Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:146/17.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OBJECTO MATERIAL DO PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
CAUSA DE PEDIR. NOÇÃO.
PEDIDO. NOÇÃO.
PRINCÍPIO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA.
EXCEPÇÃO DILATÓRIA QUE SE CONSUBSTANCIA NA INIMPUGNABILIDADE DO ACTO OBJECTO DO PROCESSO.
BENEFÍCIO CONCEDIDO AO AUTOR.
Sumário:1. O objecto material do processo de impugnação é o acto de liquidação, acto tributário em sentido estrito (cfr.artºs.5 e 89, do C.P.C.Impostos; artºs.120 e 123, do C.P.Tributário; artºs.99 e 102, do C.P.P.Tributário; artº.62, nº.1, al.a), do E.T.A.F.), dado ser esse o acto administrativo do qual resulta, com carácter definitivo e executório, a declaração do direito do Estado a um determinado quantitativo pecuniário (cfr.artºs.2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.18, do C.P.Tributário; artº.60, do C.P.P.Tributário).
2. A causa de pedir pode definir-se como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, não bastando a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão para que se verifique o preenchimento de tal exigência legal.
3. O pedido consubstancia-se no meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que quer obter com a acção, devendo o mesmo ser formulado na conclusão da p.i. e não bastando para a satisfação desta exigência legal que o pedido surja acidentalmente referido na parte narrativa da peça processual em questão.
4. De acordo com o princípio da impugnação unitária consagrado no artº.54, do C.P.P.T., só é possível impugnar directamente o acto de fixação da matéria colectável efectuado por avaliação indirecta se este não der origem a liquidação de imposto (cfr.artº.86, nº.3, da L.G.T.).
5. Julga-se procedente a excepção dilatória que se consubstancia na inimpugnabilidade do acto objecto do presente processo, matéria de conhecimento oficioso e que, em fase liminar, gera o indeferimento do articulado inicial e a consequente absolvição da instância do réu/entidade demandada (cfr.artºs.576, nº.2, e 590, nº.1, do C.P.Civil; artº.110, nº.1, do C.P.P.T.).
6. Recorde-se, no entanto, que pode o recorrente prevalecer-se do disposto nos artºs.560 e 590, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (dedução de nova impugnação no prazo de dez dias, computados da notificação do presente acórdão).
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

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RELATÓRIO

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“... - EXPLORAÇÃO DE BARES E SIMILARES, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho de indeferimento liminar proferido pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarado a fls.31 e 32 do presente processo, através do qual rejeitou liminarmente a p.i. de impugnação judicial que originou os presentes autos, devido a procedência da excepção dilatória que se consubstancia na inimpugnabilidade contenciosa do acto objecto do processo.

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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.41 a 45 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:

1-No requerimento inicial indeferido liminarmente pela decisão recorrida, a recorrente impugnou, entre o mais, as liquidações adicionais relativas à fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014, e não apenas o despacho de fixação por métodos indirectos da matéria tributável;

2-O mandatário forense da recorrente, apesar de constituído mandatário no processo das Finanças desde 16 de Novembro de 2016, não foi notificado das posteriores liquidações adicionais realizadas com fundamento na fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014,embora, por duas vezes, já tenha requerido a notificação dessas liquidações;

3-O mandatário não foi notificado e a mandante ora recorrente foi executada, apesar de tais condutas do Serviço de Finanças contrariarem as regras dos artigos 36 e 40 do CPPT;

4-Se acaso for mantida a decisão recorrida, e persistindo as Finanças em denegar a notificação das liquidações ao mandatário, resulta uma situação algo kafkiana: a recorrente não pode impugnar as liquidações apesar das referências a elas no pedido formulado no requerimento de impugnação porque não as juntou, mas também não pode vir a impugná-las porque, embora estejam efectuadas, as Finanças não as notificam ao mandatário da impugnante;

5-A não admissão da impugnação das liquidações adicionais causa um prejuízo  irreparável à recorrente executada, em violação do princípio do Estado de Direito (arts. 2 e 20 da CRP), bem como do da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.268  nº.4 da CRP;

6-Em suma, pretende-se que o Venerando Tribunal de recurso considere que as liquidações foram efectivamente impugnadas, desde logo pelo que consta do intróito do requerimento inicial e do respectivo pedido b), revogando a decisão de indeferimento, sem prejuízo de o Tribunal de 1ª. Instância convidar à junção dos documentos contendo as liquidações adicionais, ou, se essa pretensão não for acolhida no recurso, que seja reconhecido o direito e facultado à recorrente apresentar a impugnação das liquidações adicionais no prazo legal contado desde a notificação dessas liquidações ao mandatário da impugnante recorrente.


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Não foram produzidas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.51 a 54 dos autos).

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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO

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DE FACTO

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Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:

1-Em data que não pode precisar-se a sociedade impugnante/recorrente, “... - Exploração de Bares e Similares, L.da.”, com o n.i.p.c. ..., estruturou pedido de revisão da matéria tributável, ao abrigo do artº.91, da L.G.T., visando a decisão de fixação da matéria colectável, através de métodos indirectos, em sede de I.R.C. e I.V.A. e relativamento aos anos de 2012, 2013 e 2014 (cfr.documento junto a fls.17 a 26 dos presentes autos);

2-Em 15/03/2017, a sociedade impugnante/recorrente apresentou p.i. de impugnação judicial junto do Serviço de Finanças de ... visando decisão do Director de Finanças de Faro que manteve a fixação da matéria colectável, através de métodos indirectos, em sede de I.R.C. e I.V.A. e relativamento aos anos de 2012, 2013 e 2014 (cfr.documento junto a fls.27 dos presentes autos);

3-No articulado inicial identificado no nº.2 (cfr.p.i. junta a fls.3 a 15 dos presentes autos) a sociedade impugnante/recorrente alega:

a)Que a decisão do Director de Finanças de Faro que manteve a fixação da matéria colectável, através de métodos indirectos, ao não se pronunciar sobre diversas questões suscitadas no processo de revisão e que são relevantes, deve ser anulada;

b)Que a A. Fiscal não efectuou prova dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos de fixação da matéria colectável no caso concreto;

c)Que a quantificação da matéria colectável por métodos indirectos se afigura excessiva, padecendo de erro sobre os pressupostos de facto;

d)Terminando a pedir:
· -A suspensão das liquidações dos respectivos tributos e das consequentes execuções fiscais, se já tiverem sido instauradas;     
· -A anulação da decisão impugnada e das consequentes liquidações;
· -Subsidiariamente, que julgue não fundamentada a decisão de fixação da matéria colectável, através de métodos indirectos, que tal fixação se afigura excessiva ou que deve ser anulada devido a fundada dúvida, assim devendo a mesma ser anulada, tal como as consequentes liquidações;

4-O T.A.F. de Loulé, através de despacho exarado a fls.31 e 32 do presente processo, rejeitou liminarmente a p.i. de impugnação judicial que originou os presentes autos, devido a procedência da excepção dilatória que se consubstancia na inimpugnabilidade contenciosa do acto objecto do processo (cfr.documento junto a fls.31 e 32 dos presentes autos).    


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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO

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Em sede de aplicação do direito, o despacho recorrido rejeitou liminarmente a p.i. de impugnação que originou os presentes autos, devido a procedência da excepção dilatória que se consubstancia na inimpugnabilidade contenciosa do acto objecto do processo (cfr.nº.4 do probatório).

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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).

O apelante aduz, em síntese, que as liquidações foram efectivamente impugnadas, desde logo pelo que consta do intróito do requerimento inicial e do respectivo pedido final. Que a não admissão da presente impugnação causa um prejuízo irreparável ao recorrente, em violação do princípio do Estado de Direito (artºs.2 e 20, da C.R.P.), bem como do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artº.268, nº.4, do diploma fundamental (cfr.conclusões 1 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.

O objecto material do processo de impugnação é o acto de liquidação, acto tributário em sentido estrito (cfr.artºs.5 e 89, do C.P.C.Impostos; artºs.120 e 123, do C.P.Tributário; artºs.99 e 102, do C.P.P.Tributário; artº.62, nº.1, al.a), do E.T.A.F.), dado ser esse o acto administrativo do qual resulta, com carácter definitivo e executório, a declaração do direito do Estado a um determinado quantitativo pecuniário (cfr.artºs.2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.18, do C.P.Tributário; artº.60, do C.P.P.Tributário).

Por outro lado, recorde-se que a causa de pedir pode definir-se como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, não bastando a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão para que se verifique o preenchimento de tal exigência legal (cfr.Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª.edição, Coimbra Editora, 1985, pág.245; José Alberto dos Reis, Comentário ao C.P.Civil, II, Coimbra, 1945, pág.369 e seg.).

Já o pedido consubstancia-se no meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que quer obter com a acção, devendo o mesmo ser formulado na conclusão da p.i. e não bastando para a satisfação desta exigência legal que o pedido surja acidentalmente referido na parte narrativa da peça processual em questão (cfr.Antunes Varela e Outros, ob.cit., pág.245; José Alberto dos Reis, ob.cit., pág.360 e seg.).

Ora, de acordo com o princípio da impugnação unitária consagrado no artº.54, do C.P.P.T., só é possível impugnar directamente o acto de fixação da matéria colectável efectuado por avaliação indirecta se este não der origem a liquidação de imposto (cfr.artº. 86, nº.3, da L.G.T.).

Revertendo ao caso dos autos, contrariamente ao defendido pelo apelante nas conclusões do recurso, o articulado inicial do presente processo apenas tem como causa de pedir a decisão do Director de Finanças de Faro que manteve a fixação da matéria colectável, através de métodos indirectos, tudo conforme se retira do exame da factualidade provada (cfr.nº.3 do probatório).

Com estes pressupostos, deve este Tribunal confirmar a decisão recorrida, visto que tal decisão do Director de Finanças de Faro por se limitar a fixar os valores com base nos quais irão ser liquidados os tributos, é um acto interlocutório que não é directamente impugnável, tudo com base no aludido princípio da impugnação unitária, vigente no contencioso tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/04/2006, rec.1286/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.260/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.467).

Face ao exposto, deve julgar-se procedente a excepção dilatória que se consubstancia na inimpugnabilidade do acto objecto do presente processo, matéria de conhecimento oficioso e que, em fase liminar, gera o indeferimento do articulado inicial e a consequente absolvição da instância do réu/entidade demandada (cfr.artºs.576, nº.2, e 590, nº.1, do C.P.Civil; artº.110, nº.1, do C.P.P.T.).  

Recorde-se, no entanto, que pode o recorrente prevalecer-se do disposto nos artºs.560 e 590, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (dedução de nova impugnação no prazo de dez dias, computados da notificação do presente acórdão), em virtude do que, igualmente não se pode considerar que a decisão recorrida tenha violado os comandos constitucionais que asseguram uma tutela efectiva dos direitos do cidadão e o princípio do Estado de Direito.

Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


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DISPOSITIVO

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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

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Condena-se o recorrente em custas.

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Registe.

Notifique.


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Lisboa, 13 de Outubro de 2017

(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)