Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:962/22.7BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/11/2023
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
FATORES E SUBFATORES DE AVALIAÇÃO
VALORAÇÃO DA EXPERIÊNCIA ANTERIOR DA EQUIPA
PRINCÍPIOS DA CONCORRÊNCIA E DA IGUALDADE
Sumário:I. A entidade adjudicante goza de uma margem ampla de discricionariedade na escolha entre as modalidades de critério de adjudicação previstas no artigo 74.º, n.º 1, do CCP, assim como na escolha e ordenação dos fatores e subfatores de avaliação, que permitam determinar a proposta economicamente mais vantajosa.
II. Na interpretação do artigo 53.º, n.º 1, al. a), da Diretiva 2004/18, realizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em acórdão de 26/03/15, processo de reenvio prejudicial n.º C-601/13, para a celebração de um contrato de prestação de serviços de caráter intelectual, de formação e consultoria, tal normativo não se opõe a que a entidade adjudicante estabeleça um critério que permita avaliar a qualidade das equipas concretamente propostas pelos concorrentes para a execução desse contrato, critério esse que tem em conta a constituição da equipa assim como a experiência e o currículo dos seus membros.
III. Pelo que a valoração da experiência anterior da equipa, enquanto subfator do critério de adjudicação, que não da anterior experiência dos concorrentes, respeita o disposto no artigo 75.º do CCP (que teve na sua génese o referido normativo da Diretiva 2004/18), assim como os princípios da concorrência e da igualdade.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
A...... – A......, S.A., intentou ação de contencioso pré-contratual contra o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, visando i) a anulação do ato de adjudicação por o modelo de avaliação, que densifica o critério de adjudicação, violar ostensivamente o disposto no artigo 75.º do CCP, e, consequentemente, ii) a anulação do contrato, entretanto, celebrado, iii) a condenação da entidade demandada a, num prazo razoável, promover a abertura de novo concurso público, expurgando do modelo de avaliação o subfactor ilegal, com a ulterior tramitação procedimental, e iv) a sua condenação em custas com as legais e devidas consequências.
Indicou como contrainteressadas L...... , S. A., W...... Lda., A...... Lda. e P...... , Lda.
Por sentença datada de 25/01/2023, o TAF de Leiria julgou a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré e as contrainteressadas dos pedidos formulados pela autora.
Inconformada, a autora interpôs recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“i. A douta sentença padece de erro de julgamento por errada aplicação do direito ao caso sub judice, devendo, por isso, ser revogada, porquanto:
ii. O subfactor iv) Clientes de referência não está ligado ao objeto do contrato a celebrar, o que manifestamente viola o disposto no artigo 75.º, n.os 1 e 2, alínea a) do CCP,
iii. Determinando que o modelo de avaliação, tal como se encontra definido, padece de manifesta ilegalidade, por violação do disposto no artigo 75.º do CCP n.os 1 e 2, alínea a) do CCP, senão vejamos.
iv. O Tribunal a quo acaba, erradamente, por considera que o subfactor, busílis da questão, iv) Clientes de referência respeita à experiência da equipa e não a valia do concorrente (cfr. págs. 41 e 42 da douta sentença recorrida). v. Todavia, no caso sub judice, pese embora o descritor do referido subfactor iv) Clientes de referência dizer que se avalia a experiência da equipa, fundo, o que se avalia e, efetivamente, o júri do procedimento avaliou e, desde o inicio se pretendia avaliar, foi a experiência do concorrente,
vi. E tal prova está cabalmente demonstrada e comprovada na avaliação feita pelo júri do procedimento, vertida quer no Relatório Preliminar, quer no Relatório Final, onde o júri do procedimento classifica as propostas neste subfactor, iv) Clientes de referência
vii. De facto, atentas as propostas apresentadas por todos os concorrentes, verifica-se, sem margem para quaisquer dúvidas que para demonstração e prova do cumprimento deste subfactor iv) Clientes de referência, os concorrentes apresentaram vários exemplos de case studies em que os projetos executados são seus (enquanto empresa) e não da equipa técnica que se propõe afetar à execução do contrato. Até porque, note-se, o pessoal que compõe as respetivas equipas técnicas a afetar à execução do contrato são seus colaboradores (atento os currículos apresentados, maioritariamente, fazem parte do quadro das empresas aqui concorrentes).
viii. De igual forma, os restantes concorrentes, todos eles, sem exceção, apresentaram, frise-se, para prova e demonstração deste subfactor iv) Clientes de referência vários exemplos de projetos executados por si e não pela equipa técnica proposta (que nalgumas propostas coincide como é o caso da proposta adjudicatária da concorrente W...... , Lda.).
ix. Razão pela qual não corresponde à verdade o referido pelo Tribunal a quo, quando, aderindo à tese do Júri do procedimento vertida no Relatório Final, refere:
(…) Parece, logo à partida que não assiste qualquer razão ao concorrente A...... – A......, S.A., dizendo-se, nesta oportunidade, que este percebeu perfeitamente o que está a ser avaliado neste subfactor (e que não são qualidades do concorrente, mas sim da equipa técnica que apresenta), tanto mais que a sua proposta obteve 2 pontos na avaliação do subfactor iv) CLIENTES DE REFERÊNCIA, no presente procedimento concursal.
(cf. pág. 46 da sentença recorrida
x. Ou seja, ao pontuar a proposta da ora Recorrente com 2 pontos na avaliação do subfactor iv) Clientes de referência, o Júri do procedimento o que, efetivamente, avaliou foi a sua experiência enquanto concorrente em casos similares ao objeto do contrato a celebrar e não a equipa técnica proposta pela AMBISIG no âmbito deste concurso, para cumprimento do subfactor iii) Portfólio da equipa.
xi. Assim, e concluindo, ao exigir e avaliar a experiência dos concorrentes no subfactor iv) Clientes de referência o modelo de avaliação é ilegal, por violação do disposto no artigo 75.º, n.os 1 e 2, do CCP, o que acarreta nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA, a anulação da presente decisão de adjudicação e repetição do procedimento, expurgando-se este vício.
xii. Mas ainda que assim não se entenda, o que somente por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que mal andou o Tribunal a quo ao admitir que, apesar do descritor do subfactor iv) Clientes de referência dizer respeito à experiência da equipa técnica a propor, admite que o júri do procedimento possa, efetivamente, como o fez, avaliar a experiência do concorrente.
xiii. De facto, como referido e demonstrado adrede, atentas as propostas dos concorrentes apresentadas a concurso temos que neste subfactor iv) Clientes de referência as mesmas apresentaram como exemplo de case studies, similares com o objeto do contrato a celebrar, exemplos de projetos executados por si, enquanto empresa (concorrente) e não exemplos de casos executados pelos elementos da equipa técnica que se propõem afetar à execução do objeto do contrato a celebrar.
xiv. Ou seja, e por outras palavras, (na hipótese avançada pela sentença recorrida, com a qual, repita-se não se concorda) apesar do descritor do subfactor em apreço exigir que se avalie a experiência da equipa, a sentença recorrida admite e dá aval à avaliação do júri do procedimento que avaliou a experiência do concorrente, em manifesta violação do disposto no artigo 20.º do programa de procedimento e em violação princípio da estabilidade das regras do procedimento – o que acarreta a sua anulação (cf. art. 163.º do CPA).
xv. Mas ainda que assim não fosse, isto é, admitindo-se, por um lado, que o referido subfactor iv) Clientes de referência diz respeito à equipa técnica a apresentar, e, por outro lado, que o júri do procedimento avaliou as propostas corretamente respeitando o sentido vertido no descritor, isto é, que de facto tivesse avaliado a experiência dos elementos da equipa técnica proposta com base nos seus iv) Clientes de referência, sempre se que:
xvi. Em sede de contratação pública, como se sabe, a verificação da aptidão dos concorrentes e a adjudicação constituem operações distintas sujeitas a normas próprias e diferenciadas.
xvii. Quanto à suscetibilidade de exigências sobre equipas técnicas no momento da adjudicação existe um cânone europeu exigente em sede de critérios admissíveis revelado nas normas e jurisprudência europeias, podendo referir-se nesse domínio os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia Lianakis, de 24-1-2008 (C-532/06), e Ambisig, de 26-3-2015 (C-601/13). Contexto em que a disposição da alínea b) do n.º 2 do artigo 75.º do CCP, conjugado com o artigo 67.º, n.º 2, al. b), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, quando admite que nos fatores de avaliação das propostas se possa ter em consideração a organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato, implica que a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato. xviii. No caso concreto, a avaliação da experiência da equipa técnica a afetar à execução do contrato, no que concerne a iv) Clientes de referência o qual exige experiência da equipa através de case studies em projetos similares ao objeto do contrato com entidades nacionais, internacionais e administração pública - para além da experiência em social media, campanhas digitais e search engine optimization (vide o descritor so subfactor iii) Portfólio da equipa) - no âmbito de um procedimento concursal para execução de serviços de marketing (a ser legal) configura uma restrição da concorrência sem suporte no princípio da proporcionalidade nem da necessidade, visto que não foi demonstrado, nem nas peças do procedimento, nem pelo júri do procedimento, bem como, também, não decorre da sentença recorrida que os elementos que integram o subfactor de avaliação em causa derivassem de particularidades do caso concreto.
xix. Por outro lado, também não foi demonstrado que as discriminações operadas quanto a esse critério se reportassem a elementos determinantes para a qualidade de execução do específico contrato em causa tal como exige na alínea b) do n.º 2 do artigo 75.º do CCP.
xx. Assim, a interpretação ora em análise do subfator iv) Clientes de referência que o Tribunal a quo admite, é também ela ilegal, devendo ser anulada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA.”
A entidade demandada apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“I. O presente recurso veio interposto da douta sentença proferida nos autos que julgou totalmente improcedente por não provada a ação de contencioso administrativo pré-contratual instaurada pela recorrente, e que absolveu as recorridas dos pedidos formulados.
II. Em causa, encontra-se um procedimento de concurso público para aquisição de serviços para gestão de marketing digital e internalização de conhecimento, que a recorrente impugnou, peticionando a abertura de um novo procedimento.
III. O recurso daquela decisão judicial, prende-se com o que a ora recorrente considera como ilegal, isto é o modelo de avaliação das propostas definido no programa do procedimento, mais concretamente, no que tange ao subfactor iv) Clientes de referência, considerando aquele como avaliando a experiência dos concorrentes, enquanto aspeto submetido à concorrência.
IV. Sucede que à recorrente não lhe assiste razão, não tendo àquela compreendido o subfactor em questão, pelo que andou bem o douto tribunal “a quo” na sua decisão.
V. Com efeito, é claro e percetível, para um homem comum – e ao contrário do que a recorrente alega, contrariando a sentença ora em crise - face à leitura da descrição do subfactor iv) clientes de referência, que “estes” se referem à equipa técnica que cada concorrente viesse a apresentar na respetiva proposta e à “experiência comprovada através de case studies em projetos similares ao objeto do contrato com entidades nacionais, internacionais e administração pública.”
VI. A disposição da alínea b) do n.º 2 do artigo 75.º do CCP, conjugado com o artigo 67.º, n.º 2, al. b), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, admite, pois, que nos fatores de avaliação das propostas se possa ter em consideração a organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato, implica que a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo ao nível de execução do contrato.
VII. Nessa esteira, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.04.2015 (no âmbito do proc. n.º 1248/13), prossegue no mesmo sentido, concluindo que “resulta do art. 75º do CCP que na avaliação do critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa apenas se proíbe que o critério de adjudicação das propostas tenha em consideração elementos, situações ou qualidades dos concorrentes. A avaliação da equipa técnica proposta para a execução do contrato é um elemento que diz respeito à proposta propriamente dita e não a qualquer característica do concorrente como a capacidade técnica ou a experiência abstracta (tal como interpretado pelo Ac. do Tribunal de Justiça da União Europeia a propósito do art. 53º nº1 alínea a) da Diretiva 2004/18 no processo de reenvio prejudicial C-601/13 suscitado no âmbito do proc. 840/13, neste STA)” (sublinhado nosso).
VIII. Em termos de avaliação, importam pois, os meios, que em concreto, os concorrentes se obrigam a disponibilizar para o contrato, pelo que, sem dúvida, podem constar como critério de adjudicação o fator ou subfactores de avaliação da equipa técnica proposta a afetar à execução do contrato, sem que tal viole a alínea b) do n.º 1 do artigo 75.º do CCP, a qual expressamente refere que “os fatores e os eventuais subfactores podem ser, em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante, a Organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato, designadamente, em contratos de serviços de natureza intelectual, tais como a consultoria ou os serviços de projeto de obras”.
IX. Considerando pois, o objeto do contrato a celebrar bem como o âmbito do procedimento, e tratando-se de um serviço de consultoria, foi pertinente e adequada a adoção, pela recorrida, de dois subfactores que avaliam o pessoal/técnicos a afetar à execução do contrato, como foi a experiência comprovada através de case studies em mais de 5 projetos similares ao objeto do contrato, em social media, campanhas digitais e Search Engine Optimization nos últimos 3 anos e a experiência comprovada através de case studies em projetos similares ao objeto do contrato com entidades nacionais, internacionais e administração pública.
X. Ora, quando a prestação do objeto do concurso como é o caso, a qualidade da execução do mesmo depende de forma determinante do valor profissional das pessoas encarregadas de o executar, pelo que, a apreciação dos diversos critérios da experiência profissional da equipa é fundamental para avaliar a qualidade profissional da mesma e garantir que todas as competências e a experiência necessárias à execução do objeto do concurso estão representadas.
XI. Como exemplo do supra mencionado, refere-se pois, jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão de 24-10-2013, no processo nº 0840/13, junto do Tribunal de Justiça, que a apreciou por acórdão de 26-03-2015, processo C-601/13 (a propósito da interpretação dos artigos 44.° a 48.° e 53.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, e que está na origem da adoção pelo legislador nacional da solução normativa do artigo 75º, nº 1, do CCP), decidiu que: “Para a celebração de um contrato de prestação de serviços de caráter intelectual, de formação e consultoria, o artigo 53.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não se opõe a que a entidade adjudicante estabeleça um critério que permita avaliar a qualidade das equipas concretamente propostas pelos concorrentes para a execução desse contrato, critério esse que tem em conta a constituição da equipa assim como a experiência e o currículo dos seus membros.” (sublinhado nosso).
XII. Do retro exposto, resulta, pois, claro, que, inexiste, pois, qualquer impeditivo legal a que se já avaliada a equipa, atribuindo-se ponderações diferentes.
XIII. Tal se encontra em conformidade com a Diretiva 2014/24/UE, da qual, aliás, o douto tribunal a quo, se socorre em abono desta tese, em especial, tendo presente, o artº67ºnº2 alínea b) e nº5 da Diretiva : “2. A proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da autoridade adjudicante deve ser identificada com base no preço ou custo, utilizando uma abordagem de custo-eficácia, como os custos do ciclo de vida em conformidade com o artigo 68.o, e pode incluir a melhor relação qualidade/preço, que deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e/ou sociais ligados ao objeto do contrato público em causa. Estes critérios podem compreender, por exemplo: (…) b) Organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato; (…) nº5: A autoridade adjudicante especifica nos documentos do concurso a ponderação relativa que atribui a cada um dos critérios escolhidos para determinar a proposta economicamente mais vantajosa, exceto se esta for identificada apenas com base no preço”
XIV. Por útil, sempre se dirá que, a recorrente, se considerava, como o vem fazer agora, o critério que ora coloca em crise, como ilegal, sempre o poderia ter alegado, desde logo, em sede de esclarecimentos, o que não fez. Fazendo-o tão só, quando o resultado do procedimento não lhe foi favorável.
XV. Com efeito, olhando a toda a matéria dos autos, tal como também, o douto tribunal a quo, fez, se verifica que o critério que a recorrente ora insiste em pôr em crise, foi facilmente percecionado por todos os outros concorrentes.
XVI. Ainda, por último, cabe salientar que, a recorrente ficou classificada em 3º lugar, sendo que no referido procedimento, mesmo que este critério fosse considerado ilegal, nada se teria alterado no resultado deste concurso.
A contrainteressada W...... Lda., igualmente apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A) Alega a Recorrente que, o subfactor iv) Clientes de referência não está ligado ao objeto do contrato a celebrar, o que manifestamente viola o disposto no artigo 75.º, n.º 1 e 2, alínea a) do CCP.
B) Da leitura do critério de adjudicação em crise resulta claramente que o que a entidade adjudicante pretendeu avaliar não foi a capacidade, a aptidão ou o potencial dos concorrentes. O propósito foi o de avaliar a qualidade dos meios humanos que os mesmos se propunham mobilizar efetivamente para o projeto.
C) O objeto da apreciação não é a "capacidade abstrata" dos concorrentes, mas a vinculação dos mesmos a uma lista concreta de meios humanos e a qualidade dos mesmos a alocar na fase de execução do contrato.
D) Da leitura do ponto 14.1, alínea c), subalínea v) do programa de procedimento e, bem assim, da leitura dos coeficientes de ponderação do subfactor iv) do fator Avaliação Técnica (AT), constantes do ponto 20 do programa de procedimento o qual refere especificamente que a experiência que se pretende avaliar é a da equipa,
E) Facilmente se conclui que o subfator ora em crise não tem, pois, a ver com a capacidade ou a aptidão do concorrente, mas antes com os meios que na sua proposta o concorrente se obriga a alocar à execução do contrato.
F) Quando a prestação objeto do concurso tenha caráter intelectual, como é o caso, a qualidade da execução do mesmo depende de forma determinante do valor profissional das pessoas encarregadas de o executar,
G) Pelo que, a apreciação dos diversos critérios da experiência profissional da equipa é fundamental para avaliar a qualidade profissional da mesma e garantir que todas as competências e a experiência necessárias à execução do objeto do concurso estão representadas.
H) Por conseguinte, não assiste qualquer razão à Recorrente porquanto não se verifica a alegada violação.
I) As exigências elencadas no artigo 139º do CCP visam dar concretização aos princípios da concorrência, transparência, imparcialidade, igualdade, boa-fé e primado do interesse público que norteiam a contratação pública.
J) A lei exige que a pré-fixação dos critérios de avaliação seja efetuada de forma a deixar claro o que é pretendido pela entidade adjudicante e os candidatos possam, em função disso, ajustar os termos das respetivas propostas.
K) Analisando os coeficientes de ponderação dos subfatores que compõem o fator Avaliação Técnica (AT) conclui-se que a escala estabelecida pelo Júri do procedimento é gradativa, transparente, diferenciada e diferenciadora e que permite pontuar as propostas, dentro da discricionariedade do júri, pois entre elas existe uma fundamentação que permite apreender e distinguir as diferentes valorações e consequentes pontuações parciais.
L) Assim, quanto a este subfactor, sabiam já os concorrentes que atributos verter para as propostas de modo a apresentar a sua melhor proposta. E, o mesmo decorre com os demais subfactores que densificam o factor Avaliação Técnica (AT).
M) Ao contrário do pretendido pela Recorrente, não se pode apontar qualquer censura ao modelo avaliativo uma vez que o mesmo permite avaliar em diferentes níveis, com classificações diferentes, a (diferente) qualidade das propostas, existindo intervalos de avaliação onde se incluem diferentes atributos avaliáveis que permitem avaliar e pontuar propostas diferentes, permitindo a sua comparação.
N) Pelo que, não se verifica a alegada violação do princípio da Concorrência.
O) Acrescente-se, ainda, que ainda que se entendesse que o critério iv) Clientes de referência é ilegal,
P) Ainda assim tal ilegalidade não teria influência na ordenação das propostas apresentadas a concurso e, consequentemente, na adjudicação, mostrando-se inoperante ou inútil anular o ato adjudicatório em crise.”
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em síntese, que face aos factos provados e às normas aplicáveis e transcritas na douta sentença, resultar manifesta a falta de razão da recorrente, pelas razões enunciadas na douta sentença recorrida, mais se acompanhando, em toda a extensão, o sentido e fundamentação constante das contra-alegações apresentadas pela entidade demandada e pela contrainteressada W...... Lda., e cujos fundamentos se subscrevem.
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As questões a decidir consistem em aferir dos erros de julgamento da sentença:
- ao não anular o ato de adjudicação por incumprimento do disposto no artigo 75.º do CCP e dos princípios da concorrência e da igualdade entre concorrentes;
- ao não considerar reunidos os pressupostos para a ré ser condenada a promover a abertura de novo concurso público, expurgando do modelo de avaliação o subfactor ilegal, com a ulterior tramitação procedimental.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Sustenta a autora / recorrente, em síntese:
- o subfactor iv) Clientes de referência não está ligado ao objeto do contrato a celebrar, implicando a ilegalidade do modelo de avaliação, em violação do disposto no artigo 75.º, n.os 1 e 2, alínea a) do CCP;
- apesar do descritor do subfactor em apreço exigir que se avalie a experiência da equipa, o júri do procedimento avaliou a experiência do concorrente, violando o disposto no artigo 20.º do programa de procedimento e o princípio da estabilidade das regras do procedimento;
- a avaliação da experiência da equipa técnica a afetar à execução do contrato configura restrição da concorrência sem suporte nos princípios da proporcionalidade e necessidade, pois não se demonstra que os elementos que integram o subfactor de avaliação em causa derivem de particularidades do caso concreto.
- nem se demonstrou que as discriminações operadas quanto a esse critério se reportem a elementos determinantes para a qualidade de execução do específico contrato em causa tal como exige na alínea b) do n.º 2 do artigo 75.º do CCP.
Vejamos então.
Movemo-nos no âmbito de procedimento por concurso público, sem publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, destinado à Aquisição de Serviços para Gestão de Marketing Digital e Internalização de Conhecimento, pelo prazo de 22 meses, tendo sido aprovada a realização da despesa e dos encargos plurianuais, com o preço base de € 214.000,00, a que acresce IVA.
Essencialmente, disputa a recorrente a legalidade do subfactor iv) Clientes de referência.
Aí assentando os pedidos formulados na presente ação de contencioso pré-contratual: a anulação do ato de adjudicação por o modelo de avaliação, que densifica o critério de adjudicação, violar ostensivamente o disposto no artigo 75.º do CCP, e, consequentemente, ii) a anulação do contrato, entretanto, celebrado, e iii) a condenação da entidade demandada a, num prazo razoável, promover a abertura de novo concurso público, expurgando do modelo de avaliação o subfactor ilegal, com a ulterior tramitação procedimental.
A este propósito, consta da sentença objeto de recurso a fundamentação que segue:
[T]endo em conta o alegado nos artigos 46.º e 54.º e 60.º e 61.º da petição inicial, os contratos são celebrados por empresas que, por sua vez, executam as prestações neles previstas por meio de um conjunto de técnicos ou de uma equipa. Pelo que o facto de os contratos serem subscritos e assinados por empresas, como ocorre no caso do documento n.º 2 junto com a petição inicial, tal não afasta a sua execução pelos respetivos técnicos e respetiva equipa, carecendo, assim, de sentido o alegado naqueles artigos. De todo o modo, como já se referiu supra, o subfactor iv) Clientes de referência é apurado, conforme resulta do ponto 20 do Programa do Procedimento, por reporte à experiência da equipa e não aos clientes do concorrente.
Quanto à contradição invocada nos artigos 57.º e 58.º da petição inicial, relativos à avaliação dos subfactores iii) Portfólio da equipa e iv) Clientes de referência, verifica-se, comparando o seu teor, que estes não se sobrepõem, uma vez que num caso se tem em consideração o objeto da experiência e, no outro caso, se tem em consideração o tipo de entidades a que a experiência da equipa diz respeito, ou seja, os clientes a quem a equipa prestou serviços, conforme facilmente resulta do seu teor:

Isso mesmo resulta evidenciado, por exemplo, na diferente graduação atribuída, em sede de relatório final, nos subfactores iii) e iv), em relação à empresa graduada em quarto lugar, a contrainteressada P...... , Lda.. Portanto, ao contrário do alegado pela Autora, não existe qualquer sobreposição na avaliação dos anteditos subfactores, uma vez que não é avaliada duplamente a mesma experiência em situações iguais ou a atribuição dupla de ponderações diferentes.
Neste sentido, inexiste, tal como se referiu, tendo em conta a descrição supra, qualquer avaliação dos concorrentes por referência à experiência obtida anteriormente, mas apenas a avaliação da experiência da equipa, quer quanto ao tipo de projetos, quer quanto ao tipo de entidades envolvidas. Logo, o que se visa avaliar, no subfactor iv) Clientes de referência, é a experiência da equipa tendo em conta os clientes para quem prestaram serviço e não a experiência dos concorrentes em si mesma, pelo que improcede, também por este motivo, o invocado vício de violação de lei, por incumprimento do disposto no artigo 75.º do CCP.
Quanto ao incumprimento dos princípios da concorrência e da igualdade, a Autora não concretiza as razões pelas quais, conforme resulta do artigo 72.º da petição inicial, a análise e avaliação do subfactor iv), clientes de referência, não foi presidida por condições de igualdade e de imparcialidade, nem indica quais as contradições em que o júri do procedimento incorreu na avaliação das propostas. Por outro lado, quanto à questão relacionada com a exclusão de todas as propostas, referida pela Autora, resulta do relatório final que as concorrentes foram devidamente avaliadas, pontuadas e graduadas, de acordo com as propostas por si apresentadas, designadamente quanto ao subfactor iv) Clientes de referência, e nos moldes em que foram apresentadas.
Por outro lado, a Autora também não concretiza quaisquer comportamentos que indiciem um tratamento desigual entre os concorrentes, aliás um dos concorrentes com maior graduação no subfactor iv) Clientes de referência, foi a concorrente graduada em 2.º lugar, que obteve a mesma pontuação do que a adjudicatária, pelo que a proposta por si apresentada, nos moldes constantes do processo administrativo, não a prejudicou como alega a Autora.
De todo o modo, nos termos do artigo 67.º, n.º 2, alínea b) e n.º 5 da Diretiva 2014/24/EU resulta que: ¯(…) 2. A proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da autoridade adjudicante deve ser identificada com base no preço ou custo, utilizando uma abordagem de custo-eficácia, como os custos do ciclo de vida em conformidade com o artigo 68.º, e pode incluir a melhor relação qualidade/preço, que deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e/ou sociais ligados ao objeto do contrato público em causa. Estes critérios podem compreender, por exemplo: (…) b) Organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato; (…) 5. A autoridade adjudicante especifica nos documentos do concurso a ponderação relativa que atribui a cada um dos critérios escolhidos para determinar a proposta economicamente mais vantajosa, exceto se esta for identificada apenas com base no preço. Essas ponderações podem ser expressas na forma de um intervalo, com uma variação máxima adequada. Sempre que a ponderação não seja possível por razões objetivas, a autoridade adjudicante indica os critérios por ordem decrescente de importância‖.
Ou seja, as entidades adjudicantes podem determinar condições especiais de execução de um contrato, como é o caso dos meios humanos empregues na sua prossecução, desde que se encontrem ligadas ao respetivo objeto, que, de acordo com o artigo 70.º da citada diretiva, podem incluir podem incluir considerações de natureza económica, em matéria de inovação, de natureza ambiental, de ordem social ou de emprego. Assim, conjugado o artigo 139.º do CCP acima citado com a escala gradativa da classificação dos vários subfactores, onde se inclui o iv) Clientes de referência, não se afigura o incumprimento dos princípios citados.
Nestes termos, não se verificam os aludidos vícios de incumprimento do artigo 75.º do CCP e dos princípios da concorrência e da igualdade.


Vejamos então.
O artigo 41.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), define o programa do procedimento como “o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração”. Este programa do procedimento não é, como se vê, elemento integrante do contrato a celebrar, como sucede com o caderno de encargos.
Quanto ao modelo de avaliação, é no artigo 74.º do CCP que se encontram definidas as regras do critério de adjudicação, conforme segue:
“1 - A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através de uma das seguintes modalidades:
a) Multifator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, correspondentes a diversos aspetos da execução do contrato a celebrar;
b) Monofator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato a celebrar, designadamente o preço.
2 - Quando seja adotada a modalidade multifator deve ser elaborado um modelo de avaliação das propostas nos termos do artigo 139.º, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 115.º
3 - Quando seja adotada a modalidade monofator e o aspeto da execução do contrato a celebrar submetido à concorrência não possua natureza quantitativa, deve ser elaborada uma grelha de avaliação das propostas com base num conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 115.º
4 - O convite ou o programa do procedimento deve definir o critério de desempate na avaliação das propostas.
5 - Para efeitos do disposto no número anterior:
a) É vedada a utilização do critério do momento de entrega das propostas;
b) Quando seja adotada a modalidade multifator devem ser preferencialmente utilizados os respetivos fatores e subfatores densificadores, por ordem decrescente de ponderação relativa, sem prejuízo de outros que, nos termos do artigo seguinte, estejam ligados ao objeto do contrato a celebrar;
c) Quando seja adotada a modalidade monofator, ou quando seja adotada a modalidade multifator e o critério previsto na alínea anterior não permita desempatar as propostas, pode recorrer-se ao sorteio.”
Já o artigo 75.º, sob a epígrafe ‘fatores e subfatores’, prevê o seguinte:
“1 - Os fatores e eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação e o critério de desempate devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar.
2 - Os fatores e os eventuais subfatores podem ser, em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante, designadamente os seguintes:
a) Qualidade, designadamente valor técnico, características estéticas e funcionais, acessibilidade, conceção para todos os utilizadores, características sociais, ambientais e inovadoras e condições de fornecimento;
b) Organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato, designadamente, em contratos de serviços de natureza intelectual, tais como a consultoria ou os serviços de projeto de obras;
c) Serviço e assistência técnica pós-venda e condições de entrega, designadamente a data de entrega, o processo de entrega, o prazo de entrega ou de execução e o tempo de prestação de assistência;
d) Sustentabilidade ambiental ou social do modo de execução do contrato, designadamente no que respeita ao tempo de transporte e de disponibilização do produto ou serviço, em especial no caso de produtos perecíveis, à denominação de origem ou indicação geográfica, no caso de produtos certificados, à eficiência energética, em especial no fornecimento de energia, e à utilização de produtos de origem local ou regional, de produção biológica, bem como de produtos provenientes de detentores do Estatuto de Agricultura Familiar;
e) Circularidade, designadamente a utilização de produtos e serviços circulares, a opção por circuitos curtos de distribuição, a eficiência no uso de materiais e a redução de impactos ambientais;
f) Grau de inovação de processos, produtos ou materiais utilizados na execução do contrato;
g) Promoção da inovação ou de emprego científico ou qualificado na execução do contrato;
h) Promoção de atividades culturais e dinamização de património cultural;
i) Promoção do cumprimento do disposto no Código do Trabalho e convenções coletivas de trabalho, quando aplicáveis.
3 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, os fatores e subfatores não podem dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes.
4 - Para os efeitos previstos no n.º 1, os fatores e subfatores consideram-se ligados ao objeto do contrato quando estiverem relacionados com as obras, bens ou serviços a executar ou fornecer ao abrigo desse contrato, sob qualquer aspeto e em qualquer fase do seu ciclo de vida.
5 - Ainda que não façam parte da sua substância material, consideram-se relacionados com o objeto do contrato os fatores envolvidos no processo específico de produção ou fornecimento das obras, bens ou serviços ou num processo específico em relação a outra fase do seu ciclo de vida.
6 - Quando a organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato tenham sido adotados como fatores de avaliação da relação qualidade-preço, o contrato deve garantir que o pessoal empregue cumpre efetivamente as especificações de qualidade especificadas no caderno de encargos e nos requisitos propostos, prevendo expressamente que o pessoal proposto pelo adjudicatário só pode ser substituído com o expresso e prévio consentimento da entidade adjudicante, após verificação de que essa substituição proporciona um nível de qualidade equivalente.
7 - Quando o custo seja calculado com base no ciclo de vida, o modelo de avaliação das propostas pode abranger custos suportados ou não pela própria entidade adjudicante, como sejam:
a) Custos relacionados com a aquisição propriamente dita;
b) Custos de utilização, tais como consumo de energia, de consumíveis e de outros recursos;
c) Custos de manutenção e assistência técnica;
d) Custos de fim de vida, tais como custos de recolha e reciclagem;
e) Custos imputados a externalidades ambientais ligadas ao bem, serviço ou obra durante o seu ciclo de vida, desde que seja possível determinar e confirmar o seu valor monetário, os quais podem incluir o custo das emissões de gases com efeito de estufa e de outras emissões poluentes, assim como outros custos de atenuação das alterações climáticas.
8 - Quando o caderno de encargos submeter à concorrência os custos do ciclo de vida do objeto do contrato a celebrar, o programa do procedimento ou convite deve indicar a metodologia que será utilizada para os calcular.
9 - A metodologia referida no número anterior, quando for aplicada para o cálculo dos custos referidos na alínea e) do n.º 7, deve basear-se também em regras objetivamente verificáveis e não discriminatórias, permitindo que os dados a fornecer pelos concorrentes sejam por estes obtidos mediante esforço razoável.
10 - Caso seja obrigatória, por força do Direito da União Europeia, a utilização de uma metodologia comum para o cálculo dos custos do ciclo de vida, a mesma deve ser aplicada.”
Invoca a recorrente ter sido violado o disposto neste artigo 75.º, em concreto os respetivos n.os 1 e 2, alínea a) do CCP.
Na génese deste preceito encontra-se o artigo 53.º da Diretiva 2004/18 do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Dispondo como segue, sob a epígrafe ‘critérios de adjudicação’:
“1. Sem prejuízo das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais relativas à remuneração de determinados serviços, os critérios em que as entidades adjudicantes se devem basear para a adjudicação são os seguintes:
a) Quando a adjudicação for feita à proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da entidade adjudicante, diversos critérios ligados ao objecto do contrato público em questão, como sejam qualidade, preço, valor técnico, características estéticas e funcionais, características ambientais, custo de utilização, rendibilidade, assistência técnica e serviço pós-venda, data de entrega e prazo de entrega ou de execução; ou
b) Unicamente o preço mais baixo.
2. Sem prejuízo do disposto no terceiro parágrafo, no caso previsto na alínea a) do n.º 1, a entidade adjudicante especificará, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos ou, no caso do diálogo concorrencial, na memória descritiva, a ponderação relativa que atribui a cada um dos critérios escolhidos para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.
Essas ponderações podem ser expressas por um intervalo de variação com uma abertura máxima adequada.
Sempre que, no entender da entidade adjudicante, a ponderação não for possível por razões demonstráveis, a entidade adjudicante indicará, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos ou, no caso do diálogo concorrencial, na memória descritiva a ordem decrescente de importância dos critérios.”
Decorre dos preceitos legais supra citados que a lei confere à entidade adjudicante uma larga margem de discricionariedade na escolha e ordenação dos fatores e subfatores de avaliação, que permitam determinar a proposta economicamente mais vantajosa.
Sem que tal signifique estarmos perante um espaço de livre escolha extrajurídica insuscetível de fiscalização judicial.
Com efeito, a margem de discricionariedade nesta sede atribuída à entidade adjudicante não lhe confere um livre passe para decidir conforme entendam, devendo a fiscalização judicial “ser dirigida, sob uma perspetiva negativa, à eliminação das opções desadequadas ou desrazoáveis, sem que o juiz se possa substituir ao decisor administrativo quanto à escolha, sob uma perspetiva positiva, das opções que considera mais convenientes ou apropriadas para a satisfação do interesse público” (Pedro Fernández Sánchez, Direito da Contratação Pública, vol. II, 2020, pág. 316).
No caso vertente, conforme consta do Programa do Procedimento, o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, al. a), do CCP, determinada pela modalidade da melhor relação qualidade-preço, densificada pelos seguintes fatores:
a) Fator Avaliação Técnica, com uma ponderação de 60%, composto pelos seguintes subfatores:
i) Abordagem metodológica;
ii) Cronograma das ações de formação;
iii) Portfólio da equipa;
iv) Clientes de referência;
v) Meios próprios de aceleração digital.
b) Fator Preço, com uma ponderação de 40%.
O Fator Avaliação Técnica é densificado por cinco subfatores, entre os quais figura o subfactor iv) Clientes de referência, objeto do presente litígio.
Aí se prevê designadamente relevar 100% da equipa com experiência comprovada através de case studies em projetos similares ao objeto do contrato com entidades nacionais, internacionais e administração pública.
Como já se assinalou, o citado artigo 75.º do CCP estatui a necessidade de ligação dos fatores e subfatores ao objeto do contrato a celebrar, n.º 1, podendo avaliar-se a qualidade, designadamente valor técnico, características estéticas e funcionais, acessibilidade, conceção para todos os utilizadores, características sociais, ambientais e inovadoras e condições de fornecimento, al. a) do n.º 2. Prevendo a respetiva alínea b) que se avalie a organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato.
Ora, na situação em apreço nada nos diz que a avaliação da experiência da equipa não assuma um acrescido relevo para efeitos da execução do contrato.
E afigura-se patente que no apontado subfator não está em causa a avaliação dos concorrentes por referência à sua anterior experiência, mas antes a avaliação da experiência da equipa.
A propósito da apreciação de caso com contornos semelhantes ao presente, já se pronunciou inclusivamente o Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede do processo de reenvio prejudicial C-601/13, suscitado pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 840/13, nos termos que seguem:
“[O]s critérios que podem ser definidos pelas entidades adjudicantes para determinar a proposta economicamente mais vantajosa não são enumerados de forma taxativa no artigo 53.°, n.° 1, da Diretiva 2004/18. Essa disposição deixa, portanto, às entidades adjudicantes a escolha dos critérios de adjudicação do contrato que entenderem definir. No entanto, essa escolha só pode ser feita entre os critérios que visem identificar a proposta economicamente mais vantajosa (v., neste sentido, acórdão Lianakis e o., C-532/06, EU:C:2008:40, n.os 28 e 29 e jurisprudência referida). Para este efeito, o artigo 53.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/18 impõe expressamente que os critérios de adjudicação estejam ligados ao objeto do contrato (v. acórdão Comissão/Países Baixos, C-368/10, EU:C:2012:284, n.° 86).
31 A qualidade da execução de um contrato público pode depender de forma determinante do valor profissional das pessoas encarregadas de o executar, valor este constituído pela sua experiência profissional e a sua formação.
32 É esse especialmente o caso quando a prestação objeto do contrato tenha caráter intelectual e diga respeito, como no processo principal, a serviços de formação e consultoria.
33 Quando um contrato desse tipo deva ser executado por uma equipa, a competência e a experiência dos seus membros são determinantes para apreciar a qualidade profissional dessa equipa. Essa qualidade pode ser uma característica intrínseca da proposta e estar ligada ao objeto do contrato, na aceção do artigo 53.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/18.
34 Por conseguinte, a referida qualidade pode constar como critério de adjudicação do anúncio de concurso ou do caderno de encargos em questão.
35 Tendo em conta o que precede, há que responder à questão prejudicial que, para a celebração de um contrato de prestação de serviços de caráter intelectual, de formação e consultoria, o artigo 53.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/18 não se opõe a que a entidade adjudicante estabeleça um critério que permita avaliar a qualidade das equipas concretamente propostas pelos concorrentes para a execução desse contrato, critério esse que tem em conta a constituição da equipa assim como a experiência e o currículo dos seus membros.”
Concluindo então o STA, no acórdão de 30/04/2015, proferido no referido processo, que, segundo entendimento do TJUE, a fixação, no programa de concurso destinado à aquisição de serviços de formação e consultoria, de um fator ‘Avaliação da equipa’ (constituição da equipa, experiência comprovada e análise curricular) não ofende o disposto no n.º 1 do artigo 75.º do CCP.
Entendimento igualmente seguido no acórdão do STA de 22/04/2015, proferido no âmbito do processo 01248/13, aí se salientando que a avaliação da equipa técnica proposta para a execução do contrato é um elemento que diz respeito à proposta propriamente dita e não a qualquer característica do concorrente como a capacidade técnica ou experiência abstrata, em consonância com a jurisprudência do TJUE.
Concluindo-se que a correta interpretação do artigo 75.º do CCP apenas veda a consideração de elementos, situações ou qualidades dos concorrentes, e já não a avaliação da equipa técnica proposta para a execução do contrato, elemento que respeita à proposta propriamente dita e não a qualquer característica do concorrente como seja a capacidade técnica ou experiência abstrata.
Como bem se vê, nos apontados casos, tal como no presente, ocorre claramente a valoração da experiência anterior da equipa, enquanto subfator do critério de adjudicação, e não da anterior experiência dos concorrentes.
E do que fica descrito igualmente resulta inexistir violação dos princípios da concorrência e da igualdade.
Para assegurar uma concorrência real e efetiva é necessário “que todos os concorrentes respondam aos mesmos quesitos e requisitos do concurso (ou a um núcleo básico dele) de modo a possibilitar a plena comparação das propostas, a possibilidade de confrontá-las enquanto propostas contratuais a quesitos idênticos, para saber, objetiva e imparcialmente, a final, qual o melhor concorrente ou a melhor proposta que o mercado forneceu” (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa – das fontes às garantias, 1998, pág.103).
No caso, os concorrentes responderam aos mesmos quesitos e requisitos do concurso,
inexistindo qualquer obstáculo à valoração da experiência das equipas a constituir na execução do contrato em questão.
Cumprindo concluir que não se vislumbra indício de que o modelo de avaliação viole os assinalados princípios.
Improcedem, pois, as questões suscitadas pela autora / recorrente.
Em suma, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas a cargo da autora / recorrente.

Lisboa, 11 de maio de 2023

(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)