Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3138/15.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/01/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:CGA;
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA;
UNIÃO DE FACTO;
DECRETO-LEI N.º 133/2012, DE 27.06., ART. 2.º, ART. 16.º, ART. 18.º;
ÂMBITO DE APLICAÇÃO E PRODUÇÃO DE EFEITOS.
Sumário:i) A esposa do autor, ora Recorrido, faleceu a 23.12.1999 e, nessa sequência, veio a ser atribuída ao Recorrido, pela Recorrente CGA, por despacho de 21.2.2000, pensão definitiva e mensal de sobrevivência;
ii) O Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27.06., entrou em vigor 01.07.2012 – cfr. art. 18,.º - , sendo que o seu art. 16.º dispõe que, no âmbito de aplicação e produção de efeitos, por referência ao art. 2.º daquele diploma, se aplica às situações decorrentes de óbitos de beneficiários ocorridos após a data da sua entrada em vigor.
iii) Antes da entrada em vigor do citado Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27.06., o casamento já era, legalmente, um facto extintivo da prestação da pensão de sobrevivência, por força da alínea c) do n° 1 do artigo 47° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
iv) A união de facto, passou a ser, nos termos e nas condições previstas no Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27.06 - art.s 2 e 16.º -, supra descritas, na alínea ii).
v) A esta decisão não obsta, nem contraria, a equiparação que tem sido progressivamente feita pela lei, entre a união de facto ao casamento, para efeitos de concessão da pensão de sobrevivência, nem é arbitrária, pois que resulta da interpretação e aplicação expressa da vontade do legislador nos termos em que foi plasmada no Decreto-Lei n.º 133/2012, de 17.06, ao determinar, no fundo, que as alterações que introduziu, neste preciso campo – alt. ao 47.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência – valeriam apenas para o futuro, o que é, aliás, a regra em sede de aplicação da lei no tempo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A Caixa Geral de Aposentações, não se conformando com a decisão sumária proferida pela Relatora, a 16.03.2020, que manteve a sentença do TAF de Sintra, de 24.07.2017, que, em sede de ação administrativa especial intentada contra si por V......, julgou a ação procedente e a condenou a reconstituir a situação do autor como se o ato anulado não tivesse sido praticado, procedendo ao pagamento ao autor de todas as pensões vencidas e não pagas, no prazo de 30 dias, e das que se vencerem, não havendo fundamento legal para a sua revogação ou não pagamento por motivo do autor viver em união de facto, veio da mesma reclamar para a conferência.


II. Apreciação

Importa, pois, retomar a apreciação do presente recurso, desta feita, pelo coletivo.

Vejamos então.

II.1. Em sede de alegações recursais, a Recorrente CGA, culmina com as seguintes conclusões:

«(…)

1a A situação de união de facto foi expressamente tutelada na lei com a entrada em vigor do Decreto-Lei n° 191.B/79, de 25 de Junho, prescrevendo-se na alínea c) do ponto 2, do seu preâmbulo o “acolhimento do princípio da relevância de uniões de facto, de alguma forma equiparáveis à sociedade conjugal, de harmonia com a redacção actual do artigo 2020° do Código Civil”.

2a A interpretação jurídica não se pode cingir à letra da lei, deve, isso sim, reconstituir, a partir dos factos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. É o que resulta claramente do n° 1 do artigo 9° do Código Civil.

3a Fazendo uso dos princípios que devem nortear a interpretação jurídica, mesmo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 133/2012, de 27 de Junho, sempre foi entendimento da Caixa Geral de Aposentações que resultava do disposto no artigo 47° do EPS em conjugação com interpretação do preâmbulo do mesmo diploma, sob pena de violação grave do princípio da igualdade, previsto no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, que a união de facto, à semelhança do casamento, para além de facto constitutivo, consubstanciava um facto extintivo do direito à pensão de sobrevivência.

4a O Decreto-Lei n° 133/2012, de 27 de Junho, alterou a redacção da alínea c) do n° 1 do artigo 47° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, passando a determinar que a união de facto também é um facto extintivo do direito à pensão.

5a Este preceito, de forma expressa e inequívoca, consagrou um entendimento que já resultada da interpretação da lei.

6a Se a vivência em condições análogas às dos cônjuges é equiparada ao casamento para efeitos de concessão de pensão de sobrevivência, então, por igualdade de razão, também deverá ser equiparada ao casamento para efeitos de extinção da mesma pensão.

7a A sentença recorrida, ao sustentar entendimento contrário à aludida equiparação, viola o princípio da igualdade expressamente vertido no artigo 13° da Constituição da República portuguesa, uma vez que, relativamente às situações decorrentes de óbitos anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n° 133/2012, de 27 de Junho, considera que o beneficiário de uma pensão de sobrevivência que venha a contrair casamento perde o direito à pensão; em contrapartida, o beneficiário que passe meramente a viver em união de facto não perde o direito à pensão de sobrevivência.

8a O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei é acolhido pelo artigo 13° da Constituição da República que, no seu n° 1, dispõe, genericamente, consagra terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o n° 2, por sua vez, que ‘ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

9a O princípio da igualdade reclama, num primeiro passo, que seja conferido tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais mas também se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja.

10a É inquestionável que o casamento e a união de facto representam realidades diversas, consubstanciam conceitos jurídicos diferentes. Porém, tendo presente a equiparação que é feita pela lei entre a união de facto ao casamento, para efeitos de concessão da pensão de sobrevivência, necessariamente se percebe ser arbitrária a interpretação feita pelo tribunal de primeira instância que considera que, relativamente aos óbitos ocorridos em momento anterior ao da entrada em vigor do Decreto-lei n° 133/2012, o casamento é um facto extintivo do direito, não o sendo a união de facto.

11a Existe alguma diferença entre o beneficiário que contrai casamento e o beneficiário que passa a viver em união de facto que justifique que o primeiro perca o direito à pensão e o segundo o mantenha?

12a A discriminação resultante da interpretação feia pelo tribunal a quo é patente e por muito que se busque uma razão para a diferenciação em causa ela não existe.»

O Recorrido contra-alegou, argumentando, em suma, o seguinte:

«(…) o tribunal recorrido decidiu com base na letra da lei, tal como a mesma foi redigida e querida pelo legislador.

O que o Recorrente alega (veja-se, nomeadamente, 6o e 7o das suas conclusões) é que o tribunal recorrido, ao, aparentemente, ignorar a equiparação que vem sendo feita entre o casamento e a união de facto violou o art. 13° da C.R.P. Porém parece esquecer que os tribunais estão vinculados à aplicação da lei tal como a mesma efectivamente existe...

Pois que, precisamente, contrariamente ao que alega a Recorrente em 11° das suas conclusões, a decisão do tribunal recorrido não vem criar qualquer diferença entre o beneficiário que contrai casamento e o que passa a viver em união de facto...

Vem, isso sim, aplicar a vontade do legislador no sentido de proteger todos aqueles que adquiriram o seu direito à pensão de sobrevivência em momento em que a constituição de posterior união de facto não era extintiva do direito a tal pensão (como sucedia quando o Recorrido adquiriu tal direito e até à entrada em vigor do DL 133/2012).

Pelo que a decisão recorrida é tudo menos arbitrária ou discriminatória!

(…) a Recorrente não põe em causa a redacção dada ao art. 16°/1 do DL 133/2012 - aliás, nem menciona tal norma...

Muito menos refere que o tribunal recorrido interpretou tal norma de forma diversa da que devia ter interpretado ou da que resulta da letra dessa norma.

(…)

Pelo que a decisão ora sob escrutínio não padece de qualquer vício, nem deve ser alterada.»


A DMMP junto deste tribunal não se pronunciou.

Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com disponibilização prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Adjuntos, vem o mesmo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II.2. Questões a apreciar e a decidir

O objeto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635.º, 639.º e 608.º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA. E dizemos em princípio, porque o art. 636.º também do CPC, ex vi art. 1.º CPTA, permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, situação que não se coloca nos autos.

O erro de julgamento imputado à sentença recorrida pode resumir-se em esta ter considerado que só com a entrada em vigor do Decreto-lei n° 133/2012, de 27.06, que alterou a redação do art. 47.° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a união de facto passou a constituir um facto extintivo do direito à pensão de sobrevivência e apenas nas situações decorrentes de óbitos de beneficiários posteriores à respetiva entrada em vigor, tendo concluído, consequentemente, que, no caso em apreço - independentemente de, a partir de 1 de abril de 2008, o A., ora Recorrido, viver em união de facto e independentemente da entrada em vigor do citado Decreto-Lei n° 133/2012, de 27.06, na medida em que o direito à pensão de sobrevivência resulta de morte ocorrida antes dessa data -, o Recorrido mantém o direito a receber a pensão de sobrevivência.

III. Fundamentação

III.1. De Facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, que aqui se transcreve ipsis verbis:

«(…)

A) O autor foi casado com M...... - ver

B) A esposa faleceu a 23.12.1999 - ver doc n° 1 junto com a pi.

C) Nessa sequência veio a ser atribuída ao autor, pela entidade demandada, por despacho de 21.2.2000, pensão definitiva e mensal de sobrevivência, no valor de € 918,16 - ver doc n° 2 junto com a pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) Entretanto, o autor refez a sua vida, tendo conhecido a sua atual companheira, com a qual começou a viver em situação análoga à dos cônjuges a 1.4.2008 - por confissão (arts 4° e 5° da pi).

E) Em março de 2015 a CGA tomou conhecimento que o autor estaria a viver em união de facto e notifcou-o para se pronunciar sobre o assunto - ver fls 27 do processo administrativo apenso.

F) O autor respondeu que vivia efetivamente em união de facto - ver fls 28 do pa.

G) Ato impugnado: No dia 13.7.2015 o autor foi notificado sobre o pagamento indevido de pensões, nos termos que seguem:

O pensionista n° 516…..-01, V...... recebia mensalmente uma pensão pela CGA.

O mencionado pensionista contraiu matrimónio/ vivência em situação análoga em 2008.04.01, extinguindo-se nessa data o direito àquela prestação, nos termos do disposto no art 47°, n° 1, al c) do DL n° 142/73, de 31.3 (Estatuto das Pensões de Sobrevivência).

Porque desconhecia a situação, a CGA continuou a pagar a pensão.

Foi assim indevidamente pago o montante de €: 88.902,99, relativo a pensões dos meses de abril de 2008 a fevereiro de 2015.

Assim, deverá efetuar o pagamento desta dívida... no prazo máximo de 30 dias (...).

O coordenador da Unidade - ver docs n° 3 e 4 da pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

H) A 20.7.2015 o autor pediu à CGA que dê sem efeito o pedido de restituição feito e que retomem, imediatamente, o pagamento da pensão de sobrevivência a que o mesmo tem direito, pagando-lhe as pensões vencidas nos meses de março, abril, maio, junho e julho de 2015 - ver fls 44 do pa.

I) Por ofício de 6.8.2015, o Diretor da CGA, S…….., respondeu ao autor que o DL n° 133/2012, de 27.6, determinando que a união de facto é um facto extintivo do direito à pensão, veio consagrar de forma expressa um entendimento que já resultava da interpretação da lei - ver fls 46 do pa.»

III.2. De Direito

i) Do erro de julgamento imputado à sentença recorrida por errada interpretação e aplicação do regime em vigor com o Decreto-lei n° 133/2012, de 27.06, que alterou a redação do art. 47.° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, tendo concluído que o Recorrido mantém o direito a receber a pensão de sobrevivência.

Nesta parte, que releva, é o seguinte, o discurso fundamentador da sentença recorrida:

«(…) relativamente às pensões de sobrevivência que tinham sido atribuídas por morte de beneficiários antes da entrada em vigor do diploma, isto é, até 1.7.2012 (art 18°).

O mesmo é dizer, o legislador do DL n° 133/2012, de 27.6, como refere o respetivo preâmbulo, «passa a considerar também como causa de cessação da pensão de sobrevivência a união de facto, à semelhança do que acontece atualmente com o casamento», «de forma a garantir que a proteção social seja efetivamente assegurada aos cidadãos mais carenciados sem colocar em causa a sustentabilidade financeira do sistema de segurança social».

0 tempo do verbo usado no preâmbulo do DL n° 133/2012 - «passa» para o futuro - vai de encontro ao que, depois, ficou consagrado no art 16°, n° 1 do DL.

Com efeito,

Nos termos do art 16°, n° 1 do DL n° 133/2012, de 25.6:

1 - O disposto no artigo 2° do presente diploma [que procede à alteração, designadamente, do art 47°, n° 1, al a) do DL n° 142/73, de 31.3, este, alterado pelos (…) aplica-se às situações decorrentes de óbitos de beneficiários ocorridos após a data da sua entrada em vigor, ou seja, a situações decorrentes de óbitos de beneficiários ocorridos após 1.7.2012.

A letra deste preceito - art 16°, n° 1 que trata do âmbito de aplicação e da produção de efeitos - não deixa dúvidas sobre a salvaguarda dos direitos adquiridos por todos aqueles que passaram a ter a qualidade de pensionistas por morte de beneficiário ocorrida antes da entrada em vigor do DL n° 133/2012, como sucede com a situação do autor.

A esposa do autor faleceu a 23.12.1999.

A 21.2.2000 foi atribuído ao autor o direito à pensão de sobrevivência.

O autor confessou ter passado a viver em união de facto a partir de 1.4.2008.

O que significa que à data da entrada em vigor do DL n° 133/2012, em 1.7.2012, a esposa do autor já há muito tinha falecido e o autor recebia, desde 2000, pensão de sobrevivência pelo óbito da esposa.

O legislador de 2012 consagrou como causa de extinção da pensão de sobrevivência também a união de facto, mas acautelou, quanto à união de facto, a situação dos viúvos cujo direito ao recebimento da pensão de sobrevivência nasceu em momento anterior ao da entrada em vigor do DL n° 133/2012, de 27.6.

Este entendimento é de tal modo expresso e explicito que, ainda, no art 16°, mas já no seu n° 2, a propósito do disposto no artigo 3° do presente diploma [que procede à alteração ao DL n° 133/88, de 20.4] o legislador disse que o previsto no art 3° do diploma aplica-se já às relações jurídicas prestacionais em curso.

Pelo que assiste inteira razão ao autor quando, no art 51° da petição inicial, afirma que «o legislador teve toda a intenção e foi bem claro ao concretizar, dentre as alterações legislativas que promovia no DL n° 133/2012, de 27.6, quais as que se aplicariam de imediato e às relações prestacionais em curso naquele momento e quais as que só valeriam para o futuro e não afetariam as relações prestacionais em curso».

Continuando, afirma ainda o autor, com razão, que «mesmo que antes da entrada em vigor do DL 133/2012 se pudesse discutir (e até entender e defender tal entendimento) que a união de facto consubstanciava um facto extintivo do direito ao recebimento de pensão de sobrevivência, com a entrada em vigor do diploma em causa ficou cristalizado que só assim era para as situações decorrentes de óbitos de beneficiários posteriores à respetiva entrada em vigor».

O que nos permite concluir que o ato impugnado que, em 3.7.2015, determina, por um lado, que o autor perdeu o direito à pensão de sobrevivência que vinha recebendo por viver, desde 1.4.2008, em união de facto e, por outro lado, que o autor tem de restituir à CGA a quantia de €: 88.902,99, relativa ao montante de pensões que recebeu desde abril de 2008 a fevereiro de 2015, viola o disposto no art 16°, n° 1 do DL n° 133/2012, de 27.6.

Assistindo ao autor o direito a receber pensão de sobrevivência por óbito da esposa, falecida a 23.12.1999, mesmo vivendo em união de facto desde 1.4.2008, pois a lei (o art 16°, n° 2 do DL n° 133/2012, de 27.6) assim lho permite.»

Desde já se adianta que a decisão recorrida é para manter, nos precisos termos em que foi proferida.

Argumenta a Recorrente que «(…) mesmo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 133/2012, de 27 de Junho, sempre foi entendimento da Caixa Geral de Aposentações que resultava do disposto no artigo 47° do EPS em conjugação com interpretação do preâmbulo do mesmo diploma, sob pena de violação grave do princípio da igualdade, previsto no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, que a união de facto, à semelhança do casamento, para além de facto constitutivo, consubstanciava um facto extintivo do direito à pensão de sobrevivência.

O Decreto-Lei n° 133/2012, de 27 de Junho, alterou a redacção da alínea c) do n° 1 do artigo 47° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, passando a determinar que a união de facto também é um facto extintivo do direito à pensão. Ora, este preceito, de forma expressa e inequívoca, consagrou um entendimento que já resultada da interpretação da lei. Na verdade, sob pena de violação grave do princípio da igualdade, a equiparação da união de facto ao casamento, mesmo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 133/2012, de 27 de Junho, tem de ser considerada para todos os efeitos (tanto para conceder como para fazer extinguir o direito.)

Se a vivência em condições análogas às dos cônjuges é equiparada ao casamento para efeitos de concessão de pensão de sobrevivência, então, por igualdade de razão, também deverá ser equiparada ao casamento para efeitos de extinção da mesma pensão(sublinhados nossos).

Porém, nos termos do art. 16.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei n° 133/2012, de 27.06. – que alterou a redação da alínea c) do n° 1 do art. 47° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência e, no que respeita às causas de cessação (…), pass[ou] a considerar-se também como causa de cessação a união de facto do pensionista, à semelhança do que acontece atualmente com o casamento (cfr. preâmbulo do diploma) – esta alteração (constante do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 133/2012) aplica-se às situações decorrentes de óbitos de beneficiários ocorridos após a data da sua entrada em vigor.

Ora, resultando da matéria de facto provada nos autos que:

i) A esposa do autor, ora Recorrido, faleceu a 23.12.1999 (cfr. alínea B) da matéria de facto), e que, ii) nessa sequência veio a ser atribuída ao Recorrido, pela Recorrente CGA, por despacho de 21.2.2000, pensão definitiva e mensal de sobrevivência, no valor de € 918,16 (cfr. alínea C) da matéria de facto), imperioso se torna concluir que não lhe são aplicáveis as alterações decorrentes do citado Decreto-Lei n.º 133/2012, pois que o óbito da beneficiária, esposa do Recorrido, não ocorreu após a data da entrada em vigor daquele diploma legal (a 01.07.2012 - cfr. art. 18.º), mas muito antes, em 1999 (cfr. alínea B) da matéria de facto), o que significa que a situação do Recorrido está a coberto da aplicação conjugada dos art.s 2.º e 16.º, n.º 1, deste diploma legal.

A esta decisão não obsta, nem contraria, a equiparação que tem sido progressivamente feita pela lei, entre a união de facto ao casamento, para efeitos de concessão da pensão de sobrevivência, nem é arbitrária, pois que resulta da interpretação e aplicação expressa da vontade do legislador nos termos em que foi plasmada no Decreto-Lei n.º 133/2012, de 17.06, ao determinar, no fundo, que as alterações que introduziu, neste preciso campo – alt. ao 47.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência – valeriam apenas para o futuro, o que é, aliás, a regra em sede de aplicação da lei no tempo.

O casamento já era, legalmente, um facto extintivo, por força da alínea c) do n° 1 do artigo 47° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência.

A união de facto, passou a ser, nos termos e nas condições previstas no Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27.06 (art.s 2 e 16.º), supra descritas.

Improcedendo todas as conclusões do recurso, imperioso se torna negar-lhe provimento e confirmar a sentença recorrida.

IV. Decisão

Nestes termos e face a todo o exposto, acordam os juízes da secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação e em manter a decisão de 16.03.2020, proferida pela Relatora.

Custas pela Reclamante.

Lisboa, 01.10.2020.

Dora Lucas Neto

*

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente Acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.