Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 108/18.6BELRA |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 02/04/2021 |
| Relator: | DORA LUCAS NETO |
| Descritores: | PRÉ-CONTRATUAL; VALOR DA PROPOSTA; VALOR MONETARIAMENTE ACEITE. |
| Sumário: | A possibilidade de apresentação dos preços unitários a três casas decimais, embora possa servir o propósito de distinguir as propostas, esta distinção terá consequências relevantes, apenas, nos casos em que essa diferença se reflita ao nível do cêntimo de euro, ou seja, no valor final da proposta, o que não sucedeu no caso em apreço, em que três propostas apresentaram o mesmo valor final, arredondado que foi, como devia, às duas casas decimais, e daí a situação de empate que se verificou. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório S...-S..., S.A, intentou uma ação de contencioso pré-contratual contra o Município de Leiria, indicando como contra-interessados 1. E... - C..., S.A.; 2. H... - G..., S.A.; 3. V..., S.A.; L... - S..., S.A.; 4. F... Portugal, S.A.; 5. F..., S.A. e 6. P..., S.A., peticionando, a final, a anulação da decisão de adjudicação e condenação do R. a praticar novo ato de adjudicação da proposta da A., em virtude de esta ser a proposta de mais baixo preço. Subsidiariamente, peticionou ainda a anulação da decisão de adjudicação e da anulação da decisão de contratar ou a condenação do R. a aprovar peças procedimentais expurgadas da ilegalidade cometida.
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 29.05.2019, que julgou a ação improcedente, veio a A. apresentar recurso para este tribunal que, por acórdão de 16.04.2020, revogou a decisão recorrida e anulou o ato de adjudicação de 20.12.2017, mais considerando prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário que havia sido formulado.
Admitido o recurso de revista, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu revogar o acórdão recorrido, ordenando a baixa dos autos a este tribunal para que agora se proceda ao conhecimento das questões cuja apreciação foi então considerada prejudicada, a saber, o pedido subsidiário formulado.
A decisão do Supremo Tribunal Administrativo, ao revogar o acórdão recorrido, fê-lo pelos seguintes motivos: «(…) o acórdão entendeu, assim, que o preço total da proposta era “o indiciário do preço contratual”, o qual “nascia” apenas com o acto de adjudicação e correspondia ao que em termos monetários iria pagar ao adjudicatário através da multiplicação dos preços unitários pelas quantidades efectivamente executadas. Porém, “para efeitos da escolha da proposta com o preço mais baixo, este valor resultante da multiplicação dos preços unitários pelas quantidades estimadas há-de ser obtido nos exactos termos determinados no convite quanto aos preços unitários apresentados pelos candidatos, ou seja, até às três casas decimais”. Cremos, contudo, que este entendimento não é de manter, pois, se, como resulta do art.° 97.°, n.° 1, do CCP, o preço contratual corresponde ao preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato e se é o preço total da proposta que, antes da adjudicação, indicia este, não se vê porque o critério da adjudicação do mais baixo preço deve atender ao que resultava do preço unitário de cada serviço multiplicado pelas quantidades estimadas a prestar durante todo o período de execução do contrato decomposto à 3.a casa decimal, quando, na lógica do acórdão, deveria existir uma correspondência entre o preço a pagar e o preço mais baixo das propostas apresentadas e, no caso, aquele nem sequer tem expressão monetária. Quando se tenha estabelecido como critério de adjudicação o do mais baixo preço, é o preço da proposta que constitui o único atributo ou aspecto de execução do contrato submetido à concorrência. Esse preço, na fase de formação do contrato, é o preço total - que corresponde a todas as prestações que integram o objecto do contrato a celebrar e perante o qual se afere se ocorre a ultrapassagem do preço base ou se ele é anormalmente baixo -, o qual, em caso de adjudicação, será o preço contratual. No caso em apreço, ao abrigo do n.° 4 do art.° 198.° do CCP, o convite estabeleceu regras específicas sobre a análise das propostas, das quais resultava que o preço total que era inscrito nestas tinha como objectivo determinar qual era a que apresentava o preço mais baixo. Por isso, conforme resulta do probatório (cf. facto 8), a A., na proposta que apresentou, obrigou-se à execução dos trabalhos de acordo com as condições estabelecidas no caderno de encargos pelo valor global de € 24.806.310,41 que correspondia ao preço total da proposta pela prestação do serviço a 10 anos, considerando um valor convertível em moeda com circulação oficial - cf. art.° 2.°, do Regulamento (CE) n.° 974/98, do Conselho de 3 de Março de 1998, relativo à introdução do euro, de onde resultava que este se decompunha apenas até à unidade de cêntimo. Aliás, face ao critério de adjudicação estabelecido, o valor a considerar para a avaliação, comparação e posterior graduação das propostas só poderia ser o do preço total a duas casas decimais resultante da multiplicação dos preços unitários pelas quantidades estimadas e o tempo do contrato, por só esse corresponder a um preço real (ou seja, com expressão monetária) que podia ser pago pela entidade adjudicante como remuneração pela prestação dos serviços em causa. Ainda que os preços unitários tenham relevância na execução do contrato, o resultado final sempre acabará por se traduzir no pagamento de um valor apenas a duas casas decimais de acordo com as normas monetárias aplicáveis (no caso, se todas as quantidades estimadas fossem realmente necessárias o valor a pagar pela entidade adjudicante ao adjudicatário - seja este a A. ou o agrupamento formado pelas contra- interessadas — no fim do contrato seria o de € 24.806.310,41). Por isso, ao contrário do que alega a A., nem sequer se pode dizer que o preço de € 24.806.310,407 - que não tendo expressão monetária não poderia ser pago - é mais barato. Acresce que o preço base (de € 31.007.888,00) e o anormalmente baixo (inferior a € 24.806.310,40) foram estabelecidos apenas com referência ao preço total e a duas casas decimais (cf. anúncio do concurso, art.° l.°, n°s. 4 e 5, do programa do procedimento e ponto VIII do convite) e a adopção do entendimento perfilhado pela A. tomaria inútil a indicação da categoria preço total que nem sequer relevaria para a identificação da proposta com o preço mais baixo. Ainda que não haja coincidência entre o preço total da proposta que tem em conta as quantidades estimadas e o preço contratual a pagar pela entidade adjudicante por todas as prestações que constituem o objecto do contrato a celebrar, a circunstância de ambos terem correspondência na moeda com circulação oficial (o euro só se pode fraccionar, no máximo, em fracções de cêntimo que corresponde à 2.a casa decimal) demonstra que foi propósito da entidade adjudicante estabelecer valores monetarizáveis, não fazendo sentido que, para a aplicação do critério de adjudicação, se tomasse em consideração um preço que, por ser indicado até à 3.a casa decimal, não tinha correspondência na moeda com circulação oficial. A desconsideração da 3.ª casa decimal no produto da multiplicação para encontrar o preço total sobre que incide o aludido critério (bem como para averiguar se houve ultrapassagem do preço base ou se, nos termos do ponto VIII do convite, ele se mostra anormalmente baixo) encontra, assim, justificação na intenção de tomar em consideração um valor convertível em moeda. Nestes termos, procede a presente revista, devendo ser revogado o acórdão recorrido e ordenada a baixa dos autos ao TCA-Sul para aí se proceder ao conhecimento das questões cuja apreciação foi considerada prejudicada por esse acórdão (cf. art.° 679.°, do CPC, que exclui a aplicação à revista do n.° 2 do art.° 665.° do mesmo diploma). (…)» (negritos e sublinhados nossos).
Cumprindo agora o superiormente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, e delimitado que está o âmbito do presente recurso às questões suscitadas nas alíneas Q) a DD) das conclusões recursais da Recorrente e que se prendem com o julgamento que o tribunal a quo fez do pedido subsidiário que havia deduzido na ação. Vejamos: A A., S... - S..., S.A., ora Recorrente, nas suas alegações de recurso questionou, nas citadas alíneas Q) a DD) das respetivas conclusões, o seguinte: «(…) Quanto ao pedido subsidiário Q) O pedido subsidiário consiste, fundamentalmente, em ver declarada pelo Tribunal a anulação da adjudicação não pelo motivo invocado no pedido principal, mas antes porque, a improceder a interpretação que a recorrente aí defendeu ser a que se impõe das disposições das peças do concurso e da lei ao caso aplicáveis, e a, então, proceder a do Réu e da sentença a quo, haveria uma manifesta violação da Cláusula 8“ do Caderno de Encargos. R) E seria assim porque admitir esta interpretação seria aceitar que a proposta melhor classificada considerando o seu preço total a duas casas decimais não seria a de mais baixo preço em sede de execução do contrato, pois que, nesta o que releva são os preços unitários efetivamente apresentados no concurso, os quais podem ser a uma, a duas ou a três casas decimais e que, para estas mesmas quantidades previstas no anexo III, o preço a pagar à Autora em sede de execução do contrato seria inequivocamente menor do que o preço a pagar a qualquer das contrainteressadas - algo que, de resto, resulta do Facto Provado n° 10. S) Assim, de acordo com o alegado pela Autora, de duas uma: ou se admite a tese da Autora e ora Recorrente de que as peças admitem a interpretação segundo a qual o preço mais baixo neste concurso é o que resulta da multiplicação dos preços unitários a três casas decimais pelas quantidades estimadas anuais e depois este por dez, sem qualquer arredondamento - hipótese em que não se verifica um empate e em que a adjudicação deve recair sobre a sua proposta; ou se entende que tal interpretação não é admissível, sem conceder, e que, por isso, as peças determinam que o preço mais baixo é calculado a duas casas decimais - hipótese em que tem de se concluir que as peças padecem de ilegalidade dado que, nessa hipótese, estabelecem um mecanismo de determinação do preço mais baixo (com base em duas casas decimais) incompatível com o regime contratual do pagamento do preço (a três casas decimais). T) Sobre essa matéria o Tribunal limita-se a afirmar, no essencial, que “o preço do contrato só pode ser apurado em definitivo, nos termos da lei e da ordem natural das coisas, no momento da sua execução” e que é “impossível concluir que o preço do contrato apurado por referência à execução da proposta da autora seria mais baixo que o que reflectisse a execução das propostas das demais concorrentes”, concluindo que não padecem “as peças do procedimento de qualquer ilegalidade”. U) Ora, a Autora não defendeu que o preço contratual resultante da sua proposta seria sempre inferior ao dos outros concorrentes... V) O que aí se defendeu, designadamente no artigo 55.° da PI, e aqui se reitera, não é que o preço contratual correspondente à proposta da Autora seria sempre e em qualquer circunstância - qual exercício de futurologia - mais baixo do que o correspondente às propostas dos demais concorrentes, mas antes, e apenas, que, para estas quantidades, isto é, para o que aqui é certo e seguro e que é dado aos concorrentes para trabalhar na construção das suas propostas, o preço contratual seria de facto inferior ao dos demais - seria apenas € 0,003 inferior, é um facto, mas seria inferior. W) Assim é, na medida em que, sendo o preço contratual determinado em função dos preços unitários a três casas decimais (e não a duas!), é insofismável que, para estas quantidades em cada serviço - que, mais uma vez, são as que foram dadas aos concorrentes para construírem as suas propostas - a S... tem um preço mais baixo. X) Assim, no caso sub judice, embora se possa verificar uma falta de coincidência entre o preço pré-contratual e o contratual - tudo dependerá das quantidades de facto requisitadas/realizadas em cada serviço - a verdade é que existem certas quantidades estimadas ab initio e, existindo quantidades estimadas ab initio, o mínimo que se exige é que, ao menos para essas quantidades o preço mais baixo seja o que resultar dos preços unitários apresentados para essas mesmas quantidades. Y) De modo a que não se avance para um contrato com preços que para aquelas quantidades estimadas se sabe já não corresponder ao mais baixo preço contratual. Z) O que sucede no concurso dos autos e que se vem tentando ilustrar desde a Petição Inicial e que parece não ter sido completamente compreendido pelo Tribunal a quo, com o devido respeito, é que tendo por base as concretas quantidades estimadas pela entidade adjudicante - e não as que se possam vir a executar, que ninguém pode prever - os preços unitários da S... representam um preço contratual de € 24.806.310,407, quando os da E..., S.A. representam € 24.806.310,410, os do Agrupamento H.../V.../L..., ora contrainteressada, representam também € 24.806.310,410 e os do Agrupamento F.../F.../P..., representam € 27.962 964,484 - cfr. Facto Provado n.° 10. AA) Sendo assim, como é, no caso concreto dos autos, que não é um mero exemplo académico, não estamos perante uma hipótese em que há um empate ab initio e em que a sorte da execução contratual é que vai determinar se o preço foi de facto o mais baixo ou não, antes estamos perante um caso em que ab initio, isto é para as quantidades estimadas pela entidade adjudicante, já se sabe que uma das propostas apresenta o que seria o preço contratual mais baixo, mas que não é a objeto de adjudicação. BB) Logo, novamente, de duas uma: ou se admite o cálculo a três casas decimais, como preconiza a Autora; ou se anula o concurso, dado que, tal como está, presta-se a fazer recair a adjudicação numa proposta que já se sabe não corresponder, para as quantidades estimadas pela entidade adjudicante, àquela cujo preço contratual seria o mais baixo, o que subverte por completo as regras e os princípios aplicáveis à contratação pública a começar pelo da concorrência e, logicamente, pelo da prossecução do interesse público. CC) Mal andou por isso a douta sentença recorrida que, nesta parte, viola do disposto nos artigos 27.° n.° 1 do Programa do Procedimento e 74.° n.° 1 alínea b) e 97.° n.° 1 do CCP e bem assim na cláusula 8.a do Caderno de Encargos. DD) Devendo por isso ser revogada e substituída por outra que, a improceder o pedido principal, o que só por hipótese académica se equaciona, anule de qualquer modo a adjudicação e condene o Réu a aprovar novas peças procedimentais sem a assim considerada ilegal disposição do concurso. (…)».
O Recorrido Município de Leiria, por seu turno, em contra-alegações, concluiu como se segue: I. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter anulado a decisão de adjudicação e, em consequência, a decisão de contratar, não condenando o R. à aprovação de peças procedimentais expurgadas da ilegalidade que imputou a tais atos, a saber, a violação da norma estabelecida na cláusula 8.ª do Caderno de Encargos, relativa à fixação do preço contratual, considerando que o entendimento do júri, pelo qual se toma em consideração o preço total da proposta (a duas casas decimais), ao invés do preço que resulta da multiplicação dos preços unitários (a três casas decimais), viola o critério estabelecido para o cálculo do preço, ali fixado e que, em todo o caso, a interpretação assumida pelo júri afrontaria, de igual modo, o disposto no art. 97.° do CCP, já que o preço considerado como mais baixo para efeitos de adjudicação não teria correspondência com o que em sede de execução do contrato se afiguraria, efetivamente, mais baixo.
II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis: «Imagem no original» - cf. propostas constantes de fls. 289, 328, 336 e 755 do PA, cujo teor se dá por reproduzido. *** Os factos elencados foram dados como provados com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, indicados por referência a cada concreto ponto da matéria. * Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, atentas as várias soluções em direito plausíveis. II.2. De direito Em sede de ação, veio a A., ora Recorrente, peticionar, subsidiariamente, a anulação da decisão de adjudicação e, em consequência, a anulação da decisão de contratar ou a condenação do R., ora Recorrido, na aprovação de peças procedimentais expurgadas da ilegalidade cometida, a saber, a violação da norma estabelecida na cláusula 8.ª do Caderno de Encargos, relativa à fixação do preço contratual, considerando que o entendimento do júri, pelo qual se toma em consideração o preço total da proposta (a duas casas decimais), ao invés do preço que resulta da multiplicação dos preços unitários (a três casas decimais), viola o critério estabelecido para o cálculo do preço, ali fixado e que, em todo o caso, a interpretação assumida pelo júri afrontaria, de igual modo, o disposto no art. 97.° do CCP, já que o preço considerado como mais baixo para efeitos de adjudicação não teria correspondência com o que em sede de execução do contrato se afiguraria, efetivamente, mais baixo. A sentença recorrida julgou improcedente a sua pretensão.
Vejamos. O discurso fundamentador da sentença recorrida quanto a este aspeto, foi o seguinte: «(…) Prossegue a autora deduzindo pretensão subsidiária de anulação do procedimento concursal, peticionando, em concreto, também aqui, a anulação da decisão adjudicação, desta feita acompanhada da anulação da própria decisão de contratar ou da condenação da aprovação de peças procedimentais, expurgadas da ilegalidade que aqui lhes aponta. Sustenta, pois, esta sua pretensão na violação da norma estabelecida na cláusula 8.a do Caderno de Encargos, relativa à fixação do preço contratual, considerando que o entendimento do júri, pelo qual se toma em consideração o preço total da proposta (a duas casas decimais), ao invés do preço que resulta da multiplicação dos preços unitários (a três casas decimais), viola o critério estabelecido para o cálculo do preço, ali fixado. Afirma ainda que, em todo o caso, a interpretação assumida pelo júri afronta, de igual modo, o disposto no art. 97.° do CCP, já que o preço considerado como mais baixo para efeitos de adjudicação não teria correspondência com o que em sede de execução do contrato se afiguraria, efectivamente, mais baixo. Ora, a questão que aqui se coloca é de simples apreciação. Antes de mais, como acima teve já oportunidade de se esclarecer, o preço do contrato só pode ser apurado em definitivo, nos termos da lei e da ordem natural das coisas, no momento da sua execução. Assim, este dado, meramente hipotético, não é idóneo a parametrizar a ordenação das propostas, na fase que antecede a própria celebração do contrato - e então, naturalmente, a sua execução. Por outro lado, a autora elabora este raciocínio partindo de premissa, que considera segura, de que o preço contratual que resultaria da execução da sua proposta será mais baixo que o daquele que resultaria da execução das propostas de quaisquer outras concorrentes. Ora, na linha do que acima vem de se dizer, reconhece-se que o preço do contrato possa divergir do preço da proposta, uma vez que este é calculado com base em quantidades estimadas, por tipo de serviço. Todavia, e ainda que o preço contratual pudesse, em tese, assumir relevância nesta fase, estando fixados preços unitários parcelares, por referência a tipos de serviços, na realidade só na fase de execução será possível apurar, em função da quantidade e do tipo dos serviços efectivamente prestados, o preço do contrato. Como se constata, até a partir da indicação da própria autora, na respectiva PI [32.°], o Agrupamento H.../V.../L... apresenta preços unitários mais baixos relativamente ao serviço “Recolha e transporte a destino final adequado de RU indiferenciados, recolha selectiva de monstros, verdes e OAU, fornecimento, manutenção e higienização de contentorização, de superfície e subterrânea, para deposição de RU". E a E..., por seu turno, no que toca ao serviço de “Recolha, transporte a destino final adequado e tratamento de RCD". Inferindo-se logicamente que o preço contratual será determinado pela variação das quantidades de cada tipo de serviço efectivamente prestado. Existindo, assim, outras variáveis que não coincidem com as diferenças resultantes da indicação dos preços unitários a duas ou três casas decimais, é impossível concluir que o preço do contrato apurado por referência à execução da proposta da autora seria mais baixo que o que reflectisse a execução das propostas das demais concorrentes. Deste modo, constata-se não só que a execução da proposta apresentada pela autora possa não corresponder ao mais baixo preço contratual, como igualmente que o preço contratual não é o parâmetro da adjudicação, motivo por que não se têm por violadas quaisquer regras relativas ao seu modo de fixação. Não convence, então, também neste ponto, a argumentação da autora, não padecendo as peças do procedimento de qualquer ilegalidade. Cumpre referir, ainda, no que toca ao pedido de anulação da própria decisão de contratar, que nada é referido pela autora em seu benefício, não se extraindo de todo o teor da petição inicial sequer uma referência argumentativa ou legal que suporte esta sua pretensão - motivo por que não pode a mesma senão falir. Motivos todos por que, também nesta parte, improcede a alegação da autora, fracassando as pretensões por si formuladas em juízo e havendo, em consequência, que absolver os demandados dos pedidos.» (negritos e sublinhados nossos).
Desde já se adianta, na senda e coerentemente com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo em sede de revista, na qual apreciou o acórdão recorrido quanto à decisão do pedido principal formulado nos autos, que a decisão do tribunal a quo quanto ao pedido subsidiário é para manter. Vejamos porquê.
No caso dos autos, como resulta da matéria de facto - concretamente do teor do art. 27.° do Programa do Procedimento – cfr. facto n.º 2 -, o único atributo submetido à concorrência foi o preço da proposta, estabelecido, como foi, que a adjudicação seria feita segundo o critério do mais baixo preço. Por seu turno, dispõe o art. 97.°, n.° 1, do CCP, que o preço contratual traduz o preço a pagar, pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato. Ou seja, para efeitos de ordenação das propostas, será o preço da proposta é o único critério a seguir para as graduar entre si. Ora dúvidas não existem de que o preço da proposta indicado pela A., ora Recorrente, assim como de todas as demais concorrentes, que traduz o preço global pela prestação do serviço a dez anos - tanto no formulário em que só era possível apresentá-lo com referência à segunda casa decimal, como, de resto, na folha de rosto que o capeava - cfr. facto n.º 8 da matéria de facto - foi o de € 24.806.310,41 (vinte e quatro milhões, oitocentos e seis mil, trezentos e dez euros e quarenta e um cêntimos). Assim, considerando que o atributo das propostas, enquanto critério comparativo de acordo com o qual as mesmas haveriam de ser ordenadas – como se disse supra, o respetivo preço - era coincidente em três das concorrentes, razão pela quel o júri do procedimento concluiu inevitavelmente pela existência de uma situação de empate. E isto, sem prejuízo de se ter estipulado no ponto II do Convite, que a indicação dos preços unitários poderia ser feita, ainda que, no máximo, com referência até à terceira casa decimal – cfr facto n.º 4 da matéria de facto – circunstância que decorria também do formulário destinado à apresentação dos preços parcelares e global de cada proposta, que permitia a indicação do preço unitário com referência a tais três casas decimais - cfr. facto n.º 6, da matéria de facto. Porque, tal como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no recurso de revista que antecede a presente decisão , «(…) face ao critério de adjudicação estabelecido, o valor a considerar para a avaliação, comparação e posterior graduação das propostas só poderia ser o do preço total a duas casas decimais resultante da multiplicação dos preços unitários pelas quantidades estimadas e o tempo do contrato, por só esse corresponder a um preço real (ou seja, com expressão monetária) que podia ser pago pela entidade adjudicante como remuneração pela prestação dos serviços em causa. Ainda que os preços unitários tenham relevância na execução do contrato, o resultado final sempre acabará por se traduzir no pagamento de um valor apenas a duas casas decimais de acordo com as normas monetárias aplicáveis (no caso, se todas as quantidades estimadas fossem realmente necessárias o valor a pagar pela entidade adjudicante ao adjudicatário - seja este a A. ou o agrupamento formado pelas contra- interessadas — no fim do contrato seria o de € 24.806.310,41). Por isso, ao contrário do que alega a A., nem sequer se pode dizer que o preço de € 24.806.310,407 - que não tendo expressão monetária não poderia ser pago - é mais barato. Acresce que o preço base (de € 31.007.888,00) e o anormalmente baixo (inferior a € 24.806.310,40) foram estabelecidos apenas com referência ao preço total e a duas casas decimais (cf. anúncio do concurso, art.° l.°, n°s. 4 e 5, do programa do procedimento e ponto VIII do convite) e a adopção do entendimento perfilhado pela A. tomaria inútil a indicação da categoria preço total que nem sequer relevaria para a identificação da proposta com o preço mais baixo.(…)». (negritos e sublinhados nossos).
Contra este entendimento insurgia-se antes a A., ora Recorrente, alegando, em S..., que «(…) uma vez que se permitia a indicação dos preços unitários até à terceira casa decimal, e considerando que a regra contida no art. 60.°, n.° 3 do CCP impõe a prevalência, em caso de divergência e para todos os efeitos, do preço mais decomposto, então que o aspecto “verdadeiramente submetido à concorrência (...) foram os preços unitários apresentados nas propostas e a praticar em sede de execução do contrato”. Porém, sem razão. Desde logo porque, ainda que os preços unitários tenham relevância na execução do contrato, o resultado final sempre se traduziria no pagamento de um valor apenas a duas casas decimais, pois este é o único valor compatível com as normas monetárias aplicáveis. Assim, mesmo que todas as quantidades estimadas pela A., ora Recorrente, venham a ser efetivamente necessárias – num total de € 24.806.310,407 - o valor a pagar pela entidade adjudicante no fim do contrato será sempre o valor arredondado a duas casas decimais, ou seja, o indicado € 24.806.310,41. Por este motivo, e ao contrário do que alega a A., ora Recorrente, é falacioso que se diga ou se tenha em conta um preço que, não tendo expressão monetária, nunca poderia ser pago, pelo que apenas seria “virtualmente” mais barato. Não é um preço real. Assim, e tal como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, no citado aresto, não existe qualquer incongruência com a fixação do critério do mais baixo preço, no facto de se atribuir relevância apenas ao valor resultante do arredondamento a duas casas decimais, mesmo que se estipule igual e expressamente a possibilidade de apresentar valores até à terceira casa decimal, no campo dos preços unitários. Razão pela qual imperioso se torna negar provimento ao presente recurso, em virtude de a solução adotada nas peças do procedimento se apresenta lógica e coerente, na medida em que a possibilidade de apresentação dos preços unitários a três casas decimais embora possa servir o propósito de distinguir as propostas, esta distinção terá consequências relevantes, apenas, nos casos em que essa diferença se reflita ao nível do cêntimo de euro, ou seja, no preço final da proposta - o que é o mesmo que dizer até ao limite das duas casas decimais – o que não sucedeu no caso em apreço em que três propostas apresentaram o mesmo preço final da proposta arredondado que foi às duas casas decimais, como devia, e daí a situação de empate que se verificou. Neste preço final da proposta não existem, pois, vários preços, mas apenas um, o que fasta desde logo a aplicação do citado n.º 3 do art. 60.º do CCP. Nestes termos, e face a todo o exposto, não errou a sentença recorrida ao ter secundado o entendimento do júri, concluindo pela existência de uma situação de empate, assim como não errou ao ter decidido que as peças do procedimento em apreço não padeciam de qualquer ilegalidade por violação do art. 8.º do Caderno de encargos e art. 97.º do CCP2008, razões pelas quais, imperioso se torna negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente. Lisboa, 04.02.2021. Dora Lucas Neto * A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira. |