Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:724/18.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ERRO DA SECRETARIA
APRECIAÇÃO LIMINAR
Sumário:I. A parte não pode ser prejudicada pelos erros de secretaria, como resulta do disposto no art.º 157.º, n.º 6, do CPC.
II. Se a parte enviou mensagem de correio eletrónico contendo dois documentos, tendo sido apenas um deles incorporado no processo, a decisão liminar sempre exigirá a apreciação do documento que, indevidamente, não foi junto aos autos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

M….. (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da decisão proferida a 13.05.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi rejeitada liminarmente a impugnação por si apresentada, por falta de indicação do ato impugnado.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“- Deve considerar-se identificado nos autos ora recorridos e em especial no ponto 7 da impugnação, como identificado o acto administrativo impugnado;

- Deve a sentença ser revogada;

- Deve ordenar-se o prosseguimento dos autos;

- Deve notificar-se a autoridade tributária para juntar aos autos o processo contra- ordenacional a correr termos juntos dos serviços, suspenso em virtude da apresentação da impugnação”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1. Analisada a PI da ora recorrente facilmente se depreende que a mesma pretendia sindicar a legalidade da decisão de aplicação de coima proferida no âmbito do procedimento contraordenacional n.º PCO ….. da Alfândega de Setúbal. Ora, estando a recorrente devidamente notificada de que, no prazo de vinte dias úteis, poderia interpor recurso judicial da decisão de aplicação de coima proferida para os Tribunais Tributários de 1- Instância (Tribunal Administrativo e Fiscal competente), nos termos do artigo 809 do RGIT, mostra-se que o meio de reação utilizado não é o meio próprio para o efeito.

2. A PI padece, ainda, da falta de indicação do ato passível de ser impugnado, sendo que decorre desse facto a falta de objeto da impugnação e a consequente ininteligibilidade do pedido”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de a Recorrente ter apresentado junto do Tribunal a quo o ato impugnado?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação do presente recurso, considera-se provada a seguinte matéria de facto:

1) A Recorrida apresentou junto do TAF de Almada petição inicial, constante de fls. 2 a 4 verso dos autos (numeração em suporte de papel), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual formulou o seguinte pedido:

“Posto o que, se salvo melhor entendimento, deve a Arguida ser absolvida da contraordenação que sobre ela impende por existir duplicação de processos de contra ordenação. Isto porque à Arguida são comunicados os mesmos factos, que violam os mesmos preceitos legais gerando o mesmo valor de coima, uma por parte da Guarda Nacional Republicana, e esta por parte da Autoridade Tributária. Mas, assim não entendendo V. Exa a Arguida deverá punida como ora se demonstra, ou seja pela introdução no consumo, expedição, detenção ou comercialização de produtos com violação das regras de selagem, embalagem, detenção ou comercialização, desrespeitanto assim o n° 2 do art.109°. Aplicando-se dessa forma à Arguida uma coima no valor mínimo de €: 250,00 (duzentos e cinquenta euros) conforme estipula o n.º 2 do artigo 109° do RGIT,.

Se ainda assim V. Exa não entender e atento os factos constantes dos autos, ao facto de o Café já não existir, e ainda à parca reforma da Arguida e seguindo os autos para decisão e fixação da coima, requer a Arguida o benefício do pagamento voluntário da coima, com a redução para 75% do montante apurado. Devendo, atento os valores declarados pela Arguida, fixar-se pelo mínimo legalmente estabelecido, fazendo-se desta forma Justiça em relação aos factos”.

2) Na sequência do referido em 1) foram autuados os presentes autos (cfr. fls. de capa dos presentes autos).

3) Foi proferido despacho nos presentes autos, a 29.04.2019, com o seguinte teor:

“Compulsados os autos, constata-se que não foi junta a procuração forense.

Em face do exposto, notifique, a Ilustre advogada signatária da petição inicial e a Impugnante para, no prazo de 10 dias, juntar a procuração e ratificação do processado, sob pena de ficarem sem efeito os actos por si praticados, cf. artigo 48.º, n.s 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e), do CPPT.


***

Atento o disposto no artigo 79.º, n.º 3, alínea a), do CPTA, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. c), do CPPT e 108.º, nº 3, do CPPT, deduzida pretensão impugnatória, cabe ao Autor juntar e identificar cabalmente o ato impugnado.

Assim, por se afigurar fundamental para a presente lide, mormente, em sede de tempestividade, inteligibilidade do pedido e objecto da presente impugnação, em ordem do consignado no artigo 79.º, n.º 3, al. a) do CPTA, aplicável por via do artigo 2.º, al. c), do CPPT e no artigo 108.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT, determino a notificação da Impugnante para, no prazo de 10 dias, identificar e juntar aos autos o ato impugnado com menção da data da sua notificação, sob pena de rejeição liminar da petição inicial” (cfr. fls. 33 dos autos em suporte de papel).

4) Na sequência do referido em 3), foi remetida pela Recorrente ao TAF de Almada mensagem de correio eletrónica, datada de 08.05.2019, à qual foram anexados dois ficheiros com as designações “Proc Forense.pdf” e “Notificação Proc Contr~1.pdf” (cfr. fls. 34 e 35 dos autos em suporte de papel).

5) No âmbito dos presentes autos e na sequência do referido em 4), foi nos mesmos incorporada impressão da mensagem de correio eletrónico e da procuração forense (cfr. fls. 34 e 35 dos autos em suporte de papel e correspondente ficheiro na plataforma SITAF).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que procedeu à identificação do ato impugnado.

Vejamos então.

Em sede de impugnação judicial, como resulta desde logo do disposto no art.º 108.º do CPPT, a petição inicial tem de cumprir determinados requisitos, designadamente:

a) Ter forma articulada;

b) Estar dirigida ao juiz do tribunal considerado competente;

c) Identificar o ato impugnado e entidade que a praticou;

d) Indicar os factos e as razões de direito;

e) Indicar o pedido;

f) Indicar o valor da causa ou forma como pretende a sua determinação pela AT.

É ainda de atentar ao disposto nos art.ºs 78.º e 80.º do CPTA (ex vi art.º 2.º, al. c), do CPPT).

Contendo aquele articulado irregularidades, as mesmas podem ser ou não ser passíveis de sanação.

Sendo passíveis de sanação, cabe ao juiz o poder-dever de proferir despacho de aperfeiçoamento, no qual formule um convite de suprimento de irregularidade (cfr. art.º 110.º, n.º 2, do CPPT, e art.º 87.º, n.º 7, do CPTA).

Se a irregularidade for suprida os autos prosseguirão; não o sendo, poderá ser liminarmente rejeitada a impugnação.

In casu, como resulta dos autos, o Tribunal a quo, considerando que a petição inicial continha deficiências no tocante à identificação do ato impugnado (que, ao contrário do referido pela Recorrente, não está identificado no ponto 7 da petição inicial), formulou despacho de aperfeiçoamento, convidando a Recorrente a identificar e juntar aos autos o ato impugnado, com menção da data da sua notificação.

Sucede, porém, que, não obstante a Recorrente ter remetido aos autos mensagem de correio eletrónico contendo dois ficheiros (um deles, pela sua designação, respeitante ao “ato impugnado”, porquanto o nome do ficheiro respeita a notificação de contraordenação e da petição inicial resulta, sem dúvida, que a Recorrente visa reagir contra decisão de contraordenação), apenas foi incorporado nos autos um dos ficheiros (o relativo à procuração forense), sem que haja qualquer menção ao outro ficheiro (por exemplo, a eventualidade de o mesmo ter alguma irregularidade que impedisse a sua abertura ou qualquer outro entrave, que sempre mereceria uma insistência para efeitos de obtenção do documento em adequadas condições).

Ora, sem a análise do documento correspondente ao ficheiro não incorporado nos autos, não é possível concluir pela não resposta ao despacho de aperfeiçoamento formulado. Por outro lado, a parte não pode ser prejudicada pelos erros de secretaria, como resulta do disposto no art.º 157.º, n.º 6, do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.

Carece de relevância o alegado pela Recorrida, na sua conclusão 1., porquanto tal respeitará à aferição dos demais pressupostos processuais (designadamente o eventual erro na forma do processo e a possibilidade de convolação dos autos), que caberá ao Tribunal a quo fazer, depois de analisado o documento a que nos referimos supra.

Como tal, cumpre revogar a decisão recorrida, devendo os autos regressar ao Tribunal a quo para que aí se diligencie no sentido de juntar aos autos o documento remetido via correio eletrónico com a designação “Notificação Proc Contr~1.pdf” e, eventualmente, realizar demais diligências instrutórias que se afigurem pertinentes, para, posteriormente, se proceder à apreciação liminar dos autos.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida;

b) Determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para que aí, após a junção do documento remetido via correio eletrónico com a designação “Notificação Proc Contr~1.pdf” e a realização de outras diligências instrutórias que se afigurem pertinentes, se proceda à apreciação liminar dos autos;

c) Custas pela Recorrida na presente instância, porque contra-alegou;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)