Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:608/13.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE;
COMBUSTÍVEIS;
LICENCIAMENTO.
Sumário:I. Os efeitos do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, só operaram a partir de 02.05.2013.

II. Resultando demonstrado que a renovação das taxas de publicidade objecto de impugnação nos presentes autos se operou em 31.12.2012, nesta data, da ocorrência dos factos tributários o regime de isenção de licenciamento de publicidade estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 48/2011 ainda não se aplicava às taxas objecto da presente impugnação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

C………………….., SA. veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial, apresentada contra o indeferimento da reclamação graciosa, visando a anulação do acto de liquidação no valor de € 9.833,40, da autoria da Câmara Municipal de Cascais, de taxa de publicidade, referente ao ano de 2013.


A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª A decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, ex vi do artigo 125.º do CPPT e 615.º/1/d) do CPC, já que na p.i. a Impugnante invocou subsidiariamente o erro do ato de liquidação como fundamento da sua ilegalidade, atenta a circunstância de tal ato taxar todo o ano de 2013 (quantia de € 9.833,40) quando é certo que mesmo que o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, produzisse efeitos a partir de 2 de maio de 2013, nunca existiria base legal para liquidar taxa referente aos meses de janeiro a maio de 2013, questão esta que o tribunal estava obrigado a conhecer e não conheceu expressamente nem o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio.
2.ª De acordo com o artigo 1.º, n.º 3, alínea b) e n.º 4 da Lei 97/88, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, “a afixação e a inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial não estão sujeitas a licenciamento, (...) ou a qualquer outro acto permissivo (..) [q]uando (…)afixadas ou inscritas em bens de que são proprietárias ou legítimas possuidoras ou detentoras entidades privadas e a mensagem publicita os sinais distintivos do comércio do estabelecimento” , o que no caso dos autos é pacífico e indiscutível ante a matéria de facto apurada.
3.ª A entrada em vigor da referida alteração, extinguiu tout court o condicionamento administrativo da atividade de publicidade nas situações ali especialmente previstas, passando a isentar tais atividades de controlo prévio, seja por atos de licenciamento, seja por qualquer outro tipo de atos permissivos, não estando uma tal medida de liberalização, por natureza, dependente de qualquer exigência de nível orgânico, da instituição ou operacionalização de qualquer centro de competências administrativas ou do funcionamento ou não do “Balcão do empreendedor”, devendo entender-se que o legislador soube expressar o seu pensamento.
4.ª Ao contrário do entendimento expresso na sentença recorrida, o Decreto- Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, entrou em vigor no dia 2 de maio de 2011, ou seja, “no 1.º dia útil do mês seguinte ao da sua publicação” (como dele consta) e não a partir de 2 de maio de 2013 como erradamente entendeu o Tribunal a quo, que desse modo fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, alínea b) da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, 42.º e 44.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, o artigo 1.º da Portaria 248/2012, de 20 de setembro e o artigo 7.º da Portaria n.º 131/2011.
5.ª Ao decidir que “o Decreto-Lei n.º 48/2011 apenas é aplicável a partir de 2 de Maio de 2013, por força da Portaria n.º 284/2012, de 20 de Setembro”, a sentença recorrida conferiu relevo jurídico a uma suposta alteração legislativa ditada por uma Portaria a um Decreto-lei, fazendo aplicação de norma orgânica e formalmente inconstitucional, em violação do artigo 112.º, n.ºs 1, 6 e 7 da Constituição de República, pois nenhuma Portaria pode determinar a vigência, suspensão ou revogação de um decreto-lei.
6.ª Ao contrário do entendimento subjacente à decisão recorrida, o «totem» publicitário em causa nos autos encontra-se situado no mesmo imóvel de propriedade privada que integra o estabelecimento C................ integrando esse mesmo estabelecimento comercial, tendo o Tribunal a quo feito errada interpretação e aplicação do artigo 1.º, n.º 3, alínea b) e n.º 4 da Lei n.º 97/88, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, pois não havia lugar a qualquer licenciamento relativamente à afixação daqueles suportes publicitários, nem, por consequência, à cobrança de qualquer taxa sobre tal facto.

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.»

O Município de Cascais apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. A ora Recorrente, C................, S.A., interpôs recurso da douta sentença proferida em 18.11.2019, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida relativa a taxas de renovação de publicidade referentes ao ano de 2013, no montante total de € 9.833,40 (Nove mil oitocentos e trinta e três euros e quarenta cêntimos) por entender que a mesma incorreu em omissão de pronúncia e erro de julgamento.
2. Como salienta o Conselheiro Jorge de Sousa, a omissão de pronúncia verifica-se «nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição (...)"
3.Da sentença resulta provado que as taxas objeto dos presentes autos se renovaram em 31.12.2012, tendo a Recorrida sido notificada da respetiva liquidação através do ofício n.º 007310, datado de 01.03.2013, ou seja, antes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 48/2011, de 1de abril.
4.No caso objeto dos presentes autos, o Tribunal a quo tomou expressamente posição acerca das questões objeto de impugnação judicial.
5.A Recorrida sufraga o entendimento do Tribunal a quo de que os efeitos do Decreto­ Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, só operaram a partir de 02.05.2013, não havendo erro de julgamento, uma vez que este regime não estava em vigor na data de ocorrência do facto tributário, ou seja, em 31.12.2012 (momento em que se renovou a licença anual de publicidade).
6.A Recorrente alega ainda que a sentença enferma do vício de erro de julgamento ao considerar que o "Totem" não estaria incluído no conjunto de mensagens publicitárias de natureza comercial que a alteração constante do diploma do Licenciamento Zero veio isentar de licenciamento.
7.Defende a Recorrida a publicidade afixada nos terrenos adjacentes a um estabelecimento comercial não se encontra abrangida pela isenção de licenciamento prevista no diploma do Licenciamento Zero e este facto não foi objeto de impugnação judicial pela Recorrente.
8.Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que o "Totem continua, no entendimento da Entidade Impugnada a estar sujeito a licenciamento e ao pagamento de taxas, pelo que, sempre se manteria, com este fundamento, que não vem sindicado pela Impugnante na p.i., o ato de liquidação impugnado".
9.A publicidade é uma comunicação promocional ligada a uma atividade económica, com o objetivo de comercialização direta ou indireta dos seus produtos e serviços aos consumidores, sendo que a colocação de anúncios luminosos em terrenos adjacentes ao estabelecimento comercial integra o conceito de legal publicidade, uma vez que permite promover perante o público os produtos e serviços oferecidos com vista à sua comercialização, mantendo-se os pressupostos do Acórdão n°. 177/2010, proferido pelo Tribunal Constitucional em 5 de Maio de 2010, no Processo nº. 742/09.
10.Do exposto, resulta provado que a liquidação da taxa objeto dos presentes autos resulta da aplicação da lei e regulamentos vigentes à data da ocorrência do facto tributário e que a sua cobrança é válida.

Nestes termos e com o douto suprimento de Vossas Exas., deve a sentença recorrida ser confirmada por não se verificarem os fundamentos invocados pela Recorrente, prosseguindo os processos de execução fiscal os seus termos até efetiva cobrança da dívida exequenda.
ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!.»

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- aplicabilidade do regime previsto no Decreto-Lei n.º 48/2001, de 1 de Abril.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A. O conjunto comercial denominado C................ encontra-se instalado em imóvel sito na Estrada …………….., n.º …, ……….., Cascais, que é pertença da Impugnante (cf. doc. junto com a p. i. a fls. 39 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B. A Impugnante requereu junto dos serviços da Câmara Municipal de Cascais licenciamento para a instalação de um anúncio luminoso (“Totem publicitário”) identificativo do centro comercial, a colocar junto do edifício, em propriedade sua, dando origem ao processo de licenciamento n.º ….., licenciamento que foi deferido em 19 de Abril de 2011 (cf. fl. 357 verso do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C. Através do Ofício n.º 007310, de 1 de Março de 2013, da Câmara Municipal de Cascais, foi a Impugnante notificada para pagamento da quantia de € 9.833,40, no âmbito do processo n.º 5284, nos termos do artigo 24.º do Regulamento de cobrança e tabela de taxas, licenças e outras receitas municipais em vigor, respeitante a ―Totem‖ com 54m2, de ―renovação de publicidade‖ no C................ sito na Estrada……….., n.º 9, ………., Cascais (cf. doc. junto com a p. i. a fl. 30, igualmente junto a fl. 467 do PAT apenso e doc. junto com a p. i. a fl. 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D. Em 8 de Março de 2013, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação referido na letra anterior (cf. fls. 372 e segs. do PAT apenso, cujo teor se á por integralmente reproduzido);
E. A reclamação graciosa referida na letra anterior foi indeferida por decisão do Vereador de 11 de Abril de 2013, com o seguinte teor conclusivo (cf. doc. junto com a p. i. a fls. 32 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

«imagem no original»


F. Em 1 de Abril de 2013, a Impugnante efectuou o pagamento determinado pelo acto de liquidação referido na letra C supra (cf. doc. junto a fl. 49, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G. Em 3 de Maio de 2013, deu entrada em juízo a p.i. da presente impugnação (cf. fl. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»

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B.DE DIREITO

DA NULIDADE DA SENTENÇA

Invoca o recorrente a violação, por parte da sentença recorrida, do disposto no artigo 615.º, nº 1, al. d), do CPC, que abrange o caso de nulidade por omissão de pronúncia.

Para tanto, alega, que « (…) na p.i. (…) invocou subsidiariamente o erro do ato de liquidação como fundamento da sua ilegalidade, atenta a circunstância de tal ato taxar todo o ano de 2013 (quantia de € 9.833,40) quando é certo que mesmo que o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, produzisse efeitos a partir de 2 de maio de 2013, nunca existiria base legal para liquidar taxa referente aos meses de janeiro a maio de 2013, questão esta que o tribunal estava obrigado a conhecer e não conheceu expressamente nem o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio.».

Prevista no artigo 125.º do CPPT e na al. d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do artigo 608.º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Usando as palavras proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 28.5.2014, processo nº 0514/14, diremos que a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocadas pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado. ((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.)

É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Neste contexto, e volvendo aos autos, como já referimos e aqui reiteramos, entende o recorrente que a sentença sob recurso é nula, porquanto omitiu pronúncia quanto à questão suscitada por si em torno da aplicação do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, considerando que mesmo que produzisse efeitos a partir de 2 de maio de 2013, nunca existiria base legal para liquidar taxa referente aos meses de Janeiro a Maio de 2013.

Dentro deste quadro, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na sentença recorrida.

Com efeito, o Tribunal «a quo» apreciou e decidiu a questão jurídica posto em causa pelo recorrente, nos seguintes termos: «(…) cumpre concluir que carece de relevância a circunstância de a partir de 2 de Maio de 2013 ter sido eliminado o prévio licenciamento, uma vez que ainda que referente a todo o período anual de 2013, o fato tributário - remoção de um obstáculo jurídico à actividade da recorrida — ocorreu em data anterior ao abrigo do Regulamento de Cobrança e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais para 2013 que previa de forma calendarizada a prática do ato de renovação da licença, incluindo quanto aos termos da liquidação e prazo de pagamento, sendo que a liquidação tinha a sustentá-la critérios económico-financeiros contidos no artº 6º do mesmo Regulamento. Estes critérios eram os exigíveis à data e não os previstos pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, pelo que, o referido regulamento, com este fundamento, não está ferido de nulidade.»

Pode, pois, concluir-se que não há omissão de pronúncia quando à matéria, tida por omissa.

E assim sendo, dúvidas não restam, pois, de que, em face do estatuído no artigo 615.º, nº 1, al. d), do CPC, a sentença recorrida não se encontra afectada pelo vício de nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia.

A segunda questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal « a quo» ao entender que «(…) o Decreto-Lei n.º 48/2011 apenas é aplicável a partir de 2 de Maio de 2013, por força da Portaria n.º 284/2012, de 20 de Setembro», conferiu relevo jurídico a uma suposta alteração legislativa ditada por uma Portaria a um Decreto-lei, fazendo aplicação de norma orgânica e formalmente inconstitucional, em violação do artigo 112.º, n.ºs 1, 6 e 7 da Constituição de República, pois nenhuma Portaria pode determinar a vigência, suspensão ou revogação de um Decreto-Lei.

A presente questão não é nova porque foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo (designadamente) no acórdão de 09.10.2019, proferido no processo n.º 01874/12.8BEPRT, cujo entendimento aqui se sufraga e acolhe, sem reversas.

Escreveu-se no citado acórdão:

«A ora Recorrente pediu também ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a título subsidiário, que se considere que, após 2 de Maio de 2012, data que considerou ser a da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril (Dispõe o art. 44.º do referido diploma legal: «O presente decreto-lei entra em vigor no 1.º dia útil do mês seguinte ao da sua publicação».), que deu nova redacção à Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, deixou de ser devida a taxa de publicidade, motivo por que devem ser anuladas as liquidações na parte respeitante ao período ulterior àquela data.

Na verdade, por força da referida alteração legal, as mensagens publicitárias em causa nos presentes autos deixaram de estar sujeitas à incidência da taxa de publicidade, por força da redacção que foi dada pelo art. 31.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, aos n.ºs 3 e 4 do art. 1.º da Lei n.º 97/88 («3. Sem prejuízo das regras sobre a utilização do espaço público e do regime jurídico da conservação da natureza e biodiversidade, a afixação e a inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial não estão sujeitas a licenciamento, a autorização, a autenticação, a validação, a certificação, a actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, a registo ou a qualquer outro acto permissivo, nem a mera comunicação prévia nos seguintes casos:

a) Quando as mensagens publicitárias de natureza comercial são afixadas ou inscritas em bens de que são proprietárias ou legítimas possuidoras ou detentoras entidades privadas e não são visíveis ou audíveis a partir do espaço público;

b) Quando as mensagens publicitárias de natureza comercial são afixadas ou inscritas em bens de que são proprietárias ou legítimas possuidoras ou detentoras entidades privadas e a mensagem publicita os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração ou está relacionada com bens ou serviços comercializados no prédio em que se situam, ainda que sejam visíveis ou audíveis a partir do espaço público;

c) Quando as mensagens publicitárias de natureza comercial ocupam o espaço público contíguo à fachada do estabelecimento e publicitam os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração ou estão relacionadas com bens ou serviços comercializados no estabelecimento.

4. No caso dos bens imóveis, a afixação ou a inscrição de mensagens publicitárias no próprio bem consideram-se abrangidas pelo disposto na alínea b) do número anterior».).

Acontece, porém e como a sentença bem deu conta, que, por diversos constrangimentos de carácter orçamental, essas alterações legislativas apenas entraram em vigor em 2 de Maio de 2013. Como ficou dito no terceiro dos acórdãos referidos na nota de rodapé com o n.º 2 e também detalhadamente explicou o Procurador-Geral Adjunto no parecer supra transcrito: «[…] Embora o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, tenha iniciado a sua vigência a 2 de Maio de 2011, estabelece-se, no seu artigo 42.º, alterado pelo Decreto-Lei n.º 141/2012, de 11 de Julho, uma produção de efeitos faseada das disposições que pressupõem a implementação do “Balcão do Empreendedor”, a decorrer durante um período de dois anos a contar da sua entrada em vigor.

No âmbito da iniciativa “Licenciamento Zero”, estava prevista a entrada em vigor a 2 de Maio de 2011, de várias disposições, designadamente as relativas a licenciamento das mensagens publicitárias de natureza comercial.

Porém, a entrada faseada da iniciativa “Licenciamento Zero” e a criação do “Balcão do Empreendedor” definida pela Portaria n.º 131/2011, de 4 de Abril, ficou comprometida pelos constrangimentos provocados pelo Despacho n.º 154/2011, do Ministro de Estado e das Finanças, de 28 de Abril de 2011, que veio impedir a assunção de novos compromissos no Capítulo 50 do Orçamento do Estado, proibição que se manteve até 31 de Dezembro de 2011.

Apenas no ano de 2012 foi possível proceder à aquisição dos serviços de desenvolvimento da nova plataforma tecnológica, da qual depende a plena disponibilização do “Balcão do Empreendedor”.

Face a esta realidade, foi necessário proceder à alteração dos artigos 5.º, 6.º e 7.º da Portaria n.º 131/2011, de 4 de Abril, alteração esta efectuada pela Portaria n.º 284/2012, de 20 de Setembro.

Assim sendo, as seguintes matérias entram em vigor a partir de 2 de Maio de 2013:

- Instalação e modificação de estabelecimentos, cadastro comercial, ocupação do espaço público e operações urbanísticas - n.ºs 1 a 3 e 5 do artigo 2.º e artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de Abril;

- A isenção do licenciamento das mensagens publicitárias de natureza comercial e o pagamento da respectiva taxa – previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril».

Na verdade, a Portaria n.º 284/2012, de 20 de Setembro (ELI: https://data.dre.pt/eli/port/284/2012/09/20/p/dre/pt/html.), no seu art. 7.º veio dispor: «1-

Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.º e 6.º da presente portaria, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, produz efeitos a partir de 2 de Maio de 2013, nomeadamente para as seguintes matérias: a) […]; b) Eliminação do licenciamento das mensagens publicitárias referidas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, na redacção conferida pelo artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril; c) (…)»

Ou seja, e em conclusão, no entendimento da sentença, que subscrevemos, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, no que ao caso interessa, apenas é aplicável a partir de 2 de Maio de 2013, por força da Portaria n.º 284/2012, de 20 Setembro. Ora, porque as obrigações tributárias se constituíram em 1 de Janeiro de 2012, em nada podem ser afectadas por legislação cuja entrada em vigor ocorreu ulteriormente (cf. art. 12.º da LGT).

Assim, o recurso também não merece provimento no que respeita à 3.ª questão.» (disponível em texto integral em wwww.dgsi.pt).

Tendo em conta esta jurisprudência, cai, pois, por terra a argumentação do recorrente, na medida em que demonstrado que a renovação das taxas de publicidade objecto de impugnação nos presentes autos se operou em 31.12.2012, nesta data, da ocorrência dos factos tributários o regime de isenção de licenciamento de publicidade estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 48/2011 ainda não se aplicava às taxas objecto da presente impugnação.

IV.CONCLUSÕES

I. Os efeitos do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, só operaram a partir de 02.05.2013.

II. Resultando demonstrado que a renovação das taxas de publicidade objecto de impugnação nos presentes autos se operou em 31.12.2012, nesta data, da ocorrência dos factos tributários o regime de isenção de licenciamento de publicidade estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 48/2011 ainda não se aplicava às taxas objecto da presente impugnação.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente.


Lisboa, 9 de Julho de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]