Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12695/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES – LADA - SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário:I - De acordo com o disposto nos arts. 3º n.º 2, 108º n.º 2 e 169º, todos do CPTA, a sanção pecuniária compulsória não é um fim em si mesmo, pois através da sua aplicação visa-se estimular o cumprimento voluntário da sentença, ou seja, através da ameaça do pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que se verifique na execução da sentença visa-se exercer pressão sobre o devedor e determiná-lo a cumprir.

II – Assim, a sanção pecuniária compulsória só pode ser aplicada se, no momento da prolação da decisão sancionatória, a sentença de intimação (para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões) não se mostrar cumprida (sem justificação aceitável).

III – Do art. 169º n.º 1, do CPTA, resulta que o termo inicial da obrigação de pagar a sanção pecuniária compulsória conta-se da notificação ao(s) órgão(s) incumbido(s) da execução da aplicação de tal sanção.

IV – Do estatuído nos arts. 5º (“informação sobre a sua existência”) e 14º n.º 1, al. d) (“Informar que não possui o documento”), da Lei 46/2007, de 24 de Agosto, decorre que o pedido de acesso a um documento administrativo encontra-se satisfeito caso a entidade administrativa informe que não o possui, cabendo ao interessado alegar factualidade que infirme tal informação e comprová-la.

V - Se essa informação fornecida pela entidade administrativa não for exacta ou verdadeira, poderão os titulares dos seus órgãos incorrer em responsabilidade civil, disciplinar e criminal, nos termos legais (cfr. art. 159º, do CPTA).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
I - RELATÓRIO
Francisco ………….. e Luís …. intentaram no TAC de Lisboa o presente processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra a Câmara dos Solicitadores, no qual formularam o seguinte pedido:
“ « Texto no original »

”.

Por decisão de 4 de Setembro de 2015 do referido tribunal considerou-se integralmente cumprido o julgado condenatório (sentença de 20 de Maio de 2014), razão pela qual se entendeu não haver lugar à aplicação da peticionada sanção pecuniária compulsória.

Inconformado, o requerente Luís ……………….. interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa decisão de 4.9.2015, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

“«Texto no original »

O requerente Francisco ………………. veio manifestar a sua adesão ao recurso apresentado.

A recorrida apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional, ao qual respondeu a recorrida, reiterando que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos:

1) Os requerentes são solicitadores, associados da entidade requerida, e encontram-se inscritos como agentes de execução, profissão que exercem desde 2003 (acordo).
2) Por requerimentos enviados por correio registado em 23 e 26 de Julho de 2013, os requerentes solicitaram ao Presidente da Câmara dos Solicitadores o seguinte:
(…)
Com recurso ao artigo 65.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, que contempla o princípio da administração aberta, dispondo que “Todas as pessoas têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (…)”, bem como ao artigo 5º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (LADA) estabelecendo que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”, solicito que me sejam facultado o acesso, para consulta, aos seguintes documentos:
« Texto no original »

Face ao exposto fico a aguardar que no prazo legal de dez dias me seja facultado o acesso à consulta de toda a documentação solicitada, mais informando que me farei acompanhar de técnico habilitado para a respectiva análise da documentação” (cfr. fls. 24 a 32 e acordo).
3) O presente processo de intimação foi intentado em 26.12.2013 (cfr. fls. 2).

4) Por ofícios datados de 28.1.2014, a entidade requerida informou os requerentes do conteúdo do parecer do respectivo Gabinete Jurídico, do qual constava designadamente o seguinte:

(…) Ainda de acordo com o DAG, não foram encontrados na Câmara dos Solicitadores quaisquer documentos relativos aos pagamentos efectuados pela Caixa de Compensações ao “Restaurante ………..” e ao “……………Hotel” (alínea j) do requerimento).
(…)” (cfr. fls. 108 e ss. e 127 e ss.).
5) Por sentença de 20 de Maio de 2014 do TAC de Lisboa foi julgada procedente a presente intimação e, consequentemente, intimada a Câmara dos Solicitadores a satisfazer, no prazo máximo de 10 dias, o pedido formulado pelos requerentes em 23 e 26 de Julho de 2013, concretamente, a providenciar, durante o horário de expediente e pelo período de tempo considerado necessário, a consulta dos documentos administrativos (também dos nominativos) elencados nas alíneas a) a j), do pedido inicial, sob pena de lhe ser aplicada (na pessoa do Presidente da Câmara dos Solicitadores) sanção pecuniária compulsória (cfr. fls. 250 a 263).
6) Inconformada, a entidade requerida interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, na parte em que a condenou a disponibilizar a consulta dos documentos elencados na alínea j), dos pedidos dos requerentes de 23 e 26 de Julho de 2013 (cfr. fls. 272 e ss.).
7) Por acórdão deste TCA Sul de 19.8.2014 foi negado total provimento ao referido recurso jurisdicional, e assim mantida a decisão recorrida na parte impugnada, nos termos constantes de fls. 361 a 370, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se escreveu designadamente o seguinte:
“De acordo com o disposto nos arts. 5º, 11º n.º 1, al. a) e 14º n.º 1, al. d), da Lei 46/2007, de 24 de Agosto - diploma que regula o acesso aos documentos administrativos e sua reutilização, de ora em diante designada como Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) -, a consulta dos documentos é efectuada nos serviços que os detêm e, caso a entidade a quem foi feito o pedido de consulta não possuir os documentos, deverá informar em conformidade.

Assim sendo, se no momento em que o tribunal profere a sentença já se encontra apurado que a entidade administrativa não detém o documento, não deverá intimá-la a disponibilizar a sua consulta.

Não é essa, no entanto, a situação que se verifica nos autos, como se passa a demonstrar.

Encontra-se provado que, por requerimentos datados de 23 e 26 de Julho de 2013, os recorridos solicitaram à recorrente nomeadamente a consulta de todos os documentos de suporte contabilístico relativos a todos os pagamentos efectuados pela Caixa de Compensações ao “Restaurante …………..” e ao “……………. Hotel”, acompanhados das respectivas autorizações de despesa assinadas pelo vogal de tesoureiro da Câmara dos Solicitadores (alínea j), desses requerimentos) [cfr. facto C)].

Mais se encontra apurado que, por ofício de 28.1.2014, a recorrente informou os recorridos de que, de acordo com o respectivo Departamento de Administração Geral, não foram encontrados na Câmara dos Solicitadores quaisquer documentos relativos aos pagamentos efectuados pela Caixa de Compensações ao “Restaurante …………….” e ao “…………. Hotel”, [cfr. facto K)].

Ou dito por outras palavras, apenas se encontra dado como assente que a recorrente informou os recorridos, em Janeiro de 2014, que não localizou quaisquer documentos relativos aos pagamentos efectuados pela Caixa de Compensações ao “Restaurante ……….” e ao “…………. Hotel”, nada se tendo provado no sentido de que a recorrente não detém estes documentos.

Com efeito, o facto de uma entidade administrativa, num determinado momento, não localizar certos documentos não significa que, após buscas mais aturadas, não os possa vir a localizar, isto é, a falta de localização de documentos é realidade distinta da falta de detenção desses mesmos documentos.

Ora, não se encontrando provado que a recorrente não detém os documentos relativos aos pagamentos efectuados pela Caixa de Compensações ao “Restaurante ………….” e ao “…………… Hotel”, mostra-se correcta a sentença recorrida ao intimá-la a providenciar pela consulta desses documentos.

De todo o modo, em execução (espontânea) dessa sentença, caso a recorrente conclua, após buscas mais aturadas, que, de facto, não detém tais documentos, deverá informar em conformidade e de forma detalhada os recorridos (cfr. arts. 5º (“informação sobre a sua existência”) e 14º n.º 1, al. d), da LADA).

Os recorridos, por sua vez, caso tenham elementos para comprovar a falta de veracidade dessa informação, se tal for o caso, poderão suscitar nestes autos a questão relativa à inexecução da sentença proferida.

Do exposto resulta que a decisão ora sindicada também não enferma de erro de julgamento, na parte em que condenou a recorrente a disponibilizar a consulta dos documentos elencados na alínea j), dos pedidos dos recorridos de 23 e 26 de Julho de 2013, razão pela qual deverá ser julgado totalmente improcedente o presente recurso jurisdicional, e assim mantida a decisão recorrida na parte impugnada.”.
8) O acórdão descrito em 7) foi notificado às partes por carta registada em 20.8.2014 e ao MP em 21.8.2015, não tendo sido objecto de impugnação (cfr. fls. 374 a 377).
9) Por requerimento datado de 25 de Setembro de 2014, os requerentes solicitaram ao Presidente da Câmara dos Solicitadores, na sequência do trânsito em julgado do acórdão descrito em 7), o agendamento da consulta dos documentos discriminados na al. j), dos requerimentos mencionados em 2) (cfr. Doc. 3, junto aos autos pelos requerentes em 18.11.2014).
10) Em 29 de Setembro de 2014 o Gabinete Jurídico da Câmara dos Solicitadores emitiu o parecer que consta do Doc. 4, junto aos autos pelos requerentes em 18.11.2014, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta designadamente o seguinte:

« Texto no original»

“.
11) Em resposta ao requerimento referido em 9), a entidade requerida remeteu, através de ofício datado de 1.10.2014, o parecer descrito em 10) (cfr. Doc. 4, junto aos autos pelos requerentes em 18.11.2014).
12) Face ao incidente suscitado pelos requerentes, no sentido de que a sentença descrita em 5) não se encontrava executada, no segmento em que intimou a entidade requerida a providenciar pela consulta dos documentos elencados em j), dos requerimentos descritos em 2), a entidade requerida apresentou requerimento de resposta em 20.7.2015, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consignou designadamente o seguinte:
22. Em conclusão, a Requerida não detém os documentos referidos na alínea j) do pedido dos Requerentes pelo que não pode dar a consultar aquilo que não consta dos seus arquivos.”.

*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida, de 4.9.2015, enferma de erro ao ter julgado integralmente cumprido o julgado condenatório e, consequentemente, ao ter considerado que não há lugar à aplicação de sanção pecuniária compulsória (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

O recorrente defende que, quanto aos documentos elencados na alínea j), dos pedidos descritos em 2), dos factos provados, a recorrida ainda não deu cumprimento à sentença de 20.5.2014 – confirmada por acórdão deste TCA Sul de 19.8.2014 -, na qual se determinou a intimação da recorrida a providenciar pela consulta de tais documentos, não comprovando a existência de qualquer causa justificativa de tal incumprimento, defendendo que o tribunal deverá, nos termos do art. 108º n.º 2, do CPTA, condenar o Presidente da recorrida a pagar ao recorrente, por cada dia de incumprimento já vencido e que se venha a vencer até efectivo cumprimento da decisão judicial, uma sanção pecuniária compulsória, no montante de € 40.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida.

Dispõe o art. 3º n.º 2, do CPTA, o seguinte:

Por forma a assegurar a efectividade da tutela, os tribunais administrativos podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponham à Administração e aplicar, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias”.

Por sua vez estatui o art. 108º n.º 2, desse mesmo código, que:

Se houver incumprimento da intimação sem justificação aceitável, deve o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169.º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar, segundo o disposto no artigo 159.º” (sublinhados nossos).

Prescreve ainda o art. 169º, desse código, sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, o seguinte:

1 - A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.

2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento.

3 - Se o órgão ou algum dos órgãos obrigados for colegial, não são abrangidos pela sanção pecuniária compulsória os membros do órgão que votem a favor da execução integral e imediata, nos termos judicialmente estabelecidos, e que façam registar em acta esse voto, nem aqueles que, não estando presentes na votação, comuniquem por escrito ao presidente a sua vontade de executar a sentença.

4 - A sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença, quando o exequente desista do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada pelos destinatários da medida, por terem cessado ou sido suspensos do exercício das respectivas funções.

5 - A liquidação das importâncias devidas em consequência da imposição de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos deste artigo, é feita pelo tribunal, a cada período de três meses, e, a final, uma vez cessada a aplicação da medida, podendo o exequente solicitar a liquidação.

6 - As importâncias devidas ao exequente a título de indemnização e aquelas que resultem da aplicação de sanção pecuniária compulsória são cumuláveis, mas a parte em que o valor das segundas exceda o das primeiras constitui receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º” (sublinhados nossos).

Das normas ora transcritas decorre que o juiz deve, em caso de incumprimento da sentença de intimação (para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões), sem justificação aceitável, determinar a aplicação de sanção pecuniária compulsória, ou seja, condenar o(s) titular(es) do(s) órgão(s) incumbido(s) da prestação da informação, consulta do processo ou passagem da certidão – o(s) qual(ais) deve(m) ser individualmente identificado(s) - ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que se verifique na execução da sentença.

Como explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição, 2010, em anotação ao art. 169º:

- A pág. 1097, “(…) a sanção pecuniária compulsória não é uma medida estruturalmente executiva, na medida em que se limita a tentar obter o cumprimento por meio do exercício de coacção psicológica sobre o obrigado” (sublinhado nosso);

- A pág. 1098, “(…) embora a cominação da sanção pecuniária compulsória comece por ser uma ameaça, destinada a compelir o obrigado a cumprir, a verdade é que, com a inobservância do prazo limite estabelecido para o cumprimento (cfr. artigo 169.º, n.º 1), se entra no terreno propriamente sancionatório – embora sempre funcionalizado ao propósito de induzir ao cumprimento -, da punição do obrigado por cada dia em que persista no incumprimento. Ora, a situação de incumprimento ilícito - e a correspondente sanção – mantêm-se até ao momento em que sobrevenham circunstâncias que, fazendo cessar a situação de incumprimento ilícito, retirem o fundamento para que a sanção se continue a aplicar” (sublinhado nosso);

- E a pág. 1099, “O dever de pagar uma quantia em dinheiro por cada dia de atraso é cominado como uma ameaça, no momento (a que se refere o n.º 1) em que a sanção pecuniária compulsória é imposta, e é aplicado como uma sanção, com função punitiva e não reparatória, no momento (a que se refere o n.º 5) da liquidação dos montantes devidos” (sublinhados nossos).

E conforme ensina José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª Edição, 2006, págs. 429 a 431:

10.1. A análise da figura revela a sua dualidade característica: trata-se, em primeira linha, de uma medida coercitiva, de carácter patrimonial (astreinte), seguida de uma sanção pecuniária, em caso de incumprimento pontual.

Na realidade, apesar do nome, a figura visa, primeiramente, efectuar uma ameaça ou pressão para compelir a Administração a realizar uma execução voluntária da sentença. Só no caso de incumprimento é que se corporiza numa sanção.

(…)

Também não se confunde com as medidas subrogatórias – que realizam uma execução indirecta -, nem tem um carácter repressivo - a sanção não é concebida como uma finalidade, mas como uma condição de eficácia.

No que respeita à execução de sentenças, visa estimular o cumprimento voluntário e rápido da sentença - ou, quando surja logo na condenação declarativa, como condenação acessória, induzir a Administração ao cumprimento espontâneo.

10.2. Uma questão fundamental é a de saber qual é o fundamento substancial para a aplicação das sanções pecuniárias compulsórias, pois resulta da lei que devem ser impostas pelo juiz "quando tal se justifique" (artigo 3.°, n.° 2, do CPTA).

Não haverá dúvidas de que a finalidade principal será a de assegurar a efectividade das decisões judiciais, não tanto para o prestígio dos tribunais, mas no pressuposto da realização da justiça material e, na esfera administrativa, em especial, da garantia da tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares perante a Administração.

Assim, no que respeita ao processo executivo, a finalidade será a de conseguir a execução específica da sentença, mas resta a pergunta sobre se não será ainda a de consegui-la em prazo razoável - então, o juiz também deveria considerar a urgência na execução, avaliada do ponto de vista do interesse substancial em causa e/ou da prognose de incumprimento.

Atendendo ao texto legal, a imposição da sanção parece até ser obrigatória nas intimações (…) em caso de incumprimento desta - o que se poderia compreender pela sua natureza de processos urgentes, somada ao carácter injuntivo da decisão.

Mas não só: a lei parece determinar a aplicação da sanção também no âmbito da execução forçosa, quando a Administração não tenha cumprido espontaneamente a sentença condenatória a uma prestação de facto infungível, sem ter invocado dentro do prazo respectivo uma causa legítima de inexecução (ainda que tenha entretanto deduzido oposição, se ela for julgada improcedente) – uma situação em que se detecta um comportamento administrativo que sugere a probabilidade de um novo incumprimento.

Poderemos talvez concluir que a imposição da sanção depende de uma avaliação do juiz sobre a sua necessidade e adequação, quer no momento da pronúncia da sentença declarativa (em que será excepcional), quer no processo de execução – embora deva, em princípio, ser feita nas intimações, em razão da urgência, e, no processo de execução, perante a previsível resistência ao cumprimento.” (sublinhados nossos).

Do ora exposto decorre que a sanção pecuniária compulsória não é um fim em si mesmo, pois através da sua aplicação visa-se, como esclarece Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª Edição, 2002, pág. 355, “(…) obter a realização de uma prestação, judicialmente reconhecida, a que o credor tem direito, constituindo, apenas, uma forma de protecção do credor contra o devedor relapso e um reforço da tutela específica do direito daquele à realização in natura da prestação que por este lhe é devida”.

A sanção pecuniária compulsória é, assim e por definição, como salienta Calvão da Silva, cit., pág. 393, “(…) um meio indirecto de constrangimento decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial”, ou seja, visa exercer pressão sobre o devedor e determiná-lo a cumprir, através da ameaça do pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que se verifique na execução da sentença.

Nestes termos, e de acordo com o disposto no art. 108º n.º 2, do CPTA, a sanção pecuniária compulsória só pode ser aplicada se, no momento da sua aplicação, a sentença de intimação (para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões) não se mostrar cumprida (sem justificação aceitável).

Com efeito, mostrando-se cumprida a sentença de intimação – mesmo que após o prazo fixado na sentença de intimação -, não pode haver lugar à aplicação de sanção pecuniária compulsória, pois, nesta hipótese, já não há fundamento para estimular o cumprimento voluntário da sentença, pois a mesma já está cumprida, razão pela qual se determina, no art. 169º n.º 4, do CPTA, que a sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença.

Além disso, do art. 169º n.º 1, do CPTA, decorre que o termo inicial da obrigação de pagar a sanção pecuniária compulsória conta-se a partir da notificação ao(s) órgão(s) incumbido(s) da execução da aplicação de tal sanção pecuniária compulsória, pois, a entender-se que o mesmo ocorre em momento anterior e como se explica no STA de 26.9.2013, proc. n.º 1052/12, “(…) estaríamos a sancionar factos praticados (ou omitidos) antes de a sanção estar prevista, ou seja, estaríamos a aplicar retroativamente uma medida punitiva que só tem aplicação para o futuro, que só vincula os seus destinatários depois de saberem que lhes foi aplicada” – também neste sentido, Ac. do TCA Norte de 26.9.2013, proc. n.º 34/07.4 BEVIS-A [“4. O termo inicial da obrigação de pagar a sanção pecuniária compulsória conta-se da notificação da decisão sancionatória”].

Assim, improcede o invocado nas conclusões EE) a HH), das alegações do recorrente, sendo certo que, como se verá de seguida, a questão que cumpre apurar é se a sentença de 20.5.2014 está (ou não) cumprida (e não se existe uma justificação aceitável).

Quanto à procedência (ou não) do alegado nas demais conclusões, cumpre, desde logo, determinar se a sentença de 20.5.2014 está (ou não) cumprida, no segmento em que intimou a Câmara dos Solicitadores a providenciar a consulta dos documentos administrativos elencados na alínea j), do pedido inicial, sob pena de lhe ser aplicada (na pessoa do Presidente da Câmara dos Solicitadores) sanção pecuniária compulsória.

A execução dessa sentença de 20.5.2014, no referido segmento, e tendo em conta o teor do Ac. deste TCA Sul de 19.8.2014 (descrito em 7), dos factos provados), implicava que a recorrida procedesse a buscas mais aturadas e:

i) - encontrando os documentos elencados na alínea j), do pedido inicial, facultasse a sua consulta;

ii) - não encontrando os documentos elencados na alínea j), do pedido inicial, informasse o recorrente, de forma detalhada, que não os possuía (1), atento o disposto nos arts. 5º (“informação sobre a sua existência”) e 14º n.º 1, al. d) (“Informar que não possui o documento”), da Lei 46/2007, de 24 de Agosto - diploma que regula o acesso aos documentos administrativos e sua reutilização, de ora em diante designada como Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) -, pois destes normativos legais decorre que o pedido de acesso a um documento administrativo encontra-se satisfeito caso a entidade administrativa informe que não o possui.

O recorrente não tem razão quando alega que o entendimento ora expresso, sob o ponto ii), opera uma inversão do ónus da prova em violação da lei (isto é, do art. 342º n.ºs 1 e 2, do CC), dado que é a própria lei - cfr. arts. 5º e 14º n.º 1, al. d), da LADA - que considera suficiente, para efeitos de cumprimento do acesso a documento administrativo, a informação prestada pela Administração no sentido de que não possui o documento a consultar, cabendo, portanto, ao interessado alegar factualidade que infirme tal informação e comprová-la.

Como esclarece José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, 2002, págs. 189 e 190:

Em vez de responder positiva ou negativamente ao pedido de informação, a Administração pode informar que não a detém [art. 15.º/1/c) (2)], se for esse o caso, não parecendo ficar obrigada a reconstituir os documentos (ou a promover a sua reforma – cfr. art. 367.º do Código Civil) por qualquer razão inexistentes (3)”.

Ora, in casu verifica-se que se encontra provado que a ora recorrida:

- através de ofício datado de 1.10.2014 – e na sequência de interpelação do recorrente para agendamento da consulta dos documentos discriminados na al. j), do pedido inicial -informou o recorrente do teor do parecer emitido pelo seu Gabinete Jurídico, do qual constava nomeadamente que:
- «Assim, e tal como determinou o acórdão do TCA Sul, os serviços administrativos da Câmara dos Solicitadores procuraram, uma vez mais, todos os “documentos de suporte contabilístico relativos a todos os pagamentos efectuados pela Caixa de Compensações ao “Restaurante ……………” e ao “.………Hotel” acompanhados das respectivas autorizações de despesas assinadas pelo vogal tesoureiro da Câmara dos Solicitadores. E, conforme informa a DAG, não os tendo encontrado, é forçoso concluir que, de facto, a Câmara dos solicitadores não detém na sua posse os documentos de suporte contabilístico relativos a todos os pagamentos efectuados pela Caixa de Compensações ao “Restaurante ……….” e ao “………….Hotel”» (sublinhados nossos);
- «(…) foram encontrados documentos de um prestador de serviços com firma semelhante à constante no requerimento. Com efeito, em resultado da pesquisa aturada efectuada no mês de Setembro, conseguiu-se localizar documentos de suporte contabilístico relativos a uma “P. Residencial Princesa”, os quais podem ser consultados, caso os requerentes manifestem nisso interesse, em dia e horário a combinar com os serviços administrativos da Câmara dos Solicitadores» (sublinhados nossos) [cfr. factos n.ºs 9) a 11)];
- no âmbito do incidente de inexecução da sentença de 20.5.2014, afirmou que “(…) não detém os documentos referidos na alínea j) do pedido dos Requerentes pelo que não pode dar a consultar aquilo que não consta dos seus arquivos.” (sublinhado nosso) [cfr. facto n.º 12)].

Dito por outras palavras, encontra-se assente que a recorrida informou o recorrente, através de ofício datado de 1.10.2014, informação que foi reiterando no âmbito destes autos, que, na sequência de novas e aturadas buscas, apurou que não possui os documentos elencados na alínea j), do pedido inicial, e que apenas tem na sua posse documentos cujo nome é parecido (“P. Residencial ………….”), mas não coincidente, com os elencados nessa alínea j).

Face a tal informação, tem de considerar-se cumprida a sentença de 20.5.2014 (no segmento em que intimou a Câmara dos Solicitadores a providenciar a consulta dos documentos administrativos elencados na alínea j), do pedido inicial).

Invocou o recorrente que oportunamente trouxe aos autos elemento que aponta no sentido da inveracidade de tal informação, pois deu conhecimento que é feita menção expressa a tais documentos, e à sua existência, no processo judicial n.º 1831/11.1 TDLSB, a correr termos na 9ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

Acrescentou ainda que, conforme exigia o Plano Oficial de Contabilidade e agora exige o Sistema de Normalização Contabilística e a legislação fiscal, nomeadamente o Código do IRC, os registos contabilísticos e respectivos documentos têm de ser conservados por dez anos.

A verdade, no entanto, é que tais invocações não infirmam a informação prestada pela recorrida, pois, por um lado, o recorrente nunca afirmou que no proc. n.º 1831/11.1 TDLSB consta a informação de que os documentos em causa se encontram na posse da recorrida e, por outro lado, a circunstância da lei impor a guarda de determinados documentos por um certo lapso de tempo não significa que, de facto, esses documentos sejam guardados (e por tal lapso de tempo).

Ora, não tendo o recorrente, desde logo, alegado (e por maioria de razão provado) qualquer facto que infirme a informação dada pela recorrida, não pode o tribunal pô-la em causa, pois inexiste no caso presente qualquer facto notório que permita infirmar tal informação.

Se a informação fornecida pela recorrida não for exacta ou verdadeira, poderão os titulares dos seus órgãos incorrer em responsabilidade civil, disciplinar e criminal, nos termos legais (cfr. art. 159º, do CPTA).

Com efeito, e como se sumariou no Ac. deste TCA Sul de 27.5.2010, proc. n.º 6309/10:

I - Face à posição reiterada pela Entidade Requerida de que não possuía outros elementos adicionais àqueles que já havia fornecido no decurso do presente processo, não se vê que outra pudesse ser a decisão, que não a de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por considerar que não era necessário certificar a inexistência de outros elementos (para além dos já fornecidos), sendo suficiente a informação da sua não existência, face ao que dispõe o art. 14º, nº 1, al. d) da LADA;

II - Se esta informação não for exacta ou verdadeira, poderão os titulares dos órgãos da entidade administrativa incorrer em responsabilidade civil, disciplinar e criminal, nos termos legais;

III - Mas, sem qualquer elemento que comprove a não veracidade daquela informação, não pode o Tribunal pô-la em causa;

IV - A Entidade requerida não está obrigada a informar porque não detém elementos que a Requerente entende que devia ter na sua posse, mas apenas a informar de acordo com o previsto nos arts. 5º e 14º da LADA, o que foi feito”.

Nesse aresto escreveu-se, a este propósito e de forma elucidativa, o seguinte:

«Mais informou no art. 17º do citado requerimento que “Compulsados que foram os arquivos dos serviços e organismos do MADRP, não foram tanto quanto foi possível ao signatário apurar, identificados elementos adicionais àqueles já oportunamente prestados.”

O que voltou a reafirmar no requerimento de fls. 150/151, por novamente ter sido notificado para o efeito (cfr. despacho de 146 e nºs 9 e 10 do probatório).

Ora, face à posição reiterada pelo Recorrido de que não possuía outros elementos adicionais àqueles que já havia fornecido no decurso do presente processo, não se vê que outra pudesse ser a decisão, que não a de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por considerar que não era necessário emitir certidão certificando a inexistência de outros elementos (para além dos já fornecidos), sendo suficiente a informação da sua não existência, face ao que dispõe o art. 14º, nº 1, al. d) da LADA, supra citado.

De facto, não se vê que novas diligências de esclarecimento podia o Tribunal ter tomado, quando por mais de uma vez pediu esclarecimentos ao Ministério, recebendo sempre a informação de que nenhum dos seus serviços ou organismos dispunha de elementos adicionais.

Se esta informação não for exacta ou verdadeira, poderão os titulares dos órgãos da entidade administrativa incorrer em responsabilidade civil, disciplinar e criminal, nos termos legais.
No entanto, sem qualquer elemento que comprove a não veracidade daquela informação, não pode o Tribunal pô-la em causa.

E, não existe no caso presente qualquer facto notório que infirme a informação de que não existem elementos adicionais a serem facultados.

(…)

Acresce que, em nosso entender, a Entidade requerida não está obrigada a informar porque não detém elementos que a Recorrente entende que devia ter na sua posse, mas apenas a informar e/ou de acordo com o previsto nos arts. 5º e 14º da LADA, o que foi feito.

Termos em que, ao julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, a sentença recorrida não violou os preceitos referidos pela Recorrente, devendo manter-se, improcedendo, consequentemente todas as conclusões do presente recurso».

Ora, tendo-se apurado que a sentença de 20.5.2014 - no segmento em que intimou a Câmara dos Solicitadores a providenciar a consulta dos documentos administrativos elencados na alínea j), do pedido inicial – encontra-se cumprida, tal é suficiente para determinar a improcedência do presente recurso, pois só na hipótese de se verificar um incumprimento é que teria de se apurar se existia uma justificação aceitável para o mesmo (cfr. art. 108º n.º 2, do CPTA), sendo certo que, conforme supra explicitado, não existindo incumprimento, falta base legal para a aplicação da sanção pecuniária compulsória.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não violou qualquer das normas legais ou constitucionais invocadas nas conclusões A) a DD), das alegações do recorrente, nomeadamente o princípio da tutela jurisdicional efectiva, pois cabe à lei definir os pressupostos que devem estar reunidos para poder ser aplicada uma sanção pecuniária compulsória. Ora, entre estes pressupostos conta-se, in casu, o incumprimento de sentença judicial, o qual não se mostra preenchido, isto é, o recorrente, neste âmbito, não carece de tutela jurisdicional.


Pelo exposto deverá ser julgado improcedente o pedido de revogação da decisão recorrida, a qual deverá ser mantida.


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Uma vez que o recorrente ficou vencido no presente recurso jurisdicional deverá suportar as custas (cfr. art. 527 n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional, e assim manter a decisão recorrida, com os fundamentos acima expressos.

II – Condenar o recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional.

III – Registe e notifique.

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Lisboa, 16 de Dezembro de 2015


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(Catarina Jarmela - relatora)

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(Conceição Silvestre)

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(Cristina dos Santos)

(1) Quanto ao alegado no artigo 41º, do corpo das alegações do recorrente (“A sentença, uma vez transitada em julgado como sucedeu nestes autos, não será mais passível de modificação e, subjacente à mesma, encontra-se a decisão de que os documentos que a recorrida foi intimada a entregar existem e têm de ser disponibilizados”) – o qual corresponde à conclusão Q -, constata-se falta de correcção, pois os documentos só têm de ser disponibilizados se a recorrida os possuir.
(2) Da Lei 65/93, de 26/8, que corresponde ao art. 14º n.º 1, al. d), da actual LADA (Lei 46/2007, de 24/8).
(3) Neste sentido aponta o art. 11º n.º 5, da actual LADA.