Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:908/08.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IRC;
REEMBOLSO DE IMPOSTO RETIDO;
JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
Sumário:De acordo com o disposto no nº 3 do art. 89º do CIRC (na redacção à data), a Administração Tributária deverá restituir o imposto retido até ao fim do 3.° mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e requisitos legalmente exigidos e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem juros indemnizatórios à quantia a restituir.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I – RELATÓRIO

O Ministério das Finanças, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a Acção Administrativa Especial apresentada por S… BV., e em consequência anulou o despacho do Director-Geral dos Impostos proferido em 03/06/2008 “na parte que indeferiu o pedido de pagamento de juros indemnizatórios efectuado pela Autora na sequência de um pedido de reembolso de imposto nos termos do art. 89º, nº 2 do Código do IRC, no âmbito da aplicação da Directiva do Conselho nº 90/435/CEE de 23 de Julho por retenção na fonte referente ao ano de 2006”, tendo ainda condenado “a Entidade Demandada a pagar à Autora juros indemnizatórios desde o dia seguinte àquele em que terminou o prazo para o reembolso (1.5.2007) até à data em que foi recebido o cheque (7.7.2008)”.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:















* *

A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente importa decidir se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto e de direito ao reconhecer à Recorrida o direito a juros indemnizatórios contados desde 01/05/2007 a 07/07/2008.
* *

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão, de acordo com as várias soluções plausíveis das questões de direito:

A) Em 10 de Maio de 2006, a P... - Empresa Produtora.... S. A., colocou à disposição da S... ..., BV, dividendos relativos ao ano de 2006 no montante de € 14.947.403,00 - acordo;

B) O C...s, S. A, procedeu à retenção na fonte do IRC relativo a tais dividendos no montante de € 1.494.740,30 - acordo;

C) Em 26.1.2007 deu entrada na Direcção-Geral dos Impostos o pedido da Autora de reembolso do imposto retido na fonte, fundamentado no disposto no artigo 89º nº 3 do CIRC – fls. 1 e 2 do processo administrativo apenso – vol. II;

D) Com o pedido referido na alínea anterior foram entregues os seguintes documentos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [fls. 4 a 12 do processo administrativo apenso - vol. II):
. Declaração, datada de 17.10.2006, do C..., S. A, relativa ao depósito, desde 29.9.2004, em conta aberta em nome da S... ..., BV, de 233.059.609 acções da P... - Empresa Produtora..., S. A.;
. Documento emitido pelo C..., S. A., da relação dos movimentos realizados entre 15.09.1997 a 10.10.2006, demonstrativa do número de participações sociais da P... - Empresa Produtora..., S.A, detidas pela S... ..., BV;
. Declaração, certificada pelas autoridades fiscais da Holanda, da residência fiscal nos Países Baixos da S... ..., BV, e da sua qualificação, nos termos da Directiva 90/435/CEE, enquanto sociedade constituída, segundo a lei holandesa sob a forma de "besiotenvennootschap", sujeita, sem possibilidade de isenção, a "vennootschapsbeiasting";
. Modelo 8-RFI, autenticado pelas autoridades fiscais da Holanda, no qual é mencionado o número de identificação fiscal da P... – Empresa Produtora..., S. A., e da S... ..., BV, o número total de acções (284.712.433), a natureza do rendimento, a data de colocação à disposição, o valor total dos dividendos pagos e o valor do imposto exigível nos termos da Convenção celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos;

E) Por carta datada de 11.12.2007 a Autora solicitou, nomeadamente, o pagamento de juros indemnizatórios invocando o facto de ter sido ultrapassado o prazo fixado no artigo 89º do CIRC para a devolução do imposto retido - fls. 13 a 19 do processo administrativo – vol. II);

F) Em 14.4.2008, por fax, e em 15.4.2008, através do correio (ofício nº 7335), a Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Direcção-Geral dos Impostos enviou à P... - Empresa Produtora..., S. A., na qualidade de representante fiscal da Autora, um ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, nomeadamente, o seguinte ( fls. 140 a 142 e 178 e 179 do processo administrativo – vol.II):
«(...)
Relativamente ao vosso Oficio de 2008-04-04, sob a referência FA/52/08 com entrada nesta Direcção de Serviços em 2008-04-07, no qual solicitam informação sobre o pedido de reembolso efectuado nos termos da Directiva 90/435/CEE de 23 de Julho informo V. Exa. que o mesmo deu origem à instauração dos processos de reembolso, nºs 2007 002 231 (referente ao ano de 2005) e 2008 000 571 (referente ao ano de 2006).
Os elementos constantes do pedido apresentado não são suficientes para a respectiva apreciação, pelo que, com o fim de instruir convenientemente os processos e dar prossecução aos mesmos, fica V. Exa. notificado, para no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção,
apresentar nesta Direcção de Serviços os seguintes documentos:
1. Fotocópia dos registos contabilísticos que evidenciem os pagamentos dos dividendos.
2. Fotocópia do Livro de Registo das acções.
3. Fotocópia das actas das Assembleias-gerais de deliberação da aplicação dos resultados dos exercícios de 2004 e 2005.
4. Prova de transferência dos rendimentos para a entidade não residente.
Chama-se a atenção de V. Exa. que os documentos devem ser os originais ou
fotocópias autenticadas dos mesmos.
Solicita-se ainda esclarecimentos sobre o facto de a declaração da entidade depositária das acções (Caixa Banco de Investimento) emitida em 2006-10-17, apenas certificar que se encontram depositadas naquela instituição 233.059.609 acções da P... Empresa Produtora... S.A na conta da S... BV, sendo que, a página anexa à referida declaração contém um saldo de 284.712.433 de acções em 2004-11-12 e a distribuição dos dividendos ocorrida nos anos de 2005 e 2006 foi efectuada pelo mesmo número de acções, isto é 284.712.433.
Por outro lado e após consulta das declarações Modelo 30 entregues pela CAIXA-BANCO DE INVESTIMENTOS SA (instituição financeira obrigada ao cumprimento do disposto no artigo 119º do CIRC), verifica-se que para os anos de 2005 e 2006 a mesma declarou o pagamento de dividendos no valor de €10.562.831,00 e €14.947.402,00 à S... BV, NlPC 7…. Dado que o pedido de reembolso foi efectuado pela S... ... BV, NlPC 9… e 7..., solicitamos ainda, o esclarecimento desta divergência. (...)»;

G) Em 18.4.2008, através de ofício e documentos cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a P... - Empresa Produtora..., S.A., na qualidade de representante fiscal da Autora, respondeu ao pedido referido na alínea anterior - fls. 180 a 249 do processo administrativo apenso - vol. II;

H) Com data de 23.4.2008 a Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Direcção-Geral dos Impostos enviou à P... - Empresa Produtora..., S.A., na qualidade de representante fiscal da Autora, o oficio nº 8129, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 273 do processo administrativo apenso – vol.II):
«Na sequência do nosso Ofício nº 7.335 de 15-04-2008 e após recepção, em 2008-04-18, dos elementos solicitados, encontram-se reunidas todas as peças processuais necessárias à análise dos pedidos de reembolso efectuados ao abrigo da Directiva 90/435/CEE de 23 de Julho, e do eventual pagamento de juros indemnizatórios»;

I) Em 24.4.2008 é elaborada, na Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Direcção-Geral dos Impostos, a informação nº 1042/2008, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 274 a 283 do processo administrativo apenso – vol. II):
«(...)
9. PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRlOS
(...)
Em anexo à petição inicial a requerente entregou os documentos de prova previstos no Ofício Circulado 20.069 de 31-05-2002 da DSBF, isto é, a declaração de residência emitida pelas autoridades fiscais da Holanda que certifica que a requerente reúne as condições previstas no artigo 2° da Directiva 90/435/CEE, e o documento de prova da titularidade do capital social, consubstanciando-se este, numa declaração emitida pela C... (entidade financeira depositária das acções).
Ora, não obstante estes dois documentos de prova constituírem as peças fundamentais para decisão do processo de reembolso, não são suficientes para a respectiva apreciação, dado que, segundo o Ofício Circulado nº 10/97 de 28 de Novembro da Direcção de Serviços de IRS, "No caso de se tratar de imposto a restituir, retido na fonte pelo pagamento de dividendos ou lucros distribuídos, deverá juntar-se à informação fotocópia da Acta da Assembleia Geral, que evidencie a decisão da distribuição de resultados, bem como o seu montante, sendo suficiente fotocópia da publicação no Boletim da Bolsa de Valores, para empresas cotadas."
Por outro lado, entende-se que, para que haja efectivamente direito à aplicação do disposto na Directiva 90/435/CEE, é fundamental que esteja demonstrado de que houve decisão de pagamento de dividendos, que os montantes pagos foram de facto transferidos para a entidade não residente requerente, e que o imposto cuja restituição se solicita foi efectivamente retido na fonte.
Ora, para o efeito seria necessário que em anexo à petição inicial tivesse sido
entregue também, a Acta da Assembleia Geral de deliberação da aplicação dos resultados do exercício de 2004, o comprovativo da transferência dos dividendos para a entidade não residente, bem como, a referência à guia de pagamento através da qual foi entregue essa retenção na fonte nos cofres do Estado.
Tratando-se de um pedido de reembolso de retenção na fonte, o ónus da prova do facto invocado recai sobre a requerente, nos termos do nº 1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária, assim, afigura-se que apenas aquando da apresentação de toda a informação e elementos necessários à decisão no processo é que se dará início à contagem do prazo de três meses para restituição do valor do pedido de reembolso. Face ao exposto, a contagem do prazo previsto no nº 3 do artigo 89° do CIRC inicia-se apenas em 2008-04-18, pelo que, apenas serão devidos juros indemnizatórios, caso a restituição não seja efectuada até ao fim de 2008-07-18.
10. CONCLUSÕES
I. Afigura-se que o pedido de reembolso da retenção na fonte merece deferimento sendo de devolver a importância de €1.056283,00€ (um milhão cinquenta e seis mil duzentos e oitenta e três euros).
II. No que diz respeito ao pedido de juros indemnizatórios, propõe-se que não deverá ser atendida a pretensão da requerente. (…)»

J) Em 26.5.2008, e na sequência da pronúncia da ora Autora em sede de audiência prévia, foi elaborada, na Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Direcção-Geral dos Impostos, a informação nº 1353/2008, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 335 a 338 do processo administrativo - voI. II):
«(...)
3. CONCLUSÃO
No entendimento desta Direcção de Serviços, para que haja direito ao reembolso solicitado e para aplicação do disposto na Directiva 90/435/CEE, é fundamental que para além da prova do cumprimento das condições estabelecidas no nº 3 do 14° do CIRC, esteja também inequivocamente demonstrado que houve uma decisão de pagamento de dividendos, que os montantes pagos tenham sido efectivamente transferidos para a entidade não residente e que o imposto cuja restituição se solicita foi efectivamente retido na fonte. Na medida em que estes elementos constituem a razão de ser do pedido de reembolso formulado.
Apesar da notificação para apresentação dos elementos em falta para a decisão do pedido ter sido enviada apenas em 2008-04-15, a requerente poderia ter vindo apresentar os meios de prova em falta, sendo que era sobre ela que impendia essa responsabilidade, conforme resulta do nº 1 do artigo 74º da LGT.
Face aos argumentos invocados pela requerente, conclui-se que os mesmos não contêm nenhum facto susceptível de alterar o sentido da decisão proferida em 2008-04-29, pelo que deverá ser mantido o sentido da decisão, isto é:
I. Afigura-se que o pedido de reembolso da retenção na fonte merece deferimento, sendo de devolver a importância de €1.056.283,00 (um milhão cinquenta e seis mil duzentos e oitenta e três euros).
II. No que diz respeito ao pedido de juros indemnizatórios, propõe-se que não deverá ser atendida a pretensão da requerente. (…)»

K) Em 3.6.2008 o Director-Geral dos Impostos exarou despacho na informação referida na alínea anterior, do qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 335 do processo administrativo apenso - voI. II):
«Concordo.
Defiro o pedido de reembolso, sem lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
(…)»

L) O cheque relativo ao reembolso, com data de emissão de 16.06.2008, foi recebido em 7.7.2008 pela Autora – confissão no art. 17º da p.i. e doc. junto a fls. 46 dos autos.
*
A convicção do tribunal, relativamente aos factos provados, formou-se com base no teor de documentos que integram o processo administrativo apenso, os quais se encontram expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.”
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal a quo julgou a acção administrativa especial procedente tendo considerado que a ora Recorrida teria direito a juros indemnizatórios contados desde 01/05/2007 até 07/07/2008, na medida em que a AT não procedeu à devolução do imposto retido na fonte até ao fim do 3º mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações comprovativos dos requisitos para essa devolução, como estabelece o art. 89º do CIRC (na redacção ao tempo).

Discordando do assim decidido veio a AT alegar no presente recurso jurisdicional que a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto porquanto na alínea D) e em concreto quanto ao documento emitido pela Caixa Banco de Investimentos em 10/10/2006 não é mencionado que a S... ... BV tinha 284 712 433 acções da P... (cfr. conclusões 10 a 12).
Mais alega que na alínea D) e relativamente ao Modelo 8-RFI não se encontrava devidamente preenchido, não estando preenchido o campo relativo à data da colocação à disposição ou de pagamento dos dividendos (conclusões 24 e 25).

Mais alega erro de julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do art. 89º do CIRC, na medida em que a AT não se encontrava em condições de decidir o pedido de reembolso, por motivos imputáveis ao interessado, porquanto os documentos juntos com o pedido de restituição do imposto retido não permitiam a prova da efectiva distribuição dos dividendos pela P... e que parte desses dividendos tenha sido realmente paga ou distribuída (cfr. conclusão 26), que, não tendo sido feita a entrega dos meios de prova legalmente exigíveis, e cabendo ao requerente o ónus da prova da verificação dos pressupostos para a devolução do imposto retido (cfr. conclusões 31 e 37), não terá a AT de indemnizar o requerente, quando o atraso na devolução se ficou a dever ao facto de este não ter cumprido o seu ónus probatório (cfr. conclusões 40 a 43).

Vejamos então.

A Recorrente alega desde logo erro de julgamento da matéria de facto, consubstanciadas em duas omissões/erros na alínea D) do probatório. Mais concretamente na omissão de 284.712.433 na declaração emitida pela Caixa Banco de Investimento SA em 10/10/2006 e, quanto ao documento modelo 8-RFI relativo a 2006, ao contrário do que consta do probatório, não se encontra preenchido o campo relativo à data da colocação à disposição ou de pagamento dos dividendos.

Compulsados os documentos que suportam os referidos factos resulta do seu teor que efectivamente na declaração RFI não consta a data da colocação à disposição dos rendimentos e na declaração emitida em 10/10/2006 pela Caixa Banco de Investimento, SA., o saldo das acções da P... – Empresa Produtora de ..., SA – nominativas, em depósito em conta aberta em nome da S... ... BV, é de 284.712.433.
Mais se constata que na referida alínea do probatório não se mostra indicado um documento apresentado em conjunto com o requerimento, a saber, o documento constante de fls. 11 do processo administrativo em apenso e que constitui fotocópia do relatório e contas de 2004 na qual consta a composição accionista da P... – Empresa Produtora de ...., SA em 31/12/2004.

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redacção de parte da factualidade mencionada em D), dado que, dos elementos documentais juntos aos autos decorre tal alteração, passando aquela alínea a ter a seguinte redacção:

“D) Com o pedido referido na alínea anterior foram entregues os seguintes documentos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [fls. 4 a 12 do processo administrativo apenso - vol. II):
. Declaração, datada de 17.10.2006, do C..., S. A, relativa ao depósito, desde 29.9.2004, em conta aberta em nome da S... ..., BV, de 233.059.609 acções da P... - Empresa Produtora..., S. A.;
. Documento emitido em 10.10.2006 pelo C..., S. A., da relação dos movimentos realizados entre 15.09.1997 a 10.10.2006, demonstrativa do número de participações sociais da P... - Empresa Produtora..., S.A, detidas pela S... ..., BV, constando o saldo em depósito de 284.712.433;
. Declaração, certificada pelas autoridades fiscais da Holanda, da residência fiscal nos Países Baixos da S... ..., BV, e da sua qualificação, nos termos da Directiva 90/435/CEE, enquanto sociedade constituída, segundo a lei holandesa sob a forma de "besiotenvennootschap", sujeita, sem possibilidade de isenção, a "vennootschapsbeiasting";
. Modelo 8-RFI, autenticado pelas autoridades fiscais da Holanda em 06.04.2006, no qual é mencionado o número de identificação fiscal da P... – Empresa Produtora..., S. A., e da S... ..., BV, o número total de acções (284.712.433), a natureza do rendimento, o valor total dos dividendos pagos e o valor do imposto exigível nos termos da Convenção celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos, tendo esta declaração modelo 8-RFI sido igualmente confirmada pelo intermediário financeiro residente em Portugal (Caixa Banco de Investimento, SA), com data de 26.04.2006 de que as acções eram detidas pela S... ..., BV;
. Fotocópia da folha do Relatório e Contas de 2004 na qual consta a composição accionista da P... – Empresa Produtora de ...., SA em 31/12/2004.”


Estabilizada a matéria de facto, vejamos agora o alegado erro de julgamento quanto ao direito.

Defende o Recorrente que, ao contrário do decidido, não haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios desde 01/05/2017 até 07/07/2008 porquanto a Recorrida não cumpriu o seu ónus probatório relativamente aos elementos que deveria apresentar em conjunto com o seu pedido de restituição nos termos do art. 89º do CIRC na redacção à data, defendendo que a Recorrida não juntou ao seu requerimento os documentos necessários à verificação dos pressupostos para a restituição do imposto retido.

Apreciando.

A Recorrida, através do seu representante fiscal, apresentou em 26/01/2007 um pedido de reembolso de IRC do ano de 2006 ao abrigo da Directiva 90/435/CEE de 23 de julho e do art. 89º, nº 3 do CIRC porquanto detinha mais de 20% do capital social da sociedade portuguesa P... Empresa Produtora de ...., S.A. por um período superior a 2 anos. O pedido refere-se ao reembolso do IRC retido e entregue nos cofres do Estado pelo substituto fiscal Caixa Banco Investimento SA em 20/06/2006 no montante de € 1.494.740,28 devido pelo pagamento de dividendos da P... – Empresa Produtora de .... SA no ano de 2006 no valor de € 14.947.403,00 (cfr. alíneas A) a C) do probatório).

Em conjunto com o requerimento foram juntos os documentos elencados na alínea D) do probatório, por nós alterada.

Tendo a AT considerado esses elementos como insuficientes, solicitou ao Recorrido elementos adicionais, os quais foram enviados em 18/04/2008. Após análise dos referidos elementos documentais, a AT deferiu o pedido de reembolso do imposto retido na fonte (IRC de 2006) mas indeferiu o pedido de pagamento de juros indemnizatórios (cfr. alíneas F) a K) do probatório).

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada foi julgada procedente a presente acção e determinada a anulação do despacho que indeferiu o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e a condenação da AT ao pagamento dos referidos juros desde 01/05/2007 a 07/07/2008.

A sentença ora recorrida julgou procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios porquanto “De acordo com o disposto no artigo 89º, nº 1, do Código do IRC, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004 de 30 de Dezembro, «[h]á [...] lugar a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa geral prevista no nº 2 do artigo 80º, relativamente aos lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia ou de um estabelecimento estável, situado noutro Estado membro, de uma entidade residente num Estado membro que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente, ou por intermédio de um estabelecimento estável situado no território de um Estado membro, uma participação no capital da primeira não inferior a 20% e quando esta participação não tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante os dois anos anteriores à data da sua colocação à disposição».
Por outro lado, e de acordo com o n º 2 do mesmo artigo, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, «[n]os casos em que o período de dois anos de detenção, de modo ininterrupto, da participação mínima mencionada no número anterior se complete após a data da colocação à disposição dos lucros, pode haver lugar a devolução do imposto que tenha sido retido na fonte durante aquele período, a solicitação da entidade beneficiária, dirigida aos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos, feita no prazo de dois anos contados da data da verificação dos pressupostos, desde que seja feita a prova de que estão observadas as condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, e dos demais requisitos exigidos pelo artigo 46 º, nº 1».

De acordo com o disposto no nº 3 do art. 89º do CIRC, a AT deverá restituir o imposto retido até ao fim do 3.° mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e requisitos legalmente exigidos e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem juros indemnizatórios à quantia a restituir.

O tribunal a quo elencou as condições e requisitos exigidos para o pedido de devolução do imposto retido tendo referido que “Relativamente às condições e requisitos legalmente exigidos, são eles:
a) Que a sociedade revista uma das formas enumeradas no anexo à Directiva n º 90/435/CEE, de 23 de Julho, na redacção dada pela Directiva nº 2003/123/CE, de 22.12.2003;
b) Que, de acordo com a legislação fiscal de um Estado-membro, seja considerada como tendo nele o seu domicílio fiscal e que, nos termos de uma convenção em matéria de dupla tributação celebrada com um Estado terceiro, não seja considerada como tendo domicílio fora da Comunidade;
c) Que esteja sujeita, sem possibilidade de opção e sem deles se encontrar isenta, a um dos impostos referidos no artigo 2.°, c) da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, entre os quais o vennootschapsbelasting, nos Países Baixos;
d) Que detenha uma participação não inferior a 20% no capital social da sociedade distribuidora dos lucros;
e) Que essa participação se verifique, de modo ininterrupto, há pelo menos dois
anos.

E acrescentou “A prova das condições acima referidas nas alíneas a) a c) deveria ser «efectuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos» (artigo 14º nº 4 do Código do IRC na redacção dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro), tal como dá conta, aliás, o ofício -circulado nº 20069, de 31.5.2002, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais da Direcção-Geral dos Impostos.
Já a prova das condições referidas nas alíneas d) e e) não se mostra expressamente indicada no Código do IRC, pelo que terá de se entender ser qualquer uma das adequadas para o efeito, nos termos gerais. Não obstante, faz -se notar que no referido ofício-circulado vinha indicado que a «prova da titularidade do capital social, (…) deve ser efectuada (…) no caso das sociedades anónimas pela exibição de uma declaração emitida pela entidade depositária ou registadora»,

Tendo concluído que, perante os documentos apresentados pela Recorrida, foram entregues os meios de prova legalmente exigíveis.

Ressalta ainda que “a Administração Tributária, na informação nº 1042/2008, reconhecia que tinham sido entregues as «peças fundamentais para a decisão do processo de reembolso» [cfr. I) do probatório]. Também por isso, certamente, a contestação da Entidade Demandada põe em causa, sobretudo, não a aptidão desses documentos mas sim o que considerou ser a incongruência de dados deles constantes. Portanto, se os documentos entregues foram os legalmente exigidos (não podendo, obviamente, um ofício-circulado alargar o âmbito do regime legal, invocando condições que esse regime não prevê), tem razão a Autora quando entende que o pedido de elementos adicionais - que a Administração Tributária tinha a faculdade de solicitar - não tinha qualquer virtualidade para alargar o prazo que a Entidade Demandada tinha para decidir o pedido de reembolso.”.

Discordando de tal entendimento vem a Recorrente alegar omissões ou incongruências dos documentos apresentados, impeditivas de comprovar as condições e requisitos do pedido.

Concretizando: Alega que não foi provada a verificação do pressuposto da titularidade do capital social, na percentagem legalmente estabelecida, por um período superior a dois anos, atentas as incongruências na declaração da Caixa Banco Investimento constantes da alínea D) por nós alterada. Para tanto afirma que enquanto no documento emitido em 17/10/2006 consta que desde 29 de Setembro de 2004 a Caixa tinha em depósito em conta aberta em nome da S... ... BV, 233.059.609 acções da P..., ao invés no documento emitido em 10/10/2006 e referente ao período de 15/09/1997 a 10/10/2006 as acções da P... detidas ascendiam a 284.712.433.

Importa referir que tal incongruência, por si só não impede seja comprovada a titularidade do capital social no sentido de aferir se a participação é superior ou inferior a 20% no capital social da sociedade distribuidora dos lucros e se essa participação se verifica de modo ininterrupto, há pelo menos dois anos.

Vejamos por que assim entendemos.

Foi apresentado em conjunto com o requerimento de restituição do imposto retido, não só as duas declarações emitidas pela Caixa Banco de Investimento, SA. (uma mencionando 233.059.609 e outra mencionando 284.712.433 acções da P... – Empresa Produtora..., SA depositadas na conta da S... ..., BV), mas também cópia do anexo ao relatório de contas do ano de 2004 que permite verificar o capital social da P... bem como a sua composição accionista em 31/12/2004. Ora como consta da informação mencionada na alínea I do probatório, a participação no capital social seria de 30,37% (no caso das 233.059.609) ou de 37,10% (no caso das 284.712.433). Assim, quer numa situação quer noutra, o valor da participação social sempre seria superior a 20% e detida de forma continuada por 2 anos.

Após esclarecimentos adicionais, a AT concluiu que efectivamente a sociedade holandesa detinha em 12/11/2004 uma participação no capital da sociedade portuguesa de 37,10%, tendo mantido essa participação por um período ininterrupto superior a dois anos.

Vem ainda a Recorrente alegar que, perante os documentos apresentados, a AT não estava em condições de decidir, por motivos imputáveis ao interessado, pelo que a contagem do prazo legal de três meses não começou a correr, porquanto apurou que os dividendos haviam sido pagos a uma entidade com denominação e número de contribuinte diferente; a S... BV NIPC 7..., e que na declaração modelo 8 RF1 não se encontrava preenchido o campo referente à data da colocação à disposição dos dividendos, sendo que recaía sobre o requerente o ónus da prova de tais factos.

Conclui afirmando que a AT não tem obrigação de indemnizar quando o contribuinte não cumpriu o ónus da prova dos pressupostos legais da devolução do imposto, nem a obrigação legal de pedir que venha cumprir o seu ónus probatório juntando os elementos necessários, não tendo naturalmente um prazo para a cumprir, pelo que não lhe era exigível que o pedido de elementos fosse efectuado pela AT no prazo de restituição estabelecido no nº 3 do art. 89º do CIRC.


No caso em apreço não se questiona que cabia à Recorrida a prova dos factos constitutivos do seu direito, recaindo sobre ela o ónus de apresentar os documentos exigíveis bem como, face às dúvidas suscitadas por estes, apresentar documentos adicionais ou prestar os esclarecimentos pertinentes. E foi essa a actuação da Recorrida.

Na verdade, a Recorrida anexou ao requerimento de restituição do imposto os documentos de prova que considerou relevantes para o pedido e que se mostram elencados na alínea D) do probatório, e que a AT reconhece que são peças fundamentais para a decisão do processo de reembolso (como consta da informação mencionada na alínea I) do probatório), contudo, a AT considera-os insuficientes e, com base no Ofício Circulado nº 10/97 de 28 de Novembro da DSIRS entende que a Recorrida deve juntar mais prova. Tendo a Recorrida efectuado a junção da prova requerida e demais esclarecimentos, a AT deferiu o pedido de reembolso mas indeferiu o pedido de juros indemnizatórios.

Acompanhamos a argumentação do tribunal a quo quando destaca que o pedido de devolução do imposto retido foi apresentado pela Recorrida em 26/01/2007 (alínea C) do probatório), tendo a AT solicitado os elementos adicionais apenas em 14/04/2008 (alínea F) do probatório) e que, ainda que seja justificado, o pedido adicional não poderia ser efectuado para além do prazo de restituição imposto previsto no artigo 89º, nº 3 do Código do IRC, na redacção dada pela Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, contado a partir da data da apresentação do pedido, sem que depois seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

Consagrando esta disposição legal que “a restituição deve ser efectuada até ao fim do 3º mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e requisitos legalmente exigidos e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado”, entendemos que, tendo sido apresentados pelo interessado os elementos comprovativos do pedido de restituição, se a AT os considerar insuficientes para a apreciação do pedido, deve, no âmbito dos princípios da colaboração e da boa-fé solicitar os elementos adicionais no prazo previsto para a restituição do imposto. Caso o contribuinte satisfaça o pedido, e a restituição do imposto ocorra para além daquele prazo, então terá direito aos juros indemnizatórios previstos naquela norma.

Em face do exposto mostram-se improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente.

Conclui-se assim que o recurso apresentado pela AT não merece provimento, mantendo-se a sentença recorrida.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente
Lisboa, 24 de Novembro de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto