Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04225/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/07/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. VENDA. LUCRO TRIBUTÁVEL. MAIS VALIAS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. A intenção de revenda que preside à venda mercantil, não constitui elemento que tenha de existir desde a respectiva aquisição, bem podendo surgir em momento posterior, e antes da mesma ocorrer;
2. Também o fim a que o revendedor destina os proventos obtidos (se ao prosseguimento da sua actividade normal ou se a serem distribuídos como dividendos), não constitui elemento relevante para qualificar a venda de comercial e sujeita a tributação em sede de IRC;
3. Tendo uma sociedade comercial adquirido um prédio rústico, há muitos anos, que contabilìsticamente vinha classificando como de activo imobilizado, onde a certa altura procedeu a um loteamento urbano e onde mais tarde veio a deliberar em assembleia, a venda de parte desses lotes, o que veio a ocorrer, os proventos obtidos por tais vendas constituem lucro da sua actividade comercial, onde também a venda de imóveis se integrava, tributável em IRC, que não como mais valias, já que tais ganhos se não podem considerar como de fortuitos ou acidentais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Sociedade de Construções e Turismo, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


Nestes termos, a Recorrente conclui as suas alegações requerendo (i) a junção de dois documentos em anexo a estas alegações ao abrigo dos artigos 524.º, n.º 2, e 693.º-B, ambos do CPC; (ii) que V. Ex.as ordenem a baixa dos Autos à primeira instância por motivo de insuficiência de instrução; Ou, caso assim não se entenda, (iii), que o presente recurso seja julgado procedente e, consequentemente, a sentença proferida seja revogada e substituída por acórdão que dê provimento ao pedido daquela, procedendo à anulação do acto tributário impugnado com todas as consequências legais, porquanto:
i) O Tribunal a quo, no que respeita aos factos provados e aos vícios da liquidação impugnada, bastou-se em remeter para as conclusões subscritas pelo Fisco num relatório de inspecção tributária elaborado há mais de 15 anos, fundamentando a sentença em meras asserções sem base legal.
ii) A sentença ora recorrida praticamente não referiu, não citou, não analisou, não contraditou sequer, os argumentos invocados pela ora Recorrente (então Impugnante).
iii) Em lugar algum da sentença recorrida (ou do Relatório de Inspecção Tributária) se procede à subsunção dos factos praticados pela ora Recorrente - i.e., qualificação dos rendimentos gerados pela alienação de prédios que sofreram loteamento como mais valia - a uma norma jurídica que imponha que a mera ocorrência dessa operação de loteamento conduza a uma requalificação contabilística dos bens que dela foram objecto.
iv) O Tribunal a quo limitou-se a assumir uma posição de princípio sem qualquer base legal, tendo inferido dos factos dados como provados conclusões que deles não se podem retirar, sem procurar fundamentar adequada e legalmente a decisão e/ou rebater a argumentação que a ora Recorrente havia expendido, nos presente Autos, na petição inicial e nas alegações em sede de primeira instância.
v) A sentença recorrida não levou em consideração uma recente decisão do próprio TAF de Sintra no processo n.º 65/96- 2J 1S, proferida em 26 de Fevereiro de 2010 - junta aos Autos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 524.º do CPC por se tratar de um documento superveniente aos articulados, como doc. n.º 1 em anexo - processo em tudo idêntico àquele que ora se depara perante V. Exas, tanto em matéria de factualidade (inclusive no que respeita à identificação das partes), como em matéria de direito.
vi) A sentença dá como “não provado” o facto dos sócios da Impugnante terem deliberado, por unanimidade, alienar os referidos lotes de terreno, por não ter sido junta aos Autos a Acta n.º 12 - referida pela Administração fiscal na respectiva contestação - em que tal deliberação se encontra exarada - cfr. alínea O), p. 9 da sentença a fls. 429 dos Autos.
vii) Tendo o conteúdo da Acta n.º 12, em que foi exarada a proposta de comercialização dos lotes terreno, sido mencionado no presente processo de impugnação - cfr. fls. 332 e 116 dos Autos -, e em particular na própria sentença - a fls. 429 dos Autos -, entende a ora Recorrente que, ao abrigo do artigo 693.º-B do CPC, deverá aceitar-se a junção aos autos da Acta n.º 12 como doc. n.º 2 em anexo, para prova de que a intenção, objectivamente considerada, da Recorrente sempre fui a obtenção de liquidez para desenvolvimento do seu projecto turístico.
viii) Efectivamente, o não acesso à Acta n.º 12 - cuja junção, poderia ter sido requerida pelo Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 114.º do CPPT - conduziu a uma errada convicção do julgador, como resulta da sentença que anulou as liquidações adicionais de IRC de 1990, 1991 e 1992, cuja fundamentação em parte se baseia no texto da mencionada Acta - cfr. sentença anexa às presentes alegações como doc. n.º 1.
ix) Perante V. Exas., são trazidas duas sentenças que se debruçam sobre a mesma realidade de facto mas que decidem em sentidos opostos: (i) numa delas o Tribunal, na medida em que teve acesso à mencionada Acta n.º 12, que demonstra que o propósito subjacente à alienação dos lotes de terreno foi a obtenção de liquidez para fazer face às despesas decorrentes do projecto imobiliário, decidiu-se pela procedência da impugnação anulando as liquidações de IRC de 1990, 1991 e 1992; (ii) ao invés, na sentença ora recorrida, o Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação relativa à liquidação adicional respeitante ao exercício de 1989, por julgar subjacente, automaticamente, às operações de loteamento e alienação dos prédios a intenção de obtenção de proveitos ordinários, sendo certo que, neste processo, a existência da mencionada Acta n.º 12 foi apenas aludida - a fls. 332 e 116
dos Autos - sem que alguma vez tivesse sido junta ao processo.
x) A ausência de um documento absolutamente necessário à decisão da causa - a referida Acta n.º 12 - atesta uma clara insuficiência instrutória que só através do prudente julgamento de V. Exas. poderá ser suprido, razão pela qual se deverão mandar baixar os autos à primeira instância de modo a instruir correctamente a presente impugnação.
xi) Por outro lado, a desconsideração dos argumentos aduzidos pela ora Recorrente ao longo do presente processo conduziu a que não fossem dados por provados factos efectivamente alegados - mormente nas alegações finais, a fls. 353 a 355 dos Autos - que nunca foram contraditados pela Fazenda Pública, pelo que, não tendo também a decisão a quo coligido qualquer argumento para a sua não inclusão na matéria assente por provada, devem tais factos ser considerados como demonstrados e assentes em sede de provas.
xii) Nessa medida, e de acordo com o disposto no artigo 712.º do CPC, deverão ser dados como assentes, por provados, os seguintes factos:
a) A então Impugnante não exercia a actividade de compra e venda, nem se encontrava colectada para a actividade de compra e venda de prédios para revenda, como era do perfeito conhecimento da Administração fiscal - cfr., neste sentido, p.i. e alegações, respectivamente a fls. 6 a 12 e 352 a 367 dos Autos;
b) A aquisição dos imóveis em crise não esteve subjacente qualquer intuito de aquisição para revenda, como expressamente reconhece a Administração fiscal - cfr. ponto III - Descrição dos factos e pareceres, patente a fls. 328 e seguintes dos Autos;
c) O loteamento do mencionado terreno teve o simples propósito de prosseguir a actividade de turismo encetada pela ora Recorrente, nomeadamente visando a construção de um complexo turístico, pelo que foi tal loteamento solicitado junto da Câmara Municipal de Cascais e aprovado em 17 de Agosto de 1988 - cfr. fls. 153 e ss. dos Autos;
d) Dada a necessidade de realizar dinheiro para a construção do empreendimento visado, e para fazer face às suas despesas correntes, a impugnante fui obrigada a vender alguns dos lotes de terreno - cfr. fls. 153 e ss dos Autos e
Acta n.º 12 que supra se juntou como doc. n.º 2 em anexo.
xiii) Estes factos devem ter-se por provados na medida em que resultam dos processados - p.i. e alegações da Recorrente - e nunca foram contraditados pela Fazenda Pública.
xiv) Factos dos quais resulta também demonstrada que a real função económica atribuída pela empresa aos bens objecto de loteamento, sempre foi a de permanência como elementos de activo fixo, tendo os terrenos sido alienados por meras contingências financeiras momentâneas, donde também não devem restar dúvidas de que a intencionalidade subjacente à aquisição dos referidos terrenos nunca se prendeu com uma posterior revenda como meio de obtenção de lucro, pelo que os rendimentos que obteve devem ser qualificados como mais-valias.
xv) Tal intenção, objectivamente considerada, e provada através dos documentos juntos aos Autos, subjacente à aquisição e alienação dos lotes de terreno em causa, conduz à conclusão segundo a qual não deverá ser a mera operação de loteamento a operar uma requalificação contabilística (de mais-valias a proveitos comerciais) dos rendimentos obtidos coma alienação dos prédios na esfera da ora Recorrente.
xvi) Por outro lado ainda, dos factos dados por assentes pela decisão recorrida - factos elencados na sentença recorrida nas alíneas A) a O), a fls. 424 a 429 dos Autos - não poderia o douto Tribunal a quo inferir as consequências jurídicas que inferiu, donde incorre a sentença recorrida em erro de julgamento por errónea valoração de prova e violação das regras de repartição do ónus da prova.
xvii) Efectivamente resultou provado, conforme fls. 427 a 428 dos Autos, que a ora Recorrente:
a) era proprietária de diversos terrenos, registados respectivo activo imobilizado corpóreo desde 1976;
b) promoveu o loteamento dos referidos terrenos com vista à construção de um empreendimento turístico com diversas valências;
c) vendeu parte desses terrenos entre os exercícios de 1989 e 1992;
d) registou mais-valias reinvestíveis em razão dpa rendimentos auferidos.
xviii) Destes factos, inferiu o Tribunal a quo, automaticamente e sem atender à realidade substancial, que o loteamento e posterior alienação dos referidos terrenos teriam subjacente um escopo lucrativo, i.e., de realização de proveitos ordinários em razão da normal actividade comercial da Recorrente, donde tais ganhos não deveriam ser tributados como mais-valias mas antes como proveitos ordinários.
xix) Não é possível, contudo, com base nestes factos, concluir que subjacente à operação de loteamento estivesse uma qualquer intenção de lucro pela venda de lotes, tanto mais que estes foram desde logo destinados pela ora Recorrente a diversas funções específicas, que não apenas a habitação/construção, conforme resulta do Alvará constante a
fls. 151 a 159 dos Autos.
xx) Na ausência de produção de prova testemunhal, a mera análise dos documentos juntos aos autos como sejam os balancetes e mapas de reintegrações da sociedade a fls. 379 a 402 dos Autos - cuja genuinidade e autenticidade nunca foram impugnadas - não permitia concluir como concluiu o Tribunal a quo.
xxi) Provar a existência de loteamento e alienação não pode implicar, como consequência automática e inexorável, a verificação de um escopo lucrativo que desqualifique a operação a nível contabilístico, sobretudo quando outros factos claramente indiciam o inverso.
xxii) Das alegações da Recorrente - constantes a fls. 352 a 367 dos Autos -, como, aliás do conteúdo do Parecer junto pela então Impugnante – a fls. 15 a 31 dos Autos -, resulta inequívoco:
a) que a ora Recorrente não se dedicava ao negócio imobiliário;
b) que os referidos terrenos (adquiridos por volta de 1920!) não foram adquiridos com intenção de revenda (o que nem sequer faria sentido, posto que começaram a ser alienados quase 70 anos depois da respectiva aquisição. . . );
c) que a sua alienação estaria sujeita (como esteve) ao extinto encargo de mais-valias.
xxiii) O n.º 1 do artigo 100.º do CPPT determina que «[s]empre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o facto tributário ser anulado» (cit.), pelo que não sendo inequívoca ou pelo menos suficiente a prova produzida pela Fazenda Pública, outra decisão não poderia ter sido tomada que não a de anular a liquidação adicional de IRC impugnada.
xxiv) As regras relativas à repartição do ónus da prova estabelecem (i) que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito da Administração fiscal recai sobre ela mesma e, (ii) que na ausência de produção de prova de tais factos, deve o Tribunal decidir contra quem invoca determinado direito.
xxv) A Administração fiscal não fez prova de que, subjacente ao loteamento e à alienação dos prédios em crise, existiria uma intenção lucrativa diferente da mera obtenção de liquidez para financiamento do projecto turístico, alegada pela então Impugnante - fls. 354 a 359 dos Autos -, sendo este o mais importante facto constitutivo do direito que invoca.
xxvi) A Administração fiscal não logrou produzir qualquer prova relevante no presente processo, tendo por essa razão a sentença recorrida dado por não provado o facto de ter existido uma deliberação unânime de acordo com a qual se aprovou uma proposta de comercialização dos lotes de terreno - cfr. fls. 429, 332 e 116 dos Autos - deliberação essa que
foi exarada numa acta a que a Administração fiscal teve pleno acesso.
xxvii)Demonstrada a violação das regras sobre o ónus da prova, bem como a necessidade de alterar a factualidade provada e não provada no presente processo de impugnação, dever-se-á julgar procedente o presente recurso por não provados os factos constitutivos do direito à tributação invocado pela Administração fiscal, ou seja, pela inexistência de intenção lucrativa subjacente à alienação dos prédios em causa.
xxviii) Acresce que, à semelhança do que se verificou no que respeita à matéria de facto dada como provada e não provada no processo n.º 65/96 –2J 1S - sentença junta como doc. n.° 1 em anexo -, que é em tudo semelhante ao presente processo e no qual foram anuladas as liquidações adicionais de IRC de 1990, 1991 e 1992 emitidas com base no mesmo Relatório de Inspecção Tributária que originou a liquidação ora em crise- doc. n.º 1 às presentes alegações de recurso - impõe-se, nos termos dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 712.º do CPC, modificar a factualidade assente pelo Tribunal a quo.
xxix) Dever-se-á, assim, dar por não provado que «a operação de loteamento que recaiu sobre os lotes de terreno teve como objectivo transformar os terrenos em mercadoria vendável, i.e., para a posterior venda dos lotes» - cfr. sentença anexa como doc. n.º 1, p.9, a fls. 415 dos respectivos autos (cito).
xxx) Também por estas razões se impõe a anulação da sentença ora recorrida.

Termos em que se deverão dar por provados os factos atrás evidenciados e documentalmente suportados nos Autos, (i) permitindo-se a junção dos documentos em anexo, e (ii) concedendo-se provimento ao presente recurso jurisdicional, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância ou, caso assim não se entenda, (iii) revogando-se a sentença e substituindo-a por uma decisão que anule o acto tributário, e tudo com as devidas consequências legais.
Assim se respeitará o DIREITO e será feita JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, devendo ser indeferida a requerida junção dos documentos por falta dos respectivos pressupostos legais e não devendo os ganhos em causa serem qualificados de mais-valias, por neles ter existido a intervenção da ora recorrente com a sua transformação em lotes de terreno para construção urbana, em ligação com o exercício da sua actividade, não correspondendo a um ganho ocasional ou acidental, pelo que devem ser tributados como proveitos em IRC (como também se havia já pronunciado o Exmo RMP, junto do tribunal recorrido, a fls 418/419).


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se devem ser juntos aos autos os documentos ora apresentados com as suas alegações do recurso; Se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido propugnado pela mesma; E se os proventos obtidos pela mesma no exercício de 1989, com a venda de lotes de terreno para construção urbana, devem ser qualificados como de mais-valias.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Na sequência de uma acção de fiscalização, foi corrigido o IRC declarado pela Impugnante, relativo ao exercício de 1989, destacando-se do relatório inspectivo o seguinte:
“...
2.4 - Enquadramento fiscal
2.4.1- Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - IRC
No exercício de 1989, a situação tributária da Impugnante era:
"Res. Líquido: 31 458685$00
Prej. Fiscal: (46 503939$00)
...o tão elevado montante de prejuízos apurado ...deve-se ao facto de, desde o exercício de 1988, a empresa considerar que os resultados obtidos na alienação dos lotes de terreno para construção, estavam abrangidos pelo regime previsto no art. 42.º do CIRC Mais valias reinvestidas, deduzindo-os, indevidamente, como mais valia contabilística ao Resultado líquido, em vez de os considerar como resultado do movimento normal da actividade empresarial.
...
4- Apreciação contabilístico-fiscal
...
4.2 - Vendas/Prestações de serviços a clientes
4.2.1- Vendas de mercadorias
...constatou-se que o valor resultante da venda dos lotes de terreno para construção, não integra, a final, o valor das vendas de mercadorias, e isto porque a empresa, indevidamente, transfere os resultados apurados nessa venda para Proveitos Extraordinários - conta 7942 - Ganhos em alienação de Imobilizações Corpóreas, dado que os terrenos, embora para venda, continuam a estar contabilizados no Imobilizado Corpóreo da empresa.
...
A correcção consiste na anulação, em cada um dos exercícios, da dedução expressa na linha 29 do aludido quadro 17, e que corresponde ao valor da mais valia resultante da alienação dos respectivos lotes, e ainda em acrescer ao lucro tributável a diferença entre o proveito efectivo (Valor de realização - Valor de aquisição) decorrente dessa venda, e a referida mais valia.
...
6- Conclusões
...
6.1 - Ano de 1989
. . .corrige-se o montante deduzido na linha 30 do Quadro 17 - 79 583 953$00 - e corrige-se igualmente o valor da menos valia acrescida na linha 17 do mesmo quadro, no montante de 309 500$00, já que expurgando os 80 589 060$60, referente a mais valia obtida relativamente à venda dos lotes, resta uma menos valia contabilística, a acrescer, no valor de Esc. 1 005 108$00.
Todavia, dado os proveitos resultantes da alienação dos lotes serem imputáveis ao exercício de uma actividade comercial, e não passíveis de tributação em mais valias, corrige-se ainda, o montante de 1 717 894$00, que corresponde à diferença apurada entre o proveito efectivo, decorrente dessa venda, e a mais valia apurada que, como proveito que é, também está sujeito a tributação." - cfr. relatório de fls. 110 a 145, especialmente fls.118, 121 a 121 e 140 a 142;
B) Foi preenchido Mapa de Apuramento, Mod. DC.22, relativo ao exercício de 1989, com a seguinte fundamentação das correcções efectuadas:
“Q. 10 Linha 5- corrige-se o valor de Esc. 309500$00, em virtude de a menos valia contabilística a acrescer ao resultado líquido do exercício, depois de expurgados os proveitos obtidos relativamente à venda dos lotes de terreno para construção ser 1 005 108$00 e não o valor acrescido pela empresa;
Quadro 10 L.21 - Corrige-se o montante de Esc. 1 717 894$00 que corresponde à diferença entre o Proveito efectivo decorrente da alienação dos terrenos e a mais valia apurada e declarada pela empresa - art. 20.º do CIRC.
Quadro 10 linha 30 - a correcção no montante de Esc. 79 583 953$00 teve por fundamento a anulação do movimento relacionado com a venda dos lotes de terreno para construção, o qual deverá ser considerado como movimento normal da actividade empresarial nos termos do art. 20.º do CIRC e por isso fora do âmbito do regime previsto no art. 42.º do mesmo diploma."- cfr. fls. 58;
C) Na sequência das correcções referidas em A e B, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 8310018714, relativa ao exercício de 1989, com imposto a pagar no montante de 10.506.018$00, com data limite de pagamento: 25/01/1995- cfr. fls. 9 e 10;
D) A liquidação referida em C, foi paga - cfr. informação de f1s. 409 a 412;
E) Em 17/04/1995, foram apresentados os presentes autos de impugnação - cfr. carimbo, a fls. 6;
F) A Impugnante constituiu-se por escritura de 19/11/1976, em resultado de cisão-dissolução da TURMAR - Sociedade de Empreendimentos Turísticos, SARL e tinha como objecto social:
"a) Fomentar a agricultura, o turismo, a construção urbana e a prática de actividades correlativas, inclusivamente, adquirir, alienar, hipotecar e ou por qualquer outra forma obrigar bens mobiliários ou imobiliários;
b) Assegurar o cumprimento de obrigações mercantis, prestando, em troca de retribuição convencional, fianças ou avales;
c) Exercer qualquer outro ramo de indústria ou comércio que a assembleia geral delibere explorar e seja legalmente possível". - cfr. artigo 3.º do pacto social, publicado no Diário da República, III Série, de 4 de Janeiro de 1977, a fls. 164 a 167;
G) Os terrenos cujo loteamento é objecto dos presentes autos, fazem parte do activo imobilizado da Impugnante, desde 19/11/1976 (em resultado da cisão-dissolução referida em F) - cfr. relatório a fls. 122;
H) Tais terrenos foram registados contabilisticamente no activo incorpóreo da empresa- cfr. relatório a fls. 122;
I) Em 08/1l/1988 foi emitido o Alvará de Loteamento n.º 872, concedido por Despacho de 17/08/1988, após deliberação de 05/12/85, tendo por base um estudo aprovado pelo Ministério da Qualidade de Vida (Parecer 354/82) - cfr. fls. 151 a 159;
J) O referido loteamento é formado por 75 lotes de terreno, sendo:
-Lote 1 e Lote 1-A destinados à exploração agrícola;
- Lote 2 destinado a centro hípico;
- Lote 3 destinado a aldeamento de ténis;
- Lote 4 destinado a clube de ténis;
- Lote 5 destinado a aparthotel;
- Lote 6 e Lote 6-A destinado a zona turística residencial;
- Lote 7 destinado a aldeamento hípico;
- Lote 8 destinado à moradia existente;
- restantes Lotes para construção destinados a habitação designadamente, para pequenas moradias turísticas a arrendar por períodos curtos. . . " - cfr. 151 a 159;
K) A Impugnante, no ano de 1989, vendeu lotes de terreno para construção (lotes referidos em J), destinados a habitação, conforme escrituras públicas anexas ao relatório de fiscalização - cfr. fls.179 a 230;
L) Por escritura datada de 19/12/1989, a Impugnante alterou a sua denominação social de A...-Sociedade Agro- Turística, SARL para passar a ser A...– Sociedade de Construções e Turismo, SA, deixando de integrar o seu objecto social a actividade agrícola mantendo todas as outras referidas em F - cfr. relatório, a fls. 113 e 114;
M) A Impugnante vendeu lotes de terreno nos exercícios de 1990 a 1992 - cfr. escrituras públicas de fls. 242 a 274; 286 a 298 e 300 a 314;
N) A Impugnante vendeu aqueles lotes e considerou os ganhos derivados da venda, como mais valias - cfr. relatório de fls. 110 a 145, especialmente fls. 118, 121 a 123 e 140 a 142;
O) A Impugnante declarou na declaração de rendimentos, Modelo 22, relativa ao exercício de 1989, quadro 29, a intenção de reinvestir o valor de venda - cfr. fls. 89 a 92;

Factos não provados
P) Foi deliberado por unanimidade em 1988, e exarado na Acta n.º 12 da Sociedade, a proposta de comercialização de lotes de terreno para construção que lhe advieram do loteamento da parte rústica do prédio misto adjudicado quando da sua constituição - cfr. contestação a fls. 332.
*
Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.
*
A convicção do Tribunal na fixação de factos provados e não provados resulta do teor dos documentos juntos aos autos e identificados em cada facto. Considerei o facto não provado por não ter sido junto aos autos, a acta referida na contestação, a fls. 332.


4. A primeira questão prévia a decidir no presente recurso, consiste em saber da requerida junção aos autos nesta fase processual, dos dois documentos remetidos conjuntamente com as suas alegações do recurso [doc. de fls 473 a 499, constituídos pelas cópias não certificadas da sentença proferida pelo mesmo TAF de Sintra, em caso dito paralelo ao do versado na presente impugnação judicial e que em sentido oposto decidiu e da referida acta n.º12, de 5 de Janeiro de 1988 (da qual faz parte ainda uma cópia de conteúdo ilegível constante de fls 499)], em que a mesma ora recorrente havia impugnado a liquidação do IRC dos exercícios seguintes, cujas liquidações se haviam fundado no mesmo relatório do exame à escrita, a fim de, permitir emitir sobre eles o devido juízo crítico em ordem à prova dos factos atinentes.

Nos termos do disposto no art.º 706.º do Código de Processo Civil(1), as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art.º 524.º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2 - Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, professores ou técnicos.

Temos assim, que o momento processual próprio para as partes juntarem aos autos os documentos destinados a fazerem a prova dos fundamentos da acção ou da defesa, é aquele em que se aleguem os factos correspondentes, podendo contudo ainda sê-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância – 108.º, n.º3 do CPPT e n.ºs 1 e 2 do art.º 523.º do mesmo CPC.
E depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

No caso, quanto à cópia da sentença proferida pelo mesmo TAF de Sintra, em 26-2-2010, relativo ao IRC dos exercícios de 1990 a 1992, ainda que tenha tratado de questão idêntica de qualificação da venda de tais lotes pela ora recorrente nesses exercícios, como gerando proventos de qualificar como de mais-valias, ao contrário do que nesta impugnação judicial foi decidido, contudo, desde logo, nenhum interesse poderia revestir a pretendida junção a estes da mesma, quer porque tal decisão se não impõe a este Tribunal, quer mesmo, porque nem sequer se sabe se a mesma terá transitado em julgado e se ainda se manterá erecta na ordem jurídica, pelo que a sua junção não poderia deixar de redundar em acto inútil e como tal, não permitido por lei, pelo que a mesma é de desentranhar dos autos, bem como o doc. de fls 499, de conteúdo ilegível.

É que os actos inúteis não são permitidos no processo nos termos do disposto no art.º 137.º do CPC, fazendo mesmo incorrer em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem.

O mesmo não acontece com a cópia da acta de fls 494 a 498, onde foi aprovado o ponto n.º1 da ordem de trabalhos, sob proposta apresentada por dois administradores - a comercialização dos lotes residenciais – que embora na sua petição inicial de impugnação não tenha sido sequer aflorada, como da mesma se pode ver, nem se pudesse reconduzir a uma questão de défice instrutório dos autos como a mesma parece pretender – cr. matéria da sua alínea x) das conclusões do recurso – mas tal questão foi informada pela AT onde manteve o acto impugnado – cfr. fls 328 a 338 dos autos – onde aliás nem coloca em causa tal deliberação, mas tendo a M. Juiz do Tribunal “a quo”, expressamente, dado como não provada tal matéria, importa, que a mesma seja junta aos autos para alargar a base probatória dessa matéria, a qual ficará suportada por essa informação e por este citado documento, pelo que a sua junção, neste momento, se justifica, quer pelo julgado efectuado e ora sob recurso, quer porque tal matéria se encontra adquirida para os autos onde, ao abrigo do disposto nos art.ºs 99.º, n.º1 da LGT e 13.º do CPPT, a mesma acta poderia, oficiosamente, ser junta, em ordem a dar como provada a correspondente factualidade, desta forma se atendendo parcialmente à pretensão da ora recorrente na junção do citado documento.


É assim de indeferir a junção aos autos dos documentos de fls 473 a 493 e de fls 499, e de ordenar o seu desentranhamento e a sua entrega à requerente se esta o solicitar e de deferir a junção do documento de fls 494 a 498 (cópia da acta n.º 12).


4.1. A segunda questão a conhecer no presente recurso versa sobre o errado julgamento da matéria de facto, onde a recorrente pretende que seja levada ao probatório a matéria que faz enumerar nas alíneas a) a d) da sua conclusão xii), onde a mesma faz radicar tal prova, essencialmente na falta de terem sido contraditados pela Fazenda Pública – cfr. matéria da sua alínea xiii) – para além da existência de alguma prova documental que também indica.

Desde logo convém frisar que a falta de contestação na impugnação judicial, pelo representante da Fazenda Pública, não tem efeito cominatório de admissão por acordo que nos termos gerais vigora nos direitos disponíveis – cfr. art.º 490.º, n.º2 do CPC – já que o crédito tributário, antes, é indisponível – cfr. n.º2 do art.º 30.º da LGT – onde não tem lugar a confissão – art.º 354.º, alínea b) do Código Civil – o que de resto, expressamente, a norma do art.º 110.º, n.º6 do CPPT dispõe, (redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho) – a falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante – pelo que, ao seu arrimo, apenas, não seria de acrescer ao probatório a pretendida matéria de facto.

Por outro lado, também a ora recorrente, na matéria das conclusões das suas alegações do recurso, não deu cabal cumprimento ao disposto no art.º 690.º-A do CPC, mas tendo em conta o princípio da descoberta da verdade material e da norma do n.º1 do art.º 712.º do mesmo CPC, que permite, mesmo oficiosamente, a alteração da matéria de facto, especialmente quando esta é constituída por documentos apenas, como é caso, passamos a conhecer da pretendida alteração à mesma, tendo em conta que no probatório da sentença devem constar os factos provados com interesse para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. art.ºs 123.º, n.º2 do CPPT e 511.º, n.º1 do CPC.

E apreciando tal errado julgamento da matéria de facto, balizado por tais parâmetros da necessidade da mesma poder ser relevante para a decisão a proferir, desde logo quanto à da alínea a), relativa ao exercício da actividade da ora recorrente, tal matéria consta na matéria fixada nas alíneas F) e L) do probatório da sentença, sendo que a pretendida versão negativa, no sentido propugnado pela mesma, não encontra eco em qualquer documento constante dos autos, designadamente nos invocados pela mesma, que se reportam a peças da sua autoria, que, como é óbvio, se reconduzem a uma mera alegação dessa invocada factualidade, que por isso a não prova, e não sendo de a levar ao probatório da decisão.

Quanto à matéria da sua alínea b) – inexistência da intenção de revenda dos prédios – a AT, na sua informação já referida de fls 328 e segs, admite-a como verdadeira, fls 333, 2.º trecho, mas desde logo avança que, tal intenção teria sido quebrada, pelo comportamento posterior da mesma, como nela se explica, não se vendo qual o eventual interesse para o desfecho da presente impugnação judicial o não propósito inicial de venda aquando da aquisição desses prédios, quando existe a posterior e expressa manifestação de vontade da mesma e efectiva venda dos mesmos, como se não encontra em causa, pelo que também tal matéria não é de levar ao mesmo probatório.

Quanto à matéria da sua alínea c) – relativa à questão do loteamento e o propósito que lhe esteve subjacente – é matéria que já consta em parte na alínea i) do probatório fixado, não encontrando consagração em tal alvará de loteamento o pretendido propósito de a mesma prosseguir a actividade de turismo, antes, como condição de tal loteamento pela entidade em causa, foi feito consignar como condição futura que “deve ser garantida a utilização exclusivamente turística quando da apresentação de proposta concreta de ocupação dos lotes destinados a empreendimentos turísticos, nomeadamente a zona turístico-residencial”, como se pode ler do mesmo alvará de loteamento de fls 151 e segs dos autos, o que tanto poderia ser levado a efeito pela ora recorrente como por terceiro a quem os lotes fossem transmitidos, nas edificações a neles implantar e no respectivo destino a dar-lhes, não podendo constituir o sentido pretendido pela ora recorrente, de revelar o seu propósito de não vender esses lotes de terreno mas sim de ela própria neles os afectar a tal fim turístico, ou pelo menos inequívoco, na falta de qualquer outra prova, pelo que também tal matéria não é de fazer constar no probatório da mesma sentença por não se encontrar provada.

E quanto à matéria da sua alínea d) – o fim que levou à venda de tais lotes de terreno – também o texto do referido alvará de loteamento não vai no sentido pretendido pela mesma ora recorrente para fazer face ao projecto de empreendimento turístico – que tenha sido obrigada a vender tais lotes de terreno – restando a factualidade da referida acta onde tal venda foi aprovada e que, como acima se referiu, deve ser junta aos autos, cuja factualidade constará da alínea Q) com a seguinte redacção, que se adita ao probatório, eliminando-se correspondentemente, como matéria não provada, a constante da alínea P), do mesmo probatório.

Q) Por proposta de dois sócios, foi deliberado aprovar por unanimidade, em assembleia da ora recorrente, realizada em 5-1-1988, além do mais, a comercialização de lotes residenciais relativos ao alvará de loteamento referido em I) deste probatório – cfr. informação de fls 328 e segs e doc. de fls 494 a 498 dos autos.


Assim, procede, mas apenas nesta parte, o invocado errado julgamento da matéria de facto.


4.2. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a venda dos lotes de terreno para construção urbana, após a sua urbanização a que anteriormente procedeu, integra um actividade objectivamente comercial e por causa dela, visando o lucro, ainda que os mesmos lotes fizessem parte do seu activo imobilizado, pelo que os ganhos daí resultantes se subsumem a rendimentos comerciais tributáveis em IRC que não em mais-valias, pelo que a AT ao também assim entender e efectuar a liquidação adicional praticou um acto que não padece das apontadas ilegalidades, citando, a propósito, um acórdão do TCAN que no mesmo sentido decidiu (ainda que a propósito de IRS).

Para a recorrente, de acordo com a matéria das restantes conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta (e outra) fundamentação que se vem a insurgir, continuando a pretender que os proventos obtidos por tais vendas não sejam de qualificar como de rendimentos comerciais sujeitos a IRC mas sim sujeitos a mais-valias, por a intencionalidade subjacente à aquisição dos referidos terrenos nunca ter sido a revenda com lucro, mas sim a de continuação do prosseguimento do seu escopo social servindo tal revenda como meio de obtenção de receitas para financiamento do seu projecto turístico a neles implantar, existindo por outro lado uma dúvida acerca do facto tributário que levaria a que tal liquidação não devesse ter lugar, e efectuada como foi, a que a mesma seja anulada, fazendo ainda referência a um ausência de prova testemunhal produzida – cfr. matéria da sua alínea xx) – quando nenhuma desta natureza foi arrolada, quer na petição inicial de impugnação, quer posteriormente, designadamente pela ora recorrente, afirmação que assim surge deslocada da factualidade constante nestes autos.

Vejamos então.
Desde logo convém lembrar que a capacidade de exercício das pessoas colectivas em geral e das sociedades em particular, se encontra limitado ao princípio da especialidade dos direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins – art.º 160.º do Código Civil e 6.º do CSC - e que nas sociedades comerciais este não pode consistir na mera fruição de bens mas sim na obtenção de lucro – cfr. art.º 980.º do mesmo Código Civil – e que a venda, nos termos do disposto nos art.ºs 2.º e 463.º do Código Comercial, constitui um acto de comércio objectivo, quando para tal fim tenham sido destinadas, como no caso aconteceu, a partir do momento em que os sócios aprovaram por unanimidade a deliberação de proceder à venda desses lotes que haviam obtido a partir de um prédio rústico, independentemente do fim que lhes estivesse subjacente, e que no seu seguimento, em 1989, e nos dois exercícios seguintes (pelo menos), procederam a tais vendas desses lotes, pelo que estas vendas não podem deixar de se subsumir e de se enquadrar no escopo social da mesma ora recorrente de alienação de bens imobiliários como consta na matéria das alíneas F) e L) do probatório fixado na sentença recorrida, pelo que os correspondentes proventos obtidos nessas alienações não podem deixar de ser enquadrados no escopo da sua actividade comercial, como tal sujeitos a IRC nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 3.º do CIRC, como bem se fundamenta na mesma sentença.

E não podem ser subsumidos ao conceito de mais-valias previsto nos art.ºs 10.º do CIRS e 42.º do mesmo CIRC, como pretende a ora recorrente, por a partir de tal deliberação da assembleia que por unanimidade aprovou a venda dos mesmos, embora formalmente, os mesmos ainda continuassem inscritos no activo imobilizado da mesma empresa, a sua verdadeira contabilização já não era esta, já não se encontravam destinados a tal fim de reserva da empresa (sendo por isso a mesma, já indevida), por já se destinarem a ser alienados que não como bens que a tal fim se não destinavam, pelo que em obediência ao princípio do realismo económico que preside ao direito tributário se deve atender à sua substância económica – cfr. art.º 11.º, n.º3 da LGT – e que era a de venda desses lotes de terreno, certamente com o fito da obtenção de um lucro, como é típico do escopo social das sociedades comerciais, independentemente do fim directo a que o mesmo fosse destinado, o qual já não faz parte dos requisitos da venda mercantil.

É que os ganhos sujeitos a mais-valias apenas incidem sobre aqueles que sejam inesperados ou fortuitos, independentes da acção da vontade do seu titular, que não os ganhos resultantes de um actividade empresarial e enquadrada no escopo social de uma empresa como acontecia com a ora recorrente(2).

Como se fundamenta no acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 26-10-1993, no processo n.º 61.604, então em sede de contribuição industrial, com aplicação hoje em sede de IRC, desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de um actividade económica (mesmo que expressa em um só acto) e desde que esse acréscimo não esteja abrangido pela incidência do imposto profissional ou do imposto sobre a indústria agrícola, cairá ele debaixo da tributação em contribuição industrial (cfr. Rogério Fernandes Ferreira, o Lucro, in Estudos, Vol. II, comemoração do XX do Centro de Estudos Fiscais, pág. 778).

E na mesma senda vai a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, designadamente do STA, como bem se pronuncia a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, como no acórdão do STA de 30-4-2003, proferido no recurso n.º 232/03, em que a retirada do bem do activo imobilizado (formal ou substancialmente), como reserva, implica que o mesmo passe a fazer parte do seu activo permutável e enquadrado no seu objecto social, como era o caso, de se enquadrar no âmbito do exercício da sua actividade de natureza comercial, pelo que tais proventos não podem deixar de constituir o lucro da mesma e tributável em IRC, nos termos do disposto nos art.ºs 3.º, n.º1, alínea a) e 17.º do CIRC, como bem se entendeu e decidiu na sentença recorrida, que assim não pode deixar de ser confirmada.

Também o facto de em sentença proferida pelo mesmo Tribunal ora recorrido, a ora recorrente ter obtido ganho de causa quanto ao IRC dos exercícios seguintes (1990 e 1991), proveniente de factos análogos desses mesmos exercícios, como a mesma invoca na matéria das suas conclusões v) e segs, em nada vincula este Tribunal, desde logo por inexistir caso julgado, tendo em conta a diversa causa de pedir e pedido, no que a tais exercícios diz respeito – cfr. art.ºs 497.º e 498.º do CPC – (que a mesma nem como tal invoca), já que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei – cfr. art.º 203.º da CRP – norma que encontra repetição na norma do art.º 2.º do actual ETAF, no que à ordem dos tribunais administrativos e fiscais diz respeito, em que este tribunal se enquadra, quando para mais nem se prova que tal decisão tenha transitado em julgado ou que tenha sido revogada por eventual recurso dela interposto, o que a recorrente parece mal entender, tendo em conta a extensão da matéria das suas conclusões, designadamente da vertida na conclusão ix), quando o que se encontra em causa é apenas esse ajuizar do julgador de acordo com a lei e da sua consciência, das quais podem, naturalmente, ser proferidas decisões diversas sobre idêntica matéria factual, o que aliás nem é inédito para os tribunais de grau hierárquico inferior, já que mesmo para os de grau hierárquico superior também pode acontecer, como desde logo o legislador não deixou de prever, ao criar os recursos por oposição de acórdãos – cfr. art.º 280.º, n.º2 do CPPT – ainda que não seja desejável, já que estes por isso tendem, justamente, além do mais, a proceder à uniformização da jurisprudência.

Também não é caso de aplicação da norma do art.º 100.º, n.º1 do CPPT – dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário – já que da fundamentação supra, dúvidas não restam no espírito do julgador, de acordo com a factualidade provada e a lei aplicável, que tais proventos não podem deixar de ser qualificados como rendimentos obtidos no exercício da sua actividade comercial de venda de imóveis e como tal subsumidos no conceito de lucros, sujeitos a tributação em IRC, que não em mais-valias.


Improcedem assim parcialmente as conclusões do recurso, nos termos supra, sendo de negar provimento ao recurso e de confirmar a sentença recorrida que o mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, ordenar o desentranhamento dos autos do documento de fls 473 a 493 e 499 e em admitir a junção do documento de fls 494 a 498 e de negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas do recurso pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em nove UCs (art.º 10.º do RCPT) e fixa-se em uma UC a taxa de justiça quanto aos documentos em causa, desentranhados e junto.


Lisboa, 07/04/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO



1- Contrariamente ao invocado pela ora recorrente, as normas processuais aplicáveis no presente recurso são, todas elas, na redacção anterior à actual, introduzida pelo Dec-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, já que a novel redacção apenas é aplicável aos processos iniciados após 1-1-2208, o que não é o caso dos presentes.
2- Cfr. em sentido semelhante o acórdão do TCAN de 1-7-2004, no recurso n.º 19/04.