Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1081/09.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/30/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
SISTEMA DE DEDUÇÃO DE I.V.A.
TRATAMENTO CONTABILÍSTICO.
ARTº.20, Nº.1, DO C.I.V.A.
PRESSUPOSTOS LEGAIS DO DIREITO À DEDUÇÃO DO I.V.A.
EXAME ESPECÍFICO DO ARTº.20, Nº.1, AL.A), DO C.I.V.A.
PREVISÃO DA NORMA.
SUJEITO PASSIVO NÃO PODE COMPORTAR-SE COMO UM CONSUMIDOR FINAL.
Sumário:1. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
2. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
3. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
4. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
5. Concretizando, o sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. Utilizando o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respectivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo. Isto é, o sujeito passivo assume as vestes de devedor ao Estado pelo montante do tributo que factura aos seus clientes sobre o valor das vendas ou serviços prestados (imposto liquidado a jusante ou sobre os "outputs") e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços realizados para o exercício da respectiva actividade (imposto suportado a montante ou sobre os "inputs"), no mesmo período de tempo.
6. Contabilisticamente, o I.V.A. suportado nas aquisições de bens e serviços e o I.V.A. liquidado nas transmissões de bens e nos serviços prestados é levado a uma conta de terceiros, a subconta 243, no âmbito do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11. O montante periodicamente "apurado" na citada subconta terá a natureza de um débito do sujeito passivo ao Estado, que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado, que transitará, em princípio, para o período fiscal seguinte, como imposto a recuperar, igualmente podendo ser objecto de um pedido de reembolso neste segundo caso (cfr.dec.lei 229/95, de 11/9, diploma que regulamenta a cobrança e reembolso do I.V.A.).
7. Nos termos do artº.20, nº.1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito. Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante.
8. Especificamente a al.a), do nº.1, do artº.20, dá direito à dedução do I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante. Tal direito à dedução igualmente subsiste, desde que se verifique uma ligação directa e imediata com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, na medida em que esta o confira.
9. Se face à aquisição dos serviços objecto do pedido de reembolso a sociedade impugnante/recorrida se comportou como um consumidor final, não pode, à face do examinado artº.20, nº.1, al.a), beneficiar da dedução do imposto que, alegadamente, suportou a montante (e, por consequência, pedir o reembolso do mesmo).
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

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RELATÓRIO

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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.66 a 78 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "... - Representações Navais e Industriais, S.A.", tendo por objecto a liquidação adicional de I.V.A., já incluindo juros compensatórios, relativa ao período mensal de Novembro de 2007, derivada de pedido de reembolso formulado pelo sujeito passivo e no montante total de € 12.150,28.

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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.91 a 93 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:

1-Entendeu o Tribunal, na douta sentença, que “embora no período de reembolso, não tenha praticado atividade sujeita a imposto o que levaria a declarar a respetiva base tributável aquando da submissão das declarações periódicas, nada nos indica que não pudesse ter feito, atendendo ao seu objecto social”;

2-Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei;

3-Verificou-se em sede de procedimento inspectivo que a impugnante, desde que iniciou a sua actividade (2003) nunca exerceu a actividade para qual se colectou, não apresentando bases tributáveis e IVA liquidado, tendo apenas exercido actividade isenta, nos termos da al. f) do nº 28, do art. 9º do CIVA, que não confere direito à dedução;

4-Determina o art. 20º, nº 1 do CIVA que “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;…”;

5-Ora, não tendo a impugnante exercido operações tributáveis que lhe conferem direito à dedução, está-lhe vedado tal direito;

6-De facto, tendo-se apurado em sede de procedimento inspectivo que a impugnante não apresentou proveitos respeitantes à sua actividade principal, o que é aceite aliás pela própria impugnante, não se pode considerar que tenha praticado operações tributáveis que conferem direito à dedução;

7-Pelo que, ao decidir como decidiu violou o Tribunal, na douta sentença, o disposto no art. 20º do CIVA;

8-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


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Não foram produzidas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.102 dos autos).

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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO

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DE FACTO

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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.68 a 71 dos autos - numeração nossa):

1-A impugnante, "... - Representações Navais e Industriais, S.A.", com o n.i.p.c. …, é uma sociedade do GRUPO ..., que tem como objeto social representações, importações e exportações de artigos e materiais, relacionados com a técnica e indústria naval e petroquímica e representações, importação e exportação e comercialização de máquinas e ferramentas (CAE 51870), tendo como trave mestra da atividade o comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos para a indústria, comércio e navegação e, desde 2004, é detentora de participações financeiras em empresas do mesmo ramo de atividade, exercendo assim a sua atividade através dessas filiais, mais se enquadrando, em sede de I.V.A., no regime normal de periodicidade mensal (cfr.cópia de relatório de inspeção junto a fls.25 a 28 do processo instrutor apenso; cópia de certidão junta a fls.63 a 65 do processo instrutor apenso);

2-No mês de Janeiro de 2008, a impugnante submeteu, “via internet”, a declaração periódica de IVA referente ao período de 2007/11, onde solicitou, no campo 94, o reembolso do montante de € 11.690,47 de IVA, em crédito de imposto, suportado até àquela data (cfr. documento junto a fls.67 e 68 do processo instrutor apenso);

3-O pedido de reembolso atrás mencionado deu origem a uma ação de inspeção tributária, levada a efeito pela Direção de Finanças de Lisboa, donde resultou o projeto de correções, além do mais, com o seguinte teor:
“(…)
II - Descrição dos factos e Fundamentação das correções meramente aritméticas.
(…)
2-Enviou aos Serviços do IVA as respetivas declarações periódicas, resultando o crédito de imposto da acumulação gradual de imposto deduzido referente a Outros Bens e Serviços desde 2003. Não são mencionados valores nas bases tributáveis das declarações periódicas, com  exceção  da  referente  ao  período  de  2007/07 (Julho  de 2007) onde no campo 3 (transmissões à taxa normal) e no campo 4 (imposto a favor do Estado) são indicados os montantes de, respetivamente, € 624,67 e € 131,18, resultantes de cedência de pessoal a outra firma do grupo.
3-Constatou-se através das declarações anuais que o Sujeito Passivo não declarou qualquer proveito da atividade sujeita a IVA.
4-Assim, verifica-se que no período do reembolso o Sujeito Passivo exerceu apenas atividade isenta de IVA conforme alínea f) do número 28 do artigo 29º do CIVA, pelo que não deveria ter deduzido imposto nos termos do art.º20º número 1, a), do mesmo código. Será de referir que o IVA deduzido não diz respeito a investimentos de imobilizado corpóreo, respeitando a Outros Bens e Serviços (Gastos Operacionais da Atividade isenta)
5-Pelo exposto, vai ser proposto o indeferimento total do reembolso do IVA referente ao período 2007/11, no montante de € 11.690,47.
(…)”

(cfr.documento junto a fls.53 e 54 do processo instrutor apenso);

4-Em 03.06.2008, a impugnante deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa, do exercício do direito de audição, cujos fundamentos se dão por reproduzidos (cfr.documento junto a fls.55 a 61 do processo instrutor apenso);

5-Através do ofício n.º 053759 de 15.07.2008, a impugnante foi notificada das conclusões do relatório da inspeção tributária (cfr.cópia de relatório de inspeção junto a fls.25 a 28 do processo instrutor apenso; documento junto a fls.44 do processo instrutor apenso);

6-Em resultado das correções atrás mencionadas foi efetuada uma liquidação adicional com o n.º 08130931, no montante total de € 12.150,28, já incluindo juros compensatórios, com data limite de pagamento em 31.10.2008 (cfr.documento junto a fls.11 dos presentes autos);

7-Em 29.08.2008 a impugnante deu entrada no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa de reclamação graciosa, cujos fundamentos se dão por reproduzidos, tendo a mesma sido indeferida e notificada à impugnante em 26.06.2009, pelo oficio n.º 05081, de 24.06.2009 (cfr.documentos juntos a fls.2 a 7, 68 a 74, 77 e 78 do processo de reclamação graciosa apenso);

8-A p.i. que originou a presente impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 29.05.2009 (cfr.data de entrada aposta a fls.3 dos presentes autos).  


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão…”.

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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão a proferir e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, resultou da sua análise crítica e está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram…”. 

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO

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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, em consequência do que anulou a liquidação objecto do presente processo (cfr.nº.6 do probatório).

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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).

Alega o recorrente, em síntese, que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento que resulta, não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação da lei. Que se apurou em sede de procedimento inspectivo que a sociedade impugnante/recorrida não apresentou proveitos respeitantes à sua actividade principal, o que é aceite pela própria, pelo que não se pode considerar que tenha praticado operações tributáveis que conferem direito à dedução de I.V.A. Que a decisão recorrida viola o artº.20, nº.1, do C.I.V.A. (cfr.conclusões 1 a 7 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.

Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no actual artº.29, nº.1, al.g), decorrente da revisão do articulado do C.I.V.A., efectuado pelo dec.lei 102/2008, de 20/06 (cfr.anterior artº.28, nº.1, al.g), do C.I.V.A.). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).

O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).

Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos actuais artºs.19 a 26, do C.I.V.A. (cfr.anteriores artºs.19 a 25). Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no actual artº.36, nº.5, do C.I.V.A. (cfr.anterior artº.35, nº.5, do C.I.V.A.). Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).

Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13).

Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).

Voltando ao caso concreto, entendeu a A. Fiscal, resumidamente, com base nas conclusões do relatório da inspecção tributária (cfr.nº.5 do probatório; relatório de inspeção junto a fls.25 a 28 do processo instrutor apenso), que a sociedade impugnante/ recorrida, atentos os elementos contabilísticos evidenciados, não apresentou quaisquer proveitos relativos à actividade pela qual se encontrava inscrita em sede de I.V.A. (cfr.nº.1 do probatório - CAE 51870) até Novembro de 2007 (dato do pedido de reembolso). No que diz respeito aos custos de natureza “Outros Bens e Serviços” cujo I.V.A. foi objecto do pedido de reembolso em causa (derivados da emissão de certificação legal de contas, tal como consagram os artºs.262, nº.2, e 263, nº.5, do C.S.Comerciais, e manutenção do sistema de contabilidade organizada, obrigação legal decorrente do actual artº.123, nº.1, do C.I.R.C.), tais obrigações derivam do sujeito passivo se tratar de uma sociedade anónima, sendo obrigatórias quer seja, ou não, exercida uma actividade económica em sede de I.V.A. No caso concreto, o valor do respectivo I.V.A. não é dedutível uma vez que a situação do sujeito passivo não se enquadra no artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., porquanto, não exerceu qualquer actividade económica para efeitos de I.V.A. e no que diz respeito ao período a que se refere o pedido de reembolso.

Pelo contrário, o Tribunal "a quo" julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, concluindo que a A. Fiscal não podia partir do pressuposto de que a impugnante/recorrida apenas praticava operações isentas de I.V.A., para de tal premissa concluir que não podia deduzir imposto relativo aos custos de natureza “Outros Bens e Serviços” cujo I.V.A. foi objecto do pedido de reembolso e supra identificados, visto que tais custos sempre serão passíveis de dedução ao abrigo do citado artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A. Consequentemente, as liquidações impugnadas padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulação.

Vejamos quem tem razão.

Conforme mencionado supra, o sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.

Utilizando o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respectivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo. Isto é, o sujeito passivo assume as vestes de devedor ao Estado pelo montante do tributo que factura aos seus clientes sobre o valor das vendas ou serviços prestados (imposto liquidado a jusante ou sobre os "outputs") e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços realizados para o exercício da respectiva actividade (imposto suportado a montante ou sobre os "inputs"), no mesmo período de tempo (cfr.Mário Alberto Alexandre, Imposto sobre o valor acrescentado, Exclusões e limitações do direito à dedução, in C.T.F 350, Abr./Jun. 1988, pág.29 e seg.).

Contabilisticamente, o I.V.A. suportado nas aquisições de bens e serviços e o I.V.A. liquidado nas transmissões de bens e nos serviços prestados é levado a uma conta de terceiros, a subconta 243, no âmbito do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11([1]) (cfr.António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.105 e seg.).

Logo, o tributo a entregar ao Estado consistirá na diferença (sistema de conta-corrente) entre aquele débito e aquele crédito (cfr.artºs.19, nº.1, e 27, nº.1, do C.I.V.A.), sendo que o resultado final será determinado pela aplicação da taxa ao preço na última fase do circuito económico e quem vai suportá-lo é o consumidor final: I.V.A. = [(valor de venda x taxa) - (valor de compra x taxa)]. Antes ocorre o fraccionamento do imposto a cargo dos diversos agentes económicos que vão recuperá-lo, sendo, porém e em princípio, irrecuperável o correspondente à última transacção (cfr.Joaquim Miranda Sarmento e Paulo Marques, IVA Problemas Actuais, Coimbra Editora, 2014, pág.176 e seg.).

O montante periodicamente "apurado" na citada subconta terá a natureza de um débito do sujeito passivo ao Estado, que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado, que transitará, em princípio, para o período fiscal seguinte, como imposto a recuperar, igualmente podendo ser objecto de um pedido de reembolso neste segundo caso (cfr.dec.lei 229/95, de 11/9, diploma que regulamenta a cobrança e reembolso do I.V.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.9282/16; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da jurisprudência tributária, Cadernos de Justiça Tributária, CEJUR, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.).

Passemos, agora, ao exame do citado artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., na versão em vigor no ano 2007 (a aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil):


ARTIGO 20º.

(Operações que conferem o direito à dedução)


1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a)Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
(…)

No artº.20, do C.I.V.A., consagram-se limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas pode ser deduzido o I.V.A. que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios (v.g.objecto social). Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Especificamente a al.a), do nº.1, dá direito a dedução o I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante. Tal direito à dedução igualmente subsiste, desde que se verifique uma ligação directa e imediata com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, na medida em que esta o confira (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5173/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/1/2015, proc.8165/14; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.511; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.250 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.159).

Revertendo ao caso dos autos, é manifesto que não estão reunidos os requisitos do direito à dedução de imposto (I.V.A.) por parte da sociedade impugnante/recorrida, dado que os serviços adquiridos pela mesma e objecto do pedido de reembolso (custos de natureza “Outros Bens e Serviços” identificados acima), não estão directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto, não têm qualquer ligação directa e imediata com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo e, por último, embora não menos importante, não foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante.

Portanto, face à aquisição de tais serviços a sociedade impugnante/recorrida comportou-se como um consumidor final, pelo que não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto que, alegadamente, suportou a montante (e, por consequência, pedir o reembolso do mesmo).
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento e, em consequência, revoga-se a decisão do Tribunal “a quo”, a qual padece do vício que lhe é imputado pelo recorrente (viola o regime constante do artº.20, nº.1, do C.I.V.A.), ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


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DISPOSITIVO

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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, MAIS JULGANDO IMPROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO QUE ORIGINOU O PRESENTE PROCESSO.

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Condena-se o recorrido em custas, sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça devida em fase de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.

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Registe.

Notifique.


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Lisboa, 30 de Novembro de 2017

(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)



[1] (cfr.igualmente a subconta 243, no âmbito do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo dec.lei 158/2009, de 13/7, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2010).