Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:623/13.8BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS;
AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:1.I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
2.II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).
3.III – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
4.IV - Consignando-se no contrato de trabalho que o local de trabalho era na sede da entidade patronal, em Portugal, as verbas pagas, por força das despesas com alojamento, alimentação e deslocação por exercício de funções em obras da entidade patronal localizadas no estrangeiro, poderão ser consideradas ajudas de custo para os efeitos atrás referidos, já que visarão compensar o trabalhador por despesas por si realizadas ao serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho.
5.V - Se o impugnante marido prestava serviço à sua entidade patronal (sediada em Portugal) em obras sitas no estrangeiro, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho, deslocação que, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia à Administração Tributária demonstrar, ainda que através de factos indiciantes, que o abono mensal (e diário) previsto no contrato celebrado era totalmente independente dessa deslocação e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais da deslocação ao serviço da entidade patronal.
6.VI - O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo.
7.VII - Pelo que a Administração Tributária não demonstra que essas quantias não constituem ajudas de custo se, na informação que suporta as correcções respectivas, se limita a consignar que a quantia paga a título de ajudas de custo deve ser considerada como rendimento por ter sido paga em quantia fixa e regular.
8.VIII - A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo admissível qualquer meio de prova em conformidade com o preceituado nos artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT.
9.IX - Destinando-se as ajudas de custo a compensar o trabalhador por despesas suportadas em favor da entidade patronal por motivo de deslocações ao serviço desta, é normal e comum que a entidade patronal só pague esse abono diário durante os dias úteis, e já não em férias ou aos fins-de-semana, dias em que o trabalhador não presta serviço. Todavia, o seu pagamento em dias não úteis não releva para descaracterizar aquela natureza de ajudas de custo, pois o facto de o abono diário variar nalguns meses é até indiciador da existência de correspondência entre as despesas efectuadas e as quantias pagas, tendo de ser encarado, na ausência de outros elementos que apontem em sentido contrário, como um facto conatural e inerente à sua natureza compensatória daqueles abonos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por H........... da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios, do ano de 2008, no montante total de 2.676,31 Euros.

A Recorrente conclui as alegações assim:
«1. Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário – liquidação de IRS referente ao ano de 2008 -, por ter considerado que a Administração Tributária não logrou demonstrar que as quantias pagas como ajudas de custo não estavam relacionadas com a comprovada deslocação para a obra e obra da D………….[Espanha]de S........... s.r.l em Southampton [Inglaterra], ou ainda que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição;
2. Caso se conclua que os pagamentos realizados não têm carater compensatório, mas meramente remuneratório, não há sequer que ir para aquela alínea d) do n.º 3 do artigo, pois trata-se apenas de aplicar a regra geral prevista nos n.ºs 1 e 2, dos quais se subsume que os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador (independentemente da forma que revistam) se enquadram na categoria de rendimentos de trabalho. Pelo que, salvo melhor opinião, caberia sempre a quem paga os rendimentos e quem os recebe fazer prova de que os mesmos não revestem natureza remuneratória, mas antes compensatória;
3. Seguindo a regra geral do ónus da prova que percorre todo o direito português, com expressão no art.º 342.º do Código Civil (CC), e tendo em atenção o regime fixado no CIRS, não existem quaisquer dúvidas que, como referido no Douto Acórdão do STA de 08.11.2006, proc.º 01082/04, cabe à Administração Tributária provar o excesso dos pagamentos de carater compensatório, os quais passam então a ser tributados como se revestissem natureza remuneratória;
4. Cabe, no entanto ao sujeito passivo da relação tributária fazer prova necessária e logicamente anterior – a de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajudas de custo, assim eximindo tais pagamentos ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º do CIRS. E parece que é curto fundamentar o caráter compensatório dos pagamentos realizados na mera qualificação feita pelas partes, sem mais;
5. Ainda que tendo verdadeira natureza compensatória, os pagamentos, a partir de determinados limites, passam a ser tributados como se de natureza remuneratória se tratassem. Mas se os rendimentos têm natureza remuneratória ab initio são sempre tratados tendo em conta essa natureza, e portanto tributados;
6. Por outro lado, e trata-se de diferente requisito, a alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS, aplicável apenas nas situações de pagamento de ajudas de custo, faz depender a sua tributação, não apenas do cumprimento dos limites legais, mas também da observação dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado;
7. Quanto ao ónus da prova, suporta-se o tribunal no disposto no n.º 1 do art.º 75.º da LGT, afirmando que só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. E como entende que a AT não reuniu os indícios suficientes não terá cumprido com aquele ónus;
8. Ainda que acedendo, sem conceder, não se concorda, no entanto, pois ainda assim se entende que, no caso, reuniu a Autoridade Tributária prova indiciária suficiente a fazer abalar a presunção prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT;
9. Refere a Douta Sentença que valores pagos a título de ajudas de custo de forma regular não os qualifica como remuneração, e por si só assim será. No entanto, esse não foi o único argumento utilizado pela Autoridade Tributária em sede Inspetiva para fundamentar as suas correções e, por outro lado, o facto de se tratarem de pagamentos regulares muito menos os qualifica como ajudas de custo – e caberia ao contribuinte fazer essa prova. Não pode também deixar de se relevar o facto de, mensalmente, os valores pagos pela empresa ao seu trabalhador e qualificados como ajudas de custo serem em montante bastante superior ao rendimento do trabalho – o que será sempre de estranhar utilizando um argumento de normalidade social (ou laboral) – o qual, se por si só vale o que vale, juntamente com os demais argumentos que fundamentaram as correções não pode deixar de revestir força probatória;
10. Mais fundamenta a Douta Sentença que o Impugnante foi contratado para exercer funções em Amora, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas porque se deslocou para obra da D………[Espanha] e para S........... s.r.l em Southampton [Inglaterra]. No entanto, suporta-se factualmente o Tribunal na cláusula 4 do contrato de trabalho outorgado entre o Impugnante e a respetiva entidade patronal, o qual faz parte integrante do Relatório inspetivo (assim como todos os recibos referentes ao sujeito passivo no ano de 2008), mas, com o devido respeito, os contratos de trabalho em causa não são constituídos apenas por aquela cláusula, mas por outras (algumas delas nem sequer levados á factualidade fixada), havendo que proceder à análise do mesmo num todo sistemático;
11. Assim, consta daqueles contratos, que o Impugnante é contratado para as oficinas na sede da C..........., mas desde logo, fica também ali fixado que, com o início da execução do contrato, exerce as suas funções nas instalações/obra da D…………[Espanha] e para S........... s.r.l em Southampton [Inglaterra].E todas as deslocações que ocorram dentro e fora do território nacional ficam a cargo da entidade contratadora. Não deixa de ter relevância o facto de, pela Cláusula Segunda, os contratos de trabalho serem a termo incerto, motivado por acréscimo excecional de atividade da empresa, o qual obriga a reforço do trabalho temporário. E estes contratos de trabalho, a termo incerto, duram por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração – nos termos do disposto no art.º 144.º da Lei n.º 99/2003, de 27.08, na redação à data;
12. A Douta Sentença agora recorrida, conclui que é “da leitura dos aludidos contratos não se retira que o Impugnante foi contratado para exercer funções fora de Portugal.” No entanto, não pode deixar de se extrair das várias cláusulas daqueles contratos de trabalho que o local de trabalho do Impugnante – contratado a termo incerto por “todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração” – é obra da D…………[Espanha] e para S........... s.r.l em Southampton [Inglaterra]. E, pela cláusula Sexta dos referidos contratos, estes “caduca com a conclusão do trabalho para que o 2.º Outorgante é contratado ou mediante comunicação da C........... de cessação do mesmo (…)”. Pelo que, não se atinge, desta forma - como resulta do agora decidido pelo Tribunal “a quo” -, como pode o domicílio necessário do trabalhador ser um local onde, pelo contrato assinado pelas partes, ele nunca trabalhará;
13. É, aliás, a obra da D………[Espanha] e de S........... s.r.l em Southampton [Inglaterra], o local de trabalho que consta de todos os recibos de vencimento do Impugnante referentes ao ano de 2008 e juntos no Relatório Inspetivo. Pelo que, não pode deixar de se considerar como domicílio necessário do Impugnante o local no qual ficou acordado que iria exercer funções, e durante o tempo em que tais funções durassem, cessando de imediato o contrato com o fim destas;
14. E quanto ao facto de o tribunal “a quo” afirmar que a Administração Tributária não invocou, como fundamento do seu procedimento, o excesso cabe dizer que, com todo o respeito devido, não ficando provada a natureza compensatória dos pagamentos/recebimentos, não cabe à Autoridade Tributária analisar sobre o eventual excesso de tais pagamentos;
15. Razão pela qual não poderia ser fundamento das correções realizadas qualquer excesso de pagamento de ajudas de custo, quanto não existiu pagamento de ajudas de custo cujo excesso importasse tributar;
16. Por fim, cabe questionar como poderia a Autoridade Tributária trazer algo aos Autos que pudesse assegurar que o valor pago fosse superior ao das despesas efectivamente suportadas pelo Impugnante, quando o próprio Impugnante não faz prova de ter efetivamente suportado qualquer despesa. Algo que o Tribunal “a quo”, com o devido respeito, parece olvidar;
17. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos que fixou e omitiu factualidade relevante, como algumas das cláusulas contratuais – erro de julgamento de facto;
18. Fez também errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito - , tendo violado o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04, assim como o disposto no art.º 342.º do CC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.».

O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«
A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido a título de ajudas de custo por parte da AT.
B. O objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1do artigo 2.º do CIRS.
C. Considerou o Tribu nal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.
D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribu nal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recu rso 01082/04, que sendo a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressu postos de atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.
F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Espanha e para Inglaterra e que o local de trabalho era em Amora, Seixal.
G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a I RS.
H. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressu postos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, "agarrando-se" a uma presu nção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.
I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.
J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não
tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.º do Código do IRS.
K. O pagamento das ajudas de custo e sua (não) tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
L. Neste sentido, o Acórdão do STA n.º 24239 de 15/12: "De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n.9 3 do artigo 2.9 do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado exced eu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.g 519-M/ 79. De 28 de Dezembro " (actual DL 106/98).
M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido para Espanha e para Inglaterra ao serviço da entidade patronal.
N. De facto, ficou provado que o Recorrido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da C............
O. Assim, ficou determinado pelo Tribu nal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a I RS.
P. Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
Ou
Q. Demosntrar que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.
R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.
S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.
T. O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.
U. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que o Recorrido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em Portugal, em obras sitas em Espanha e em Inglaterra, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.
V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar / provar que as estadias do Recorrido em Espanha e em Inglaterra não eram ocasionais, o que não aconteceu.
W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido foi contratado para exercer funções em Amora - Seixal, na sede da empresa.
X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em Amora, Seixal - Portugal -, e nunca em Espanha ou Inglaterra.
Y. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.
Z. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.
AA. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da C........... situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!) para outros locais.
BB. De facto, o Recorrido foi contratado para prestar trabalho em Amora - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.
CC. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da C..........., obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.
DO. De facto, a questão da "residência habitual" deverá ser tida em primordial conta.
EE. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.
FF. Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.
GG. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.
HH. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C........... nos processos n.ºs 289/13.SBE BJA, 344/13.l BE BJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.SBEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C........... nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C........... nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.lBEPN F, respectivamente.
II. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa C..........., com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.
JJ. No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 764/13.lBEPNF e 696/13.3BEALM, respectivamente, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 ( ut. Doe. n.º 1e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo­ se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.

Assim se fazendo inteira e sã
JUSTIÇA!».



A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar do erro de julgamento da sentença, porquanto e, por um lado, a AT apresentou factos concretos demonstrativos de que as quantias abonadas ao impugnante pela entidade patronal a título de ajudas de custo têm natureza remuneratória, nessa medida, cabendo ao impugnante provar o carácter compensatório das ajudas de custo, o que não logrou fazer.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A - Em 5 de janeiro de 2008, H..........., ora Impugnante, celebrou escrito denominado de “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO” com a sociedade “C..........., LDA.”, com sede na Rua………, n.º 10, 1.º direito, concelho do Seixal, do qual resulta, designadamente, o seguinte: “(...)




«imagem no original»




(...)” - cfr. fls. 31 e 32 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

B) - Em 15 de abril de 2008, H..........., ora Impugnante, celebrou escrito denominado de “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO” com a sociedade “C..........., LDA.”, do qual resulta, designadamente, o seguinte: “(...)

«imagem no original»



(...)” - cfr. fls. 32v a 33v do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;


C) - No ano de 2008, o Impugnante tinha a sua residência habitual e o domicílio fiscal em Santo António da Charneca, Portugal - facto não controvertido, alegado no art.º 23.º da p.i. em conjugação com a alínea d. das conclusões da p.i., não impugnado pela Fazenda Pública; cfr. fls. 16, 22, 27, 29, 44 e 49 do PAT apenso;

D) - Durante o ano de 2008, e ao abrigo dos contratos identificados nas alíneas
A) e B) da factualidade assente, o Impugnante foi deslocado para as instalações/obras em Espanha e Inglaterra - facto não controvertido, alegado no art.º 27.º da p.i. e não impugnado pela Fazenda Pública;

E) - No ano de 2008, a sociedade “C..........., LDA.”, pagou ao Impugnante o valor de € 12.650,43, a título de ajudas de custo - facto que se extrai do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), em concreto de fls. 25v do PAT apenso; cf. fls. 30v, 34 a 36v do PAT apenso, que se dão por integralmente reproduzidas;

F) - Em 6 de outubro de 2012, a Autoridade Tributária, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201101388, deu início a uma ação de Inspeção Tributária, de âmbito parcial, com vista à análise do cumprimento das obrigações tributárias do Impugnante, em sede de IRS, respeitante ao ano de 2008, que teve por base os elementos recolhidos na sociedade “C..........., LDA.” - cf. RIT a fls. 23 e seguintes do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
G) - Por ofício n.º 30821, de 17 de outubro de 2011, da Direção de Finanças de Setúbal, foi o Impugnante notificado para apresentar declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, tendo a referida notificação sido devolvida com a menção de «objeto não reclamado» - facto que se extrai do RIT, em concreto e fls. 25 do PAT apenso, corroborado pelo ofício de fls. 29 a 30 do PAT apenso;

H) - No âmbito da ação de inspeção referida na alínea antecedente, foi elaborado, em 19 de novembro de 2012, o relatório final de Inspeção Tributária, do qual resultou a fixação do rendimento coletável no valor de € 15.487,27, constando do seu teor, designadamente, o seguinte:

“ (...) De acordo com o artigo 249.° da Lei n.° 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, “... na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie...” e até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Assim, e de acordo com o artigo 2.° do Código do IRS:
“1 - Consideram-se rendimentos de trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de:
a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;
(...)
2 - As remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações ... prémios ... e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.
3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...)
d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.”
(...)

Da análise do contrato celebrado pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, constatou-se que os locais de trabalho determinados nos contratos D........... em Espanha e S..........., s.r.l. em “Southampton” (anexo 4) coincidiam com os locais onde o trabalhador prestou serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 5).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C……….., Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados p elo s p ró prio s trab alhad o res” .

Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes na empresa referentes aos meses de Maio e Junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que não existe qualquer boletim itinerário apesar deste ter auferido valores a título de “ajudas de custo” nestes meses.

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A).

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS.

Face ao exposto verifica-se que o sujeito passivo não declarou quaisquer rendimentos da categoria A (trabalho dependente) pelo que se propõe a fixação de rendimentos, nos termos do n.º 2 do artigo 65.º do CIRS, conforme quadro seguinte:



Sujeito PassivoCateg. Rendim.DescriçãoCorreções
    Valores corrigidos
AATrabalho dependentea) 19.167,91
    € 19.167,91
AADedução específica(€ 3.680,64)
    (€ 3.680,64)
AARendimento Líquido€ 15.487,27
    € 15.487,27
Rendimento Colectável € 15.487,27 € 15.487,27

(...)” - cfr. RIT a fls. 23 e seguintes do PAT apenso;
I) - Em resultado das correções referidas na alínea antecedente, em 19 de novembro de 2012, a AT emitiu «DECLARAÇÃO OFICIOSA» do modelo 3 de IRS, referente ao ora Impugnante, relativamente ao exercício do ano de 2008, constando do Anexo A, rendimentos de trabalho dependente o valor total de € 19.168,91 - cfr. fls. 15 e 16 do PAT apenso, cujos teores se dão por integralmente reproduzidas;
J) - Em 26 de novembro de 2012, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º ..........., referente ao ano de 2008, com o valor a pagar de € 2.676,31, e a respetiva liquidação de demonstração de juros compensatórios, no montante de € 336,87 - cfr. fls. 14 e 15 dos autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidas;
K) - Em 23 de abril de 2013, na sequência da notificação dos atos de liquidação referidos na alínea antecedente, o Impugnante apresentou reclamação graciosa - cfr. fls. 3 a 12 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
L) - Em 10 de maio de 2013, foi elaborada «Informação» pela Divisão de Justiça Tributária que incidiu sobre a reclamação graciosa identificada na alínea antecedente, na qual foi proposto o seu indeferimento - cfr. fls. 51 a 61 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
M) - Em 13 de maio de 2013, o Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação da Diretora de Finanças de Setúbal, com base na «Informação» identificada na alínea antecedente, proferiu projeto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa - cfr. despacho de fls. 51 do PAT apenso;
N) - Na sequência da notificação do projeto de decisão de indeferimento identificado na alínea antecedente, o Impugnante exerceu audição prévia - cfr. fls. 70 a 74 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
O) - Em 24 de maio de 2013, a Divisão de Justiça Tributária elaborou
«Informação Complementar» de indeferimento da reclamação graciosa da qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(...)





















«Imagem no original»



(...)” - cfr. fls. 77 a 79 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

P) - Em 27 de maio de 2013, o Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação de competências da Diretora de Finanças de Setúbal, proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa com base na informação identificada na alínea antecedente - cfr. despacho de fls. 76 dos autos;
Q) - Em 28 de junho de 2013, a presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal - cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.

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Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa.

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Motivação: A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, tendo concluído que a administração tributária não logrou provar a existência dos pressupostos legais da sua actuação, isto é, que as importâncias auferidas a título de ajudas de custo eram, afinal, remuneração derivada da prestação de trabalho, anulou a consequente liquidação adicional de IRS do ano de 2008.

Com o assim decidido não se conformou a Fazenda Pública, ora Recorrente, por entender que o local de trabalho determinado no contrato celebrado coincidia com o local onde o trabalhador prestou o serviço, inexistindo, portanto, deslocações. Acrescentando que faltavam muitos dos documentos justificativos de tais ajudas de custo, mormente os boletins itinerários.

A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.

Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que o trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.

A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.

Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – vd. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG.

Transpondo estes conceitos para a situação em análise e seguindo a linha decisória do Acórdão do TCAN de 11/10/2016, proferido no proc.º 00764/13.1BEPNF (Rel. Ana Patrocínio), que se debruçou sobre questão idêntica à destes autos, vejamos.

No relatório inspectivo que sustenta a correcção que suportou a liquidação impugnada, os serviços de inspecção tributária constataram que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em países da União Europeia e que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objecto o reembolso das mesmas, concluindo que a quantia percebida pelo Recorrido a título de «ajudas de custo» seria de considerar como rendimento de trabalho dependente por se tratar de uma quantia fixa e regular paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro.

Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro.
Contudo, compulsado o contrato de trabalho celebrado entre o impugnante e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o impugnante foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da C..........., obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C........... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. Resultando do contrato de trabalho (cf. fls. 31 e 32v. do apenso instrutor e ponto A) da matéria assente) que a C........... tem sede em Amora [Seixal]. Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª dos contratos referidos em A) e B) da matéria assente refiram que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará ora para as instalações da obra da “D………., Espanha”, ora para as instalações da obra da “S........... s.r.I., em Southampton” [Inglaterra], podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o impugnante foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da C..........., em Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C........... – cf. cláusula 4.ª do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspectivos, que o impugnante foi contratado para exercer funções em países da União Europeia.

Em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais – cf. ponto 4 da cláusula 4.ª.

Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em Amora/Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou ora para Espanha (Jerez De Los Caballeros, ora para Inglaterra (Southampton) para exercer funções correspondentes à de “Operário Não Especializado” em obras ao serviço da sua entidade empregadora.

Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do preceituado no artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.

O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.

Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Espanha e em Inglaterra. Mas não é isso que resulta dos contratos a que aludem os pontos A) e B) dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C........... exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C........... tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.

De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.

Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo – o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário.

Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.

Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.

Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».

Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão do TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.

O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras sitas em Espanha e na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contratos de trabalho com a C..........., para exercer a actividade profissional de “Operário Não Especializado”, tendo, no âmbito desses contratos, exercido funções ora em obras em Jerez de Los Caballeros (Espanha), ora em Southampton (Inglaterra).

Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.

Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar.

Razão por que a impugnação tinha de proceder, como procedeu, com fundamento no facto de a Administração Tributária não ter logrado convencer, como lhe competia, que as quantias pagas como “ajudas de custo” não estavam conexionadas com as comprovadas deslocações para a obra em Southampton ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição.

Assim, é de confirmar a sentença recorrida e negar provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021.

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes