escreveu-se que:

“… [A] letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (…). A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei [arts. 266.°, n.° 1, da C.R.P., 17.°, alínea a), do C.P.T. e 55.° da L.G.T.], pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.

Chama-se ainda à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.11.2004 (Processo: 01052/04):

“O desaparecimento do acto tributário de liquidação, seja por força da satisfação da reclamação graciosa, seja por obra da procedência da impugnação judicial, impõe à Administração Fiscal que reconstitua a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado. Tal inclui, necessariamente, a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez. Mas também integra a reconstituição da situação o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o contribuinte esteve, desde o pagamento que efectuou, até ao reembolso, privado da utilização do correspondente capital” (v. ainda, a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.janeiro.2012 – Processo: 05110/11; de 23.outubro.2012 – Processo: 05791/12).

Portanto, considerando o vício apreciado supra, de violação do direito da UE, a situação é de erro-vício, abrangida no âmbito do art.º 43.º, n.º 1, da LGT

Logo, atendendo ao disposto no supracitado n.º 1 do art.º 43.º da LGT, tem a Recorrida direito à reposição da situação atual e hipotética, havendo, pois, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

No entanto, cumpre definir o momento a partir do qual são devidos os juros, sendo a este propósito de atender ao alegado pela Recorrente, no sentido de o pagamento indevido da prestação tributária lhe ter sido alheio.

A este propósito, refere Jorge Lopes de Sousa[6]:

“[N]as situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos" (sublinhados nossos).

Veja-se igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009 (Processo: 0601/09), no qual se refere:

“… [O] erro de direito imputável aos serviços há-de ser o decorrente de errónea qualificação ou quantificação do imposto, ainda que praticado por terceiro a quem a AT haja porventura delegado aquelas funções, desde que, nestes casos, no mesmo sentido se tenha pronunciado também em sede de reclamação ou recurso hierárquico onde se tenha questionado a legalidade da liquidação ou, como aqui, a legalidade da retenção na fonte.

No mesmo sentido se pronunciou já esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no invocado aresto [de 09.10.2002, processo n.º 26.807] e em situação subjacente em tudo idêntica à dos presentes autos, dando inequívoca guarida ao entendimento de que eram devidos os reclamados juros indemnizatórios desde a data do indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo contribuinte contra a indevida retenção na fonte, constituindo o erro de direito imputável aos serviços precisamente o anterior e indevido indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

É aliás bem claro o sentido do ali decidido, como inequívoca decorrência do respectivo sumário que, por esclarecedor, e inequivocamente aplicável também aqui, não podemos deixar de transcrever:

As quantias recebidas em resultado da assunção de obrigações de não concorrência não estavam sujeitas a IRS no ano de 1998;

Deduzida reclamação graciosa contra a retenção na fonte, que veio a ser indeferida, antes devendo atender a pretensão do reclamante, há lugar a juros indemnizatórios, pois que tal indeferimento lavrou em erro imputável aos serviços.

(…) São assim devidos os reclamados juros indemnizatórios a partir do indeferimento inicial da reclamação graciosa apresentada” (sublinhados nossos; veja-se ainda, em situação similar à dos presentes autos, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.02.2013 – Processo: 06230/12).

Sumariou-se, a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.01.2017 (Processo: 0890/16) – cuja situação fática se prende justamente com reação a retenção na fonte, aquando da colocação à disposição dos dividendos –, que “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.

Nesse mesmo sentido, vejam-se, v.g., os Acórdãos deste TCAS, de 19.02.2013 (Processo: 06193/12), de 17.10.2013 (Processo: 05148/13) e de 05.03.2020 (Processo: 678/08.7BEALM).

Como tal, tendo sido apresentada reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho de 10.09.2009, o erro passou a ser imputável à AT a partir daquele momento, isto é, do momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez.

Nessa sequência, são devidos juros indemnizatórios não desde a data em que foi feita a retenção, mas sim desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data em que vier a ser emitida nota de crédito respeitante ao imposto em causa.

Como tal, nos termos explanados, assiste em parte razão à Recorrente.

III.D. Do reenvio prejudicial

Refere ainda a Recorrente, ainda que de forma não consubstanciada, ser de suscitar reenvio prejudicial dos presentes autos, em caso de dúvida.

Atento o disposto no art.º 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), é possível submeter à apreciação do TJUE dois tipos de questões prejudiciais: as relacionadas com a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (reenvio de interpretação) e as relacionadas com a validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (reenvio de validade).

Como tal, os órgãos jurisdicionais dos diversos EM da UE, enquanto tribunais comuns da ordem jurídica da UE, podem e devem formular as necessárias questões prejudiciais pertinentes para a resolução de litígios.

A formulação de questões prejudiciais pode configurar-se, por outro lado, como facultativa ou obrigatória.

Assim, nos termos do art.º 267.º do TFUE: “[s]empre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”[7].

Como tal, nos reenvios de interpretação, caso o processo seja passível de recurso ordinário, a formulação de questão prejudicial é facultativa.

A propósito do reenvio de interpretação, refere-se nas Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2018/C 257/01):

“5.Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (ver artigo 267.o, segundo parágrafo, do TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito”.

Ora, no caso dos autos, considera-se que a jurisprudência do TJUE, a que se foi fazendo referência ao longo do presente acórdão, já dá cabal resposta a todas as questões suscitadas pela Recorrente.

Como tal, entende-se inexistir uma situação de dúvida que motive reenvio prejudicial ao TJUE, razão pela qual se indefere o requerido.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Atenta a circunstância de as questões em apreciação já terem sido objeto de apreciação pelos Tribunais superiores, por diversas vezes, como é referido ao longo do presente acórdão, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a.1. Revogar a sentença recorrida, na parte em que condena a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios contados da data do pagamento, condenando-se a Fazenda Pública em tal pagamento, a contar de 10.09.2009;
a.2. Manter a sentença recorrida quanto ao demais;
b) Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 99% pela Fazenda Pública e 1% pela A....., BV, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 22 de outubro de 2020


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


__________________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Almedina, Coimbra, 2010, p. 245.
[4] Cfr. Ana Paula Dourado, Lições de Direito Fiscal Europeu – Tributação Directa, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 128 e 129.
[5] V. a este respeito Freek P. J. Snel, «The Netherlands Tax Treatment of Subsidiaries with Special Reference to Credit Regimes», European Taxation, Maio de 2009, p. 235, e Taxation in the Netherlands 2007 - Information for companies operating internationally, Ministry of Finance, 2007, pp. 11, 21 e 22.
[6] Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 52.
[7] Cfr., no entanto, sobre o reenvio de validade, o Acórdão de 22 de outubro de 1987, C-314/95, Foto-Frost, ECLI:EU:C:1987:452.