Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09785/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL
Sumário:i)Nos termos do artigo 26.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem aplicável às arbitragens em matéria administrativa que decorram sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (que constitui parte integrante da convenção de arbitragem – art. 8.º, n.º 5, do Regulamento), “se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos para o Tribunal Central Administrativo que caberiam da sentença proferida pelos tribunais administrativos de 1ª instância”.

ii) Não tendo sido cumprido o ónus de alegação em relação à configuração factual da existência de uma situação de grave carência económica, nem efectuada a alegação de factos de que resulte a conclusão de que o prolongamento dessa situação é susceptível de acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis para os direitos e interesses cuja tutela se visa assegurar, não pode dar-se por preenchido o requisito do periculum in mora.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Ana ……………………., Antónia ……………….., Maria ………………., Joana ……………., Ana Cristina …………., Manuela ………….., Maria Teresa ……………, Carmen …………………, Ernesto …………., Maria de Fátima …………., Maria Graziela …………. e Júlio ……… requereram junto do Centro de Arbitragem Administrativa (previamente ao respectivo processo principal e ao abrigo do disposto nos arts 19º e 29º do Regulamento de Arbitragem, 20º e segs. da Lei n.º 63/2011, de 14/12 e artigos 112º, nº1 e 2 al.a) do CPTA) contra o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P o decretamento da suspensão de eficácia do despacho do Presidente da Entidade Requerida, ora Recorrida, que determina que a partir de Novembro de 2012 os vencimentos dos Requerentes e ora Recorrentes sejam processados em valor inferior aquele que vinham a auferir e que lhes ordena a reposição das retribuições indevidamente recebidas no período compreendido entre Setembro de 2007 e Agosto de 2012.

Por decisão de 18.12.2012, proferida no âmbito do Procedimento Cautelar, que tomou o nº68/2012 (Procedimento cautelar – art. 19.º do Regulamento), o Tribunal Arbitral julgou o pedido cautelar improcedente, absolvendo do pedido a entidade pública requerida.

Discordando desta decisão dela interpuseram recurso para este TCA, apresentando na sua alegação as seguintes conclusões:

A) A douta sentença violou, por incorrecta aplicação, o disposto no artigo 120°,n°l, alínea b) do CPTA, na medida em que não atendeu ao facto de o acto projectado não se encontrar fundamentado, não sendo possível reconstituir o iter cognoscitivo da Administração e, assim, não estar cumprido o artigo 101°, n°l, do CPA, inviabilizando que os aqui Recorrentes pudessem exercer o seu direito de audiência prévia;

B) E violou o mesmo preceito ao não atender ao facto de, quer a ablação de vencimento, por efeito deste acto e, aliás, acrescida das ablações que para todos os funcionários resultam da aplicação das normas das últimas Leis de Orçamento de Estado e, somadas à obrigação de reposição, também por efeito deste acto, implicarem, tendo em conta a duração previsível do presente litígio, não só na CAAD como também no TCA Sul, dano de difícil reparação na economia dos Recorrentes;

Neste termos e nos melhores de direito deve a sentença recorrida ser revogada, ordenando.se as providencias requeridas.



O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado, com base no seguinte quadro conclusivo:

1ª) Muito embora os utentes devam efetuar o pagamento na conservatória dos emolumentos devidos pelos atos e do montante correspondente à participação emolumentar devida por atos sujeitos a isenção ou redução emolumentar, a participação emolumentar devida aos trabalhadores do serviço de registo, extraída dos emolumentos pagos pelos atos ou cobrada diretamente aos utentes, é sempre processada, liquidada e paga àqueles trabalhadores pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN, I.P.).

2.ª) Pelo que, os montantes que foram percebidos indevidamente pelos Recorrentes a título de participação emolumentar e cuja reposição foi ordenada pelo Recorrido, foram efetivamente pagos àqueles por este último, e não pelos utentes, tendo sido retirados da receita emolumentar devida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. (IGFEJ, IP.),

3ª) Sendo, pois, totalmente descabida a alegação de que o despacho impugnado teria determinado um confisco das quantias emolumentares que foram indevidamente pagas aos Recorrentes.

4ª) Por outro lado, não obstante os emolumentos mensalmente arrecadados pelas conservatórias que não tenham a natureza de emolumentos pessoais, deduzidos da participação emolumentar devida aos respetivos trabalhadores, constituírem receita do IGFEJ, I.P., o processamento, liquidação e pagamento da participação emolumentar estão a cargo do IRN, I.P. e não daquele instituto.

5ª) Pelo que, o despacho impugnado, ao determinar a reposição dos montantes de participação emolumentar indevidamente percebidos pelos Recorrentes, não violou as atribuições do IGFEJ, I.P..

6ª) O projeto da decisão que foi objeto de impugnação foi suficientemente fundamentado, de facto e de direito, constando da informação que lhe serviu de base os dados de facto que serviram de referência ao apuramento da participação emolumentar e a indicação dos diplomas legais e decisões administrativas que fundamentaram esse apuramento, com referência, para alguns dos diplomas, das concretas normas aplicáveis.

7ª) Na ponderação da percetibilidade da fundamentação do projeto de decisão, haverá que ter em conta o tipo ou natureza do ato, o contexto em que foi praticado e os efetivos destinatários do mesmo, designadamente quanto às suas habilitações e conhecimento profissional.

8ª) Aos Recorrentes seria exigível o conhecimento, não só dos diplomas legais aplicáveis (não obstante, indicados na informação que fundamentou o projeto de decisão), mas também das concretas normas aplicáveis de cada um desses diplomas (parcialmente indicadas na mesma informação, para os casos em que se entendeu ser conveniente explicitá-las) e dos critérios de interpretação das mesmas contidos em despachos e orientações administrativas (indicados quando se entendeu necessário).

9ª) Pelo que o despacho final impugnado não violou o disposto no artigo 125° do Código do Procedimento Administrativo, nem o direito de audiência prévia dos Recorrentes previsto nos artigos 100° e 101° do mesmo código.

10ª) Consequentemente, improcedem todas as causas de invalidade do mesmo despacho arguidas pelos Recorrentes.

11ª) Não se verificando a manifesta ilegalidade do referido despacho, nem qualquer outra das situações que, de acordo com o artigo 120°, n°1, al. a) do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), evidenciam a procedência da pretensão formulada no processo principal, não se mostra, pois, verificado o pressuposto de decretamento da providência cautelar a que se refere aquele preceito legal.

12ª) Na situação sub judice não se verifica uma situação de facto consumado, na medida em que, mesmo que não seja decretada a providência cautelar requerida, nada impede que através da ação principal se consiga o efeito pretendido com o processo cautelar.

13ª) Por outro lado, os Recorrentes não demonstram suficientemente que o indeferimento da providência cautelar requerida determine a ocorrência de prejuízos de difícil reparação para os interesses visados no processo principal,

14ª) Já que a factualidade alegada pelos Recorrentes não permite concluir com certeza que a privação do montante a repor por cada um deles - particularmente se o fizerem em prestações, tal como é permitido por lei -, ponha em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares do respetivo agregado familiar ou mesmo que determine um drástico abaixamento do seu nível de vida.

15ª) O Recorrido, enquanto entidade que integra a Administração Indireta do Estado, encontra-se adstrito ao cumprimento do princípio da legalidade, pelo que se lhe impõe a reposição da legalidade no caso em apreço, obrigando à reposição de quantias públicas, indevidamente percecionadas pelos Recorrentes.

16ª) O prejuízo que resulta para o Estado pelo decretamento da providência cautelar requerida é superior ao que resulta para os Recorrentes da sua recusa.

17ª) Não se mostram, pois, verificados os pressupostos de que o artigo 120.° do CPTA faz depender o decretamento da providência cautelar requerida.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, devendo ser mantida a decisão do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa que decretou a improcedência do pedido de providência cautelar de suspensão de ato administrativo apresentado pelos ora Recorrentes».



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da inadmissibilidade do recurso.



Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões com que somos confrontados no presente recurso de decisão arbitral, traduzem-se em apreciar:

- Se o recurso apresentado é admissível; e, em caso afirmativo,

- Saber se e o Tribunal Arbitral incorreu em erro de julgamento ao ter indeferido a providência cautelar requerida.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Arbitral, a qual se reproduz ipsis verbis:

1. Os Requerentes, com excepção da Requerente Maria Graziela ……………., entretanto aposentada, são funcionários do Réu e encontram-se integrados no respectivo mapa de pessoal.

2. Estiveram providos no quadro da, entretanto extinta, 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e, nessa qualidade, foram notificados do teor do ofício n°3456/30.08.2012, Refª80RP2012/ASID e, bem assim, da Informação, à qual foi aposto o despacho "concordo" do Exmo. Vice Presidente do IRN de 25 de Agosto de 2012 - documento n°1 (este e demais documentos que se referem a seguir sem menção da origem, são os documentos juntos com a PI) e Proc administrativo junto.

3. Em 24 de Setembro de 2012, os Requerentes exerceram o direito de audiência prévia, nos termos do documento n°2 que se junta e aqui se tem por integralmente reproduzido.

4. O requerimento de audiência prévia foi objecto da Informação de 5 de Novembro de 2012 - documento n. ° 3.

5. Sobre a qual foi aposto o despacho de "concordo" do Exmo. Presidente do IRN - documento n. ° 3.

6. Em 12 de Novembro de 2012, foram os Requerentes notificados da decisão final do procedimento, através do ofício n.°4308/07.11.2012 (P.°80RP2012/SAID) -documento n °3.

7. Do teor do ofício em apreço - uma comunicação remetida pelo Requerido à Exma. Directora da Conservatória do Registo Predial de Lisboa a fim de que esta notificasse cada um dos aqui Requerentes - resulta ainda a solicitação "...que, no próximo processamento de vencimentos que venha a ser realizado por esse serviço, sejam já observados os valores que resultam do ato ora comunicado..." - documento n.°3.

8. E, bem assim, "... e no que se refere aos trabalhadores que tenham verbas a repor, informa-se que nesta data se procedeu à comunicação desses valores ao Departamento Financeiro deste Instituto, o qual, após dedução dos descontos que tenham sido pagos, promoverá a liquidação do remanescente por meio de emissão de guia" - documento n. ° 3.

9. Do acto suspendendo resulta, para cada um dos aqui Requerentes, os seguintes valores de ablação de retribuição a título de participação emolumentar a repor:
a) Ana ……………………….:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 4.616,59 Euros (diferença a repor 444,32 Euros) a receber 4.172,27 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 32.101,00 Euros -documento n. ° 4.
b) Antónia …………………:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 3.231,62 Euros (diferença a repor 311,03 Euros) a receber 2.920,59 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 23.168,56 Euros -documento n. ° 5.
c) Maria do Céu ………………:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 3.231,62 Euros (diferença a repor 311,03 Euros) a receber 2.920,59 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 23.147,83 Euros -documento n. ° 6.
d) Joana …………………..:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 3.187,17 Euros (diferença a repor 274,22 Euros) a receber 2.912,95 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 20.537,56 Euros -documento n. ° 7.
e) Ana Cristina ………………….:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 1.902,78 Euros (diferença a repor 171,12 Euros) a receber 1.731,66 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 13.095,75 Eurosdocumento n. ° 8.
f) Manuela do Carmo …….:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 1.832,44 Euros (diferença a repor 84,72 Euros) a receber 1.747,72 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 6.496,14 Euros-documento n. ° 9.
g) Maria Teresa ………………….:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 3.187,17 Euros (diferença a repor 273,77 Euros) a receber 2.913,40 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 20.515,30 Euros -documento n. ° 10.
h) Carmen ………………………….:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 1.902,78 Euros (diferença a repor 171,12 Euros) a receber 1.731,66 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 13.024,02 Euros -documento n°11.
i) Ernesto ……………………:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 1.905,07 Euros (diferença a repor 171,02 Euros) a receber 1.734,05 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 13.085,04 Euros -documento n. ° 12.
j) Maria de Fátima ………………:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 1.905,07 Euros (diferença a repor 171,02 Euros) a receber 1.734,05 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 13.078,43 Euros - documento nº13.
k) Maria Graziela ……………………:
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 23.147,83 Euros.
l) Júlio …………..:
Retribuição de 2012 (PE): Recebido 3.187,17 Euros (diferença a repor 274,22 Euros) a receber 2.912,95 Euros.
Total a repor de Setembro de 2007 a Agosto de 2012: 20.573,46 Euros -documento n. ° 14

10. É a decisão final do procedimento que foi impugnada em acção que deu entrada no CAAD em 26 de Novembro de 2012.


II.2. De direito

Antes de entramos na apreciação propriamente dita do mérito do recurso, cumpre conhecer da questão prévia suscitada no seu Parecer pela Digna Magistrada do Ministério Público e que se prende com a inadmissibilidade do recurso (cfr. fls. 471/472).

Vejamos então.

Estipula o n.º 4 do artigo 39.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), que “a sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para a o tribunal estatual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante compromisso amigável”.

Tal significa que a possibilidade de interposição de recurso para o tribunal estatual competente só ocorre no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade (opção das partes) ou mediante composição amigável. Sendo que, no que se refere à arbitragem administrativa, o Tribunal Arbitral julga apenas segundo o direito constituído (art. 24.º do Regulamento).

Ficou assim estabelecida a regra da irrecorribilidade das decisões, de que o nº 1 do art. 46.º da Lei n.º 63/2011, constitui afloramento: “Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do nº 4 do artigo 39.°, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo”.

Na verdade, como se afirmou no acórdão deste TCAS de 29.01.2015, proc. n.º 11713/14, reforçando a autonomia dos tribunais arbitrais, o novo legislador inverteu a regra até agora existente para o recurso de sentença arbitral e entendeu que só é admissível recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade, em regra, na convenção de arbitragem (o referido art. 39.º da Lei n.º 63/2011).

É consabido que o regime da arbitragem no direito administrativo comporta certas especialidades que, aliás, o CPTA acautela. Assim se compreende que a outorga do compromisso arbitral por parte do Estado deva ser objecto de despacho do ministro da tutela, nos termos do n.º 1 do art. 184.º do CPTA, despacho esse que compete, tratando-se de outras pessoas colectivas públicas, ao presidente do respectivo órgão dirigente ou ao governo regional e ao órgão autárquico que desempenha funções executivas, como rezam os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo. Sem aquele despacho não há compromisso arbitral.

O Ministério da Justiça vinculou-se à jurisdição de um dos Centros de Arbitragem criados pelo XVII Governo Constitucional, no caso ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tal como resulta do proémio da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro. No seu artigo 1.º diz-se que:
«Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), os seguintes serviços centrais, pessoas colectiva públicas e entidades que funcionam no âmbito do Ministério da Justiça:
(…)
j) O Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (…)».

A presente acção cautelar foi intentada ao abrigo deste normativo e, consequentemente fica sujeita ao Regulamento de Arbitragem, conforme decorre do n.º 2 do artigo 8.º desse Regulamento (disponível no site www.caad.org.pt).

E o artigo 26.º daquele Regulamento, sob a epígrafe“Impugnação da decisão arbitral”, estipula o seguinte:

«1. As decisões proferidas pelo tribunal podem ser anuladas pelo Tribunal Central Administrativo com qualquer dos fundamentos que, na lei sobre arbitragem voluntária, permitem a anulação da decisão dos árbitros.

2- Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos para o Tribunal Central Administrativo que caberiam da sentença proferida pelos tribunais administrativos de 1ª instância»

Ora, não existindo pelas partes renúncia ao recurso, designadamente por via da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, nem estabelecendo o Regulamento de Arbitragem aplicável às arbitragens em matéria administrativa que decorram sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (que constitui parte integrante da convenção de arbitragem – art. 8.º, n.º 5, do Regulamento), qualquer regra quanto à renuncia ao recurso, terá que concluir-se que é admissível o recurso interposto. Ou seja, não tendo as partes acordado que a decisão proferida na arbitragem não seria submetida a recurso, está admitida a reapreciação jurisdicional de mérito do acórdão arbitral, nos termos do art. 26.º, n.º 2, do citado Regulamento.

Superada a questão preliminar, passamos então à análise do mérito.

A decisão do Tribunal Arbitral rejeitou o decretamento da providência, com a seguinte fundamentação:

«No caso sub judice vem pedida, como medida cautelar de processo simultaneamente instaurado, que seja suspensa a execução do acto plural, que determinou a reposição das retribuições e as correcções salariais dos aqui Requerentes (…)

Mais concretamente: processados determinados abonos relativos a participações emolumentares de trabalhadores notariais, provenientes do quadro da extinta 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, vieram os serviços a apurar em conferencia de valores, haver alegados excessos de pagamento, tendo sido determinada a reposição dos valores excedentes de alguns milhares de euros a cada um dos requerentes e, em consequência, comunicados os respectivos valores ao Departamento Financeiro do IRN para liquidação.

(…)

Os AA imputam ao acto o vício de falta de fundamentação e, para além disso, a violação do direito de audiência previsto nos artigos 267º-5 da Constituição e 100º do CPA. (…)

Ora na perspectiva apontada de existência de fumus boni iuris, não se evidencia a existência da falta de fundamentação do acto nem a violação do direito de audiência.

Nos termos do artigo 125º , n1 do CPA , “ a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”

Ora, constam da informação que serviu de base ao projecto da decisão os dados de facto que servira, de serviram de referência ao apuramento da participação emolumentar – cfr, pag 1 e 2 da informação, § 2º alíneas a) e c) e respectivas notas. E consta da mesma informação e indicação dos diplomas legais e decisões administrativas que fundamentaram esse apuramento, com referência, para alguns dos diplomas, das concretas normas aplicáveis- cfr, pag 2 e 3 da informação, § 3º alíneas a) e b) e respectivas notas.

(…)

O que quer dizer, obviamente, que a fundamentação invocada seja adequada e a suficiente para o cabal cumprimento do ónus de fundamentação do acto e que tenham sido integralmente cumpridos os legais e necessários requisitos para o válido exercício da audiência ( matérias que serão objecto na análise e decisão na acção principal).

Por outro lado, não se afigura reunido o pressuposto “ prejuízos de difícil reparação”, na medida em que, se julgada procedente a causa principal, as reposições, se entretanto, efectuadas, serão devolvidas aos requerentes.

O periculum in mora “ encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, está já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litigio , seja porque a evolução das circunstancias durante a pendencia do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” (AC do STA de 14/7/2008, Proc nº0381/08, citado no Ac. do STA de 28/10/2009, Proc. 826/09).

Poderia afirmar-se que a privação dos valores da reposição poria em risco a satisfação das necessidades pessoais elementares dos respectivos agregados familiares ou obrigaria a drástico e intolerável abaixamento dos respectivos níveis de vida. Todavia, tal conclusão não transparece dos factos alegados nem é público e notório que tal aconteça.

Na verdade, as reposições em causa podem ser efectuadas em prestações mensais, por dedução por guias, mediante requerimento fundamentado dos interessados e despacho do dirigente do serviço ou organismo processador – cfr. artigo 38-1, do DL 155/92, 28-07.

Não despiciendo para ponderar o sentido da decisão relativa ao pedido de providência, será, no enquadramento jurídico e factual apontado, por um lado, a circunstância de ser previsível uma decisão do processo principal em curtíssimo prazo, nos termos impostos pelo citado 25-1 do Regulamento e não ser, por outro lado, possível ou notória qualquer afectação de relevo no património dos requerentes no período regulamentarmente imposto para a prolação da decisão no processo principal.

(…)»

Podemos desde já adiantar que a decisão recorrida é acertada.

A lei enuncia os requisitos indispensáveis ao decretamento da providência cautelar no artigo 120.º do CPTA, e desde logo se nos afigura que a previsão legal constante da b) do n.º 1 deste normativo exige uma relação de causalidade adequada entre a execução do acto e os alegados prejuízos de difícil reparação. Incumbindo ao requerente da providência concretizar e especificar tais prejuízos, mediante factos concretos e determinados que, pela sua credibilidade, notoriedade ou verosimilhança, sejam de molde a conseguir convencer o julgador (cfr., entre outros, os Ac.s do STA de 03.07.2003 e de 19.03.2002, proferidos no âmbito dos Rec. n.ºs 0782A/03 e 0484/03, respectivamente).

Ora, no caso em apreço, no requerimento inicial não foi cumprido o ónus de alegação em relação à configuração factual da existência de uma situação de grave carência económica, como não foi efectuada a alegação de factos de que resulte a conclusão de que o prolongamento dessa situação é susceptível de acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis para os direitos e interesses cuja tutela se visa assegurar. E perante a matéria de facto assente, resulta que nada na mesma se mostra fixado que permita levar à conclusão de se encontrar demonstrado um periculum in mora, designadamente, por referência ao fundado receio da produção de consequências graves e de difícil reparação.

Como se extrai do que vimos de dizer e perante os factos assentes, não ficou pois minimamente demonstrada a existência de uma situação de grave carência. Sendo que, como já se afirmou, exige-se que o periculum in mora seja suficientemente demonstrado, havendo o requerente da providência que comprovar adequadamente a existência de uma situação de grave carência económica capaz de sustentar a previsão de que o seu prolongamento poderá acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis, o que não logra ocorrer (vide, no mesmo sentido, o nosso acórdão de 30.04.2015, proc. n.º 11727/14).

E, quanto à alegada manifesta falta de fundamentação do acto administrativo cuja suspensão foi requerida, diga-se que tal não se verifica.

À data dos factos os requisitos do dever de fundamentação dos actos administrativos constam dos artigos 124.º e 125.º do CPA. O objectivo primário da fundamentação é o de esclarecer a motivação do acto, com vista a assegurar maior ponderação ao órgão decidente, dar a conhecer ao destinatário do acto as circunstâncias factuais e legais em que se baseou a decisão, por forma a permitir-lhe inferir dos pressupostos e da legalidade da mesma, aceitá-la ou impugná-la (cfr. entre vários, os acórdãos do STA (Pleno), de 24.01.1991, e de 30.09.1993, in AD 352-533, e de 06.11.2005, proferido no âmbito do recurso nº 1126/02).

No caso sub judice entende-se que o acto em causa foi suficientemente fundamentado de facto e de direito, dele constando, por um lado, os dados de facto que serviram de referência ao apuramento da participação emolumentar e, por outro lado, a indicação dos diplomas legais e decisões administrativas que fundamentaram esse apuramento.

Como bem assinala o ora Recorrido nas conclusões das suas contra-alegações: «na ponderação da percetibilidade da fundamentação do projeto de decisão, haverá que ter em conta o tipo ou natureza do ato, o contexto em que foi praticado e os efetivos destinatários do mesmo, designadamente quanto às suas habilitações e conhecimento profissional (…)// (…) aos Recorrentes seria exigível o conhecimento, não só dos diplomas legais aplicáveis (não obstante, indicados na informação que fundamentou o projeto de decisão), mas também das concretas normas aplicáveis de cada um desses diplomas (parcialmente indicadas na mesma informação, para os casos em que se entendeu ser conveniente explicitá-las) e dos critérios de interpretação das mesmas contidos em despachos e orientações administrativas (indicados quando se entendeu necessário)».

Assim sendo tem o recurso que improceder, mantendo-se a decisão recorrida.



III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão arbitral recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 25 de Junho de 2015

Pedro Marchão Marques

Maria Helena Canelas

António Vasconcelos